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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

INSERÇÃO DO PRESBITERIANISMO NO BRASIL (3)


O Trabalho Desenvolvido por Ashbel Green Simonton e Seus Companheiros

Como vimos no artigo anterior, quando Ashbel Green Simonton desembarcou no porto do Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1859, encontrou um Brasil aparentemente receptivo à mensagem evangélica protestante. No entanto, ele e seus companheiros trouxeram consigo o conceito teológico do Pacto e o modelo eclesiástico denominacional, impregnados de uma teologia “marcantemente individualista, com forte ênfase na experiência subjetiva de conversão e na santificação, entendida como um radical distanciamento do mundo e dos assuntos a ele relacionados” (BONINO, 2003, p. 41).

Essa herança teológica explica sua postura refratária a movimentos ecumênicos, inclusive com outros protestantes, sua postura contrária ao catolicismo romano e sua total aversão a qualquer outra expressão religiosa. Soma-se a isso sua deliberada equidistância das questões políticas brasileiras, o que se cristalizou como uma marca histórica do presbiterianismo nacional, culminando em empobrecimento e até certo ponto indiferença (que perdura) com as questões sociais, políticas e econômicas.

Mesmo em seu método missionário, Simonton demonstrou rigidez. Ignorou quase completamente o trabalho prévio do Rev. James Cooley Fletcher (1823–1901), que havia atuado no Brasil promovendo uma evangelização com forte engajamento social e político, em contraste com o evangelismo descontextualizado de Simonton (VIEIRA, 1980, cap. 3 e 4). Fletcher visava uma transformação estrutural da sociedade brasileira, enquanto Simonton e seus pares limitaram-se à implantação de um protestantismo de missão, confessional e institucionalizado.

Apesar disso, Simonton realizou um trabalho intenso, como se previsse a brevidade de sua vida — morreu aos 34 anos. Em apenas oito anos e quatro meses, deixou um legado decisivo para a formação da Igreja Presbiteriana do Brasil (FERREIRA, 1992). Iniciou seu ministério no Rio de Janeiro como capelão entre anglófonos, assistindo uma Escola Dominical iniciada por Fletcher em 1855. Com o apoio de seu cunhado Alexander L. Blackford, percorreu a província de São Paulo entre 1860 e 1861, visitando colônias anglo-saxãs e alemãs, distribuindo Bíblias e literatura evangélica (LESSA, 1938).

Em maio de 1861, começou a pregar em português. Em 12 de janeiro de 1862, realizou os primeiros batismos, fundando oficialmente a primeira Igreja Presbiteriana do Brasil. Em seu diário, registrou: “Assim, organizamo-nos Igrejas de Jesus Cristo no Brasil. [...] Graças a Deus nossa débil fé foi confirmada ao vermos que não pregamos o evangelho em vão” (RIZZO, 1962, p. 82).

A Ata de 15 de maio de 1863 formalizou a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro para fins legais, conforme relatado por Simonton em 1866: “para formular e assinar certidões declarativas de serem Alexander L. Blackford, A.G. Simonton, e F. J. Schneider pastores da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro” (RIBEIRO, 1940, p. 13-14; apud CLARK, 2005, p. 101).

Com Schneider e George W. Chamberlain, Simonton fundou o jornal Imprensa Evangélica (1864), o primeiro Presbitério (1865), o Seminário Primitivo (1867) e uma escola paroquial — instrumentos fundamentais da estratégia missionária norte-americana (SOARES, 2009). Sua maior realização foi a ordenação de José Manoel da Conceição, primeiro pastor presbiteriano brasileiro (FERREIRA, 1992).

Após a morte de sua esposa Helen Murdoch em 1864, Simonton faleceu de febre amarela em 1867. Seu corpo foi sepultado no Cemitério dos Protestantes, ao lado da esposa (SOARES, 2009, p. 187). Mesmo adversários reconheceram seu valor: o jornal católico O Apóstolo lamentou sua morte, referindo-se a ele como “ilustre adversário” (FERREIRA, 1992, v. 1, p. 89).



Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas

BONINO, José Míguez. Rosto do protestantismo latino-americano. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2003.

CLARK, Jorge Uilson. Presbiterianismo do Sul em Campinas: primórdio da educação liberal. 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000351752&opt=4. Acesso em: 21 maio 2013.

FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil. 2. ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992. 2 v.

LESSA, Vicente Themudo. Annaes da Primeira Egreja Presbyteriana de São Paulo: subsídios para a história do presbiterianismo brasileiro. São Paulo: Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, 1938.

RIBEIRO, Domingos. História da Igreja Presbiteriana do Brasil. São Paulo: Apollo, 1940.

RIZZO, Maria Amélia. Simonton – inspirações de uma existência. São Paulo: Editora Rizzo, 1962.

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[1] Para que os atos civis dos Missionários e pastores pudessem ter valor legal era preciso fazer o registro deles na Secretaria do Império, conforme Artigo nº 52, do Decreto nº3069 de 17 de abril de 1863 do Governo Brasileiro.
[2] Ferreira registra este ato constitutivo: “Nós, Ashel G. Simonton, do Presbitério de Charlisle; Alexandre L. Blackford, do Presbitério de Washington; e Francisco J. C. Schineider, do Presbitério de Ohio, querendo melhor promover a glória e o reino de nosso Senhor Jesus Cristo no Império do Brasil, julgamos útil e conveniente exercer o direito que nos confere a Constituição de nossa Igreja, constituindo um Presbitério sob o governo e direção da Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América do Norte. Portanto, de conformidade com a referida Igreja, de fato nos constituímos em um Presbitério que será chamado pelo título de Presbitério do Rio de Janeiro, o qual deverá estar anexo ao Sínodo de Baltimore. (1992, v. 1, 2ª ed., p.59)
[3] Após a formação do primeiro Presbitério (1865) o passo seguinte era criar o primeiro Seminário Presbiteriano para formação de pastores nacionais que haveriam de substituir os missionários que voltassem para seu país de origem. Este Seminário vai surgir e funcionar inicialmente no Rio de Janeiro, no Campo de Sant’ana, nº 49, e será chamado carinhosamente de “Seminário Primitivo e Simonton registra em seu diário: “Aluguei uma casa com sala ampla, boa para pregações; outra para imprensa e alojamento para os nossos estudantes e para as famílias de dois impressores. Tudo por 150 mil réis por mês. É muito razoável. Pelo menos trinta pessoas a mais poderão estar assentadas. Tal mudança se faz necessária pelo aumento animador dos auditórios. Quando tivermos de mudar outra vez, espero que seja para lugar definitivo. (SIMONTON, 1867, In: RIZZO, 1962, p. 163). Clark trata em detalhes o funcionamento deste primeiro Seminário Presbiteriano (2005, p. 113-117).
[4] O binômio “evangelizar e educar” caracteriza a estratégia missionária dos protestantes que se instalaram no Brasil durante o século XIX. Em relação às escolas havia três tipos conforme Mesquida: as escolas paroquiais; as escolas dominicais; e os colégios. As primeiras alcançavam os grupos médios e periféricos da sociedade; as segundas dedicavam-se à instrução religiosa nas igrejas; os terceiros alcançavam as elites (1994, p. 138-139). A primeira ação de Simonton foi formar a escola dominical e em seguida iniciou uma escola paroquial. O colégio veio posteriormente com um de seus colaboradores, o Rev. Chamberlain e sua esposa Mary Ann, em São Paulo. O comentário de Clark sobre a repercussão desta pioneira escola paroquial de Simonton é interessante: “Simonton, ao criar sua escola, não tinha ideia de que a mesma atrairia a atenção de tantos brasileiros católicos. Embora a escola tivesse fins religiosos e dogmas diferentes do catolicismo, muitos pais solicitaram a permissão para que seus filhos pudessem frequenta-la e ali receber instrução” (CLARK, 2005,p.98).
[5] Lessa registra este momento ímpar do presbiterianismo brasileiro: “Em 16 de dezembro de 1865 constitui-se, em S. Paulo, o Presbyterio do Rio de Janeiro, do qual faziam parte os reverendos Simonton, Blackford e Schneider. No dia seguinte, 17 de dezembro, o antigo vigario era solennemente ordenado pela imposição das mãos do Presbyterio organizado na vespera.. Estava realizada a grande aspiração do reverendo Conceição, que foi contado como primícias do ministerio evangelico nacional. (1938, p.28 – grafia da época). 


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