Translate

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Calvino Singularidades: Testemunho Pessoal



Ao longo de sua vida Calvin escreveu pouco sobre si mesmo. Ao contrário de outros líderes que compartilharam suas experiências pessoais o reformador genebrês foi econômico no que tange às suas questões pessoais. Mas o pouco que ele compartilhou é de valor significativo. No entanto, ao elaborar o prefácio de seus comentários sobre os salmos, escritos já no último quarto de sua vida, o reformador genebrino abre o coração e nos permite um pequeno deslumbre de sua origem e vocação e lutas pessoais, dificilmente encontrados em qualquer outra parte de seus escritos.
O fato desse compartilhamento da intimidade pessoal acontecer no contexto dos salmos é significativo uma vez que ele os denomina de “uma anatomia de todas as partes da alma”, de maneira que se sente livre para expressar suas emoções. Ele se idêntica pessoalmente com Davi, pois entende que as lutas do salmista rei são semelhantes às suas lutas pastorais e líder da igreja e fez dos salmos seu modelo de orações.
Outra correlação é que Calvino nesse momento histórico (1557) está passando por grandes pressões e apreensões em seu ministério, consequência de suas edições ampliadas das Institutas cujos temas despertavam certo grau de descontentamento por parte de outras lideranças reformadas e total rejeição por parte de seus adversários.
Pois, embora eu siga Davi a uma grande distância, não chego a igualá-lo; ou melhor, embora, ao aspirar lentamente e com grande dificuldade, alcançar as muitas virtudes em que se destacou, ainda sinto-me manchado pelos vícios contrários; no entanto, se tenho algo em comum com ele, não hesito em me comparar com ele. Ao ler os exemplos de sua fé, paciência, fervor, zelo e integridade, ele (como deveria) extraiu de mim gemidos e suspiros desnutridos que estou tão longe de me aproximar; mas não obstante, tornou-se muito vantajoso contemplar nele como um espelho tanto o início de minha vocação quanto o curso contínuo de minha função; para que eu saiba com mais certeza que tudo o que aquele rei e profeta mais ilustre sofreu foi exibido para mim por Deus como um exemplo de imitação. Minha condição, sem dúvida, é muito inferior à dele, e é desnecessário demostrar isso. Mas como ele foi retirado do aprisco e elevado à categoria de autoridade suprema; então Deus, tendo me tirado de minha condição originalmente obscura e humilde, me considerou digno de ser investido no ofício honroso de um pregador e ministro do evangelho.
Quando eu ainda era criança, meu pai [Gérard Cau-vin] havia me destinado para o estudo da teologia. Mas depois, quando considerou que a profissão de advogado geralmente elevava aqueles que a seguiam à riqueza, essa perspectiva o levou a mudar de propósito de repente. Assim, aconteceu que fui retirado do estudo da filosofia e colocado no estudo do direito. A essa busca, esforcei-me fielmente em me aplicar, em obediência à vontade de meu pai; mas Deus, pela orientação secreta de Sua providência, finalmente deu uma direção diferente ao meu curso. E, primeiro, como eu era muito obstinadamente devotado às superstições do papado para ser facilmente libertado de um abismo tão profundo de lama, Deus, por uma súbita conversão, subjugou e trouxe a um ambiente de ensino minha mente, que estava mais endurecida em assuntos do que poderia ser esperados de mim em meu período inicial de vida. Tendo assim recebido algum gosto e conhecimento da verdadeira piedade, fiquei imediatamente inflamado com um desejo tão intenso de progredir nela, que, embora não tenha deixado de lado outros estudos, ainda os perseguia com menos entusiasmo[1]. (Genebra, 22 de julho de 1557). 
Neste recorte do Prefácio encontramos Calvino compartilhando um pouco de si mesmo. Percebe-se certa timidez e retração, mas também determinação e entusiasmo em alcançar seus objetivos, fossem os determinados pelo pai e educadores ou aqueles por ele mesmo proposto. De forma suscita é possível enumerarmos alguns pontos peculiares de seu caráter:
Ministério Pastoral: ele entendia que sua função ministerial constituía seu maior privilégio e a função de teólogo era subordinativa. Ele pessoalmente não se referia como teólogo e até mesmo via o termo “teologia” como instrumento de especulação comercial (não mudou muito desde então). Amou e foi fiel à vocação pastoral até o último suspiro (Calvino Singularidades:Pregando Até o Fim). Sua grande motivação vinha do exercício da “religião verdadeira” e não da “teologia”. Ainda que tenha sido uma das mentes mais brilhantes da teologia reformada, ele não se deixou encantar pelo “intelectualismo teológico” que ilude um grande numero de ontem e dos dias atuais.
Sua Conversão: ele deixa transparecer que sua conversão o marcou profundamente e tornou-se a bússola a indicar a direção a ser seguida por ele. Não fora algo que ele buscou, mas um ato da “providência secreta” de Deus, que mudou radicalmente seus planos imediatos e futuros. Entedia que suas atividades pastorais e teológicas se constituíam em instrumentos nas mãos de Deus para a realização de Seus propósitos eternos e que ele não podia nem resistir ou menosprezar tão grandes privilégios concedidos a ele para edificação da Igreja de Cristo. Sentia-se permanentemente devedor à providência que o resgatou do lamaçal do pecado e o fez digno de conduzir o rebanho de Deus.
Sua Adesão à Reforma: A mesma Providência que o converteu também lhe abriu a mente para perceber os excessos da igreja católica de seus dias e que o impulsionou continua e persistentemente a buscar o “conhecimento da verdadeira piedade”. Sua inserção no movimento protestante não se deu por questões políticas ou estratégicas, mas porque compreendia que no movimento protestante estavam as sementes germinadoras da fé sem mácula emanada das Escrituras, na linguagem dele “a genuína piedade”. Ele tinha plena consciência que o movimento da reforma tinha suas limitações e seus excessos e deturpações, que ele enumerou e fez as devidas e necessárias criticas e repúdios. Mas sempre interpretou a Reforma como o meio pelo qual Deus resgatou Sua Igreja e Sua Palavra do lamaçal em que os detentores do poder eclesiásticos os haviam lançado e mantido ao longo dos séculos. Todavia, teve a sensibilidade e discernimento de aproveitar tudo que havia de bom e rejeitar o que não se ajustava ao estudo sincero das Escrituras (Sua Relação com os Pais daIgreja).

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante

Artigos Relacionados
Calvino Singularidades: O Motivo Primário Para Escrever as Institutas
Calvino Singularidades: Pregando Até o Fim
Calvino e Sua Relação com os Pais da Igreja
Personagens do Protestantismo – Calvino
Protestantismo: Os Quatro João (John) da Reforma
VERBETE – Pais Apostólicos


[1] A Selection from the PREFACE TO THE COMMENTARY ON PSALMS, 1557. TRANSLATED FROM THE ORIGINAL LATIN, AND COLLATED WITH THE AUTHOR'S FRENCH VERSION by the Rev. James Anderson - http://www.ccel.org (em português - tradução eletrônica livre).

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Verbete: Adventismo


No sentido amplo do termo é crença na iminente Segunda Vinda e/ou Advento de Jesus Cristo, como conclusão apoteótica da História humana. Mas em um sentido restrito tornou-se a alcunha do movimento que se originou nos ensinamentos de William Miller (1782-1849), de origem Batista, mas que acabou por o Deísmo. Posteriormente retornou às origens Batista como um ministro leigo, substituindo o pastor que se encontrava adoentado. A partir de seu estudo autodidata da bíblia, estudou avidamente as profecias bíblicas e identificou uma serie de textos bíblicos que podiam oferecer um paralelo com as datas contemporâneas (ex.: Jó 10.5; Sl 90.3; 2Pe 3.8) e vivenciando um período profícuo de junção das profecias bíblicas com o fascínio dos estudos matemáticos ele elaborou uma equação que definia o tempo exato da volta de Jesus - entre 1843 e abril de 1844. Mas somente a partir da década de 1830, incentivado pela esposa, começou a pregar suas pesquisas. Em um período aproximado de 13 anos onde percorreu as grandes cidades do país o movimento Milleritas reuniu um numero expressivo de 200 pastores e em torno de 100 mil pessoas para aguardar o retorno de Cristo. Mas para sua grande decepção todo seu esforço provou ser um terrível equivoco. Ele publicamente pediu desculpas e se afastou do ministério. O fracasso de suas previsões ficou conhecido como o - Grande Desapontamento - todavia o movimento iniciado por ele criou vida própria e se desenvolveu através de novos grupos que adaptaram suas perspectivas escatológicas sendo as mais conhecidas a Igreja Adventista do Sétimo Dia, as Testemunhas de Jeová e a Igreja de Deus, que se espalharam por todo o mundo.
Os milleritas (os seguidores dos ensinamentos de William Miller) se reagruparam em varias organizações distintas. Alguns ainda procuraram estabelecer novas datas para o retorno de Cristo, mas outros entenderam que apesar de ser eminente esse retorno ele não poderia ser previsto com exatidão cronológica.
O grupo de maior expressão – Igreja Adventista do Sétimo Dia – surgiu dezenove anos depois do – Grande Desapontamento – imbuídos da crença que eles eram a Igreja Remanescente do Tempo do Fim. O conceito de povo Escolhido foi muito importante para criar e manter a unidade após o período de divisões e conferir uma identidade denominacional. Ensinavam que Miller estava correto, mas que se tratava do inicio da purificação do Santuário Celestial (cf. descrito em Hebreus 9) e do período do Juízo Investigativo Estes dois conceitos tornaram-se a espinha dorsal dos Adventistas do Sétimo Dia.
James e Ellen G. White (de origem metodista), fundadores da igreja (1850-1860), adotou os preceitos do sabatismo e que dentro desse processo de purificação e restauração deveria se resgatar a pratica do sábado como dia de adoração (e não o domingo), bem como uma serie de observâncias do sistema religioso judaico, prescritos no Primeiro Testamento. As doutrinas distintivas desse movimento estavam definidas desde 1863 sob a liderança tripartite de Ellen e James White e Joseph Bates: o juízo investigativo (iniciado por Jesus Cristo em 1844 que será encerrado um pouco antes da volta de Cristo à Terra), o milênio (um período em que a Terra fica desolada), o sábado (como sinal da adoração verdadeira a Deus), o estado de inconsciência dos mortos e Ellen White (como profetiza da Igreja Remanescente, o Espírito de Profecia).
Após mais um fracasso em estabelecer uma data (1874) para o retorno de Cristo, o jovem estudante da bíblia em Pittsburgh, Charles Taze Russel, reinterpretou o ensino de Ellen G. White, de maneira que o ano de 1874 era de fato o tempo de Cristo, mas segundo ele o termo “parousia” (no grego “retorno”), também significava presença. Desta forma, segundo ele, Cristo tornou-se invisivelmente presente para a colheita final dos crentes; ele apareceria uma geração depois, por volta de 1914 e desta forma o milênio em que Cristo reinaria na Terra estava nascendo. O movimento liderado por Russel sofreu profundas mudanças após sua morte, emergindo como Testemunhas de Jeová nos anos 1930. Esse novo segmento distinguiu-se ainda mais do resto da comunidade protestante por suas duras críticas a outras igrejas, seu negação da Trindade e do inferno somados à seu proselitismo acentuado dos membros das demais denominações evangélicas.
Todavia muitos discordaram da questão da purificação do santuário celestial proposto por Russel, mas mantiveram os ensinos de White sobre o sábado e adoção das praticas judaicas bíblicas, de maneira que o movimento adventista se fragmentou ainda mais. Um desses novos grupos denominou-se Movimento do Nome Sagrado, liderados por Clarence Orvil Dodd (1930), que defendia o retorno às raízes hebraicas na vivência, crença e adoração. Sua ênfase estava no fato de que se deveria utilizar apenas o nome sagrado Yahweh (hebraico: יַהְוֶה), e transladado para o português como Jeová, e o nome hebraico de Jesus transladado como Yahshua. As Testemunhas de Jeová adotaram o nome Jeová como sendo o único nome sagrado de Deus. Ambos os grupos rejeitam a Páscoa e o Natal como expressões pagãs e observam os dias sagrados de Levítico 23, como a Páscoa e a Festa das Semanas e são movimentos não trinitários, pois afirmam que a doutrina da Trindade é antibíblica.
A partir da década de 1930, surge o grupo sabatista Igreja de Deus liderado pelo radialista Herbert W. Armstrong (1892-1986) como sua Igreja Rádio de Deus. Após a Segunda Guerra Mundial, Armstrong mudou-se para Pasadena, Califórnia, e mudou o nome para Igreja Mundial de Deus, usando rádio e depois televisão. Como parte integrante de seus ensinamentos, adotou o chamado israelismo britânico, cuja ideia central é de que as lendárias tribos perdidas de Israel deveriam ser identificadas com os povos modernos anglo-saxões. A igreja também desenvolveu uma versão modera dos antigos festivais hebraicos, praticou um sistema de dízimo e se separou das outras igrejas cristãs. Após a morte de Armstrong, seu sucessor, Joseph Tkach Sr., e seu filho, Joseph Tkach Jr., lideraram uma reforma na igreja e abandonaram todas as ideias distintas de Arnistrong, do sabatismo à teoria britânica de Israel, e a moldaram dentro do evangelicalismo ortodoxo. A maioria dos membros da igreja desertou e formaram outros grupos que continuaram os ensinamentos de Armstrong.
O movimento Adventista do Sétimo chegou ao Brasil em através das colônias alemãs estabelecidas no sul do país, visto que na fase inicial da expansão mundial o país mais receptivo à pregação adventista do sétimo dia foi a Alemanha e entre 1824 e 1947 estima-se que cerca de 250 mil alemães entraram no país. Foi no Estado de Santa Catarina que colportores (vendedores de literatura religiosa) adventistas encontraram muitas pessoas que eram sabatistas, mas que não faziam parte de nenhuma denominação especifica e nem eram batizados. Mas somente em 1895 o pastor adventista, responsável pelo Cone Sul J. H. Westphal realizou os primeiros batismos e estabeleceu as primeiras comunidades adventistas no país. Desta forma, ainda que a Igreja Adventista do Sétimo Dia não tenha sido trazida pelos imigrantes, esteve intimamente ligada à imigração alemã que ocorria em direção ao país. É o Brasil que atualmente apresenta a maior membresia em números absolutos deste movimento mundial, que se encontra estabelecido em mais de 200 países.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante

Artigos Relacionados
VERBETE - Protestante
VERBETE – Puritanismo
VERBETE – Protestantismo
VERBETE – Denominacionalismo
VERBETE – Calvinismo
VERBETE – Anglicanismo
VERBETE – Arminianismo
VERBETE – Pais Apostólicos
A Bíblia de Genebra