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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Calvino Singularidades: Pregando Até o Fim



            Calvino além de teólogo e exegeta profícuo era um pastor apaixonado pela pregação, o que fica evidenciado nas mais diversas coleções preservadas de seus sermões pregados e/ou escritos. Por anos afio Calvino subiu ao púlpito da Igreja em Genebra e ali proferia seu sermão dominical:
Calvino adorava pregar e continuou pregando quase até o fim de sua vida. Ele morreu em 27 de maio de 1564. Lemos que, perto do fim de sua vida, quando estava atormentado por enfermidades e não conseguia andar, foi carregado em uma cadeira para seu púlpito amado e familiar. Colladon, que escreveu uma biografia de Calvino em 1565, fornece um relato desses últimos dias de pregação.
... sua gota começou a diminuir um pouco, e então ele se obrigava a sair algumas vezes para se alegrar com seus amigos, mas principalmente para dar palestras e até mesmo para pregar, quando muitas vezes precisava see levado à igreja em uma cadeira ... ele continuou a fazer tudo o que exigia seu cargo público, sempre arrastando seu pobre corpo até o início de fevereiro de 1564 ... no domingo, 6 de fevereiro, [ele pregou] seu último sermão sobre a Harmonia dos Três Evangelhos. Depois disso, ele nunca mais subiu ao púlpito.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/

Referência Bibliográfica
CURRID, John D. Calvin and the Biblical Languages. Fearn, Ross-shire, UK: Christian Focus Publications, 2006, p. 28.

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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

VERBETE – Pais Apostólicos



O título “Pai [Padres] Apostólicos” faz referência àqueles escritores cristãos do final do primeiro e do segundo séculos, que de alguma forma tiveram contato direto com os apóstolos. Não há uma coleção antiga que contenha todos os escritos deles. A literatura produzida por eles cobre o período da chamada igreja primitiva e se constitui em importantes fontes de informação do período imediato à literatura canônica cristã
Tem sido motivo de debates quais escritores poderiam ser incluídos nesse bloco dos “Pais Apostólicos” [patrum apostolicorum], mas alguns são aceitos amplamente pelos estudiosos como tendo contato direto com algum dos apóstolos: Clemente de Roma (ca. 97), Inácio de Antioquia (ca. 110-117) e Policarpo de Esmirna (ca. 110-120), como atestado por Irineu (Adv. Haer., III, iii, 3, 4) e Eusébio (Hist. Eccl .III.36; v, 20). Os demais escritos desse período pós-apostólicos existentes incluem o primeiro manual de catecúmenos “Didaquê” ou “Ensinamentos dos Doze Apóstolos” (ca. 80–100), a Epístola de Barnabé (96–98), O Pastor de Hermas (ca. 150), Exposições dos Discursos do Senhor por Papias (ca. 150 ) e a Carta a Diógenes (130). Geograficamente abrangem uma área muito ampla o que revela a expansão do cristianismo: Roma (Clemente e Hermas), Esmirna (Policarpo) e Inácio), Hierápolis na Frígia (Papias) e Egito (Didaquê e Barnabé).
Seguindo o padrão dos escritores canônicos do Novo Testamento, os Pais Apostólicos escreveram epístolas ou cartas para corrigir ou consolar os cristãos ou comunidades locais. A influência de seus escritos se fez sentir mais acentuadamente no segundo século e depois foram perdendo espaço para as novas literaturas que foram sendo produzidas por novas lideranças  (Hist. Eccl. III. 16; IV.23) e alguns chegaram até mesmo sendo incluídos nas listas canônicas, como por exemplo o Codex Alexandrinus e o Codex Sinaiticus, mas no final ficaram de fora do cânon definitivo.
Essas literaturas não tinham pretensões de serem tratados teológicos ou filosóficos, mas sempre mantiveram o tom pastoral. Todavia, seu conteúdo tornam-se preciosos para tomarmos conhecimento do desenvolvimento das primeiras comunidades cristãs. Eles tornam-se importantes fontes de idoneidade dos escritos canônicos, pois neles encontram-se muitas citações das literaturas apostólicas que já circulavam pelas comunidades cristãs como regra de fé e prática.
Evidentemente que há nestes escritos temas doutrinários e/ou teológicos tais como a fórmula trinitária, a divindade e humanidade de Cristo, a obra redentora de Cristo, seu sumo ministério sacerdotal e seu sangue derramado como resgate vicário pelos nossos pecados. Outros ensinamentos inclui a vida eterna para o crente, justificação pela fé e a importância boas obras. Clemente de Roma em sua epístola dirigida aos crentes de Corinto defende que os  ensinamentos de Paulo e Tiago sobre fé e obras são complementares, rejeitando a tese de um conflito entre cristãos de origem judaica e gentias no início do cristianismo.
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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Historiologia Protestante

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Referências Bibliográficas
GEBHARDT, Oscar de, HARNACK, Adolfus and ZAHN, Theodorus. Patrum Apostolicorum Opera. Lipsiae: J.C. Hinrichs, 1877.
HALL, Christopher A. Lendo as Escrituras com os pais da igreja, 2. ed., tradução de Rubens Castilho; Meire Santos. Viçosa: Ultimato, 2007.
LIGHTFOOT, J.B. The Apostolic Fathers. 5 vols. London: Macmillan, 1893. Updated by Holmes, Michael, The Apostolic Fathers: Greek Texts and English Translations. 3d rev. ed. Grand Rapids: Baker, 2007.
LITFIN, Bryan M. Conhecendo os Pais da Igreja - uma introdução evangélica. Tradução de Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2015.

sábado, 15 de fevereiro de 2020

História da Igreja Cristã: As Mulheres no Contexto do Cristianismo Primitivo


            No desenvolvimento da Igreja Cristã é perceptível a relevância do papel exercido pelas mulheres. Elas estão presentes e ativas em todas as esferas e circunstâncias e muitas delas foram fundamentais em alguns momentos críticos dessa História. A ideia de que ficaram à margem ou foram assistentes passivas dos fatos históricos é totalmente anacrônico e destoante de uma realidade histórica genuína. Deus desde a criação as tratou de forma igualitária ao imprimir nelas a Sua imagem e semelhança s (Gn 1.28-29). Nas narrativas bíblicas do Primeiro Testamento se elas não aparecem em abundância, todavia, elas surgem em momentos decisivos, principalmente no que tange ao Projeto Salvífico estabelecido por Deus (Sara, Débora, Rute, Miriam, Ester).
            Jesus Cristo durante seu ministério terreno não apenas as elevou a uma posição acima do nível em que a tradição religiosa judaica as mantinha como as colocou em pé de igualdade com o homem, nem mais e nem menos. Elas fazem parte integrante daquele grupo de discípulos que acompanham Jesus em seu ministério itinerante por toda a Palestina judaica (Mc 15.41; Lc 8.1-3, 43-49).
Dos evangelistas sinóticos Lucas é denominado o “Evangelho no Feminino”, pois ele destaca a relevância da mulher no começo, meio e fim de sua narrativa. Elas estão na concepção e nascimento (Maria e Isabel); elas seguem a Jesus e contribuem para o sustento dele (8.1-3); na crucificação se fazem presentes (24.9-10; Mt 27.55; Jn 19.25), enquanto os homens se afastam, bem como na ressurreição tendo elas a honra de serem as primeiras a contemplarem e as primeiras a anunciarem a ressurreição de Jesus Cristo (24.1-12). Sem falar no quadro magistral de Maria assentada aos pés de Jesus, postura de discípulo, ouvindo seus ensinos, posição da qual não será tirada, mesmo com a contestação de sua irmã Marta (10.38-42) – no cristianismo a mulher não mais ficara restrita aos afazeres domésticos.  
Mas é na narrativa joanina que temos os mais extraordinários diálogos de Jesus e as mulheres: a mulher samaritana (que deixa escandalizados os discípulos – 4.5-42) e os diálogos com Marta e Maria antes de ressuscitar o irmão delas Lazaro (11.1-44). João esclarece que a primeira a ser enviada a noticiar sua ressurreição foi Maria Madalena – vai aos meus irmãos e dize-lhes que eu subo para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus – e o evangelista completa – foi Maria Madalena anunciar aos discípulos (20.17,18) – Jesus a comissionou: Vai e anuncia! Jesus dá a ela e suas companheiras autoridade para testemunhar o poder do evangelho.
Na primeira expansão do cristianismo, após o Pentecostes, conforme registrada no segundo volume de Lucas (Atos) elas se destacam e participam efetivamente dos acontecimentos marcantes: “E cada vez mais se agregavam crentes ao Senhor em grande número tanto de homens como de mulheres” (5.14). Alguns nomes femininos se destacam: Dorcas de Jope se destaca pelas ações sociais (9.36-42); Maria, mãe de João Marcos, cuja casa passou a ser ponto de referência para os cristãos Jerusalém (12.12); Lídia foi a primeira convertida na cidade de Filipos (16.14,15) em cuja casa passa a funcionar a comunidade cristã que vai se constituir em um marco pelo fato de ser a primeira comunidade na Europa e  um referencial do cristianismo para toda região da Macedônia, sendo a única igreja a manter vínculos permanentes com o apóstolo Paulo (Fp 4.15); Damaris de Atenas (17.34); as mulheres distintas e nobres de Tessalônica e Beréia (17.4,12).
Em suas correspondências Paulo não tem qualquer pudor em mencionar inúmeros nomes de mulheres e chama-las de companheiras de ministério e declarar que elas são indispensáveis no desenvolvimento da obra missionária, bem como no desenvolvimento das comunidades já estabelecidas (Priscila [Áquila][1] Rm 16.3, ela foi mentora do eloquente pregador Apolo, de origem judaica e convertido ao cristianismo, na cidade de Éfeso (At 18.24,26), deixando claro que nos primórdios não havia restrições que a mulher ensinasse aos homens; Júnias [Andrônico], líderes na comunidade cristã romana (Rm 16.7); Trifena e Trifosa, Persídes e a mãe de Rufo (Rm 16.13) que segundo ele trabalham (mesmo termo que descreve sua atividade apostólica, cf. 1 Co 15.10) no Senhor; Febe de Cencréia (Rm 16.1,2), ela exerce a função diaconal atendendo os necessitados nos quais o próprio Paulo se inclui[2]. A única reprimenda em toda a correspondência endereçada aos filipenses é para que duas mulheres, Evódia e Síntique, resolvam suas desavenças, pois segundo suas próprias palavras “juntas se esforçaram comigo no evangelho, também com Clemente e com os demais cooperadores meus, cujos nomes estão escritos no Livro da Vida” (Fp 4.2,3).
Esses parcos exemplos são suficientes para demonstrar a relevância da mulher no desenvolvimento do cristianismo neotestamentário; se destacaram e trabalharam laboriosamente pelo acolhimento e anúncio do evangelho de Jesus Cristo, testemunhando-o com suas vidas: foram discípulas e testemunhas de sua ressurreição; igualmente foram enviadas para anunciar o Evangelho; fizeram parte integrante das primeiras comunidades cristãs; cooperaram com sua sabedoria, riqueza, influência e posição social; foram valentes e ousadas em suas posturas cristãs e por esta razão martirizadas. Podemos afirmar categoricamente de que não há genuína História do Cristianismo sem a participação efetiva e preponderante das mulheres.
A Igreja e Seu Contexto Social
Evidente que havia limites culturais e históricos, mas em momento algum ficaram à margem das ações que impulsionaram o desenvolvimento do cristianismo por todo o Império Romano e por todo o Mundo. Na maioria das vezes elas exerceram autoridade (auctoritas), sem o correspondente poder (potestas) oficial,[3] o que nunca se constituiu em fator inibidor para exercerem suas atividades e funções de liderança diversas com criatividade e de forma frutífera.
Na media em que as mais diversas ciências sociais, vão ampliando e aprofundando seus estudos nos primórdios do cristianismo, mais evidente torna-se o papel das mulheres na sua expansão e estabelecimento como expressão social religiosa. Uma das ciências que mais tem contribuído para o estudo da mulher nos primeiros séculos da igreja cristã tem sido a arqueologia. Os diversos sítios arqueológicos em casas, palácios, templos e túmulos tem evidenciado que a participação da mulher era muito mais relevante do que se pudesse supor. Por exemplo, as inscrições funerárias e as estelas honoríficas revelam um protagonismo feminino surpreendente.
O cristianismo se estabelece nos centros urbanos nos primeiros séculos, onde os papeis dos homens e mulheres são menos rígidos do que nas regiões e pequenas vilas rurais. Aqui as comunidades cristãs vão formando uma rede de relações sociais, econômicas e políticas que lhe permitem se estabelecerem e interagirem com a sociedade. Principalmente nas correspondências paulinas é possível perceber que as comunidades cristãs não ficam restritas aos estratos mais vulneráveis e desfavorecidas, mas que muito cedo tem a participação de todas as camadas sociais, incluindo as mais elevadas e letradas. Dentro dessa sociedade urbana a mulher exerce papeis que extrapolam as suas funções especificas de mãe e cuidadora do lar. Muitas delas desempenhavam funções mercantis e administrativas, não apenas do lar, mas também dos negócios familiares.
Na sociedade grega, com exceção de Esparta, a mulher não possuía plena cidadania, mas as pesquisa vão revelando que elas também não ficam enclausuradas no lar. Elas são proprietárias de terras, gerenciam seus próprios bens e negócios e que vão aos tribunais quando se sentem lesadas. Algumas mulheres acumulam riquezas e tornam-se bem feitoras na sociedade[4]. Desta forma casos que eram apenas esporádicos, hoje vão se avolumando, na medida em que os sítios arqueológicos vão trazendo à tona a vivência daquelas cidades. “Foram encontradas inscrições que falam de mulheres que trabalhavam como sapateiros, carniceiros, pescadores, garçonetes, cabeleireiros... uma lista inteira que abrange a maioria dos negócios” (UBIETA, 2007, p. 29).
A sociedade romana das primeiras comunidades cristãs experimenta uma mudança profunda no papel das mulheres. Diversas leis que cerceavam os direitos das mulheres haviam sido abolidas[5] permitindo desta forma uma participação mais efetiva delas nas mais diversas esferas sociais. Com a helenização do Império Romano, as mulheres passaram a ter mais acesso à educação. Essa ascensão acadêmica acabou potencializando o papel delas como tutoras de seus filhos e filhas e consequentemente uma influência cada vez maior nos centros de poder.
Uma das esferas mais liberais para a participação feminina era a religião. Ainda que elas corressem o risco de serem envolvidas nos cerimoniais sexuais, era a esfera em que elas tinham maior mobilidade e ascensão, pois entre o trono e o templo havia um cordão umbilical. Mulheres começaram a ser cunhada em moedas correntes no Império Romano: Fulvia, esposa de Marco Aurélio e Lívia, mulher de Augusto, como representativos de figuras místicas do panteão das divindades romanas. Em pouco tempo essa prática espalha-se pelas províncias que homenageiam suas benfeitoras, como representativo virtuoso. Na esfera familiar essa ascensão religiosa da mulher torna-se significativa.
No contexto do judaísmo rabínico as mulheres tinham extremo cerceamento de suas áreas de atuação, todavia, em muitas áreas onde o judaísmo floresceu longe do poder dos rabinos as mulheres tiveram uma liberdade para expandir suas atuações sociais e religiosas. As comunidades judaicas na Ásia Menor, que estavam muito mais inseridas na cultura greco-romana, é um exemplo de maior participação da mulher no cotidiano social-religioso.
E neste mosaico social, politico e religioso se estabelece as comunidades cristãs com sua proposta igualitária onde não deve haver qualquer tipo de diferença entre nacionalidades, posição social e entre homens e mulheres. O movimento cristão primitivo tem nas mulheres e suas atuações dentro das comunidades estabelecidas o fator preponderante que alavancou sua rápida expansão. Dentro do contexto social greco-romano as mulheres cristãs usufruem de oportunidades mais amplas e compartilham de uma paridade com as atuações dos homens.
Evidente que nas páginas da História estão os registros dos retrocessos que a Igreja Cristã fará em relação aos seus primórdios. Infelizmente na mesma proporção em que a Igreja se institucionaliza, o ideário igualitário vai se desvanecendo quase ao ponto de desaparecer. Mas as diversas voltas às origens evangélicas mantiveram viva a proposta de uma comunidade onde não deve haver distinção entre homens e mulheres, onde todos são um em Cristo.
É preciso manter o esforço continuo de efetuar a inclusão da mulher de forma proporcional no mundo cristão, pois a igreja cristã tem grande débito com as mulheres, nominadas ou anônimas, que no transcorrer dos séculos foram e continuam sendo sujeitos dessa História, desde suas origens, ainda que em uma permanente relação de ambiguidade - aceitas e rejeitadas, enaltecidas e minimizadas - em sua historiografia.

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Referências Bibliográficas
BYRNE, B. Paulo e a mulher cristã. São Paulo: Paulinas, 1993.
CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento Interpretado. São Paulo: Milenium, 1997 [vol.3 e 4].
CAIRNS, E.E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova, 1995.
D’ORS, Eugenio. Derecho privado romano, Pamplona 1997; apud DOMINGO, R. El binomio auctoritas-potestas en el Derecho romano y moderno, Persona y derecho 37, 1997, p. 184.
FIORENZA, E. S. As origens cristãs a partir da mulher, uma nova hermenêutica. São Paulo: Paulinas, 1992.
LADISLAO, M. G. As mulheres na Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1995.
REIMER, Ivoni Richter. Maria, Jesus e Paulo com as mulheres: Textos, interpretações e História. São Paulo: Pia Sociedade de São Paulo - Editora Paulus, 2014.
___________________. Vida de Mulheres na Sociedade e na Igreja: uma exegese feminista de Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1995.
TEIXEIRA, José Luiz Sauer. A atuação das mulheres nas primeiras comunidades cristãs. Revista de Cultura Teológica, v. 18, n. 72 - OUT/DEZ 2010.
UBIETA, Carmen Bernabé (Ed.) Mujeres com autoridade em el cristianismo antiguo. Espanã: Asociación de Te´plogas Esanõlas (ATE) e Editorial Verbo Divino, 2007.



[1] Isso significa que Priscila e Áquila já eram cristãos quando Paulo os conheceu em Corinto. O nome de Priscila foi mencionado quatro vezes antes do nome do seu marido nas seguintes passagens: At 18.18,26; Rm 16.3; 2 Tm 4.19. “Na Antiguidade, as pessoas eram citadas de acordo com sua ordem de importância” (RICHTER REIMER,1995
[2] No caso dela especificamente chama atenção o termo utilizado pelo apóstolo para identifica-la “prostatis” (CHAMPLIN, p. 875) geralmente traduzido por ajudante ou patrona, que na época significava oficial, líder, presidente, governador ou superintendente, dando uma caracterização de que ela exercia algum tipo de autoridade (FIORENZA, E.S., p.217).
[3] Eugenio D’Ors define auctoritas como o “saber socialmente reconhecido” e potestas como “o poder socialmente reconhecido” (D’ORS, Eugenio, 1997, APUD DOMINGO, R., 1997, p. 184).
[4] Essa ação recebe o nome de “Evergetismo” um termo cunhado pelo historiador francês A. Boulanger e deriva do grego εύεργετέω que indica a prática, no mundo clássico, de presentes luxuosos para a comunidade de forma aparentemente desinteressada. 
[5] Dois exemplos: a lei das “Doce Tablas” promulgada no séc. V a. C. onde a mulher era subordinada aos homens de sua família (pai, marido, cunhado e até filho); outra lei contestada era a “Oppia”, que restringia o direito das mulheres à herança familiar.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Uma Igreja Evangélica Brasileira Autóctone: Congregação Cristã no Brasil


            Uma das características peculiares do protestantismo implantados no Brasil, a partir do final dos oitocentos e inicio dos novecentos é que eles têm suas origens em outros países, em particular dos Estados Unidos da América do Norte. O anglicanismo inglês e o luteranismo alemão aqui chegaram antes das denominações estadunidenses, mas não demonstraram nenhuma intensão de nacionalizarem suas concepções religiosas de viés protestante. Os anglicanos até detém a honra de terem construído o primeiro templo,[1] com torres, o que era proibido por lei, mas foi mais um ato de demarcação do nacionalismo inglês, do que propriamente uma ação evangelizadora.
            Por sua vez as chamadas denominações protestantes históricas, que perfazem esse primeiro movimento missionário de origem estadunidense tem como característica o fato de que eram financiados totalmente por suas matrizes no país de origem, as quais financiaram por muitos anos as atividades destes missionários no Brasil, bem como a construção dos primeiros templos de suas denominações. A dependência destes recursos financeiros externos perdurou aos menos nos cinquenta primeiros anos da implantação dos trabalhos protestantes no Brasil e de forma indireta, em forma de cooperação, por mais cinquenta anos.
            A primeira denominação de viés protestante evangélica autóctone que surgiu no Brasil, na primeira década dos novecentos, foi a Congregação Cristã do Brasil e que ainda hoje continuam atuando em todo o território nacional e nesta última década tem se expandido além do território nacional. Ela nunca esteve ligada a qualquer organização externa e nunca recebeu qualquer ajuda financeira de outras fontes que não aquelas advindas de suas próprias comunidades.
Ela surge em meio ao êxodo de imigrantes italianos que chegam ao Brasil à procura de dias melhores e que vão constituir uma forte colônia italiana na cidade de São Paulo e no interior paulista e posteriormente em diversas cidades do Paraná seguindo a trilha do café, algodão e outras agriculturas que tinham uma grande demanda de mão de obra. Famílias inteiras desembarcaram com suas heranças religiosas e o sonho de um reinício de suas histórias.
            As pesquisas acadêmicas sobre esta igreja brasileira é, mormente incluída no campo do pentecostalismo, uma forma acadêmica de desvincula-la do contexto do protestantismo histórico, que a renega, mas que se constitui um anacronismo histórico, visto que ela surge no mesmo período em que as demais denominações protestantes estão iniciando suas atividades.
Todavia, as origens e expansão, bem como as implicações do surgimento desta denominação evangélica autóctone brasileira é um tema ainda incipiente em termos de pesquisa acadêmica, mas se constitui em um veio rico para ser pacientemente explorado para que se venha ter uma compreensão mais ampla do desenvolvimento religioso protestante no país.
O campo religioso brasileiro
            Por ser um campo de pesquisa acadêmica ainda recente, efetivamente a partir da década de setenta do século XX, no que tange aos conceitos e/ou procedimentos encontramos uma pluralidade que muitas vezes dificulta a própria pesquisa a ser desenvolvida. Essa falta de uma homogeneidade de conceitos definidos na questão de agrupamentos, classificação e sistematização acabam por colocar o resultado do trabalho na dependência da área do conhecimento e ótica de cada pesquisador.
            Após as duas experiências frustradas primeiramente os franceses (1555-1560) e posteriormente os holandeses (1630-1654), o governo português proibiu toda e qualquer expressão religiosa divergente da religião oficial – o Catolicismo Romano. O Brasil ficou completamente fechado para as influências religiosas, fora do catolicismo, por praticamente trezentos anos. As raras tentativas de se quebrar essa hegemonia romana foram inibidas pela força da lei e pelas ações eclesiásticas romanas “Inquisição”. A proibição de máquinas de impressa no território brasileiro inibiu que qualquer pensamento religioso divergente pudesse ser divulgado; as alfandegas eram cuidadosamente vigiadas para que nenhuma literatura sem o selo “selo” religioso pudesse chegar às mãos da população no Brasil. E por fim, todo e qualquer estrangeiro que desembarcasse nos portos brasileiros e se dispusesse a viajar pelo território nacional eram observados atentamente e quaisquer tentativa de abordagem religiosa distinta eram imediatamente abortada e o viajante convidado a se retirar do país.
            Por quatro séculos o catolicismo romano se constituiu na única expressão de cristianismo permitida no Brasil. Essa situação começa a ser alterada no inicio dos oitocentos quando por questões políticas as leis concernentes ao comercio e à religião foram modificadas.
            Em 1808 a Corte Portuguesa foi obrigada a se deslocar para sua Colônia brasileira. Nesse deslocamento foi inserida a primeira abertura portuária no Brasil e simultaneamente a primeira abertura religiosa desde o domínio português. Os primeiros a usufruírem de ambas as aberturas foram os ingleses, então parceiros de primeira ordem do governo português.
            Apenas quatorze anos depois, 1822, temos a Independência do Brasil e a elaboração de sua primeira Constituição, onde foi estabelecida de forma especifica uma abertura ampla de liberdade religiosa. Da metade para o fim do século XIX temos um afluxo grande de expressões religiosas de cunho protestante aportando no país. Esse primeiro grande movimento, comumente denominado de protestantismo histórico, representados pelos Congregacionais, Presbiterianos, Metodistas, Batistas, Assembleianos juntamente com aquelas denominações protestantes amalgamadas com o movimento imigratório como os alemães (Luteranos) e suíços (Reformados).
            É nesse período de grande efervescência religiosa no Brasil que surge a Congregação Cristã do Brasil distintamente das demais acima mencionadas por sua característica eminentemente nacional, pois nunca esteve ligada a quaisquer outros organismos internacionais. Distinta até mesmo da Assembléia de Deus que inicia suas atividades no mesmo período histórico, ainda que, mormente classificadas no mesmo grupo de pentecostais devido suas ênfases doutrinárias nas manifestações do Espírito Santo. A Congregação Cristã inicia suas atividades em 1910, nos Estados de São Paulo e Paraná e a Assembléia de Deus tem seu marco fundante em 1911 no Estado do Pará.
            Os pesquisadores ainda mencionam dois outros grandes movimentos no campo religioso evangélico brasileiro.[2] O segundo ocorre na década de cinquenta, amalgamado com o aceleramento da industrialização e a consequente urbanização produzindo centros populacionais cada vez maiores. Ao menos três denominações evangélicas surgem vigorosamente nesse período a Igreja do Evangelho Quadrangular, em 1951, a Igreja Brasil para Cristo, em 1956, e a Igreja Deus é Amor, em 1962, que perfazem juntamente com outras o chamado “pentecostalismo clássico”.
            Um terceiro grupo denominado de neopentecostalismo inicia-se na década de setenta e solidifica-se na década seguinte, ainda na esteira do desenvolvimento urbano desenfreado desencadeado pelo êxodo rural. Seus expoentes são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), Internacional da Graça (1980), Renascer em Cristo (1986) e Sara Nossa Terra (1990). Se no segundo grupo a ênfase estava nos dons do Espírito Santo e na cura miraculosa, nesse terceiro grupo a ênfase será inicialmente na guerra espiritual (exorcismo), teologia da prosperidade e um forte investimento na mídia televisiva com técnicas empresariais e marketing, bem como um projeto politico.  
Imigração Italiana
            O inicio dos novecentos demarca o que ficou denominada de a “grande imigração”, onde mais de três milhões e meio de imigrantes desembarcaram no Brasil acentuadamente nas regiões Sudeste e Sul do país. Um característico singular e relevante para nosso estudo é que segundo alguns especialistas 60% destes imigrantes são de origem italiana. A cidade de São Paulo tornou-se um referencial urbano dos imigrantes italianos de maneira que surgem bairros inteiros onde eles predominam, visto que dominam diversas atividades industriais, artífices e comerciais. Desta forma rapidamente se inserem no tecido social industrial e comercial da cidade. E será entre as diversas colônias italianas espalhadas no Sul-Sudeste que surgira essa nova denominação evangélica – Congregação Cristã do Brasil.
As Experiências Religiosas de Louis Francescon nos Estados Unidos
A figura histórica fundante é Louis Francesco,[3] filho de Pietro Francescon e Maria Lovisa, de origem italiana, nasceu em 29 de março de 1866 em Cavasso Nuova, província de Udine, Itália,[4] mas que imigrou ainda jovem, 24 anos, para os Estados Unidos.[5] Foi morar na cidade de Chicago (março de 1890) que abrigava uma numerosa colônia italiana. Aqui começa a ouvir as pregações de Michele Nardi (1850-1914) e após um ano (1891) ele professa a fé em Jesus Cristo, deixando seu catolicismo nominal.  Aproxima-se de uma comunidade cristã de origem Valdense[6] (Railroand YMCA Hall) e juntos estabeleceram uma Igreja nos moldes Presbiterianos (First Italian Presbyterian Church) em 1892. Foi eleito um dos diáconos da nova igreja e posteriormente exerceu a função de ancião (presbítero)[7]. Em Janeiro de 1895, casou-se com Rosina Balzano,[8] também comungante da mesma Igreja Presbiteriana. Essa convivência com os presbiterianos explica seu contato inicial com a Igreja Presbiteriana do Brás, de origem italiana, quando de sua chegada à cidade de São Paulo.
Na primeira década do século XX o evangelicalismo americano experimentara um forte movimento interno conhecido como Movimento Pentecostal[9] e que rapidamente se expandira por todo o território americano e suas denominações evangélicas. Assim como ocorreu com outras experiências religiosas americanas, posteriormente esse movimento será exportado para o restante do globo terrestre[10].
Os locais e datas mais conhecidas dos primórdios deste movimento pentecostal são 1901 (Topeka, Kansas), 1906 (Los Angeles) e 1907 (Chicago), sendo este último significativo para o Brasil, pois a partir dele se iniciara o movimento pentecostal brasileiro.
            Um pastor batista William H. Durham, tendo participado das reuniões pentecostais promovidas na Azuza Street[11] (Los Angeles), adotou as linhas básicas do movimento em sua igreja na cidade de Chicago[12]. Será a partir desta igreja de Durham, localizada na W. North Avenue, 943, que surgem dois personagens Louis Francescon e Daniel Berg os quais ao virem para o Brasil haverão de iniciarem as atividades que darão origem à Congregação Cristã do Brasil e a Assembleia de Deus.
            A questão do batismo por imersão sempre foi um tema conflitante para Francescon, visto que a Igreja Presbiteriana pratica o batismo por aspersão. Enquanto realizava atividades na cidade de Elgin (1903), a 64 quilômetros encontra um membro de sua igreja que havia se submetido ao (re)batismo por imersão de Chicago na Church of Brethren. Então o convence a batizá-lo também por imersão e marca para o dia 7 de setembro, um feriado; anuncia em sua igreja e convida a todos para assistirem no Lake-front, de Chicago. Dos que se fizeram presentes 18 se (re)batizaram por imersão. Essa questão do batismo por imersão produz seu rompimento com a Igreja Presbiteriana, de onde saiu em 1903, juntamente com um pequeno grupo e passaram a se reunirem nas casas uns dos outros.
Em agosto de 1907 Francescon frequenta primeiramente sozinho e depois com seu grupo, os cultos pentecostais realizados pelo pastor de origem batista, William H. Durham, na Missão da Avenida Norte, onde recebe manifestações do Espírito Santo. O próprio Durham profetiza que Francescon deveria ser o mensageiro pentecostal para o povo italiano. Em 1907 ele estabelece a primeira igreja pentecostal ítalo-americana (Assemblea Cristiana). Empreende viagens a diversas cidades americanas (Los Angeles, Philadelphia, St. Louis) onde implanta igrejas pentecostais nas comunidades de origem italiana [13].
Antes de chegar ao Brasil Francescon e dois irmãos, Giácomo Lombardi y Lucia Menna, partiram dos Estados Unidos, Chicago (setembro de 1909) em direção à Argentina, onde havia um numero expressivo de italianos entre os quais alguns familiares de Lucia. Chegando começaram a compartilharem suas experiências religiosas e Lucia foi para Tres Arroyos, uma Provincia de Buenos Aires, onde moravam seus familiares, enquanto ele e Giácomo permaneceram na capital Argentina. Em pouco tempo havia um numero expressivo de pessoas arroladas nas atividades religiosas e os espaços ficaram pequenos (FRODSHAM, 1943, p. 53-54) e o movimento pentecostal por eles iniciado veio a se constituir na Iglesia Cristiana Pentecostal de Argentina.
A Primeira passagem de Louis Francescon em São Paulo
            Mas logo sua atenção foi atraída para a cidade de São Paulo onde abrigava o que era conhecida de “pequena Itália” pelo numero expressivo de aproximadamente um milhão e trezentas mil italianos[14]. Chegando a São Paulo, juntamente com Giácomo Lombardi, não conheciam nenhuma pessoa ou família, então em uma praça pública (Jardim da Luz) começaram a conversar com um italiano, Vicenzo Pievani, que estava de passagem, pois morava no Estado do Paraná, na pequena cidade de Santo Antônio da Platina. Ele ainda permaneceu por alguns dias em São Paulo, mas com o retorno de Giácomo Lombardi à Buenos Aires, Francescon resolveu ir à cidade Pievani e ali foi recebido com bom grado e conviveu com esta família, por dois meses, e toda a família foi batizada (imersão), a qual veio a se constituir no primeiro núcleo no Paraná do que veria a ser a Congregação Cristã do Brasil.
Mas pouco tempo depois (09 de março de 1910), deixando um pequeno grupo estruturado, Francescon retorna a São Paulo e chegando procura a Igreja Presbiteriana,[15] recém-iniciada no bairro do Brás, com forte presença italiana, situada na Rua da Alfândega e ali tendo oportunidade expõe sua mensagem bíblica pentecostal, na língua italiana. A direção da igreja presbiteriana desaprovou suas interpretações e o proibiu de expô-las na comunidade, de maneira que ele se apartou, todavia um número de pessoas de origem italiana, capitaneadas pelo senhor João Finote e sua mãe o acompanharam; logo outros membros de igrejas batista, metodista e católicos romanos, todos de origem italiana, aderiram e assim se estabelece o primeiro núcleo paulista da Congregação Cristã do Brasil.
Rapidamente o núcleo se desenvolve na mesma proporção em que sua mensagem penetra na “pequena Itália” que se espalhava por diversos bairros Brás, Luz, Barra Funda, Bom Retiro.[16] Tendo o fator linguístico como instrumental Francescon sentia-se completamente ambientado entre seus patrícios, o que certamente contribuiu para que suas atividades religiosas proliferassem e se consolidassem com tanta rapidez.
            Apesar de Francescon ter uma relação tão profunda e afetiva com os brasileiros ele não se estabeleceu no Brasil. Fez um numero expressivo de viagens de 1910 a 1948, umas mais longas (9ª Ago. 1935 – Mai. 1937 / 664 dias) e outras mais breves (1ª Mar.1910 – Set. 1910 / 184 dias), em períodos descompassados (de 05 a 125 meses). Seus períodos de ausência eram supridos por vasta correspondência entre ele e as lideranças e membros da igreja, que se constituem em um rico acervo histórico da denominação. A partir de sua última visita ao Brasil (1948) os anciães passaram a visita-lo periodicamente destacando-se ao menos dois deles: Miguel Spina[17] e João Finotti, que anotavam todas as orientações e as repassavam às lideranças no Brasil. Francescon veio a falecer em Oak Park, nos Estados Unidos, em 7 de setembro de 1964 aos 98 anos.
O Primeiro Templo
            A primeira propriedade adquirida e onde se construiu o primeiro templo foi à Rua Uruguaiana no bairro do Brás. O novo movimento ainda não tinha estabelecido uma nomenclatura, mas para efeito jurídico legal, ao adquirir uma propriedade, cunha-se o nome Congregação Cristã do Brasil.
            Seguindo o rio caudaloso dos imigrantes italianos e bairros operários a igreja rapidamente expande-se: Brás, Água Branca e Vila Prudente, Bom Retiro, Lapa, Ipiranga e São Caetano. Esse rio corria forte para o interior do Estado de São Paulo e não demorou a que novas igrejas surgissem em cidades interioranas como São João da Boa Vista, seguindo as trilhas do café, algodão e outras agriculturas.
            A partir do polo fecundo do Estado de São Paulo o movimento vai se expandido pela Região Sudeste, Rio de Janeiro e Minas Gerais e posteriormente para a Região Nordeste, Bahia. Mas é no Brás, seu marco fundante, que se estabelece uma sede nacional e que permanece assim até os dias atuais.
O Hinário e Seu Papel Histórico Cronológico
            O livro de cânticos e/ou hinos religiosos é um representativo da evolução social da CCB. Inicialmente o livro continha apenas cânticos na língua italiana cujo título era “Nuovo Libro di Inni e Salmi Spirituali, contendo ao todo 329 canções todas em italiano. Mas a partir de 1932 iniciam-se as edições bilíngues italiano/português o “Nuovo Libro di Inni e Salmi Spiriatuali e Novo Livro de Hymnos e Psalmos Espirituais”, que revela uma mudança significativa na composição de seus membros cada vez mais abrasileirados. Os cânticos eram praticamente os mesmo e que foram traduzidos para a língua portuguesa, acrescidos por algumas poucas composições novas de cunho de membros da própria CCB. A numeração ficou assim: os hinos números 01 a 329 eram em italiano e os de números 330 ao 518 eram os na língua portuguesa.
            Mas no ano de 1934, devido às políticas do governo Getúlio Vargas,[18] os hinários passaram a ser cantados somente em português e editados apenas na língua nacional, assim também as pregações ou demais atividades religiosas. Evidentemente que o aumento crescente de novos membros foi descaracterizando a prevalência italiana, ainda que alguns vestígios linguísticos permanecessem por mais tempo nos púlpitos ou mesmo nas relações social-religiosas como o cumprimento “A paz de Deus” originariamente “Pace de Dio” e a bênção dos mais velhos às crianças “que Dio te bendiga”.
Estrutura Eclesiástica Básica
            Dentre todas as denominações protestantes evangélicas a CCB possui uma das mais simples estrutura eclesiástica, com duas partes muito distintas: a espiritual (religiosa) e a secular (administrativa). Na primeira está o corpo ministerial que é composto por anciãos, cooperadores e diáconos, cuja especificação de cada função é explicitada no Estatuto no capítulo III; a segunda parte é composta por membros qualificados à administração, mas nenhuma destas funções quer seja religiosa ou administrativa são renumeradas.
            Outra característica peculiar é que a instituição é completamente apolítica e defende radicalmente a separação entre Estado e religião, não mantendo quaisquer vínculos partidários e vedando qualquer utilização do nome da CCB para fins políticos, eleitorais ou ideológicos.
Funções Ministeriais
            Somente anciães podem realizar batismos, santas ceias, ordenação de novos anciães e diáconos, bem como eleição de cooperadores do ofício ministerial. Toda responsabilidade de supervisão do ensino religioso e do bem estar espiritual da CCB são prerrogativas dos anciães. O órgão máximo do sistema eclesiástico é o “Conselho de Anciães” composto pelo conjunto de todos os anciães ordenados. Quando reunidos todos tem a mesma liberdade de expressar suas opiniões e as decisões são tomadas após um período de oração e posterior votação do tema discutido.
            Os cooperadores de ofício são habilitados para dirigirem cultos oficiais, como reuniões de jovens e crianças. Mas não podem realizar batismos ou ministrar as cerimônias de santa ceia.
            Os diáconos têm atribuições sociais ou obras pias (Obra da Piedade). São responsáveis em suprir as necessidades imediatas daqueles membros que estejam passando por carências: alimentação, vestuário, mobiliário e auxílio pecuniário. A diaconia é exercida de forma regional onde um diácono é responsável um numero especifico de igrejas em determina região geográfica. Mormente são auxiliados nessas atividades por mulheres que são previamente escolhidas e que forma o grupo de “irmãs da piedade” tendo o mínimo de duas em cada igreja. Há um cuidado com a privacidade dos que recebem auxilio procurando evitar qualquer constrangimento e somente são divulgados os dados exigidos pelas leis. Cabe aos diáconos supervisionar as coletas voluntárias, escrituração e depósitos bancários realizados pelo corpo administrativo.
            Há um ministério especifico para a Música bem como as nomeações para administradores e conselheiros. Os anciães e diáconos são ordenados nas reuniões anuais do Conselho de Anciães. Os cooperadores ministeriais são apenas apresentados e aprovados sem a ordenação.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
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[1] Em 12 de agosto de 1819 foi colocada  a pedra fundamental da construção do primeiro templo anglicano no Brasil.
[2] Paul Freston trabalha com uma classificação estratificada do pentecostalismo em três ondas: a primeira onda corresponde ao pentecostalismo clássico período de 1910 a 1950; pentecostalismo de segunda onda que compreende os períodos de 1950 a 1970; e pentecostalismo de terceira onda ou Neopentecostalismo, a partir do início da década de 1970.
[3] Por existirem diferentes grafias, Luigi, Luiz, Louis, adotaremos a versão Louis.
[4] Ele foi um operário especializado em mosaicos, técnica grandemente difundida em sua região natal, o Vêneto, famosa por seus artífices e operários especializados nessa técnica que desenvolviam elaborados trabalhos com mármore colorido tanto no chão como nas paredes.
[5] Antes, diante das imensas dificuldades na Itália, com apenas aos 15 anos foi para a Hungria em busca de trabalho, voltou para a Itália, cumpriu serviço militar e com quase 24 anos de idade emigrou para os Estados Unidos.
[6] O nome “valdense”, conforme passaram a ser cha­mados pelos outros, vem de Pedro Valdo (1140-1217), de Lyon, na França. Esse grupo sofreu perseguição no sul da França e fugiu para outras localidades. Em suas fugas, evangelizava c, ao mesmo tempo, seguia para o norte da Europa. Foi onde Pedro de Valdo converteu-se. Por sua liderança, os inimigos logo apelidaram o grupo de valdenses.
[7] Em 1903 Francescon convence Giuseppe Beretta a batizá-lo por imersão. Filippo Grilli, pastor da igreja, viaja para a Itália e incumbe Francescon de presidir a reunião de 6 de setembro de 1903, ocasião em que Francescon persuade seus ouvintes da prática do batismo por imersão. No dia seguinte, ele e mais dezoito irmãos da igreja são batizados dessa forma, em Chicago. Com o retorno de Filippo, o grupo é desligado da igreja e estabelece uma comunidade evangélica livre.
[8] Em 1890, a comunidade valdense de Favale di Malvaro, na Ligúria (Itália), imigra em massa para Chicago. No ano de 1892, 29 imigrantes valdenses foram recebidas como membros; entre elas, Rosina Balzano (1875-1953), que viria a se tornar a esposa de Louis Francescon.
[9] O termo está relacionado aos grupos religiosos cristãos que baseiam sua crença na manifestação do Espírito Santo, por meio de sinais denominados “dons do Espírito Santo”, tais como: falar em línguas (glossolalia), curas, milagres, visões, profecias, entre outros.
[10] Os precursores do movimento pentecostal moderno podem ser encontrados no movimento interno da Igreja Metodista americana que deu origem às chamadas “igrejas holiness” (santificação) 1885: Church of God (Cleveland, 1886); United Holy Church of América Inc. (1886); Fire Baptized Holiness Church (1898); Pentecostal Holiness Church (1899); Pentecostal Union (1901). Muitas delas vieram alavancar   o movimento pentecostal adotando os modelos implantados por William Seymour, em Azuza Street, a partir de 1906.
[11] As reuniões eram dirigidas por W. Seymour que originalmente pertencera à Igreja dos Nazarenos, em Los Angeles, e durante um de seus sermões afirmou que Deus tinha uma terceira bênção: além da conversão e da santificação, seria o Espírito Santo. A direção da igreja não aceitou seu ensino e diante de sua insistência o expulsou da Igreja dos Nazarenos. Como sempre ele conseguiu um pequeno grupo de admiradores e passaram a se reunirem em casas particulares e, não comportando mais o números de assistência alugaram um antigo templo da Igreja Metodista Episcopal, situado na Azuza Street 312, que veio a se constituir no protótipo pentecostal que se espalharia pelo mundo (CESAR; SHAULL, 1999, p. 20).
[12] Chicago tornou-se um centro importante para que o pentecostalismo excedesse até mesmo o movimento que ocorria em Los Angeles.
[13] Esteve também na Itália propagando suas experiências (HOLLENGER, 1972). Ele é considerado um dos fundadores das Assembleias de Deus na Itália, ao lado de Pietro Ottolini, Giuseppe Beretta e Giácomo Lombardi.
[14] De acordo com os censos populacionais os italianos chegaram a representar 79% do total de imigrantes que deram entrada no Brasil entre os anos de 1900 e 1909. Sobre o assunto ver os Censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e TRENTO, 1989.
[15] Inicialmente esta igreja tinha ligações com a Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago (EUA), da qual Francescon tinha sido recebido como membro e posteriormente fora eleito diácono e da qual havia saído quando aderiu o iniciante movimento pentecostal (ALVAREZ, 1992, p. 29).
[16] Sobre a influência dos italianos no cotidiano paulistano ler: MACHADO, A. A. Brás, Bexiga e Barra Funda. São Paulo: Klick, 1999.
[17] Sua família foi uma das primeiras a se converterem no bairro do Brás. Tornou-se um industrial bem sucedido e sempre custeou suas viagens sem qualquer custo para a igreja. Foi ordenado ancião em 1938 e presidiu o Conselho de Anciães por várias décadas, vindo a falecer em maio de 1993.
[18] Em decorrência do início da Segunda Guerra Mundial e do posicionamento do Brasil ao lado dos Aliados (França, Inglaterra e EUA), o governo de Getúlio Vargas (1937-45) proibiu a utilização de línguas estrangeiras e especificamente as dos países do chamado Eixo (Itália, Alemanha e Japão). Com isso as pregações em língua estrangeira passaram a ser proibidas e os cultos tiveram de ser celebrados obrigatoriamente em português. A igreja CCB já vinha se adaptando com a elaboração do hinário bilíngue.