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sábado, 24 de dezembro de 2016

Carta de Plínio, o Moço ao Imperador Trajano sobre os Cristãos

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Seu nome completo era Caio Plínio Cecílio Segundo (em latim: Caius Plinius Caecilius Secundus - 61 ou 62 — 114), também conhecido como Plínio, o Jovem, o Moço ou o Novo, foi um excelente orador (Panegírico de Trajano, 100), poeta, jurista, político, sendo nomeado pelo imperador Trajano, seu amigo, governador imperial na Bitínia, No norte Ásia Menor (111-112). Foi sobrinho-neto de Plínio, o Velho, que o adotou. Estava com o tio no mesmo dia da grande erupção do Vesúvio (79 d.C.), mas por alguma razão resolver não acompanhar o tio na viagem de barco até o vulcão em erupção que se revelaria mortal. Seus escritos sobre esse dia, no qual Pompeia se afogou em cinzas, são o principal documento escrito que versam a respeito de como sucedeu tal erupção, de maneira que atualmente as erupções desse tipo são chamadas de erupções plinianas.
Tornou-se bastante conhecido, sobretudo por seu epistolário, um conjunto de 368 cartas, que formam dez livros. Tornaram-se fontes primárias sobre detalhes a vida cotidiana em Roma e no campo: as palestras públicas, os literatos, a leitura e a vida social da época. Suas correspondências com o imperador Trajano nos permite conhecer como se governava o império e as províncias da época.
É dele um dos principais documentos sobre a erupção do Vesúvio, que destruiu Pompeia no ano 79 (Epistulae VI, 16), durante a qual faleceu seu tio materno e pai adotivo Plínio o Velho (23-79) (Epistulae VI, 20). A relevância para os historiadores da igreja cristã é o fato de que ele produz um dos primeiros documentos não neotestamentários sobre a igreja primitiva dos cristãos (Epistulae X, 95; 96).
Suas cartas foram escritas entre 97 e 109, numa época de paz política, sob o governo de Trajano. Organizou-as de forma que pudessem serem publicadas, de modo que cada uma aborda um único tema. Há opiniões conflitantes sobre suas qualidades literárias, mas em geral é considerado um bom literato, neoclássico, estoico, engenhoso, mas sem alcançar a primeira ordem. Embora Cícero tenha sido seu grande modelo, o estilo de suas produções literárias não alcançou a autenticidade literária e para especialistas ficou na esfera dos imitadores do grande escritor/historiador romano.
Na correspondência abaixo transcrita, Plínio trata sobre a questão religiosa calamitosa que encontrou ao chegar a Bitínia (Ponto). As religiões oficiais romanas estavam praticamente abandonadas e a nova religião dos cristãos havia se expandido por toda região (Ásia). Por esta razão, imediatamente toma providências para que esta situação mudasse, empreendendo forte coação contra praticantes da nova religião e restaurando as práticas das religiões romanas, incluindo o culto ao imperador.
Em sua carta ele destaca tanto a firmeza de muitos cristãos em não negar sobre quaisquer circunstâncias sua fé “nenhum dos quais aqueles que são realmente cristãos, é dito, pode ser forçado a fazer, e a lassidão de outros, que “sob minha pressão devotaram-se aos deuses e reverenciaram, com incenso e libações, vossa imagem (…) ao lado das estátuas dos deuses (…) e amaldiçoaram a Cristo”.
Informa que para assegurar de fato o que veria a ser esse novo movimento religioso, fez uso do método de torturas a duas mulheres cristãs chamadas de diaconisas, mas sua conclusão é de que o cristianismo não passava de uma superstição baixa e extravagante. Também descreve como era a prática religiosa dos cristãos naqueles primeiros dias: “em um dia determinado, antes da aurora, e cantavam um hino à glória do Cristo, como se fosse um deus... se reunião para uma refeição comum... um alimento comum e inofensivo” e declara que se ligavam por um juramento de não cometer crime e de se conduzir honestamente.
O imperador Trajano foi um dos mais conceituados entre os imperadores romanos. Seu governo foi marcantemente positivo e elevou o império aos seus dias de grande progresso. Foi colocado pelos romanos no mesmo patamar de Augustos e era tido como modelo de um grande governante. Decisões sobre matéria de direito penal, mandando limitar a prisão preventiva, suprimiram dos processos as denúncias anônimas e o novo julgamento para aquele que, tendo sido condenado sem estar presente, viesse a se entregar, foi um ar fresco no governo. Sua máxima era que embora se corresse o risco de inocentar um culpado, era preferível a correr o risco de condenar um inocente. Diferentemente de outros imperadores, antes e depois dele, não promoveu perseguições ostensivas contra os cristãos, por não ver neles um perigo maior para o Estado.
Em sua resposta, abaixo transcrito, apoia a atitude e ação de Plínio, em relação aos casos denunciados contra os cristãos, mas tem a preocupação de orientar seu governador a não fazer uma caçada aos cristãos e na medida do possível, diante de uma retratação, perdoa-los.
A carta de Plínio e a resposta de Trajano constituem os documentos mais antigos e importantes sobre a controvertida questão do sentido e do alcance das acusações e das perseguições contra os cristãos. A resposta de Trajano torna-se a primeira regra jurídica a ser seguida futuramente em relação à religião cristã e que apesar de suas ambiguidades, como posteriormente será enfatizado pelo advogado e apologista Tertuliano [cf. Apologia 2,20],[1] demonstra a disposição do governante em manter um equilíbrio jurídico, mas que como ocorre em qualquer lugar e época, nem sempre foi observada corretamente.
Todavia, realça o fato de que até aquele momento, posterior a Nero e o grande incêndio em Roma, o qual ele culpou os cristãos, não havia uma lei ou legislação especifica contra os cristãos, mas que estavam dentro do mesmo contexto da legislação gerais sobre as questões do Estado. Somente muito tempo depois, alguns imperadores romanos haverão de estabelecerem leis especificas contra os cristãos.  
Abaixo coloco a transcrição da carta de Plínio o moço, nomeado governador da Bitínia entre 111 e 113, enviada a Trajano, imperador de Roma entre 98 e 117 dC, solicitando instruções de como proceder perante as denúncias contra os cristãos. A epístola, escrita por volta de 111, foi extraída do “Epistolário de Plínio” 10,96. E logo em seguida a resposta de Trajano.

Senhor:
Tenho por praxe, submeter-te todos os assuntos sobre os quais tenho dúvidas, pois quem melhor poderia orientar-me em minhas incertezas ou me instruir na minha ignorância? Nunca participei de inquéritos contra os cristãos. Assim, ignoro, pois, as penalidades e instruções costumeiras, e em que medidas devem ser aplicadas penas ou investigações judiciárias. Estou diante de algumas questões, não sem perplexidade: deve-se considerar algo com relação à idade, ou a criança deve ser tratada da mesma forma que o adulto? Cabe o mesmo tratamento a enfermos e a robustos?  Deve-se perdoar o que se retrata ou, se um homem uma vez tenha sido Cristão, nada de bom faz ele para deixar de ser um? É punido simplesmente por ser um “cristão”, mesmo sem crimes, ou apenas os delitos associados ao nome devem ser punidos? Esta foi a regra que eu segui diante dos que me foram deferidos como cristãos: eu interroguei estes como se eles fossem Cristãos; aqueles que confessaram eu interroguei uma segunda e uma terceira vez, ameaçando-os com o suplicio; aqueles que persistiram eu ordenei executá-los pois eu não tinha dúvida de que, independentemente da natureza do seu credo, a teimosia e a obstinação inflexível deveriam ser punidas. Outros, possuídos da mesma loucura; mas porque eles eram cidadãos romanos, eu assinei uma ordem para que fossem colocados no rol dos que devem ser enviados a Roma. Bem cedo, como geralmente acontece em casos semelhantes, espalharam-se acusações, de modo que meu tribunal está inundado com uma grande variedade de casos, por causa dos procedimentos em curso. Recebi uma denúncia anônima, contendo grande número de nomes. Aqueles que negaram que eles foram ou haviam sido Cristãos, se invocassem os deuses segundo a fórmula que havia estabelecido, se fizessem sacrifícios com incenso e vinho para a tua imagem (que eu havia mandado trazer junto com as estátuas dos deuses) e, se, além disso, amaldiçoavam a Cristo – nenhum dos quais aqueles que são realmente Cristãos, é dito, pode ser forçado a fazer – estes achei melhor libertá-los. Outros, cujos nomes haviam sido fornecidos por um denunciante, disseram ser cristãos e depois o negaram: haviam sido e depois deixaram de serem, alguns a cerca de três anos antes, outros muitos anos, alguns tanto quanto vinte e cinco anos. Todos veneraram vossa imagem e as estátuas dos deuses, amaldiçoando a Cristo. Eles alegaram, contudo, que a soma e substância de sua falta ou erro não passava do costume de se encontrarem em um dia fixo antes do amanhecer para cantarem um hino a Cristo como a um deus; se comprometerem, por juramento, não perpetuar qualquer crime, roubos, latrocínios e adultérios, a não faltar com a palavra dada e não negar um depósito exigido na justiça. Findos estes ritos, tinham o costume de se separarem e de se reunirem novamente para uma refeição este, aliás, era um alimento comum e inofensivo, sendo que tinham renunciado a esta prática após a publicação de um edito que promulguei, segundo as tuas ordens, se proibiam as associações secretas. Então achei necessário arrancar a verdade, por meio da tortura, de duas escravas que eram chamadas diaconisas Assim, julguei necessário para descobrir qual era a verdade sob tortura de duas escravas que eram chamadas de diaconisas. Mas descobri nada mais que uma superstição irracional e sem medida. Por isso, suspendi o inquérito para recorrer ao teu conselho. O assunto pareceu-me digno de merecer tua opinião, especialmente por causa do grande número de acusados. Há uma multidão de todas as idades, de todas as condições e dos dois sexos, que estão ou estarão em perigo, pois o contágio desta superstição se espalhou não só nas cidades mas também nas vilas e fazendas, contudo creio ser possível contê-la e exterminá-la. É certamente bem claro que os templos, que estavam quase desertos, até a pouco, começam a ser novamente frequentados, e os ritos religiosos estabelecidos, que haviam sido interrompidos há muito tempo, estão sendo retomados, e que animais para o sacrifício voltam a serem vendidos e estão chegando de todos os lugares, que até então havia muitos poucos compradores. Por isso é fácil concluir que uma multidão de pessoas podem ser reformada se fosse aceito o arrependimento delas.

Trajano a Plínio
Você observou o procedimento adequado, meu querido Plínio, em peneirar os casos daqueles que haviam sido denunciados à você como Cristãos. Não cabe formular regra dura e inflexível, de aplicação universal. Eles não estão a ser procurados; se eles são denunciados e provaram sua culpa, eles devem ser punidos, com esta restrição, de que se alguém nega ser cristão e, mediante a adoração dos deuses, demonstra não o ser atualmente, ainda que esteve sob suspeita no passado, deve ser perdoado em recompensa de sua emenda. Mas acusações postas anonimamente não deveriam ter lugar em qualquer prossecução. Para isto é tanto um tipo perigoso de precedente e fora de sintonia com o espírito de nossos tempos.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica


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Referências Bibliográficas
BETTENSON, H., Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: editora ASTE, 1971.
COMBY, Jean. Para ler a história da igreja I – das origens ao século XV. Tradução Maria Stela Gonçalves. São Paulo, BR: Edições Loyola, 1993.
De Ste. Croix, G.E.M. – Por que fueron perseguidos los primeros cristianos?. In: Finley, M. I. (ed.) – Estúdios Sobre Historia Antigua. Trad. R. López. Madrid: ed. Akal, 1981 [p. 233-273].
FERNÁNDEZ, Gonzalo. Causas y consecuencias de la gran persecución. Madrid: Gerión, I. Editorial de la Universidade Complutense, 1984. Disponível em: file:///C:/Users/Windows/Downloads/15809-15885-1-PB%20(1).PDF. Acesso em 10/12/2016.
FERNÁNDEZ, Julián Gonzáles. Plinio el Joven Cartas – introducción, traducción y notas. Madrid: Editorial Gredos, 2005.
FRANGIOTTI, Roque. Cristãos, judeus e pagãos – acusações, críticas e conflitos no cristianismo antigo. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006.
FREITAS, João Victor Lanna de. “Mais feliz que Augusto, melhor que trajano” (eutrópio, breviário, VIII.5.3): a construção do ideal de optimus princeps em Tácito e Plinio, o Jovem. [Dissertação Mestre em História]. Mariana, MG: Universidade Federal de Ouro Preto – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2015. [Orientador: Prof. Dr. Fábio Faversani]. Disponível em: http://www.repositorio.ufop.br/bitstream/123456789/6434/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O_MaisFelizAugusto.pdf. Acesso em: 20/12/2016.
Simon, M. e Benoit. Judaísmo e Cristianismo Antigo: de Antíoco Epifânio a Constantino. Tradução S.M.S. Lacerda. São Paulo: Ed. Pioneira – Edusp, 1987.
SOUZA, Dominique Monge Rodrigues de. Considerações acerca da análise documental da obra epistolar de Plínio, o Jovem. Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Disponível em: http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/CD%20XX%20Encontro/PDF/Pain%E9is/Dominique%20Monge%20Rodrigues%20de%20Souza.pdf. Acesso em 17/12/2016.




[1] Numa apologia redigida, certamente, por volta de 197, Tertuliano, referindo-se à perseguição, exclama: “Se realmente somos os mais nocivos dos homens, por que se nos dá um tratamento diferente daquele que se dá a nossos congêneres na criminalidade? Um mesmo delito acaso não faz jus a um mesmo tratamento? Outros, réus dos delitos que se nos imputam, têm o direito de defender-se, pessoalmente ou mediante advogados; dá-se-lhes o direito de pleitear e altercar, porque é ilícito condenar inocentes silenciados. Unicamente aos cristãos se proíbe proferir a palavra que os inocentaria, defenderia a verdade e pouparia ao juiz uma iniquidade. Deles apenas se espera aquilo que o ódio público reclama: que se confessem cristãos. Examinar a culpa não importa…”.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

DIDAQUÊ: Introdução - O Manual Mais Antigo da Igreja Cristã

Qual a razão pela qual um pequeno e muito antigo documento anônimo, de pouco mais de dez páginas tem chamado tanta atenção. A resposta é que a Didaquê preenche uma lacuna documental-histórico do período pós-apostólica (após a destruição de Jerusalém 70 d.C.) e meados do segundo século, um dos períodos mais obscuros e desconhecidos da história da Igreja. A descoberta deste pequeno documento abriu muitas possibilidades para se encontrar respostas para algumas das questões históricas desse período eclesiástico da Igreja.
A Didaquê faz parte permanente em cada coleção dos Padres Apostólicos, em cada pesquisa sobre o Canon do Novo Testamento, o conteúdo do ensino, do culto primitivo e da disciplina nas comunidades cristãs espalhadas rapidamente por todo o Império Romano, bem como contribui na elaboração de comentários dos evangelhos.
Os estudiosos, desde sua descoberta, têm se debruçado exaustivamente sobre a discussão sobre a sua autoria, quando e onde de sua composição, a sua relação com documentos cognatos, como por exemplo a Epístola de Barnabé, o Pastor Hermas, e o cinturão literário que se forma ao redor da literatura canônica.
Desde sua descoberta e posteriores edições a Didaquê têm sido usada por praticamente todas as denominações e seitas cristãs evangélicas para apoiar essa ou aquela doutrina peculiar de cada uma delas, entretanto, o valor primário dela está em seu aspecto histórico e por este prisma o documento deve ser estudado.
A Didaquê está classificada nos mesmo nível da literatura dos chamados Pais Apostólicos, contribuindo para a consolidação da Igreja Cristã. Também atesta em grau, gênero e numero a superioridade inequívoca da literatura neotestamentária em relação a todas as demais literaturas eclesiásticas posteriormente produzidas. Diante do Sermão da Montanha, ou do Evangelho Segundo João, ou a Epístola aos Gálatas, ou ainda da Epístola de Tiago do qual mais se assemelha, a relevância da Didaquê assume seu valor diminuto.
Em nenhum momento a Didaquê reivindica uma autoridade apostólica; em seu silêncio reivindicatório assume ser um extrato, produzido por seu autor desconhecido, do que ele havia aprendido e agora utiliza para instruir a outros sobre o que ele cria ser fielmente o ensino dos apóstolos.  É um documento pós apostólico, mas não pseudo-apostólico, podendo desta forma assumir seu lugar entre os documentos produzidos originalmente pelos chamados Pais Apostólicos como Clemente de Roma, Policarpo, Inácio, Hermas. Na verdade, a Didaquê preenche a lacuna entre o período apostólico e dos patrísticos, assim como a literatura apócrifa do Antigo Testamento ocupa o espaço do chamado período interbíblico de Malaquias a João Batista.

O Título
            O termo Didaquê (Διδαχή) é derivado de Atos 2.42 onde se registra que os primeiros cristãos “perseveravam no ensino (doutrina) dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações”. É possível compreendê-la também como uma espécie de “Credo dos Apóstolos”, em seu conteúdo e não em sua forma.
            Em nenhum momento o autor tem pretensões apostólicas, mas apenas de alguém que registra seus ensinos. Não reivindica lugar entre os escritos inspirados, diferenciando-se de vasta literatura similar, onde o nome de um apóstolo é introduzido com o propósito de torna-la canônica. Todavia, não se encontra na Didaquê qualquer fraude literária ou ensinos espúrios.
O manuscrito da Didaquê possui dois títulos: Um mais curto: "Ensino dos Doze Apóstolos" e um mais longo: "O ensino do Senhor para as Nações [gentios] através dos Doze Apóstolos." Neste título mais longo temos a identificação da fonte original “ensino do Senhor [Jesus]” e os leitores primários “as nações”, ou seja, os cristãos não judeus que deveriam ser preparados para receberem o batismo para se constituírem membros das comunidades cristãs, espalhadas pelas mais diversificadas nações incluídas nos domínios do Império Romano. Nessa especificação é possível identificar um diferencial entre a inclusão de gentios e judeus na comunidade cristã, em relação ao batismo, mas não em relação as demais atribuições eclesiásticas, como poderemos perceber ao abordarmos seu conteúdo.

Conteúdo e Propósito
            A Didaquê se constitui em Manual Eclesiástico abarcando a síntese do ensino Apostólico, diretrizes em relação ao culto e à disciplina, como compreendida pelo autor e certamente exercitada na comunidade da qual ele participava. 
É claramente destinada aos professores e às lideranças eclesiásticas responsáveis pelas comunidades cristãs. Quanto a esses objetivos serve plenamente: é ao mesmo tempo didático e prático, e apesar de ser sucinto é também abrangente, e está convenientemente organizado em quatro partes.
Por se constituir no manual mais antigo desse tipo, a Didaquê com toda certeza foi ao longo dos anos sofrendo diversas modificações, e, evoluindo para manuais mais completos. Ela está dividida em quatro partes que abrangem a totalidade da vida cristã:
I.  A parte doutrinal e catequética, estabelecendo o dever de todo o cristão. Caps. I-VI
II. A parte litúrgica e devocional, dando indicações para o culto cristão. Caps. VII-X e XIV.
III. A parte eclesiástica e disciplinar, exercida pela liderança constituída da Igreja. Caps. XI-XIII e XV.
IV. A parte escatológica ou esperança do cristão Caps. XVI.
          

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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DIDAQUÊ: A Instrução dos Doze Apóstolos*

 A Didaquê é um dos documentos mais antigos do cristianismo (145-150 d.C.), após os textos canônicos bíblicos. Ele preenche uma importante lacuna informativa do chamado período pós-apostólico. Abaixo você tem o texto na integra e em artigo anterior você encontra informações históricas sobre sua origem e relevância.

O CAMINHO DA VIDA E O CAMINHO DA MORTE

CAPÍTULO I
1Existem dois caminhos: o caminho da vida e o caminho da morte. Há uma grande diferença entre os dois. 2Este é o caminho da vida: primeiro, ame a Deus que o criou; segundo, ame a seu próximo como a si mesmo. Não faça ao outro aquilo que você não quer que façam a você.

3Este é o ensinamento derivado dessas palavras: bendiga aqueles que o amaldiçoam, reze por seus inimigos e jejue por aqueles que o perseguem. Ora, se você ama aqueles que o amam, que graça você merece? Os pagãos também não fazem o mesmo? Quanto a você, ame aqueles que o odeiam e assim você não terá nenhum inimigo.

4Não se deixe levar pelo instinto. Se alguém lhe bofeteia na face direita, ofereça-lhe também a outra face e assim você será perfeito. Se alguém o obriga a acompanhá-lo por um quilometro, acompanhe-o por dois. Se alguém lhe tira o manto, ofereça-lhe também a túnica. Se alguém toma alguma coisa que lhe pertence, não a peça de volta porque não é direito.

5Dê a quem lhe pede e não peças de volta pois o Pai quer que os seus bens sejam dados a todos. Bem-aventurado aquele que dá conforme o mandamento pois será considerado inocente. Ai daquele que recebe: se pede por estar necessitado, será considerado inocente; mas se recebeu sem necessidade, prestará contas do motivo e da finalidade. Será posto na prisão e será interrogado sobre o que fez... e daí não sairá até que devolva o último centavo.
6Sobre isso também foi dito: que a sua esmola fique suando nas suas mãos até que você saiba para quem a está dando.


CAPÍTULO II
1O segundo mandamento da instrução é:

2Não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens, não fornique, não roube, não pratique a magia nem a feitiçaria. Não mate a criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido.

3Não cobice os bens alheios, não cometa falso juramento, nem preste falso testemunho, não seja maldoso, nem vingativo.

4Não tenha duplo pensamento ou linguajar pois o duplo sentido é armadilha fatal.

5A sua palavra não deve ser em vão, mas comprovada na prática.

6Não seja avarento, nem ladrão, nem fingido, nem malicioso, nem soberbo. Não planeje o mal contra o seu próximo.

7Não odeie a ninguém, mas corrija alguns, reze por outros e ame ainda aos outros, mais até do que a si mesmo.


CAPÍTULO III
1Filho, procure evitar tudo aquilo que é mau e tudo que se parece com o mal.

2Não seja colérico porque a ira conduz à morte. Não seja ciumento também, nem briguento ou violento, pois o homicídio nasce de todas essas coisas.

3Filho, não cobice as mulheres pois a cobiça leva à fornicação. Evite falar palavras obscenas e olhar maliciosamente já que os adultérios surgem dessas coisas.

4Filho, não se aproxime da adivinhação porque ela leva à idolatria. Não pratique encantamentos, astrologia ou purificações, nem queira ver ou ouvir sobre isso, pois disso tudo nasce a idolatria.

5Filho, não seja mentiroso pois a mentira leva ao roubo. Não persiga o dinheiro nem cobice a fama porque os roubos nascem dessas coisas.

6Filho, não fale demais pois falar muito leva à blasfêmia. Não seja insolente, nem tenha mente perversa porque as blasfêmias nascem dessas coisas.

7Seja manso pois os mansos herdarão a terra.

8Seja paciente, misericordioso, sem maldade, tranquilo e bondoso. Respeite sempre as palavras que você escutou.

9Não louve a si mesmo, nem se entregue à insolência. Não se junte com os poderosos, mas aproxima dos justos e pobres.

10Aceite tudo o que acontece contigo como coisa boa e saiba que nada acontece sem a permissão de Deus.


CAPÍTULO IV
1Filho, lembre-se dia e noite daquele que prega a Palavra de Deus para você. Honre-o como se fosse o próprio Senhor, pois Ele está presente o­nde a soberania do Senhor é anunciada.

2Procure estar todos os dias na companhia dos fiéis para encontrar forças em suas palavras.

3Não provoque divisão. Ao contrário, reconcilia aqueles que brigam entre si. Julgue de forma justa e corrija as culpas sem distinguir as pessoas.

4Não hesite sobre o que vai acontecer.

5Não te pareças com aqueles que dão a mão quando precisam e a retiram quando devem dar.

6Se o trabalho de suas mãos te rende algo, as ofereça como reparação pelos seus pecados.

7Não hesite em dar, nem dê reclamando porque, na verdade, você sabe quem realmente pagou sua recompensa reverência, como à própria imagem de Deus.

12Deteste toda a hipocrisia e tudo aquilo que não agrada o Senhor.

13Não viole os mandamentos dos Senhor. Guarde tudo aquilo que você recebeu: não acrescente ou retire nada.

14Confesse seus pecados na reunião dos fiéis e não comece a orar estando com má consciência. Este é o caminho da vida.


CAPÍTULO V
1Este é o caminho da morte: primeiro, é mau e cheio de maldições - homicídios, adultérios, paixões, fornicações, roubos, idolatria, magias, feitiçarias, rapinas, falsos testemunhos, hipocrisias, coração com duplo sentido, fraudes, orgulho, maldades, arrogância, avareza, palavras obscenas, ciúmes, insolência, altivez, ostentação e falta de temor de Deus.

2Nesse caminho trilham os perseguidores dos justos, os inimigos da verdade, os amantes da mentira, os ignorantes da justiça, os que não desejam o bem nem o justo julgamento, os que não praticam o bem mas o mal. A calma e a paciência estão longe deles. Estes amam as coisas vãs, são ávidos por recompensas, não se compadecem com os pobres, não se importam com os perseguidos, não reconhecem o Criador. São também assassinos de crianças, corruptores da imagem de Deus, desprezam os necessitados, oprimem os aflitos, defendem os ricos, julgam injustamente os pobres e, finalmente, são pecadores consumados. Filho, afaste-se disso tudo.


CAPÍTULO VI
1Fique atento para que ninguém o afaste do caminho da instrução, pois quem faz isso ensina coisas que não pertencem a Deus.

2Você será perfeito se conseguir carregar todo o jugo do Senhor. Se isso não for possível, faça o que puder.

3A respeito da comida, observe o que puder. Não coma nada do que é sacrificado aos ídolos pois esse culto é destinado a deuses mortos.


A CELEBRAÇÃO LITÚRGICA

CAPÍTULO VII
1Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

2Se você não tiver água corrente, batize em outra água. Se não puder batizar com água fria, faça com água quente.

3Na falta de uma ou outra, derrame água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

4Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias.


CAPÍTULO VIII
1Os seus jejuns não devem coincidir com os dos hipócritas. Eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana. Porém, você deve jejuar no quarto dia e no dia da preparação.

2Não reze como os hipócritas, mas como o Senhor ordenou em seu Evangelho. Reze assim: "Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai nossa dívida, assim como também perdoamos os nossos devedores e não nos deixes cair em tentação, mas livrai-nos do mal porque teu é o poder e a glória para sempre".

3Rezem assim três vezes ao dia.


CAPÍTULO IX
1Celebre a Eucaristia assim:

2Diga primeiro sobre o cálice: "Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre".

3Depois diga sobre o pão partido: "Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.

4Da mesma forma como este pão partido havia sido semeado sobre as colinas e depois foi recolhido para se tornar um, assim também seja reunida a tua Igreja desde os confins da terra no teu Reino, porque teu é o poder e a glória, por Jesus Cristo, para sempre".

5Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor pois sobre isso o Senhor disse: "Não dêem as coisas santas aos cães".


CAPÍTULO X
1Após ser saciado, agradeça assim:

2"Nós te agradecemos, Pai santo, por teu santo nome que fizeste habitar em nossos corações e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.

3Tu, Senhor o­nipotente, criaste todas as coisas por causa do teu nome e deste aos homens o prazer do alimento e da bebida, para que te agradeçam. A nós, orém, deste uma comida e uma bebida espirituais e uma vida eterna através do teu servo.

4Antes de tudo, te agradecemos porque és poderoso. A ti, glória para sempre.

5Lembra-te, Senhor, da tua Igrreja, livrando-a de todo o mal e aperfeiçoando-a no teu amor. Reúne dos quatro ventos esta Igreja santificada para o teu Reino que lhe preparaste, porque teu é o poder e a glória para sempre.

6Que a tua graça venha e este mundo passe. Hosana ao Deus de Davi. Venha quem é fiel, converta-se quem é infiel. Maranatha. Amém."

7Deixe os profetas agradecerem à vontade.

A VIDA EM COMUNIDADE

CAPÍTULO XI
1Se vier alguém até você e ensinar tudo o que foi dito anteriormente, deve ser acolhido.

2Mas se aquele que ensina é perverso e ensinar outra doutrina para te destruir, não lhe dê atenção. No entanto, se ele ensina para estabelecer a justiça e conhecimento do Senhor, você deve acolhê-lo como se fosse o Senhor.

3Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o princípio do Evangelho.

4Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o próprio Senhor.

5Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais outro. Se ficar três dias é um falso profeta.

6Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão necessário para chegar ao lugar o­nde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso profeta.

7Não ponha à prova nem julgue um profeta que fala tudo sob inspiração, pois todo pecado será perdoado, mas esse não será perdoado.

8Nem todo aquele que fala inspirado é profeta, a não ser que viva como o Senhor. É desse modo que você reconhece o falso e o verdadeiro profeta.

9Todo profeta que, sob inspiração, manda preparar a mesa não deve comer dela. Caso contrário, é um falso profeta.

10Todo profeta que ensina a verdade mas não pratica o que ensina é um falso profeta.

11Todo profeta comprovado e verdadeiro, que age pelo mistério terreno da Igreja, mas que não ensina a fazer como ele faz não deverá ser julgado por você; ele será julgado por Deus. Assim fizeram também os antigos profetas.

12Se alguém disser sob inspiração: "Dê-me dinheiro" ou qualquer outra coisa, não o escutem. Porém, se ele pedir para dar a outros necessitados, então ninguém o julgue.


CAPÍTULO XII

1Acolha toda aquele que vier em nome do Senhor. Depois, examine para conhecê-lo, pois você tem discernimento para distinguir a esquerda da direita.

2Se o hóspede estiver de passagem, dê-lhe ajuda no que puder. Entretanto, ele não deve permanecer com você mais que dois ou três dias, se necessário.

3Se quiser se estabelecer e tiver uma profissão, então que trabalhe para se sustentar.

4Porém, se ele não tiver profissão, proceda de acordo com a prudência, para que um cristão não viva ociosamente em seu meio.

5Se ele não aceitar isso, trata-se de um comerciante de Cristo. Tenha cuidado com essa gente!

CAPÍTULO XIII

1Todo verdadeiro profeta que queira estabelecer-se em seu meio é digno do alimento.

2Assim também o verdadeiro mestre é digno do seu alimento, como qualquer operário.

3Assim, tome os primeiros frutos de todos os produtos da vinha e da eira, dos bois e das ovelhas, e os dê aos profetas, pois são eles os seus sumos-sacerdotes.

4Porém, se você não tiver profetas, dê aos pobres.

5Se você fizer pão, tome os primeiros e os dê conforme o preceito.

6Da mesma maneira, ao abrir um recipiente de vinho ou óleo, tome a primeira parte e a dê aos profetas.

7Tome uma parte de seu dinheiro, da sua roupa e de todas as suas posses, conforme lhe parecer oportuno, e os dê de acordo com o preceito.


CAPÍTULO XIV
1Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro.

2Aquele que está brigado com seu companheiro não pode juntar-se antes de se reconciliar, para que o sacrifício oferecido não seja profanado.
3Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: "Em todo lugar e em todo tempo, seja oferecido um sacrifício puro porque sou um grande rei - diz o Senhor - e o meu nome é admirável entre as nações".


CAPÍTULO XV
1Escolha bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados pois também exercem para vocês o ministério dos profetas e dos mestres.

2Não os despreze porque eles têm a mesma dignidade que os profetas e os mestres.

3Corrija uns aos outros, não com ódio, mas com paz, como você tem no

Evangelho. E ninguém fale com uma pessoa que tenha ofendido o próximo; que essa pessoa não escute uma só palavra sua até que tenha se arrependido.
4Faça suas orações, esmolas e ações da forma que você tem no Evangelho de nosso Senhor.


O FIM DOS TEMPOS

CAPÍTULO XVI
1Vigie sobre a vida uns dos outros. Não deixe que sua lâmpada se apague, nem afrouxe o cinto dos rins. Fique preparado porque você não sabe a que horas nosso Senhor chegará.

2Reúna-se com frequência para que, juntos, procurem o que convém a vocês; porque de nada lhe servirá todo o tempo que viveu a fé se no último instante não estiver perfeito.

3De fato, nos últimos dias se multiplicarão os falsos profetas e os corruptores, as ovelhas se transformarão em lobos e o amor se converterá em ódio.

4Aumentando a injustiça, os homens se odiarão, se perseguirão e se trairão mutuamente. Então o sedutor do mundo aparecerá, como se fosse o Filho de Deus, e fará sinais e prodígios. A terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como jamais foram cometidos desde o começo do mundo.

5Então toda criatura humana passará pela prova de fogo e muitos, escandalizados, perecerão. No entanto, aqueles que permanecerem firmes na fé serão salvos por aquele que os outros amaldiçoam.

6Então aparecerão os sinais da verdade: primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta; e, em terceiro, a ressurreição dos mortos. 7Sim, a ressurreição, mas não de todos, conforme foi dito: "O Senhor virá e todos os santos estarão com ele".
8Então o mundo assistirá o Senhor chegando sobre as nuvens do céu.

*Texto extraído do site www.monergismo.com

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