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quarta-feira, 11 de março de 2020

Ecos da Reforma: Martinho Lutero e a Peste Bubônica



            Lutero sempre foi uma pessoa de posicionamentos muito claros e definidos, por isso tornou-se um instrumento tão precioso nas mãos de Deus para iniciar o grande movimento da Reforma Protestante no século XVI o qual ainda podemos sentir as ondas sísmicas por ela produzidas no século XXI.
             Poucos anos depois de iniciada o processo reformador na Alemanha o país foi tomado uma vez mais pela pandemia bubônica onde porções significativas da população local morreram: pastores realizaram milhares de enterros; alguns enterraram congregações inteiras. Em agosto de 1527 a doença chegou à cidade de Wittenberg onde Lutero e sua família vivia. O Príncipe Eleitor João, em 10 de agosto, transfere a Universidade para a cidade de Jena e posteriormente para Schlieben, próximas de Wittenberg.
            A doença era de fácil propagação: através de animais (ratos) ou mesmo pelo ar (germes). Sua ação era devastadora e violenta: em apenas um dia, os infectados podiam mostrar sinais de febre, delírio, distúrbios da fala e perda de consciência; um indivíduo saudável podia contrair a doença e morrer em três a dez dias. No auge da epidemia, a taxa de mortalidade podia variar de 30% a 90% dos infectados.
            Mesmo aconselhado por muitos amigos e autoridades para que saísse da cidade com sua esposa Catarina e filhos, o reformador alemão permaneceu e ainda abriu sua casa para que pessoas acometidas pela enfermidade pudessem receber um tratamento mínimo, visto que os parcos e limitados hospitais da época eram insuficientes para tão grande desgraça. Sua própria esposa estava grávida e mais duas mulheres na casa; seu filho pequeno Hans ficou três dias sem poder comer; a esposa do capelão George Rorer, também grávida adoeceu e perdeu seus bebês.   A morte não estava diante de todos aqueles que permaneceram cuidando dos infectados. Era um cuidado diurno, sem saber se eles também contrairiam a praga e sucumbiriam até a morte.
            Instigado pelos comentários irônicos de um dominicano em Leipzig, zombando da maneira como os moradores de Wittenberg fugiam da praga e estimulado pela solicitação de seu colega Johann Hess, de uma cidade próxima, para que os orientasse sobre como deveriam proceder nesse momento caótico, Martinho Lutero redige uma carta longa “Whether One May Flee from a Deadly Plague [Se alguém pode fugir de uma praga mortal][1] onde expõe suas convicções, das quais destaco apenas um pequeno paragrafo:
Sim, ninguém ouse deixar [abandonar] seu vizinho, a menos que haja outros que cuidem dos doentes em seu lugar. Nesses casos, devemos obedecer à palavra de Cristo: "Eu estava doente e você não me visitou..." (Mt. 25.41-46). De acordo com esta passagem, estamos ligados um ao outro de tal maneira que ninguém pode abandonar o outro em sua angústia, mas é obrigado a ajudá-lo e ajudá-lo, como ele próprio gostaria de ser ajudado.
            Como mencionado acima, Lutero não apenas permaneceu ao lado dos infectados, como abriu sua própria casa para servir de “enfermaria”, pois entendia que essa é a posição que todo cristão deveria tomar à luz do Evangelho. E mais ainda, ele tinha convicção de que essa era a hora mais oportuna para se pregar o Evangelho da salvação para todas as pessoas, que agora diante da morte corporal tinham sua última oportunidade de salvar a alma:
“porque não temos sido preguiçosos em pregar, ensinar, exortar, consolar, visitar ou em qualquer outra coisa que pertença ao nosso ministério e ofício”.  
            Mas nessa mesma carta Martinho Lutero deixa claro que não se deve menosprezar toda ciência, medicação, tratamento ou prevenções que se fazem útil e necessário. A genuína fé não é ignorante ou imprudente e nem desculpa para desprezar as ferramentas úteis colocadas à disposição pela providência divina.
            Nesses dias em que o mundo inteiro está alarmado com a possibilidade cada vez mais concreta de uma pandemia do corona vírus, o testemunho de Martinho Lutero deve encorajar todo o cristão, em todos os lugares, a permanecerem firmes, não se deixando intimidar ou acovardar diante da possibilidade de morte. E mais ainda, deve ser uma oportunidade para compartilharmos o Evangelho salvador de Jesus Cristo.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/

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Referências Bibliográficas
Whether One May Flee from a Deadly Plague (1527) Translated by Carl J. Schindler. https://rockrohr.net/wp-content/uploads/2014/03/Luther-WHETHER-ONE-MAY-FLEE-FROM-A-DEADLY-PLAGUE.pdf
DENNIS, Ngien. Lutero como conselheiro espiritual: a interface entre a teologia e a piedade nos escritos devocionais de Lutero. Tradução Rogério Portella. São Paulo: Vida Nova, 2017.


[1] O panfleto de catorze páginas foi publicado por Hans Lufft em 1527 e reimpresso em dezenove edições subsequentes. Desfrutou de uma ampla circulação, principalmente em tempos de pestilência. Uma tradução foi feita para o inglês por Theodore G. Tappert.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Ecos da Reforma: Matinho Lutero e a Importância do Primeiro Testamento



A desvalorização ou subutilização dos escritos contidos no Primeiro Testamento não é decorrente dos dias atuais ou da geração pós-moderna. Nos dias dos Reformadores uma das preocupações era a revalorização das Escrituras em sua totalidade. Para eles a primeira parte das Escrituras é tão fundamental quanto os escritos contidos na segunda parte – para eles não poderia haver qualquer distinção entre os escritos bíblicos, pois cada um deles torna-se parte integrante da Revelação da vontade de Deus para seu povo. O Segundo Testamento é fundamentado no Primeiro, sem esse fundamento ele certamente não permaneceria.
Quando Martinho Lutero empreendeu fazer e publicar sua tradução alemã do Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia, no ano de 1523, ele entendeu ser necessário escrever um prefácio esclarecendo para seus leitores alemães a significância e a relevância dos escritos da primeira parte da Bíblia.
Esta preocupação do reformador alemão indica claramente que em seus dias, como hoje, existia a tendência por parte dos cristãos e de suas próprias lideranças em minimizar e até mesmo desprezar as escrituras do Primeiro Testamento. Uma das alegações era de que bastavam os ensinos do Segundo Testamento e até mesmo de que o conteúdo do Segundo era mais pura e espiritual do que o conteúdo do Primeiro Testamento. Para corrigir esse pensamento errôneo Lutero escreveu:
Há quem tenha pouca consideração pelo Antigo Testamento. Eles pensam dele como um livro que foi dado apenas ao povo judeu e agora está fora de data, contendo apenas histórias de épocas passadas. . . . Mas Cristo diz em João 5, “Conheçam as Escrituras, pois são elas que testificam de mim.” . . . [As] Escrituras do Antigo Testamento não devem ser desprezadas, mas lidas diligentemente. . . . Portanto, descarte suas próprias opiniões e sentimentos e pense nas Escrituras como a mais alta e nobre das coisas sagradas, como a mais rica das minas que nunca pode ser suficientemente explorada, a fim de que você possa encontrar a sabedoria divina que Deus aqui coloca diante de você de forma tão simples que extingue todo orgulho. Aqui você encontrará o panos e manjedoura na qual Cristo jaz. . . . Simples e humildes são esses panos, mas querido é o tesouro, Cristo, que reside neles (LUTHER, 1960, p. 235–36).
No Brasil por muitas décadas, em prol da evangelização, se publicou e distribuiu apenas o “Novo Testamento”, pois era mais “fácil” para as pessoas entenderem. O resultado negativo é que se criou uma ou mais gerações inteiras de cristãos analfabetos e até mesmo avessos à leitura e estudo do Primeiro Testamento e recuperá-los é uma tarefa árdua e com poucos resultados. Não se ouve nos púlpitos as pregações fundamentadas nas literaturas contidas na primeira parte da Bíblia, a não serem alguns poucos textos selecionados. Se perguntarmos aos evangélicos quais são os livros do Primeiro Testamento, alguns dirão cinco ou seis livros e se interrogarmos quantos deles já leram o Primeiro Testamento inteiro um pequeno e inexpressivo numero de evangélicos se pronunciara positivamente.
Assim como nos dias de Lutero e dos reformadores temos a responsabilidade de resgatarmos o valor inspirativo e autoritativa das Escrituras em sua totalidade; torna-se premente que os atuais evangélicos retornem às fontes primárias das Escrituras e que suas lideranças pastorais possam dizer como o apóstolo Paulo: “nunca deixei de lhes ensinar toda a Escritura”.   
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/


Referência Bibliográfica
LUTHER, Martin. Preface to the Old Testament. Philadelphia: Muhlenberg, 1960. [ed. E. Theodore ; V. 35 of Luther’s Works]

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