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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

VERBETE – Calvinismo


Como todos os termos ele tem uma origem histórica e nunca satisfaz a todos. Este termo deriva-se do conjunto de doutrinas elaboradas por João Calvino[1] (1509-1564) um dos principais expoentes da Reforma Religiosa ocorrida no século XVI e que ficou conhecida como Reforma Protestante. Mas mesmo entre os protestantes há aqueles que questionam a utilização deste termo.[2] Um teólogo reformado muito conceituado, Karl Barth, discorda da utilização deste termo e outros correlatos, como por exemplo, o luteranismo, pois entende que tais conceitos acabam por forjarem corpos rígidos e inflexíveis de dogmatismos que acabam por serem impostos às comunidades e aos cristãos por autoridades eclesiásticas, similarmente ao que ocorre no catolicismo, que foi questionado abertamente pelo próprio reformador no princípio. Para Barth: “Um verdadeiro discípulo de Calvino só tem um caminho a seguir: obedecer, não a Calvino, mas Àquele que foi o Mestre de Calvino”.[3]

Todavia, é impossível negar que o reformador genebrês estabeleceu com sua obra teológica um padrão dogmático – bem mais organizado do que fizera Lutero e outros contemporâneos. Assim, como se fala de “platonismo” ou de um “cartesianismo” é possível se falar que também existe um “calvinismo”, o que não significa que dentro deste conceito amplo não haja discrepâncias e deformidades produzidas por aqueles que na dinâmica do tempo e espaço reinterpretaram seus postulados.

Nenhum movimento do calibre e com o dinamismo do Calvinismo internacional poderia sobreviver e, muito menos prosperar, sem que se modificasse ao menos em certo nível, diante de situações específicas que enfrentava. É tarefa do historiador identificar essas alterações, e do teólogo verificar seu significado. A negação nua e crua dessas alterações é, porém, historicamente insustentável. (McGRATH, 2004, p. 234-235).

Em nenhum momento Calvino se propôs a ser original, no sentindo de produzir algo totalmente inédito.[4] Aproveitou tudo que seus antecessores próximos produziram (Lutero, Melanchthon, Zwinglio e Bucer), mais ainda, ele busca incansavelmente na vasta literatura dos chamados “Pais da Igreja” os postulados de suas interpretações teológicas. Sua contribuição maior sem duvida alguma foi sua capacidade incomum de síntese em conjunto com seu pensamento forte e autentico de formular e coordenar esta orquestra teológica e faze-la produzir melodias inigualáveis em qualidade e beleza.

Mas Calvino jamais abriu mão de um principio basilar da Reforma: somente a Bíblia. Escutar e fundamentar todo o pensamento na única autoridade infalível das Escrituras, descartando tudo que fosse apenas intepretações humanas, foi a intensão e a pretensão dele em tudo que produziu, pregou ou ensinou. Na mesma linha dos primeiros reformadores, para Calvino: “Nem a antiguidade, nem os costumes, nem as sentenças, nem os editos, nem os decretos, nem os concílios, nem as visões, nem os milagres se devem opor” a qualquer texto das Escrituras, a única fonte de autenticidade do Altíssimo.

A grande questão então levantada é: o que produz a autenticidade do pensamento teológico? Para o católico é a Igreja que dá autenticidade à doutrina; para Calvino a autenticidade é produzida na mente do cristão pela ação iluminadora (esclarecedora) do próprio Deus (na pessoa do Espírito Santo). Dominado por um biblicismo integral, Calvino elabora, pois, uma cosmovisão e uma explicação do destino eterno do ser humano.

Evidentemente, concordando em parte com a crítica de Karl Barth, quando se fala de calvinismo, não implica que todos que adotem este termo, expressem literalmente o pensamento original de Calvino, mas que têm nos conceitos teológicos dele os pressupostos que norteiam a forma de crer e interpretar os ensinos bíblicos adotados por estes.

O pensamento e os pressupostos teológicos de Calvino foram paulatinamente extrapolando as fronteiras genebrinas, através dos presbiterianos na Escócia, os puritanos ingleses e posteriormente na América do Norte, os huguenotes da França, a Igreja Reformada e os Batistas Particulares da Inglaterra. Atualmente os teólogos Karl Barth e Emil Brunner são representativos da reinterpretação do pensamento calvinista. Como realça McGrath: “[...] o ‘Calvinismo’ veio a significar algo diverso em cada uma de suas manifestações locais, retratando fatores locais que se combinaram para lhe dar uma forma diferente, uma identidade diversa, em suas várias localidades” (2004, p. 237).

Portanto, o calvinismo que chega ao Brasil a partir de meados do século XIX, através das denominações protestantes inglesas e primordialmente americanas, já havia experimentado diversas revisões e reinterpretações, ainda que mantivesse o cerne do pensamento teológico de João Calvino. No caso brasileiro as chamadas igrejas calvinistas (Presbiterianas, Congregacionais e Batista Regular) foram extremamente lerdas em resgatar as obras de Calvino, sendo que sua obra máster “As Institutas da Religião Cristã” somente foi traduzida para o português no final do século XX, por iniciativa de um trabalho acadêmico de uma instituição educacional não ligada a nenhuma das denominações mencionadas e que posteriormente foi encapada por uma editora presbiteriana. Os comentários bíblicos de Calvino somente agora começam a ser colocado à disposição dos brasileiros, o que demonstra a letargia dos “calvinistas brasileiros” em disponibilizar o pensamento original de Calvino.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
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Zabriskie, Alexander C. Anglican Evangelicalism. Philadelphia, 1999.



[1] “O estudo da relação entre os homens e seus movimentos tem se mostrado um dos aspectos mais estimulantes da história intelectual”. (McGRATH, 2004, p. 232).
[2] Inicialmente o termo “calvinismo” foi utilizado pejorativamente pelos alemães para distingui-los dos luteranos dentre as muitas divergências teológicas existentes entre estas duas formas de pensar dentro do movimento reformado.
[3] A crítica de Barth esta no fato de que o termo “calvinismo” tomou uma forma rígida a partir do Sínodo de Dort (1618-1619), já nos idos do século XVIII, conforme interpretadas por aqueles estudiosos a luz do ensino proposto por Calvino e que deu origem ao denominado “Cinco Pontos do Calvinismo” em resposta aos “Cinco Pontos do Arminianismo” proposto anteriormente pelos defensores do teólogo Jacó Armínio (1560-1609) que se opunha à teologia do reformador genebrês.
[4] “[...] o termo ‘calvinista’ poderia, em tese, referir-se a pessoas e ideias historicamente anteriores a Calvino. Por exemplo, os sobreviventes mais radicais do movimento hussita, na Boêmia, o Jednota bratrská, veio a ser conhecido por Calviniani ante Calvinum [Calvinistas antes de Calvino] justamente por essas razões”. (Evans, 1985, p. 169, apud McGRATH, 2004, p. 233).


Referências Bibliográficas
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia, v. 1. São Paulo: Hagnos, ed. 8ª, 2006.
DANIEL-ROPS. A igreja da renascença e da reforma I: a reforma protestante.  São Paulo: QUADRANTE, 1996.
McGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo, Cultura Cristã, 2004.

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