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terça-feira, 25 de março de 2025

História da Igreja: Desenvolvimento Crescente do Poder Papal

Desde o final do século II, a Igreja Romana foi adquirindo um status diferenciado, pois muitos conflitos eclesiásticos eram mediados por seus bispos. Diferentemente do que ocorria no Oriente, em Roma houve poucas divergências teológicas e, portanto, menos divisões eclesiásticas.

          Durante os chamados Concílios Ecumênicos, o bispo de Roma tinha o mesmo peso e relevância que os demais representantes da igreja cristã. No primeiro grande Concílio de Nicéia (325), o sexto cânon confere aos bispos de Roma, Constantinopla, Antioquia e Alexandria, localizadas nos grandes centros de poder do Império, autoridade igual e equivalente, sem qualquer primado sobre as igrejas nos domínios imperiais.

No Concílio de Sardes (345 ou 347), abre-se uma fresta que somente se ampliaria, ao delegar ao bispo de Roma a função de supervisor ou revisor de processos eclesiásticos que estivessem sob questionamentos. Aqui começa o conflito que produziria o primeiro grande Cisma entre Oriente e Ocidente.

No Segundo Concílio de Constantinopla (553), convocado pelo imperador Justiniano I, o então bispo de Roma, Virgílio, recusou-se a participar e apoiar as resoluções e, por esta razão, foi exilado. Posteriormente, para ratificar a infalibilidade papal, os decretos foram reconhecidos.

No Terceiro Concílio de Constantinopla (680), convocado pelo imperador Constantino Pogonato, que inclusive presidiu as sessões, o bispo de Roma, Honório, foi condenado e anatematizado como herege — pois havia dado sua aprovação a um documento imperial conhecido como Ectese, que apoiava o monotelismo, uma doutrina condenada que afirmava que Jesus não tinha duas vontades (humana e divina), mas apenas a vontade divina.

No Quarto Concílio de Constantinopla (692), convocado pelo imperador Justiniano II, foram reafirmados os mesmos privilégios para Constantinopla, dados também a Roma, Alexandria, Antioquia e Jerusalém.

Principais Ajustes

§  Apesar de, durante sete séculos, lhe ter sido negada uma primazia sobre as igrejas cristãs, os romanos não desistiram de seus propósitos. Alguns fatores históricos contribuíram para que os romanos alcançassem seu tão desejado primado, ainda que somente sobre o cristianismo no Ocidente.

§  O grande fator que alimentava esse desejo de supremacia de Roma sobre a totalidade do cristianismo era o fato de que havia apenas um imperador sobre todos. Perguntas eram formuladas em todos os lugares: os bispos governavam as igrejas, mas quem iria governar os bispos? O bispo da Igreja deveria exercer a autoridade que o imperador exercia no Império?

§  Inicialmente todos os líderes cristãos eram chamados de Patriarcas, em Roma passou a ser chamado de Papa (papai).

§  Roma reivindicou para si a autoridade apostólica com base na tradição de que Pedro foi o primeiro bispo de Roma e, como chefe dos apóstolos, teria possuído autoridade sobre toda a Igreja. Para isso, utilizavam dois textos dos Evangelhos: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja" e "Apascenta as minhas ovelhas." A interpretação era de que Pedro foi o primeiro cabeça da Igreja e que, em seguida, seus sucessores, os papas de Roma, deveriam continuar exercendo sua autoridade.

§  Entre os dois centros do cristianismo, Constantinopla e Roma, a segunda soube impor melhor sua autoridade sobre os demais. Manteve-se mais ortodoxa, enquanto o centro oriental enfrentou intermináveis embates doutrinários.

§  A Igreja de Roma implementou um cristianismo prático. Sempre deu muita atenção aos necessitados e, quando houve períodos de fome ou peste, abriu-se para atender a todos, mesmo os que não professavam a fé cristã. Auxiliava as igrejas mais carentes em outras províncias. Uma das cenas mais emblemáticas dessa postura é a de um oficial pagão em Roma que exigiu que a Igreja mostrasse seus tesouros. O então bispo romano mandou reunir seus membros pobres e disse: “Estes são nossos tesouros”.

§  O fato de Roma haver deixado de ser a capital do Império, em detrimento de Constantinopla, foi mais positivo do que negativo para as pretensões do clero romano. Enquanto na nova capital os imperadores mandavam e desmandavam nas pendências eclesiásticas, em Roma não havia a figura do imperador para ofuscar o poder papal, que estendia seu domínio por toda a região. As lideranças públicas europeias (Ocidente) sempre olharam para Roma com respeito. Com a distância da nova capital e de seu imperador, e com a proximidade do declínio do próprio Império, os "ratos" começaram a pular cada vez mais para o "navio" sob o comando do Pontífice Romano.


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Guedes, Ivan Pereira
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Referências Bibliográficas

BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 2011.

BURNS, E. M. História da Civilização Ocidental. Vol. 1. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005.

CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 2008.

GONZÁLEZ, J. L. Uma história do pensamento cristão, v. 1. Tradução Paulo Arantes, Vanuza Helena Freire de Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

______________. Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. Tradução Reginaldo Gomes de Araujo. Santo André (SP): Editora Academia Cristã Ltda., 2005.

______________. História ilustrada do cristianismo. A era dos mártires até a era dos sonhos frustrados. 2. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2011.

LATOURETTE, K. S. Uma história do cristianismo. São Paulo: Hagnos, 2007.

WALKER, W. História da Igreja Cristã. v. 1. Tradução D. Glênio Vergara dos Santos e N. Duval da Silva. São Paulo: ASTE, 1967.

 


quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

História da Igreja: Renascimento do Santo Império Romano e Expansão do Poder da Igreja

 .


          O antigo Império Romano havia desaparecido, primeiramente no Ocidente e posteriormente no Oriente e neste vácuo a Igreja Romana prosperou e se fortaleceu. Reacende com mais força o velho e acalentado anseio de se constituir em primado sobre todo o cristianismo.

Patrimônio de São Pedro

Muitos nobres, antes de morrer ou de se recolher a um entre as centenas de mosteiros espalhados por todo Ocidente, deixavam em testamento seus bens e territórios ao Bispo/Igreja de Roma, que veio a se constituir no chamado “Patrimônio de São Pedro”, que constava de terras na Itália e nas ilhas adjacentes. Esses bens, de extensão cada vez maior, permitiam ao Papa assumir posição de certa independência diante do Imperador bizantino e do representante deste em Ravena: o Pontífice tinha sob a sua jurisdição civil grande número de cidadãos, que trabalhavam sob a tutela papal ou eram socorridos por esta nos hospitais, asilos e orfanatos pontifícios.

Tabuleiro Político Religioso

Naqueles dias jogava-se no mesmo tabuleiro todas as peças ao mesmo tempo. Os movimentos políticos eram religiosos e os religiosos eram políticos.

§  Desde a conversão de Clóvis ao cristianismo ortodoxo (496), em que os francos renunciaram sua fé cristã ariana, cria-se ligações umbilicais entre o Estado e a Igreja. Todavia, a dinastia merovíngia foi muito inepta e fraca. Gregório I tentou impor reformas eclesiásticas na França, mas os resultados foram mínimos.

§  Apesar dos reis serem merovíngios[1], quem de fato controlava o poder era os denominados “prefeitos do paço”. Quando Carlos Martelo (715-741) assumiu os poderes da casa real, após conter o avanço maometano na Europa ocidental, apoia os esforços missionários na Alemanha ocidental e nos Países Baixos (Holanda), pois ambicionava a extensão de seu poder político. Está bem-sucedida cooperação vai render frutos no futuro.

§    Winfrid ou Bonifácio (680-754). De origem anglo-saxão e depois de vários trabalhos missionários ele foi conduzido pelo Papa Gregório II (715-731) para trabalhar na Alemanha. Era profundamente comprometido com a lealdade papal. Depois de alcançar ótimos resultados foi nomeado pelo Papa Gregório III (731-741) arcebispo em 732. Organiza a Igreja da Baviera (John Huss) e de Turíngia. Em 744 ajuda a fundar o mosteiro beneditino de Fulda, que veio a se constituir em centro de erudição e educação para o sacerdócio em toda aquela região centro-oriental da Alemanha. Muito zeloso fortaleceu a ordem e a disciplina nas igrejas sob sua jurisdição, fortalecendo a autoridade papal na região.

§  Desde a crise das imagens (731) onde o Papa de Roma recusa-se a retirá-las de suas igrejas, o Imperador retira a jurisdição do Sul da Itália e a Sicília e as subordina à sé de Constantinopla. Em diversas ocasiões Roma tenta se livrar da pressão dos lombardos apoiados pelo Império. Quando Pepino, o Breve, assume a prefeitura do paço, ele almeja o título de rei na França, mas para depor o último rei da linhagem merovíngia, Quilderico III[2], e ser coroado ele necessita tanto do reconhecimento precisava da aprovação da nobreza francesa e da sanção moral da Igreja. Apela ao Papa Zacarias (741-752), que o apoia prontamente e antes de terminar o ano 751 Pepino está ungido e coroado. Esse movimento vai mudar totalmente a configuração do tabuleiro de poder no Ocidente.

§  Posteriormente o Papa Estevão (752-757) vai até a França e faz nova coroação de Pepino e seus filhos na Igreja de São Dionísio em Paris. Ambos firmam um pacto onde Pepino reconhece validade do documento “Doação de Constantino” e o rei recebe da Igreja o título de “Patrício dos Romanos”, onde se compromete a dar integral proteção ao papado. O historiador W. Walker resume muito bem a repercussão histórica desse acontecimento:

Essa transação, que na época parece ter sido muito simples, estava prenhe de consequências importantíssimas. Dela poderia inferir-se que o papa tinha poder de conceder ou retirar poderes reais. Implícitos nela estavam o restabelecimento do império no Ocidente, o Sacro Império Romano, e a inter-relação entre o papado e império que ocupa lugar tão relevante na história da Idade Média. Desse ponto de vista, foi o acontecimento mais importante da história medieval (1967, p. 266 – Itálico meu).

§  Carlos Magno: Com a morte de Pepino sucederam-no seus dois filhos Carlos (Magno) e Carlomano (771). A morte prematura do segundo faz de Carlos o único soberano. De personalidade forte e até violento, amenizava com suas ações positivas. A dobradinha Carlos e o Papa Adriano I (772) foi de grande relevância para o Império e para a Igreja.

Após derrotar definitivamente os lombardos Carlos assumiu oficialmente o título, de “Rei dos francos e dos lombardos e Patrício dos Romanos”.

Em 781 os últimos vestígios de dominação bizantina (Império do Oriente) foram rompidos. A relação do rei e do papado é tenso, mas equilibrado. O Papa não era vassalo do rei, mas havia um pacto de aliança entre iguais.  O título de “Patrício” dava a Carlos Magno a liberdade para ingerir nas eleições de bispos, protestar através de representantes em matéria de administração temporal e no tocante ao governo interno da Igreja.

Com a morte do Papa Adriano I, seu sucessor foi Leão III que precisou muito do respaldo do rei Carlos Magno, que passou a ingerir muito mais na vida da Igreja.

§  Carlos Magno Imperador: Na noite de Natal de 800, após participar da celebração natalina, o papa Leão III coloca sobre a cabeça de Carlos Magno uma preciosa coroa, enquanto era aclamado pela multidão: “A Carlos Augusto, coroado por vontade de Deus, grande e pacífico Imperador Romano, vida e vitória!” Tudo, porém, havia sido preparado minuciosamente com antecedência.

§  Este evento significava a reedificação do Império Romano Ocidental, que havia desaparecido em 476, mas agora com um sentido distinto: o “Patrício Romano” se tornava Imperador Romano no Sacro Império Romano, desta maneira, a Itália e o Papado ficavam definitivamente fora da jurisdição de Constantinopla. O novo título implicava, para Carlos, um aumento de autoridade sobre os demais soberanos do Ocidente e uma dignidade religiosa que o confirmava na função de proteger a Igreja. A coroação de Carlos tornou possível uma identidade comum à toda a Europa.

§  Para assegurar a subserviência de seus súditos, principalmente os nomeados para funções públicas, utilizou-se de bispos e outros religiosos que espalhados por todo o império eram seus olhos e ouvidos ou ficais dos fiscais.

§  Com Carlos Magno a espada tornou-se o maior instrumento de conversão. A cada conquista agrega-se mais território e o império ganhava mais vassalos e a Igreja mais cristãos.

  

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Referências Bibliográficas

BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 2011.

BURNS, E. M. História da Civilização Ocidental. Vol. 1. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005.

CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 2008.

GONZÁLEZ, J. L. Uma história do pensamento cristão, v. 1. Tradução Paulo Arantes, Vanuza Helena Freire de Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

______________. Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. Tradução Reginaldo Gomes de Araujo. Santo André (SP): Editora Academia Cristã Ltda., 2005.

______________. História ilustrada do cristianismo. A era dos mártires até a era dos sonhos frustrados. 2. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2011.

LATOURETTE, K. S. Uma história do cristianismo. São Paulo: Hagnos, 2007.

WALKER, W. História da Igreja Cristã. v. 1. Tradução D. Glênio Vergara dos Santos e N. Duval da Silva. São Paulo: ASTE, 1967.



[1] O Império ou Reino Merovíngio perdurou entre os anos de 481 a 751, descendentes de Meroveu (impôs sua hegemonia na Gália), os primeiros reis francos (constituíram o mais poderoso reino da Europa Ocidental) dessa dinastia passaram a ser chamados de Merovíngios.

[2] Quilderico III (714 — 754), chamado o Idiota ou o Rei Fantasma, foi o décimo-quarto e último rei de todos os francos da dinastia merovíngia.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

História da Igreja ou História da Humanidade


                Desde há muito tempo procura-se separar a História em História Secular e História Bíblico Cristã, como se fossem algo completamente distintas e para a grande maioria dos historiadores atuais completamente incompatíveis.

          O que parecia ser apenas uma divisão didática dos compêndios históricos foi transformado em uma arma para alienar completamente o estudo sério da História Cristã, como parte de uma ação orquestrada para roubar das mentes infanto-juvenis, dos centros acadêmicos e da população em geral todo e qualquer vestígio da História Bíblico-Cristã.

          Esse movimento vem sendo implementado há vários séculos e como a história da rã colocada na água fria e que vai paulatinamente aquecida até sua morte, os que ainda creem na História Humana como palco da atuação de um Deus soberano sobre tudo e sobre todos estão caminhando para a extinção.

          Pode-se falar e ensinar abertamente sobre uma teoria nunca efetivamente comprovada cientificamente, nem mesmo pelo seu mentor inicial Darwin, mas não se pode falar sobre um Deus que interage com a História humana.

          A História da Igreja e/ou Bíblico-Cristã é parte integrante da História Humana. Todo esforço para separa-la é apenas a comprovação empírica da alienação do ser humano de Deus. Assim como ocorreu nos primórdio da história humana quando o ser humano estupidamente e afrontosamente começam a construir uma gigantesca Torre para que não fossem destruídos novamente com dilúvio, continua-se a frustrante tentativa humana de alienar Deus de sua história. Os grandes impérios caem, um a um, mas Deus continua sendo Deus e exercendo a Sua soberania sobre os designíos da história humana.

        Portanto, quando falamos ou tratamos da História da Igreja Cristã não estamos restringindo apenas e tão somente há uma ou muitas instituições religiosas, que podem vir a ser englobadas nesta terminologia. A História da Igreja refere-se diretamente às contínuas e permanentes ações de Deus na condução da História Humana em toda sua temporalidade e abrangência.

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domingo, 10 de março de 2024

História da Igreja - Atanasio (293-373)

 

"Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus.

Atanásio

"o Milagre Central afirmado pelos cristãos é a Encarnação...”

C. S. Lewis

Atanásio é considerado um dos maiores teólogos da igreja cristã. Exerceu o bispado de Alexandria, sua terra de origem. Durante os debates em relação à divindade de Jesus Cristo ele foi intransigente no combate ao arianismo, que perdurou por pelo menos cinco décadas, pois eles não aceitavam que Jesus continha as duas naturezas divina e humana. Sua defesa tornou-se a base da teologia cristã que ainda é aceita em todas as vertentes genuinamente cristã.

Muito cedo ele sentiu-se vocacionado para a vida clerical, por seis anos ele exerceu a função de leitor o qual exigia uma vida devocional ilibada e um conhecimento básico das Escrituras. Em época de um número elevado de analfabetismo e de ausência de equipamento de som, o leitor tornava-se uma figura relevante. Quando se início aos embates com o arianismo Atanasio já estava exercendo a função de diácono (23 anos), portanto, já fazia parte do clero junto com padres e bispos. Tinha uma tripla função: auxiliar na elaboração da liturgia, fazer as leituras bíblicas e quando convidado podia também expor a homilia daquele dia.

Pesquisadores entendem que já neste tempo Atanásio escreveu ao menos duas obras “Contra os Gentios” e “Sobre a Encarnação”. Nesta segunda obra ele expõe pontos cardeais de sua teologia. Ele enfatiza a encarnação como o meio de salvação e o outro lado desta mesma moeda é a plenitude da divindade de Jesus Cristo. Em sua encarnação Cristo assume a plenitude de nossa humanidade e na sua divindade ele mantém a sua unicidade com o Pai e o Espírito Santo, desta forma, em Jesus Cristo (o apóstolo Paulo amava esta expressão “em Cristo”) de maneira que Ele traz o genuíno conhecimento do Pai, e provê vida eterna no lugar da morte. Nestas obras germinais ele já fundamentava toda sua teologia em defesa da unidade ontológica da substância (homoousios) do Pai e do Filho e por conseguinte do Espírito Santo. Para ele o arianismo era uma espécie de politeísmo cristão, pois Jesus Cristo era adorado como um deus menor (tese ainda adota pelos Testemunhas de Jeová). Seguindo o raciocínio deles o papel de Cristo no processo da nossa salvação torna-se secundário, uma vez, que somente Deus criador pode de fato realizar uma nova criação. Isso era inaceitável para Atanásio, mas muito aceitável por inúmeros teólogos no transcorrer da história da igreja, incluindo os nossos dias.

Ainda como coadjuvante (secretário) do bispo Alexandre, o jovem Atanásio desempenhou um papel fundamental nos bastidores do Concílio de Nicéia (325)[1], uma vez que ele não sendo bispo não poderia ter voz no plenário. Embora sendo um diácono, surpreendeu a todos os conciliares pela sua capacidade de manter-se firme nas mais difíceis e duras discussões teológicas, onde revela a cada embate um conhecimento profundo das Escrituras, que seus adversários têm cada vez mais dificuldade de se opor. Em razão do hercúleo esforço de Atanasio, o Concílio afirmou (alguns dizem confirmou) a divindade plena de Cristo contra a tese do arianismo. O Credo Niceno assim definiu a divindade de Cristo: “o Filho de Deus, gerado unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai; Deus de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai”. Podemos sempre descansar no fato de que para cada Ário que se levanta com ideias contrárias ao genuíno ensino bíblico, Deus em sua providência perfeita suscita um Atanasio (Agostinho, Lutero, Calvino...).

Com a morte do bispo Alexandre, logo após a promulgação do Credo Niceno, o jovem Atanásio (com apenas 30 anos) foi escolhido para sucedê-lo no bispado de Alexandria. Desde o início e durante todo o período restante de sua vida ele foi contestado, tendo em Eusébio de Nicomédia (não confundir com Eusébio de Cesareia) um órfão do arianismo, que lutava para reverter o resultado conclusivo do concílio de Niceia e para isso tentou de todas as formas, inclusive ilícitas, desacreditar o então bispo Atanasio.

Acusando-o sistematicamente diante do imperador Constantino, que se aborrecia facilmente com as questões teológicas e em seu afã de promover a unidade da igreja (seu instrumento de poder e dominação) acabou por ceder aos opositores e baniu Atanasio, sob acusação de heresia e perturbação da ordem pública. Essa foi primeira de uma série de cinco banimentos, e a cada vez Atanasio retornava ainda mais forte e convicto de seus posicionamentos teológicos. Seus opositores o apelidaram de "Anão Negro" foi a etiqueta que seus inimigos lhe deram, em decorrência de ser um bispo egípcio de pele escura e baixa estatura.[2] Mas na história ele se constituiu em um gigante da teologia ortodoxia cristã que estava sendo estabelecida.

Em certa ocasião sendo influenciado por pessoas de seu círculo pessoal o imperador Constantino ordena que Atanasio (em seus primeiros anos como bispo de Alexandria) recebesse Ário (que havia sido exilado) em sua Congregação, com o risco de degradação e banimento se desobedecesse. Atanasio simplesmente responde ao Imperador que não poderia receber uma pessoa que havia sido condenado (Concílio de Niceia) por toda a Igreja. Diante da postura dele Constantino o exilou para o posto avançado mais afastado do Império Romano no Ocidente: a cidade alemã de Treveris.

Nos quarenta e seis anos em que exerceu seu episcopado em Alexandria (328 a 373), então um dos maiores centros do cristianismo antigo, Atanasio enfrentou os mais duros embates teológicos e políticos da igreja cristã antiga. Além do imperador Constantino, seus sucessores Constâncio, Juliano, Valente tentaram se livrar dele, ou reduzi-lo ao silêncio. Também tem que enfrentar os órfãos de Ário, os cismáticos melecianos (do mentor Melécio de Licópolis), assim como os extremistas intransigentes do próprio concilio de Nicéia. Quase dezesseis anos de seu episcopado foram passados em exílios.

Com toda razão temos que concordar com o grande historiador da igreja Gonzales que expressando um consenso da maioria dos teólogos cristãos afirmam: “Atanásio foi, sem dúvida alguma, o bispo mais notável que chegou a ocupar a antiga sé de Alexandria e (...) foi também o maior teólogo de seu tempo”.

Uma de suas obras mais conhecida hoje é “Sobre a Encarnação do Verbo” – escrito ainda em sua juventude, que trata na verdade mais sobre a divindade do Filho antes dele assumir a nossa humanidade, do que sobre a encarnação propriamente dita. O que não tira o mérito da obra é que serviu de fundamentação para as teses consequentes da perfeita divindade de Cristo.

Atanásio faleceu em 373, aos 77 anos, sendo considerado um dos pais da Ortodoxia Cristã e um dos mais importantes doutores da Igreja.

  

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Referências Bibliográficas

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GONZALEZ, Justo L. Uma história do pensamento cristão. V.1. Tradução Paulo Arantes, Vanuza Helena Freire de Mattos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

__________, Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. Tradução Reginaldo Gomes de Araújo. Santo André, SP: Editora Academia Cristã Ltda, 2005.

HURST, John Fletcher y ROPERO, Afonso. Historia geral del Cristianismo – desde los Orígenes a nuestros días. Espanha: Editorial CLIE, 2008.

LEWIS, C. S. Miracles. Nova Iorque: Touchstone, 1996 repr. 1947. [p.143].

ORSON, Roger E. História da teologia cristã: 2.000 anos de tradição e reformas. Tradução Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 2001.

SANTO ATANÁSIO. Contra os pagãos - A encarnação do Verbo - Apologia ao imperador Constâncio - Apologia de sua fuga - Vida e conduta de S. Antão. São Paulo: Paulus, 2002. [Patrística vol. 18]. Está coleção é relevante para quem deseja estudar mais a fundo a História da Igreja.

O Credo de Atanásio - Paulo Anglada, Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras (São Paulo: Os Puritanos, 1998), 180-82.

O Credo Niceno – Paulo Anglada, Sola Scriptura : A Doutrina Reformada das Escrituras (São Paulo: Os Puritanos, 1998), 179-80.

 


[1] Considerado o mais importante dos Concílios dos primeiros séculos da Igreja Cristã. Realizado na cidade de Bitínia, contando com representantes de todas as partes da cristandade, incluindo a Índia, que enviaram seu bispo. Alcançou um número expressivo de trezentos bispos tendo em sua conclusão a presença do Imperador Constantino, que havia convocado o Concílio.

[2] Apenas Justo Gonzales faz essa citação entre aspas, mas não sita a fonte de sua afirmativa. Certamente Atanásio não era branco/loiro, pois era egípcio e portanto, no mínimo de pela escura. Certamente seus adversários focaram em sua pequena estatura e ampliaram a cor de sua pele. 


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

História da Igreja: A Comunidade de Reinos no Medievo

 

"Quando falamos de sabedoria, estamos a falar de Cristo. Quando falamos sobre a virtude, estamos a falar de Cristo. Quando falamos de justiça, estamos a falar de Cristo. Quando estamos a falar de verdade e de vida e redenção, estamos falando a respeito de Cristo "

O longo período de mil anos entre os séculos V e XV é o palco da ascensão e queda da Comunidade Medieval Europeia. Como vimos o caos causado pela queda do Império Romano, proporcionou à Igreja Cristã ascender ao topo do poder. Na mesma proporção em que os povos bárbaros conquistadores foram sendo cristianizados, a Igreja vai moldando todo o Ocidente à imagem e semelhança dos ideais cristãos [não necessariamente de Jesus Cristo] da vida comum das pessoas. Sobre os escombros do desaparecido Império Romano, o cristianismo vai construindo uma nova ordem social e uma política civilizadora, um "mundo único" cristão onde a unidade dos homens no Corpo de Cristo se expressava em dois aspectos: espiritual na Igreja universal e material/temporal no Império medieval.

Ainda que a Idade Média tenha recebido um triste apelido pejorativo de “Idade das Trevas”, e de fato do meio para o fim deste período as suas instituições tenham de fato entrado em convulsões morais e espirituais que acabaram desembocando no grande movimento da Reforma Protestante. Entretanto, nos dias de sua grandeza, nenhuma época produziu um senso mais elevado de dever e maior disposição para se sacrificar, ou uma concepção mais refinada da fraternidade comum entre as pessoas sob uma única ordem mundial cristã.

Liderança Cristã em um Mundo em Transformação

Os fundamentos sobre os quais a nova Europa haveria de ser construída serão estabelecidos pelos arquitetos da Comunidade Medieval, os líderes cristãos dos séculos IV e V. Dois personagens tornam-se representativos desse momento crucial e formativo, que no pensamento e na ação construíram a ponte sobre a qual o mundo Antigo passou para a Idade Média.

Ambrósio de Milão (339-397)[1]: governador vigoroso e hábil da cidade, exegeta bíblico, teórico político, mestre da eloquência Latina, músico e professor; em todos esses papéis, ele estava falando a respeito de Cristo. Embora o poder e a independência crescentes da Igreja na época de Ambrósio fossem reforçados pela legislação imperial, foi o trabalho de homens como ele que fizeram da organização cristã a única instituição estável na cena em mudança.

Foi firme nas questões concernentes às práticas pagãs; foi implacável em relação ao arianismo, que havia avançado bastante; e coroando sua postura singular enfrentou o imperador Teodósio I, o último imperador forte no Ocidente. E foi nesse embate entre os dois maiores poderes daquele momento que Ambrósio apresentou os princípios da relação entre Igreja e Estado que se constituirá na bússola norteadora do pensamento medieval.

Em 390 a.C. Teodósio ordenou um massacre de sete mil moradores de Tessalônica, horrorizando todo o mundo mediterrâneo. Depois disso, o imperador vai à basílica de Milão, no que foi impedido pelo bispo Ambrósio de participar dos sacramentos, até que houvesse demonstrado arrependimento. Nesse momento a Igreja e o Estado pararam! Mas o imperador acata a autoridade da Igreja e se retira acatando a pena que lhe foi imposta pelo bispo.

No pensamento de Ambrósio, a Igreja e no Estado se constituem dois poderes que se apoiam, mas independentes, um funcionando na esfera espiritual, o outro nos assuntos temporais. Quanto à religião, o dever do Estado ou do imperador cristão é proteger e apoiar a Igreja, fazer cumprir as decisões de seus conselhos ecumênicos e elaborar um código legislativo de acordo com os princípios morais cristãos.

Qualquer ação além dessas torna-se interferência. A independência da Igreja em relação à sua propriedade e à sua lei, bem como os privilégios e poderes do seu clero, devem ser respeitados e garantidos. Aqui, está a síntese do pensamento que determinou a relação da Igreja e do Estado no início da Idade Média, antes da imposição do poder supremo e universal do papado tornar-se dominante no Ocidente.

O pensamento vitorioso de Ambrósio está em nítida distinção com o princípio aceito na metade oriental do antigo império. Lá o conceito dos poderes divinamente dados do imperador, onde tanto a Igreja quanto o Estado estão debaixo de sua autoridade, era já difundido e cristalizado. Desta forma, o abismo entre a parte Oriental do cristianismo e seu lado Ocidental vai cada vez mais sendo ampliado, em decorrência dessas visões opostas da relação entre os poderes espirituais e temporais cristãos.

O Legado de Ambrósio

            Entre muito que poderíamos destacar na vida de Ambrósio uma que se reveste de particular atenção é a sua participação efetiva na conversão de Agostinho, cuja influência sobre o pensamento e a vida da igreja até aos dias de hoje é difícil de exagerar. Não somente as exposições bíblicas de Ambrósio, mas a amalgama com sua vida cristã piedosa atraíram e impactaram a vida do jovem Agostinho que sempre se refere a ele como muito apreço, como por exemplo, em suas Confissões:

“A Milão vim, ao Bispo Ambrósio ... cujo discurso eloquente dispensou abundantemente a Teu povo a farinha de Teu trigo, a alegria de Teu óleo e a sóbria embriaguez de Teu vinho. Por ele eu fui guiado por Ti sem saber, para que por ele eu pudesse ser conduzido a Ti conscientemente. Aquele homem de Deus me recebeu como um pai e mostrou-me uma bondade episcopal em minha vinda” (Confissões, livro 5 - itálico meu).

            Ele foi sem duvida alguma um baluarte na vitória da Ortodoxia Cristã contra as heresias produzidas principalmente pelo Arianismo. Tornou-se um exemplo em permanecer firme contra a arrogância de poderosos que praticavam atrocidades, incluindo o próprio Imperador. Ele não se encolheu diante dos poderosos ou ricos, mas manteve-se dentro dos padrões de justiça. Tal coragem é digna de emulação.

            Suas teses da relação entre igreja e o Estado em que ambos tinham suas esferas de autoridade e poder distintos foi ainda no nascedouro deturpado, inclusive por ele mesmo ao tomar ações que sobrepunham a igreja sobre o Estado. O que ao longo da Idade Média transformara a igreja em autoridade maior sobre todas as outras e reis e imperadores sucumbiriam diante dela. Mas este poder excedente acabou por deformar completamente a função da igreja trazendo danos irreparáveis à espiritualidade eclesiástica.

 

 Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Reflexão Bíblica

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Referências Bibliográficas
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BURNS, E. M. História da Civilização Ocidental. Vol. 1. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005.
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COLLINS, Ross William. A History of Medieval Civilization in Europe. Boston: Ginn and Company, s.d.
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LATOURETTE, K. S. Uma história do cristianismo. São Paulo: Hagnos, 2007.
MATOS, Alderi Souza de. A caminhada cristã na história: A Bíblia, a igreja e a sociedade ontem e hoje.Viçosa, MG: Ultimato, 2005.
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VEYNE, P. Quando nosso mundo se tornou cristão (312-394). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.



[1] “Anão Negro" era a alcunha que seus inimigos lhe davam. E o pequeno bispo egípcio de pele escura tinha muitos inimigos. Ele foi exilado cinco vezes por quatro imperadores romanos, passando 17 dos 45 anos que serviu como bispo de Alexandria no exílio. No final, seus inimigos teológicos foram "exilados" do ensino da igreja, e são os escritos de Atanásio que moldaram o futuro da igreja.