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quarta-feira, 13 de março de 2019

História da Igreja Cristã: Teodósio, o primeiro imperador cristão



            Depois da morte de Juliano (363), todos os imperadores romanos adotaram o cristianismo e antes de encerrar o quarto século, a religião cristã torna-se oficialmente religião do império – Constantino legalizou o cristianismo e interrompeu as perseguições oficiais (313), mas ao final desse mesmo século, outro imperador, Teodósio, oficializou a Igreja Católica (ano 380), tornando-a a única religião admitida no império, o que atraiu toda sorte de “interessados” e uma multidão de “convertido”, principalmente das camadas mais elitizadas, que como camaleões vestem as cores do poder em vigor. O que antes era motivo de temor e morte - o ser cristão - passou a ser status quo.
            O imperador (Flávio) Teodósio I O Grande (379-395)[1] é considerado o primeiro imperador ortodoxo, ou seja, que defendia a religião cristã e seus dogmas. Ele ascendeu ao trono do Oriente, compartilhando o Império Romano com Graciano (359-383), imperador do Ocidente, em 19 de janeiro de 379, aos 32 anos de idade. Mas a partir de 394, tornou-se o único governante do Império, até 17 de janeiro de 395, data de seu falecimento. Tendo recebido o título de “O Grande”[2] por autores posteriores a sua época, foi um governante que soube ler com antecedência os movimentos do tabuleiro politico-religioso que vivia e paulatinamente vai se tornando um devotado defensor da ortodoxia cristã. Ainda em seu primeiro ano de governo ele faz publicar, em 28 de fevereiro de 380, um Edito religioso, nominado de Édito de Tessalônica,[3] também conhecido como Cunctos Populos (ou seja, todos os povos) ou De Fide Catolica (a fé universal) no qual era decretada a unidade religiosa do Império:
Queremos que as diversas nações sujeitas à nossa Clemência e Moderação continuem professando a religião legada aos romanos pelo apóstolo Pedro, tal como a preservou a tradição fiel e tal como é presentemente observada pelo pontífice Dâmaso e por Pedro, Bispo de Alexandria e varão de santidade apostólica. De conformidade com a doutrina dos apóstolos e o ensino do Evangelho, creiamos, pois, na única divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo em igual majestade e em Trindade santa. Autorizamos os seguidores dessa lei a tomarem o título de Cristãos Católicos. Referentemente aos outros que julgamos loucos, cheios de tolices, queremos que sejam estigmatizados com o nome ignominioso de hereges, e que não se atrevam a dar a seus conventículos o nome de Igrejas. Estes sofrerão, em primeiro lugar, o castigo da divina condenação e, em segundo lugar, a punição que nossa autoridade, de acordo com a vontade do céu, decida inflingir-lhes (Cf. DREHER, 2004).
Nesse Edito há diversos aspectos que precisam ser compreendidos à luz do momento histórico em que foi criado, mas o espaço nos limita: o bispo romano Atanásio[4] havia falecido em 373 e seu sucessor foi o bispo Dâmaso e que no documento é associado diretamente ao apóstolo Pedro como garantidores da idoneidade ortodoxa da fé cristã. Contém também a formulação confessional da Trindade que havia sido estabelecida pela nova geração de teólogos conhecidos como os grandes capadócios: Basílio de Cesaréia (329-379), Gregório de Nissa (335-394), e Gregório de Nazianzo (329-390); a elaboração teológica final dessa geração está estabelecida no Credo Niceno-Constantinopolitano, aprovado no grande Concílio de 381 na cidade de Constantinopla:[5]
Cremos em um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual, por nós seres humanos e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne do Espírito Santo e da Virgem Maria, e tornou-se humano, e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos, e padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras, e subiu aos céus e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim; e no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou através dos profetas; e na Igreja una, santa, católica e apostólica; confessamos um só batismo para remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do século vindouro.
Teodósio acometido de grave doença, contraída em Tessalônica, submete-se ao batismo cristão e desta forma tornando-se o primeiro imperador romano que exerceu o poder estando batizado. Dentro desta nova perspectiva ele foi o primeiro imperador a recusar oficialmente o título de Pontifex  Maximus, em tradução livre - Supremo Guardião – protetor maior nos cultos romanos.
Conseguiu que o Senado Romano reconhecesse o Cristianismo como religião oficial formatando definitivamente a Igreja Imperial. Por lei proibia-se o retorno de qualquer expressão religiosa pagã, ou seja, que não se ajustasse ao padrão ortodoxo cristão acima mencionado. 
Na esteira das mudanças o imperador Teodósio determinou a entrega à Igreja Oficial de todos os bens das igrejas não ortodoxas, como a Ariana, a Macedoniana e a Donatista, que estavam proibidas de realizarem qualquer serviço de culto. Outro decreto proibia que se falasse ou escrevesse contra a religião cristã, e determinou-se que todos os livros contrários fossem queimados (HURLBUT, 1979, p.97). Esse reconhecimento legal incitou lideranças cristãs a promoverem atos violentos contra qualquer templo religioso considerado pagão. Em seguida começaram as perseguições, em que os hereges eram torturados e alguns executados. A Igreja perseguida ainda nos princípios do século IV tornou-se Igreja perseguidora, em 392, ano em que foi promulgada uma lei de proibição geral de cultos e sacrifícios pagãos, sob pena de castigo máximo (morte). Tão longe se estava, então, dos tempos de Nero, de Décio e de Valeriano e das duras perseguições de Diocleciano e de Galério.
Desta forma oficialmente o cristianismo foi vitorioso, todavia, as comunidades (igrejas locais) perderam sua autonomia e foram totalmente submetidas à autoridade do bispo, que por sua vez eram tutelados pelo Estado, como afirma Dreher (2004) o “regime de Cristandade se completava”. Mas era tarde de mais, pois muitos dos conceitos pagãos já haviam sido inoculados no organismo da igreja cristã.
O mundo superou a igreja, tanto quanto a igreja venceu o mundo, e o ganho temporal do cristianismo foi, em muitos aspectos, anulado pela perda espiritual. Multidões foram batizadas apenas com água, não com o Espírito e fogo do Evangelho, e amalgamavam-se costumes e práticas pagãs para a liturgia cristã sob um novo nome. A apropriação da Cruz com o estandarte militar por Constantino foi um presságio do que viria a se constituir uma infeliz mistura dos poderes temporais e espirituais, o reino que é da terra e o Reino que é do céu. O estabelecimento dessa unidade foi em si uma fonte prolífica de erros e veementes lutas sobre jurisdição, que se estendem por toda a Idade Média.
A Igreja Cristã jamais retornara à simplicidade de seus primeiros séculos antes de Constantino. Deste ponto em diante a Igreja caminhara firme para seu período mais decadente e que depois de inúmeras tentativas de reforma ou restauração eclodira na denominada Reforma Protestante no século XVI.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica

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Referências Bibliográficas
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BURNS, E. M. História da Civilização Ocidental. Vol. 1. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005.
CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 2008.
CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica - os primeiros quatro séculos da Igreja Cristã. 7ª ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2007.
DREHER, Martin.N. A Igreja no Império Romano. São Leopoldo: SINODAL, 2004. [Coleção História da Igreja, volume 1. 5.ed.].
HURLBUT, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã. São Paulo: Editora Vida, 1979.
Matos, Alderi Souza de. A caminhada cristã na história: A Bíblia, a igreja e a sociedade ontem e hoje. Viçosa, MG: Ultimato, 2005.
GIORDANI, Mário Curtis. História de Roma: antiguidade clássica II. 15.ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
GONZÁLEZ, J. L. Uma história do pensamento cristão, v. 1. Tradução Paulo Arantes, Vanuza Helena Freire de Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
______________. Dicionário ilustrado dos interpretes da fé. Tradução Reginaldo Gomes de Araujo. Santo André (SP): Editora Academia Cristã Ltda., 2005.
______________. História ilustrada do cristianismo. A era dos mártires até a era dos sonhos frustrados. 2. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2011.
LATOURETTE, K. S. Uma história do cristianismo. São Paulo: Hagnos, 2007.
PELIKAN, Jaroslav. A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina. Vol. 1. O surgimento da tradição católica (100-600). São Paulo: Shedd Publicações, 2014.
ROSTOVTZEFF. Mikhail. História de Roma. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1961.
VEYNE, P. Quando nosso mundo se tornou cristão (312-394). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.



[1] Nasce em 346 em Cauca, atual Coca (Segóvia, Espanha) com o nome de Flávio Teodósio, filho de Thermantia e de Flávio Honório Teodósio, o velho; seu pai foi lugar-tenente hispano e um dos generais mais prestigiosos de Valentiniano I, sendo conclamado como dux efficacisimus [chefe, ou general, altamente eficaz].
[2] Juntamente com Constantino, também intitulado “O Grande” – estão entre os mais citados imperadores cristãos.
[3] Esse Edito foi assinado por Teodósio, em conjunto com seus colegas da parte ocidental do Império, Graciano e Valentiniano II.
[4] Atanásio não presenciou o resultado final de seu longo e custoso debate ariano, cujo resultado foi a elaboração do Credo Niceno-Constantinopolitano que estabelece a doutrina da Trindade e que foi fruto de sua perseverança.
[5] Este Concílio foi convocado por ordem do próprio imperador Teodósio, com a finalidade de colocar um ponto final na controvérsia Ariana que vinha se arrastando a muitos anos e trazendo transtornos político-eclesiástico ao Império. Nesse Concílio o arianismo foi condenado e seus seguidores classificados como hereges, assim como os macedonianos semi-arianos, os apolinaristas e outras expressões religiosas que não se ajustassem ao novo Credo.

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