Depois da morte de Juliano (363),
todos os imperadores romanos adotaram o cristianismo e antes de encerrar o
quarto século, a religião cristã torna-se oficialmente religião do império – Constantino
legalizou o cristianismo e interrompeu as perseguições oficiais (313), mas ao
final desse mesmo século, outro imperador, Teodósio, oficializou a Igreja
Católica (ano 380), tornando-a a única
religião admitida no império, o que atraiu toda sorte de “interessados” e uma
multidão de “convertido”, principalmente das camadas mais elitizadas, que como
camaleões vestem as cores do poder em vigor. O que antes era motivo de temor e
morte - o ser cristão - passou a ser status quo.
O imperador (Flávio) Teodósio I O Grande
(379-395)[1] é considerado o primeiro
imperador ortodoxo, ou seja, que defendia a religião cristã e seus dogmas. Ele
ascendeu ao trono do Oriente, compartilhando o Império Romano com Graciano
(359-383), imperador do Ocidente, em 19 de janeiro de 379, aos 32 anos de
idade. Mas a partir de 394, tornou-se o único governante do Império, até 17 de
janeiro de 395, data de seu falecimento. Tendo recebido o título de “O Grande”[2] por autores posteriores a
sua época, foi um governante que soube ler com antecedência os movimentos do
tabuleiro politico-religioso que vivia e paulatinamente vai se tornando um
devotado defensor da ortodoxia cristã. Ainda em seu primeiro ano de governo ele
faz publicar, em 28 de fevereiro de 380, um Edito religioso, nominado de Édito
de Tessalônica,[3] também conhecido como Cunctos Populos (ou seja, todos os
povos) ou De Fide Catolica (a fé universal)
no qual era decretada a unidade religiosa do Império:
Queremos que as diversas nações
sujeitas à nossa Clemência e Moderação continuem professando a religião legada
aos romanos pelo apóstolo Pedro, tal como a preservou a tradição fiel e tal
como é presentemente observada pelo pontífice Dâmaso e por Pedro, Bispo de
Alexandria e varão de santidade apostólica. De conformidade com a doutrina dos
apóstolos e o ensino do Evangelho, creiamos, pois, na única divindade do Pai,
do Filho e do Espírito Santo em igual majestade e em Trindade santa.
Autorizamos os seguidores dessa lei a tomarem o título de Cristãos Católicos.
Referentemente aos outros que julgamos loucos, cheios de tolices, queremos que
sejam estigmatizados com o nome ignominioso de hereges, e que não se atrevam a
dar a seus conventículos o nome de Igrejas. Estes sofrerão, em primeiro lugar,
o castigo da divina condenação e, em segundo lugar, a punição que nossa
autoridade, de acordo com a vontade do céu, decida inflingir-lhes (Cf. DREHER, 2004).
Nesse Edito há diversos aspectos que precisam ser
compreendidos à luz do momento histórico em que foi criado, mas o espaço nos
limita: o bispo romano Atanásio[4] havia falecido em 373 e seu
sucessor foi o bispo Dâmaso e que no documento é associado diretamente ao
apóstolo Pedro como garantidores da idoneidade ortodoxa da fé cristã. Contém
também a formulação confessional da Trindade que havia sido estabelecida pela
nova geração de teólogos conhecidos como os grandes capadócios: Basílio de
Cesaréia (329-379), Gregório de Nissa (335-394), e Gregório de Nazianzo
(329-390); a elaboração teológica final dessa geração está estabelecida no
Credo Niceno-Constantinopolitano, aprovado no grande Concílio de 381 na cidade
de Constantinopla:[5]
Cremos em um Deus, Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um
Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos
os séculos, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito,
de uma só substância com o Pai, pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual,
por nós seres humanos e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne do
Espírito Santo e da Virgem Maria, e tornou-se humano, e foi crucificado por nós
sob o poder de Pôncio Pilatos, e padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao
terceiro dia conforme as Escrituras, e subiu aos céus e assentou-se à direita
do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu
reino não terá fim; e no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do
Pai, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou
através dos profetas; e na Igreja una, santa, católica e apostólica; confessamos
um só batismo para remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e
a vida do século vindouro.
Teodósio acometido de grave doença, contraída em
Tessalônica, submete-se ao batismo cristão e desta forma tornando-se o primeiro
imperador romano que exerceu o poder estando batizado. Dentro desta nova
perspectiva ele foi o primeiro imperador a recusar oficialmente o título de
Pontifex Maximus, em tradução livre - Supremo
Guardião – protetor maior nos cultos romanos.
Conseguiu
que o Senado Romano reconhecesse o Cristianismo como religião oficial
formatando definitivamente a Igreja Imperial. Por lei proibia-se o retorno de
qualquer expressão religiosa pagã, ou seja, que não se ajustasse ao padrão
ortodoxo cristão acima mencionado.
Na esteira das mudanças o imperador Teodósio determinou a
entrega à Igreja Oficial de todos os bens das igrejas não ortodoxas, como a
Ariana, a Macedoniana e a Donatista, que estavam proibidas de realizarem
qualquer serviço de culto. Outro decreto proibia que se falasse ou escrevesse
contra a religião cristã, e determinou-se que todos os livros contrários fossem
queimados (HURLBUT, 1979, p.97). Esse reconhecimento legal incitou lideranças
cristãs a promoverem atos violentos contra qualquer templo religioso
considerado pagão. Em seguida começaram as perseguições, em que os hereges eram
torturados e alguns executados. A Igreja perseguida ainda nos
princípios do século IV tornou-se Igreja perseguidora, em 392, ano em
que foi promulgada uma lei de proibição geral de cultos e sacrifícios pagãos,
sob pena de castigo máximo (morte). Tão longe se estava, então, dos tempos de
Nero, de Décio e de Valeriano e das duras perseguições de Diocleciano e de
Galério.
Desta forma oficialmente o cristianismo foi vitorioso,
todavia, as comunidades (igrejas locais) perderam sua autonomia e foram
totalmente submetidas à autoridade do bispo, que por sua vez eram tutelados
pelo Estado, como afirma Dreher (2004) o “regime
de Cristandade se completava”. Mas era tarde de mais, pois muitos dos conceitos pagãos já haviam sido inoculados
no organismo da igreja cristã.
O mundo superou a igreja, tanto quanto
a igreja venceu o mundo, e o ganho temporal do cristianismo foi, em muitos
aspectos, anulado pela perda espiritual. Multidões foram batizadas apenas
com água, não com o Espírito e fogo do Evangelho, e amalgamavam-se costumes e
práticas pagãs para a liturgia cristã sob um novo nome. A apropriação da Cruz
com o estandarte militar por Constantino foi um presságio do que viria a se
constituir uma infeliz mistura dos poderes temporais e espirituais, o reino que
é da terra e o Reino que é do céu. O estabelecimento dessa unidade foi em
si uma fonte prolífica de erros e veementes lutas sobre jurisdição, que se
estendem por toda a Idade Média.
A Igreja Cristã jamais retornara à simplicidade de seus
primeiros séculos antes de Constantino. Deste ponto em diante a Igreja
caminhara firme para seu período mais decadente e que depois de inúmeras tentativas
de reforma ou restauração eclodira na denominada Reforma Protestante no século
XVI.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Reflexão Bíblica
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mundo se tornou cristão (312-394). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010.
[1] Nasce em 346
em Cauca, atual Coca (Segóvia, Espanha) com o nome de Flávio Teodósio,
filho de Thermantia e de Flávio Honório Teodósio, o velho; seu
pai foi lugar-tenente hispano e um dos generais mais prestigiosos
de Valentiniano I, sendo conclamado como dux efficacisimus [chefe,
ou general, altamente eficaz].
[2] Juntamente com Constantino, também
intitulado “O Grande” – estão entre os mais citados imperadores cristãos.
[3] Esse Edito foi assinado por Teodósio,
em conjunto com seus colegas da parte ocidental do Império, Graciano e
Valentiniano II.
[4] Atanásio não presenciou o resultado final
de seu longo e custoso debate ariano, cujo resultado foi a elaboração do Credo
Niceno-Constantinopolitano que estabelece a doutrina da Trindade e que foi
fruto de sua perseverança.
[5] Este Concílio foi convocado por ordem
do próprio imperador Teodósio, com a finalidade de colocar um ponto final na
controvérsia Ariana que vinha se arrastando a muitos anos e trazendo
transtornos político-eclesiástico ao Império. Nesse Concílio o arianismo foi
condenado e seus seguidores classificados como hereges, assim como os macedonianos
semi-arianos, os apolinaristas e outras expressões religiosas que não se
ajustassem ao novo Credo.
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