Os missionários [presbiterianos] tiveram a atenção despertada para a
pequena vila de Brotas. Qual a razão do interesse na charmosa vila, com pequena
população onde rumorejam setenta e quatro cachoeiras, ou quedas de água, em todos
os cantos e recantos? Quem fornece a resposta é o Rev. José Carlos Nogueira, no
histórico da igreja:
“Devemos esta primazia de Brotas, na fundação da sua igreja, à conversão
ao evangelho, só pela leitura da Bíblia, do padre José Manoel da Conceição...
Convertido ao evangelho e dotado de alma profundamente missionária, e de várias
amizades na cidade referida, procura guiar para ela os primeiros missionários presbiterianos
que se aproximavam da região. Pela influência do grande e prestigioso ministro
de Deus, tormou-se Brotas o quartel-general de uma das mais belas e vigorosas
arrancadas missionárias da evangelização no Brasil, a qual levou o evangelho
pela região do Oeste adentro e alcançou os centros povoados da época, como
Jaú, Mineiros, Lençóis, Rio Novo (Avaré) e, dando passos de gigante, atingiu seus
arautos a distante região do sul de Minas onde alcançou Borda da Mata e
Caldas".
Naqueles tempos em que a falta de meios de transporte aumentava as
distâncias, essa motivação em torno do padre, que mandava seus paroquianos ler
a Bíblia, levou o Rev. Alexander Latimer Blackford a percorrer em lombos de
cavalos a longa distância de cerca de duzentos e cinquenta quilômetros, de São
Paulo a Brotas. O ministério apostólico cristão do padre causava ressonância em
muitas regiões, especialmente na capital de São Paulo, onde ele havia nascido;
em Sorocaba, onde estudara; e nas paróquias onde havia sido vigário. Desde cedo
angariava simpatia com toda a gente. Conceição era um padre amado e respeitado,
por seus paroquianos e por superiores, e de muito prestígio por onde andou.
Como quinto vigário da matriz romana de Brotas, onde ministrou de 1852 a 1858,
e de 1860 a 1863, foi considerado pelo jornal Tribuna Comunitária, na edição de
28 de abril de 2001, como uma das pessoas que fizeram a história de Brotas.
Depois de ordenação passou a servir nas paróquias de Água Choca, Piracicaba,
Santa Bárbara, Taubaté, Sorocaba, Limeira, Ubatuba e, por fim, Brotas. Por
conta de seu convívio com evangélicos e de seus pronunciamentos nos púlpitos, o
Bispado da Província achou por bem acender a luz amarela e tomar cuidado com
ele, transferindo-o de paróquias constantemente para evitar que se enraizassem nele
amizades com protestantes. Aumentava a cada dia o anseio desse padre por ver,
de uma vez por todas, clareada a verdade. Surgiu a oportunidade em novembro de
1863, quando a alma inquieta de Conceição almejava libertar-se daquele estado
de coisas. Recolheu-se a um sitio em Corumbataí, a poucos quilômetros de Rio
Claro, onde aguardava a oportunidade para ver resolvida tal situação. Estava
ansioso e na iminência de romper com o clero romano. Deus havia falado muito
claro a ele por meio de sua Palavra. Estava ada a oportunidade.
Nessa ocasião, Conceição professou a fé e foi batizado pelo Rev.
Blackford, presente também o Rev. Simonton. Um dia após, Simonton, Blackford e
Schneider, os primeiros missionários, organizaram o Presbitério de São Paulo.
No dia 17 de dezembro de 1865, o ex-padre foi ordenado, após examinado e
proferido o sermão de prova. A cerimônia deve ter sido tão tocante quanto sua
profissão de fé no ano anterior e, ao mesmo tempo, representou nova e
alentadora injeção de sangue novo na equipe missionária, e na evangelização no
Brasil. Até hoje o “Dia do Pastor” é comemorado no dia 17 de dezembro, em
alusão à data de ordenação do ex-padre. O promissor acontecimento ocorreu na
mesma casa da Primeira Igreja de São Paulo, na Rua de São José, 1. Nas reuniões,
no mesmo local, em 1864, em que Conceição e Blackford planejaram a maneira como
o sacerdote romano deixaria sua antiga igreja, certamente na cabeça e no
coração de Blackford eram pré-concebidas a igreja da capital, organizada no dia
5 de março de 1865; e a primeira do interior, a de Brotas, no dia 13 de
dezembro do mesmo ano, quatro dias antes da ordenação de Conceição. Poder-se-ia
dizer que as duas igrejas não nasceram na mesma data, mas houve o que se
poderia chamar de cogestação, ou seja, idealmente concebidas ao mesmo tempo. Só
não podem ser chamadas de gêmeas, por não terem nascido no mesmo dia e hora.
O eixo Brotas-Borda da Mata
A história da Igreja Presbiteriana de Brotas tem laços muito fortes, na
sua origem, com Borda da Mata, localidade que então pertencia a Pouso Alegre,
na estrada entre São Paulo e Minas Gerais. Por volta dos anos de 1850, Brotas
tomou-se uma região atrativa para cultivadores de cana-de-açúcar, café e outras
culturas, que se desenvolveram velozmente na região. Famílias da região de
Pouso Alegre, no sul de Minas, começaram a mudar-se para Brotas em busca de
melhores terras. Entre elas a de Antônio Francisco de Gouvêa, que logo adquiriu
uma propriedade em Brotas, onde se fixou. Outras famílias de Borda da Mata já
habitavam a região. Logo o ainda padre Conceição, vigário da paróquia, fez
amizade com duas principais famílias, a dos Gouvêa e a dos Cerqueira Leite.
Naqueles tempos não havia, como hoje, o acesso fácil à Bíblia, por dois motivos
principais: era difícil encontrar um exemplar; e a Igreja Romana combatia com
afinco, perseguição e ameaças a propagação dos protestantes, com a alegação de
que as Bíblias espalhadas pelos crentes eram falsas e que eram inimigos da
“virgem Maria”. O padre Conceição, ao contrário, católico sincero, recomendava
a seus paroquianos que lessem a Bíblia, e ele mesmo a lia para eles. Depois do
primeiro encontro, em 1863, com Blackford, essa prática aumentou e ele mesmo
confrontou as verdades bíblicas em relação às da Igreja de Roma. A igreja de Brotas
teve início com essa propagação da mensagem bíblica por um padre. Essas
verdades parecem ter atingido primeiramente as famílias Gouvêa, Cerqueira Leite
e Manoel José Ribeiro.
No início de fevereiro de 1865, os missionários não perderam o foco e
intensificaram suas visitas a Brotas. Blackford subiu no cavalo e lá estava ele
a pregar em casa de várias dessas famílias na vila e nos sítios. Conforme o
prefácio histórico da ata, o missionário pregou duas vezes na casa de Manoel
José Ribeiro, a 15 e a 30 pessoas respectivamente. Na reunião em casa de
Antônio Francisco Gouvêa, 40 pessoas foram ouvir o americano. Blackford, em
relatório, mostra-se impressionado com o interesse dos ouvintes nos dez dias
em que permaneceu pregando e fazendo visitas juntamente com Conceição:
“Nunca vi tão bem a excelência do evangelho e sua perfeita adequação
para convencer e salvar os que estão ansiosos e desejam conhecer a verdade. O
interesse desses dias foi absorvente; explicava-se a verdade, respondia-se às
dúvidas. Encontrei melhores sentimentos e sinceridade religiosa nessa
comunidade e passei a alimentar esperança de uma rápida propagação do evangelho
no Brasil”.
O mesmo histórico informa a chegada de reforço, no mês de abril de 1865.
Eram Simonton e Chamberlain, visitando o Distrito de Brotas, onde pregaram
diversas vezes a várias pessoas. Mais em junho de 1865. Os missionários
mandaram para lá uma peça da infantaria missionária, o empenhado colportor
Manoel Pereira Bastos, muito conhecido por dar suporte aos missionários nos
primeiros tempos da evangelização em São Paulo. Bastos permaneceu espalhando
munição em todos os cantos da vila e dos sítios durante dois meses. Entre os
meses de outubro e novembro do mesmo ano Blackford e Simonton voltaram a
Brotas e intensificaram, durante três semanas, a evangelização e os
preparativos para reunir o pessoal interessado e organizar a igreja, a terceira
do Brasil e a primeira em cidade fora das capitais. E bem no interiorzão. A
organização aconteceu no dia 13 de novembro de 1865. Que cerimônia singular! O
pregador da ocasião foi aquele por meio do qual os corações receberam as
primeiras sementes do evangelho, aquele que havia professado sua fé, Conceição.
Havia mais de trinta pessoas. Nessa oportunidade, onze professaram a fé e foram
balizadas. Eram da família Gouvêa. Lessa, na pág. 35, diz que Herculano Gouvêa,
filho da igreja de Brotas, observou que os primeiros onze membros eram
representados por Antônio Francisco de Gouvêa, Severino de Gouvêa e Joaquim
José de Gouvêa. Três irmãos com outros membros das famílias. Severino é pai do
Rev. Herculano Gouvêa. Lessa destaca, nas págs. 34-35 dos Anaes, que entre os
onze comungantes se achava uma menina de 11 anos, Maximina de Gouvêa, filha de
Antônio Francisco, a qual mais tarde se uniu por muitos anos à Primeira Igreja
de São Paulo e foi esposa do presbítero Joaquim Honório Pinheiro. “Quando faleceu,
em 1923,” diz Lessa, “era a última sobrevivente do primitivo grupo dos crentes
presbiterianos brasileiros”. Essa fundadora da igreja de Brotas foi sogra do
Rev. Themudo Lessa.
Alguém de Brotas foi a Borda da Mata, decerto recomendado pelos Gouvêa,
para pregar, lançar a semente, do que resultou a igreja mineira, a terceira do
interior brasileiro e a primeira de Minas. O início em Borda da Mata foi na
casa de outro Gouvêa, Antônio Joaquim. Organizada a igreja de Brotas, teve
assistência inicial de vários ministros, que continuaram a proclamar o
evangelho e a regar após o plantio. Dentre eles, os Revs. Simonton, Blackford,
Schneider, Chamberlain, Emanuel Pires e Dagama, que se revezavam e permaneciam
por lá várias semanas, às vezes alguns meses.
Utilização livre desde que citando a fonte
Professor Caleb Soares
Historiador
Mestre em Letras
Mestrando em Teologia
Fundador e Presidente do
Instituto de Pedagogia Cristã
(IPC)
Referência
Bibliográfica
SOARES, Caleb. 150 anos de
paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP):
Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.
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