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terça-feira, 12 de março de 2019

Protestantismo Presbiteriano no Interior São Paulo: Brotas [1]



Os missionários [presbiterianos] tiveram a atenção despertada para a pequena vila de Brotas. Qual a razão do interesse na charmosa vila, com pequena população onde rumorejam setenta e quatro cachoeiras, ou quedas de água, em todos os cantos e recantos? Quem fornece a resposta é o Rev. José Carlos Nogueira, no histórico da igreja:

“Devemos esta primazia de Brotas, na fundação da sua igreja, à conversão ao evangelho, só pela leitura da Bíblia, do padre José Manoel da Conceição... Convertido ao evangelho e dotado de alma profundamente missionária, e de várias amizades na cidade referida, procura guiar para ela os primeiros missionários presbiterianos que se aproximavam da região. Pela influência do grande e prestigioso ministro de Deus, tormou-se Brotas o quartel-general de uma das mais belas e vigorosas arrancadas missionárias da evangelização no Brasil, a qual levou o evangelho pela re­gião do Oeste adentro e alcançou os centros povoados da época, como Jaú, Mineiros, Lençóis, Rio Novo (Avaré) e, dando passos de gigante, atingiu seus arautos a distante região do sul de Minas onde alcançou Borda da Mata e Caldas".
Naqueles tempos em que a falta de meios de transporte aumentava as distâncias, essa motivação em torno do padre, que mandava seus paroquianos ler a Bíblia, levou o Rev. Alexander Latimer Blackford a percorrer em lombos de cavalos a longa distância de cerca de duzentos e cinquenta quilômetros, de São Paulo a Brotas. O ministério apostólico cristão do padre causava ressonância em muitas regiões, especialmente na capital de São Paulo, onde ele havia nascido; em Sorocaba, onde estudara; e nas paróquias onde havia sido vigário. Desde cedo angariava simpatia com toda a gente. Conceição era um padre amado e respeitado, por seus paroquianos e por superiores, e de muito prestígio por onde andou. Como quinto vigário da matriz romana de Brotas, onde ministrou de 1852 a 1858, e de 1860 a 1863, foi considerado pelo jornal Tribuna Comunitária, na edição de 28 de abril de 2001, como uma das pessoas que fizeram a história de Brotas. Depois de ordenação passou a servir nas paróquias de Água Choca, Piracicaba, Santa Bárbara, Taubaté, Sorocaba, Limeira, Ubatuba e, por fim, Brotas. Por conta de seu convívio com evangélicos e de seus pronunciamentos nos púlpitos, o Bispa­do da Província achou por bem acender a luz amarela e tomar cuidado com ele, transferindo-o de paróquias constantemente para evitar que se enraizassem nele amizades com protestantes. Aumentava a cada dia o anseio desse padre por ver, de uma vez por todas, clareada a verdade. Surgiu a oportunidade em novembro de 1863, quando a alma inquieta de Conceição almejava libertar-se daquele estado de coisas. Recolheu-se a um sitio em Corumbataí, a poucos quilômetros de Rio Claro, onde aguardava a oportunidade para ver resolvida tal situação. Estava ansioso e na iminência de romper com o clero romano. Deus havia falado muito claro a ele por meio de sua Palavra. Estava ada a oportunidade.
Nessa ocasião, Conceição professou a fé e foi batizado pelo Rev. Blackford, presente também o Rev. Simonton. Um dia após, Simonton, Blackford e Schneider, os primeiros missionários, organizaram o Presbitério de São Paulo. No dia 17 de dezembro de 1865, o ex-padre foi ordenado, após examinado e proferido o sermão de prova. A cerimônia deve ter sido tão tocante quanto sua profissão de fé no ano anterior e, ao mesmo tempo, representou nova e alentadora injeção de sangue novo na equipe missionária, e na evangelização no Brasil. Até hoje o “Dia do Pastor” é comemorado no dia 17 de dezembro, em alusão à data de ordenação do ex-padre. O promissor acontecimento ocorreu na mesma casa da Primeira Igreja de São Paulo, na Rua de São José, 1. Nas reuniões, no mesmo local, em 1864, em que Conceição e Blackford planejaram a maneira como o sacerdote romano deixaria sua antiga igreja, certamente na cabeça e no coração de Blackford eram pré-concebidas a igreja da capital, organizada no dia 5 de março de 1865; e a primeira do interior, a de Brotas, no dia 13 de dezembro do mesmo ano, quatro dias antes da ordenação de Conceição. Poder-se-ia dizer que as duas igrejas não nasceram na mesma data, mas houve o que se poderia chamar de cogestação, ou seja, idealmente concebidas ao mesmo tempo. Só não podem ser chamadas de gêmeas, por não terem nascido no mesmo dia e hora.
O eixo Brotas-Borda da Mata

A história da Igreja Presbiteriana de Brotas tem laços muito fortes, na sua origem, com Borda da Mata, localidade que então pertencia a Pouso Ale­gre, na estrada entre São Paulo e Minas Gerais. Por volta dos anos de 1850, Brotas tomou-se uma região atrativa para cultivadores de cana-de-açúcar, café e outras culturas, que se desenvolveram velozmente na região. Famílias da região de Pouso Alegre, no sul de Minas, começaram a mudar-se para Brotas em busca de melhores terras. Entre elas a de Antônio Francisco de Gouvêa, que logo adquiriu uma propriedade em Brotas, onde se fixou. Outras famílias de Borda da Mata já habitavam a região. Logo o ainda padre Conceição, vigário da paróquia, fez amizade com duas principais famílias, a dos Gouvêa e a dos Cerqueira Leite. Naqueles tempos não havia, como hoje, o acesso fácil à Bíblia, por dois motivos principais: era difícil encontrar um exemplar; e a Igreja Romana combatia com afinco, persegui­ção e ameaças a propagação dos protestantes, com a alegação de que as Bíblias espalhadas pelos crentes eram falsas e que eram inimigos da “virgem Maria”. O padre Conceição, ao contrário, católico sincero, recomendava a seus paroquianos que lessem a Bíblia, e ele mesmo a lia para eles. Depois do primeiro encontro, em 1863, com Blackford, essa prática aumentou e ele mesmo confrontou as verdades bíblicas em relação às da Igreja de Roma. A igreja de Brotas teve início com essa propagação da mensagem bíblica por um padre. Essas verdades parecem ter atingido primeiramente as famílias Gouvêa, Cerqueira Leite e Manoel José Ribeiro.
No início de fevereiro de 1865, os missionários não perderam o foco e intensificaram suas visitas a Brotas. Blackford subiu no cavalo e lá estava ele a pregar em casa de várias dessas famílias na vila e nos sítios. Conforme o prefácio histórico da ata, o missionário pregou duas vezes na casa de Manoel José Ribeiro, a 15 e a 30 pessoas respectivamente. Na reunião em casa de Antônio Francisco Gouvêa, 40 pessoas foram ouvir o americano. Blackford, em relatório, mostra-se impressionado com o interesse dos ouvintes nos dez dias em que permaneceu pregando e fazendo visitas juntamente com Conceição:
“Nunca vi tão bem a excelência do evangelho e sua perfeita adequação para convencer e salvar os que estão ansiosos e desejam conhecer a verdade. O interesse desses dias foi absorvente; explicava-se a verdade, respondia-se às dúvidas. Encontrei melhores sentimentos e sinceridade religiosa nessa comunidade e passei a alimentar esperança de uma rápida propagação do evangelho no Brasil”.
O mesmo histórico informa a chegada de reforço, no mês de abril de 1865. Eram Simonton e Chamberlain, visitando o Distrito de Brotas, onde pregaram diversas vezes a vá­rias pessoas. Mais em junho de 1865. Os missionários mandaram para lá uma peça da infantaria missionária, o empenhado colportor Manoel Pereira Bastos, muito conhecido por dar suporte aos missionários nos primeiros tempos da evangelização em São Paulo. Bastos permaneceu espalhando munição em todos os cantos da vila e dos sítios durante dois meses. Entre os meses de outubro e novembro do mesmo ano Blackford e Simonton vol­taram a Brotas e intensificaram, durante três semanas, a evangelização e os preparativos para reunir o pessoal interessado e organizar a igreja, a terceira do Brasil e a primeira em cidade fora das capitais. E bem no interiorzão. A organização aconteceu no dia 13 de novembro de 1865. Que cerimônia singular! O pregador da ocasião foi aquele por meio do qual os corações receberam as primeiras sementes do evangelho, aquele que havia professado sua fé, Conceição. Havia mais de trinta pessoas. Nessa oportunidade, onze professaram a fé e foram balizadas. Eram da família Gouvêa. Lessa, na pág. 35, diz que Herculano Gouvêa, filho da igreja de Brotas, observou que os primeiros onze membros eram representados por Antônio Francisco de Gouvêa, Severino de Gouvêa e Joaquim José de Gouvêa. Três irmãos com outros membros das famílias. Severino é pai do Rev. Herculano Gouvêa. Lessa destaca, nas págs. 34-35 dos Anaes, que entre os onze comungantes se achava uma menina de 11 anos, Maximina de Gouvêa, filha de Antônio Francisco, a qual mais tarde se uniu por muitos anos à Primeira Igreja de São Paulo e foi esposa do presbítero Joaquim Honório Pinheiro. “Quando faleceu, em 1923,” diz Lessa, “era a última sobrevivente do primitivo grupo dos crentes presbiterianos brasileiros”. Essa fundadora da igreja de Brotas foi sogra do Rev. Themudo Lessa.
Alguém de Brotas foi a Borda da Mata, decerto recomendado pelos Gouvêa, para pregar, lançar a semente, do que resultou a igreja mineira, a terceira do interior brasileiro e a primeira de Minas. O início em Borda da Mata foi na casa de outro Gouvêa, Antônio Joaquim. Organizada a igreja de Brotas, teve assistência inicial de vários ministros, que continuaram a proclamar o evangelho e a regar após o plantio. Dentre eles, os Revs. Simonton, Blackford, Schneider, Chamberlain, Emanuel Pires e Dagama, que se revezavam e permaneciam por lá várias semanas, às vezes alguns meses.


Utilização livre desde que citando a fonte
Professor Caleb Soares
Historiador
Mestre em Letras
Mestrando em Teologia
Fundador e Presidente do
Instituto de Pedagogia Cristã (IPC)

Referência Bibliográfica
SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.

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[1] Enxerto do livro do Professor Caleb Soares conforme referência bibliográfica.

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