Desde
os finais do século segundo a igreja de Romana vai adquirindo um status
diferenciado,[1] pois muitos conflitos
eclesiásticos foram mediados por seus bispos. Diferentemente do que ocorria no
Oriente, em Roma houve poucas divergências teológicas, portanto, menos divisões
eclesiásticas.
Durante
os chamados Concílios ecumênicos,[2] o bispo de Roma tinha o mesmo peso e relevância dos demais representantes da igreja cristã. No primeiro
grande Concílio de Nicéia (325) em
seu sexto cânon confere aos bispos de Roma, Constantinopla,
Antioquia e Alexandria,
localizadas nos grandes centros de poder do Império, igual e equivalente autoridade, sem qualquer primado, sobre as igrejas nos
domínios imperiais. No Concílio de Sardes (345 ou 347) abre-se
uma fresta, que somente se ampliara, onde se delega ao bispo de Roma a função
de supervisor ou revisor de processos eclesiásticos que estivessem sobre
questionamentos. Aqui começa o conflito que produzira o grande Cisma do Oriente e Ocidente.[3] No
Segundo Concílio de Constantinopla
(553), convocado pelo imperador Justiniano I, o então bispo de Roma, Virgílio,
recusou-se a participar e apoiar as resoluções, e por esta razão foi exilado.
Posteriormente, para ratificar a infalibilidade papal, os decretos foram
reconhecidos. No Terceiro Concílio de
Constantinopla (680), convocado pelo imperador Constantino Pogonato, que
inclusive presidiu as sessões, o bispo de Roma, Honório, foi condenado e anatematizado como herege – que havia dado sua
aprovação a um documento imperial conhecido como Ectese, que apoiava o monotelismo,
uma doutrina condenada, pois afirmava que Jesus não tinha duas vontades (humana e divina), mas apenas a vontade divina. No Quarto
Concílio de Constantinopla (692), convocado pelo imperador Justiniano II,
reafirma os mesmos privilégios para Constantinopla, daqueles que usufruíam
Roma, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, ou seja, isonomia total. Em um caso de
tribunal eclesiástico que tratou de um caso disciplinar de um bispo, Cipriano
de Cartago chega a declarar que o Bispo de Roma apenas tinha jurisdição na sua
jurisdição, pois cada Bispo era autónomo na sua zona geográfica.
Nos
três primeiros séculos a igreja romana teve um destaque insignificante no que
tange a elaboração teológica, destacando-se apenas os escritos de Hipólito e
Novatiano, sendo o primeiro um combatente contumaz dos próprios bispos romanos
e o segundo foi posteriormente excomungado por heresias. Todavia, o que lhe
faltou no campo teológico buscou no campo administrativo eclesiástico e no tabuleiro
político. Soube como poucos ocupar o vácuo de poder imperial deixado após a
mudança da Capital do Império para Constantinopla, que passou a ser chamada de
nova Roma. Na ausência da figura máxima do Imperador o bispado romano foi
expandido sua área de atuação e cativando, quando não comprando, o apoio
crescente de autoridades eclesiásticas, imperiais e monárquicas tecendo uma
rede cada vez maior de seu poder ascendente.
Apensar
de durante sete séculos lhe ter sido negado uma primazia sobre as igrejas
cristãs, os romanos não desistiram de seus propósitos. Alguns fatores
históricos contribuíram para que os romanos alcançassem seu tão desejado primado,
ainda que somente sobre o cristianismo no
Ocidente.
§ O grande fator que alimentava esse desejo de supremacia
de Roma sobre o a totalidade do cristianismo era o fato de que havia apenas um
Imperador sobre todos. Perguntas eram formuladas em todos os lugares: os bispos
governavam as igrejas, mas quem iria governar os bispos? O bispo da igreja deve
exercer a autoridade que o imperador exercia no império?
§ Inicialmente todos
os líderes cristãos eram chamados de Patriarcas, em Roma passou a ser
chamado de Papa (papai).
§ Roma reivindicou para si a autoridade apostólica, com
base em uma tradição de que o apóstolo Pedro foi o primeiro bispo de Roma e
como o chefe dos apóstolos detinha autoridade sobre toda a igreja. Para fundamentarem
esta pseudo tradição se utilizaram de dois textos dos Evangelhos "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha
igreja”[4] e a outra "Apascenta as minhas ovelhas". A aplicação
foi que Pedro tendo sido o primeiro cabeça da igreja, outorgou a mesma primazia
aos seus sucessores, os papas de Roma, que portanto devem serem investidos da
mesma autoridade apostólica.
§ Entre os dois centros do cristianismo, Constantinopla e
Roma, a segunda soube melhor impor sua autoridade sobre os demais. Manteve-se
mais ortodoxa, enquanto o centro Oriental teve que enfrentar intermináveis
embates doutrinários.
§ A Igreja de Roma desenvolveu uma agenda cristã prática.
Sempre deu muita atenção aos necessitados, e quando houve período de fome ou
peste abriu-se para atender a todos, mesmo os que não professavam a fé cristã.
Auxiliava as igrejas mais carentes em outras províncias. Uma das cenas mais
emblemática desta postura é a de um oficial pagão em Roma que exigiu que a
Igreja mostrasse seus tesouros, o então bispo romano mandou que se reunissem seus
membros pobres e disse. "Estes são
nossos tesouros."
§ O fato de que Roma havia deixado de ser a capital do
Império, em detrimento a Constantinopla, foi mais positivo do que negativo para
as pretensões do clero romano. Enquanto na nova capital os imperadores mandavam
e desmandavam nas pendências eclesiásticas, em Roma não havia a figura do imperador
para ofuscar o poder papal, que estendia seu potentado por toda a região. As
lideranças públicas europeias (Ocidente) sempre olharam para Roma com respeito.
Com a distância da nova capital e seu Imperador, e com a proximidade do
declínio do próprio império, os ratos começam a pular cada vez mais para o
navio comandado pelo Pontífice Romano. Tudo está preparado para o ato final
desta trágica ópera romana do cristianismo Ocidental.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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[1] A ideia de que a Igreja Romana é a
Ecclesia principalis, ou seja, a mais antiga, a primogênita, aparece já no
final do século II. Em texto redigido por volta de 180, santo Irineu, bispo de
Lyon, sustenta que todas as Igrejas devem por-se de acordo com a Igreja de
Roma, em consequência da principalitas desta. A Igreja de Roma, diz ele, é a
maior, a mais antiga, conhecida de todos. A ela devem ligar-se todos os fiéis,
em virtude do seu principado mais poderoso — propter potentiorem principalitem.
[2] "Concílio Geral" ou
"Ecumênico" é a reunião dos bispos do mundo inteiro sob a presidência
do Papa ou de seus legados, tendo em vista definir ou esclarecer algum tema
debatido. Ecumênico, no caso, quer dizer, "universal"; vem do grego oikoumene
(a terra habitada, o mundo inteiro). Todos eles foram convocados pelos
respectivos imperadores romanos do período.
[3] O primeiro Concílio de Constantinopla
(381), ainda nos dias do imperador Teodósio havia declarado: “Que o bispo de
Constantinopla tenha autoridade inferior somente à do de Roma, por ser
Constantinopla a nova Roma” (Labbe e Cossart, 1671, p. 497).
[4] Estas palavras podem ser vista ainda
hoje em letras gigantes escritas em latim em torno da cúpula da Igreja de São
Pedro em Roma.
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