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quarta-feira, 27 de março de 2019

Historia da Igreja: Ascensão do Poder da Igreja de Roma



Desde os finais do século segundo a igreja de Romana vai adquirindo um status diferenciado,[1] pois muitos conflitos eclesiásticos foram mediados por seus bispos. Diferentemente do que ocorria no Oriente, em Roma houve poucas divergências teológicas, portanto, menos divisões eclesiásticas.
Durante os chamados Concílios ecumênicos,[2] o bispo de Roma tinha o mesmo peso e relevância dos demais representantes da igreja cristã. No primeiro grande Concílio de Nicéia (325) em seu sexto cânon confere aos bispos de Roma, Constantinopla, Antioquia e Alexandria, localizadas nos grandes centros de poder do Império, igual e equivalente autoridade, sem qualquer primado, sobre as igrejas nos domínios imperiais.  No Concílio de Sardes (345 ou 347) abre-se uma fresta, que somente se ampliara, onde se delega ao bispo de Roma a função de supervisor ou revisor de processos eclesiásticos que estivessem sobre questionamentos. Aqui começa o conflito que produzira o grande Cisma do Oriente e Ocidente.[3] No Segundo Concílio de Constantinopla (553), convocado pelo imperador Justiniano I, o então bispo de Roma, Virgílio, recusou-se a participar e apoiar as resoluções, e por esta razão foi exilado. Posteriormente, para ratificar a infalibilidade papal, os decretos foram reconhecidos. No Terceiro Concílio de Constantinopla (680), convocado pelo imperador Constantino Pogonato, que inclusive presidiu as sessões, o bispo de Roma, Honório, foi condenado e anatematizado como herege – que havia dado sua aprovação a um documento imperial conhecido como Ectese, que apoiava o monotelismo, uma doutrina condenada, pois afirmava que Jesus não tinha duas vontades (humana e divina), mas apenas a vontade divina. No Quarto Concílio de Constantinopla (692), convocado pelo imperador Justiniano II, reafirma os mesmos privilégios para Constantinopla, daqueles que usufruíam Roma, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, ou seja, isonomia total. Em um caso de tribunal eclesiástico que tratou de um caso disciplinar de um bispo, Cipriano de Cartago chega a declarar que o Bispo de Roma apenas tinha jurisdição na sua jurisdição, pois cada Bispo era autónomo na sua zona geográfica.
Nos três primeiros séculos a igreja romana teve um destaque insignificante no que tange a elaboração teológica, destacando-se apenas os escritos de Hipólito e Novatiano, sendo o primeiro um combatente contumaz dos próprios bispos romanos e o segundo foi posteriormente excomungado por heresias. Todavia, o que lhe faltou no campo teológico buscou no campo administrativo eclesiástico e no tabuleiro político. Soube como poucos ocupar o vácuo de poder imperial deixado após a mudança da Capital do Império para Constantinopla, que passou a ser chamada de nova Roma. Na ausência da figura máxima do Imperador o bispado romano foi expandido sua área de atuação e cativando, quando não comprando, o apoio crescente de autoridades eclesiásticas, imperiais e monárquicas tecendo uma rede cada vez maior de seu poder ascendente.
Apensar de durante sete séculos lhe ter sido negado uma primazia sobre as igrejas cristãs, os romanos não desistiram de seus propósitos. Alguns fatores históricos contribuíram para que os romanos alcançassem seu tão desejado primado, ainda que somente sobre o cristianismo no Ocidente.
§  O grande fator que alimentava esse desejo de supremacia de Roma sobre o a totalidade do cristianismo era o fato de que havia apenas um Imperador sobre todos. Perguntas eram formuladas em todos os lugares: os bispos governavam as igrejas, mas quem iria governar os bispos? O bispo da igreja deve exercer a autoridade que o imperador exercia no império?
§  Inicialmente todos os líderes cristãos eram chamados de Patriarcas, em Roma passou a ser chamado de Papa (papai).
§  Roma reivindicou para si a autoridade apostólica, com base em uma tradição de que o apóstolo Pedro foi o primeiro bispo de Roma e como o chefe dos apóstolos detinha autoridade sobre toda a igreja. Para fundamentarem esta pseudo tradição se utilizaram de dois textos dos Evangelhos "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja[4] e a outra "Apascenta as minhas ovelhas". A aplicação foi que Pedro tendo sido o primeiro cabeça da igreja, outorgou a mesma primazia aos seus sucessores, os papas de Roma, que portanto devem serem investidos da mesma autoridade apostólica.
§  Entre os dois centros do cristianismo, Constantinopla e Roma, a segunda soube melhor impor sua autoridade sobre os demais. Manteve-se mais ortodoxa, enquanto o centro Oriental teve que enfrentar intermináveis embates doutrinários.
§  A Igreja de Roma desenvolveu uma agenda cristã prática. Sempre deu muita atenção aos necessitados, e quando houve período de fome ou peste abriu-se para atender a todos, mesmo os que não professavam a fé cristã. Auxiliava as igrejas mais carentes em outras províncias. Uma das cenas mais emblemática desta postura é a de um oficial pagão em Roma que exigiu que a Igreja mostrasse seus tesouros, o então bispo romano mandou que se reunissem seus membros pobres e disse. "Estes são nossos tesouros."
§  O fato de que Roma havia deixado de ser a capital do Império, em detrimento a Constantinopla, foi mais positivo do que negativo para as pretensões do clero romano. Enquanto na nova capital os imperadores mandavam e desmandavam nas pendências eclesiásticas, em Roma não havia a figura do imperador para ofuscar o poder papal, que estendia seu potentado por toda a região. As lideranças públicas europeias (Ocidente) sempre olharam para Roma com respeito. Com a distância da nova capital e seu Imperador, e com a proximidade do declínio do próprio império, os ratos começam a pular cada vez mais para o navio comandado pelo Pontífice Romano. Tudo está preparado para o ato final desta trágica ópera romana do cristianismo Ocidental.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica

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Referências Bibliográficas
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[1] A ideia de que a Igreja Romana é a Ecclesia principalis, ou seja, a mais antiga, a primogênita, aparece já no final do século II. Em texto redigido por volta de 180, santo Irineu, bispo de Lyon, sustenta que todas as Igrejas devem por-se de acordo com a Igreja de Roma, em consequência da principalitas desta. A Igreja de Roma, diz ele, é a maior, a mais antiga, conhecida de todos. A ela devem ligar-se todos os fiéis, em virtude do seu principado mais poderoso — propter potentiorem principalitem.
[2] "Concílio Geral" ou "Ecumênico" é a reunião dos bispos do mundo inteiro sob a presidência do Papa ou de seus legados, tendo em vista definir ou esclarecer algum tema debatido. Ecumênico, no caso, quer dizer, "universal"; vem do grego oikoumene (a terra habitada, o mundo inteiro). Todos eles foram convocados pelos respectivos imperadores romanos do período.
[3] O primeiro Concílio de Constantinopla (381), ainda nos dias do imperador Teodósio havia declarado: “Que o bispo de Constantinopla tenha autoridade inferior somente à do de Roma, por ser Constantinopla a nova Roma” (Labbe e Cossart, 1671, p. 497).
[4] Estas palavras podem ser vista ainda hoje em letras gigantes escritas em latim em torno da cúpula da Igreja de São Pedro em Roma.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Protestantismo no Brasil: Italianos Presbiterianos



Luiz ou Luigi Bemini, 40 anos, está a bordo do “Rio Pardo”, cruza o Atlântico e chega a Santos, em companhia da esposa, Anjola (Ângela), e os filhos Arnaldo, Armando e Chencia, adolescentes. A família desembarca em Santos e, após breve permanência na Hospedaria dos Imigrantes, rumou para a capital, onde se estabeleceu na Rua 24 de Maio. Ao contrário de muitos de seus compatriotas, que permaneciam na Hospedaria muitos dias, até serem recrutados para fazendas de café no interior de São Paulo. Pelo jeito, Bernini tinha rumo e atividades certas, embora sua ficha de imigrante fosse de “trabalhador”. Esse italiano pertencia à Igreja Valdense da Itália. Descendia do grande arquiteto e escultor Gian Lorenzo Bemini, autor de obras arquitetônicas em arte, trabalhou para oito papas na elaboração de obras no entorno da Basílica de São Pedro, e como autor de outras espalhadas em Roma, entre as quais várias fontes. Chegado a São Paulo, logo se filiou à Igreja Presbiteriana juntamente com a esposa e os filhos, todos batizados pelo Rev. George Chamberlain. Como não portava documento de sua filiação à Igreja Valdense, Bemini professou a fé e foi batizado por Chamberlain no dia 13 de março de 1881.
Há um episódio grave, registrado por Themudo Lessa, nas págs. 233- 234, sobre um padre de São Bernardo do Campo a quem Luigi foi pedir permissão para sepultar um filhinho. O padre naquele tempo era a autoridade que concedia permissão para se enterrar pessoas no cemitério. Mesmo com a alegação de que o menino era batizado e que a lei reservava lugar para não católicos nos cemitérios, o vigário disse que a autoridade máxima era a da sua igreja. “Aonde vou então enterrar meu filho?”, indagou Luigi. “No mato”, respondeu o padre. Sendo assim, o enlutado italiano levou, num cesto, o corpinho do filho e o sepultou em São Paulo. É de notar como a colônia italiana demorou a aderir ao presbiterianismo. Fundada em 1865, a Igreja Presbiteriana de São Paulo, em 1867 aderiu a ela Bartholomeu Revíglio, o primeiro italiano. Conforme Lessa, na pág. 197, a família Bemini é a segunda turma. Em 1900, a Igreja Unida de São Paulo designou o então licenciado Júlio Sanguinetti para trabalhar com um grupo de crentes italianos e, ao mesmo tempo, evangelizar outros.
A igreja nasceu na casa do italiano
Luigi Bemini e a família estão agora no município de Tietê. Após vinte e dois anos como membro da igreja em São Paulo, os Bemini foram recebidos por jurisdição na Igreja Presbiteriana de Tietê, na data de 30 de outubro de 1904. Adquiriu um sítio, naquela época uma verdadeira fazenda. O Rev. João Ribeiro de Carvalho Braga pastoreava naquele ano a igreja de Tietê. Luigi Bemini, assim como Bartolomeu Revíglio, seu compatriota, tinha sido colportor e gostava de evangelizar. Tinha lá no sítio uns empregados e vizinhos, a quem costumava falar do evangelho e convidar para reuniões em sua casa. Aliás, casarão. Ali começou um ponto de pregação e em pouco tempo foi considerada congregação autônoma. Chegou, em agosto de 1905, o Rev. Júlio Sanguinetti, como pastor da igreja de Tietê. A vinda desse seu patrício parece ter aumentado o alento de Luigi. Um ano e três meses depois de recebido como membro, Luigi fundou a igreja no chamado casarão onde morava, e no dia 6 de janeiro de 1906 é organizada igreja, pelo Rev. Júlio Sanguinetti, que começou a pastorear as duas. Passou a chamar- se em alusão ao nome do lugar, “Igreja Presbiteriana de Cruz das Almas”. Constam como fundadores os nomes de Luigi Bemini; sua segunda esposa, Elíza Pereira Bemini; Chencia Bemini e Armando Bemini, filhos de Luigi; Benedicto João de Campos; Joaquim J. de Campos; Joaquim Manoel de Campos; Amélio de Souza Lara; Izabelina de Campos Lara; Ignácio Soares remandes; Manoel Soares Fernandes; Isabel Maria de Lima; Anna Mana ie Moraes; Salvador Alves Ribeiro; Maria Eugênia de Camargo; e Ürsula Leopoldina do Amaral. A grande maioria era de irmãos transferidos da igreja ie Tietê na mesma data da inauguração da igreja de Cruz das Almas.
A igreja cresceu e os irmãos sentiram a necessidade de construírem seu primeiro templo, e isso foi possível com a doação do terreno por um dos fundadores, Benedito João de Campos, sete anos depois de organizada a igreja, em 1913. A propriedade situava-se perto do município de Porto Feliz, a dezesseis quilômetros do centro de Tiete. A construção foi concluída em
1927. De maneira que, por muitos anos, a propriedade dos Bemini abrigou a igreja. A primeira esposa de Luigi faleceu em 1884, e do segundo casamento com Elisa Pereira nasceram outros filhos. Em 1926, Luigi Bemini faleceu e foi sepultado logo na entrada do Cemitério do Redentor, na Avenida Doutor Arnaldo esquina com a Rua Cardeal Arcoverde, em São Paulo. Elisa faleceu em Tietê, em 1935.
Pastores nas lutas e vitórias
Aconteceu o que é comum à história de outras igrejas. Como diz o ditado popular, “nem tudo são flores”. O caminho da igreja é muitas vezes pontilhado de espinhos. Há muita luta para se cumprir a missão. Problemas de toda a sorte aparecem. Escassez de recursos, de gente para trabalhar, de liderança, muito tempo sem oficiais, sem Conselho, falta de fidelidade. Esses os mais comuns problemas. Não foi diferente com a igreja de Cruz das Almas. Porém há também flores pelo caminho, e a igreja conta vitórias após lutas. Luiz Bemini, com visão, abriu um curso de alfabetização para os moradores da região. Vários descendentes seus tocaram a obra. Um dos descendentes é o pastor Marcos Bemini. Outros reforços chegaram, entre os quais os da família Almeida. Leonor, uma das filhas de Luiz, casou-se com João Pedro de Almeida, pai do Rev. João de Almeida, por muitos anos pastor da igreja de Itapeva e das igrejas de Itapetininga e de Torre Pedra; e avô dos presbíteros Heber José de Almeida e João de Almeida Junior. O Rev Edson Fernando de Almeida descende dessa mesma família Almeida. João Pedro de Almeida tomou-se presbítero, um dos sustentáculos da igreja. Certa ocasião teve de enfrentar um invasor do templo em plena escola dominical. Tão estranho senhor, provavelmente por conta própria, entrou armado e ordenou que todos se encolhessem num canto e ficassem quietinhos, enquanto ameaçava de morte o presbítero, caso não encerrasse definitivamente as reuniões da igreja. Os irmãos  estão contidos, mas oravam e pediam por livramento, enquanto o refém administrava a crise com sabedoria, paciência e palavras de consolo e esperança. Ate que aquela criatura desistiu de seu intento. Parece que era meio louco.
A igreja desenvolveu, ao longo do tempo, ministérios diversos, e um deles parece ter gerado simpatia nas autoridades: evangelização e cuidado de crianças no Jardim Santa Cruz. Em 1989, Wilma Pantojo de Souza e Maria Luiza Moreira Camargo iniciaram esse trabalho na residência de Olinda Camargo Jacinto, e depois numa sala da Escola “Professora Lyria de Toledo Pasquale”. Era a classe “Boas Novas”. Esse trabalho prosperou de tal maneira que a igreja decidiu comprar um terreno no bairro, e foi para lá que se mudou, depois da construção do templo, em 1993 A propriedade antiga funciona, desde então, como acampamento. As entidades internas são a UMP, desde 1969; a SAF, desde 1974; e a UPH, desde 2001. Nesses cento e três anos a igreja tem sido pastoreada pelos Revs. Júlio Sanginetti, João Ribeiro de Carvalho Braga, james Porter Smith, William Cleary Kerr, Uriel Antunes de Moura, Manoel Alves de Brito, Waldemar W. Wey, Pedro Albero Rodrigues, Renato Fiúza Teles, Lázaro M. Camargo, José Constantino Ramos, Lázaro Lopes de Arruda, Felipe Manoel de Campos, Jackson Macedo de Souza, Paulo Edson Petreca, Cézar Palmeira, Antônio Francisco de Souza, Ezequiel Fernandes de Camargo, Joel Rodrigues Cavalcanti, Antônio Jorge de Souza, Roberto Pontes Oliveira, José Correa Cardoso, Joani Correa Prestes, Leocádio Carpiné, Osvandi Pedroso e Airton Williams Vasconcelos Barbosa e Amauri Bella Rodrigues.

Utilização livre desde que citando a fonte
Professor Caleb Soares
Historiador
Mestre em Letras
Mestrando em Teologia
Fundador e Presidente do
Instituto de Pedagogia Cristã (IPC)

Referência Bibliográfica
SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.

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quarta-feira, 13 de março de 2019

História da Igreja Cristã: Teodósio, o primeiro imperador cristão



            Depois da morte de Juliano (363), todos os imperadores romanos adotaram o cristianismo e antes de encerrar o quarto século, a religião cristã torna-se oficialmente religião do império – Constantino legalizou o cristianismo e interrompeu as perseguições oficiais (313), mas ao final desse mesmo século, outro imperador, Teodósio, oficializou a Igreja Católica (ano 380), tornando-a a única religião admitida no império, o que atraiu toda sorte de “interessados” e uma multidão de “convertido”, principalmente das camadas mais elitizadas, que como camaleões vestem as cores do poder em vigor. O que antes era motivo de temor e morte - o ser cristão - passou a ser status quo.
            O imperador (Flávio) Teodósio I O Grande (379-395)[1] é considerado o primeiro imperador ortodoxo, ou seja, que defendia a religião cristã e seus dogmas. Ele ascendeu ao trono do Oriente, compartilhando o Império Romano com Graciano (359-383), imperador do Ocidente, em 19 de janeiro de 379, aos 32 anos de idade. Mas a partir de 394, tornou-se o único governante do Império, até 17 de janeiro de 395, data de seu falecimento. Tendo recebido o título de “O Grande”[2] por autores posteriores a sua época, foi um governante que soube ler com antecedência os movimentos do tabuleiro politico-religioso que vivia e paulatinamente vai se tornando um devotado defensor da ortodoxia cristã. Ainda em seu primeiro ano de governo ele faz publicar, em 28 de fevereiro de 380, um Edito religioso, nominado de Édito de Tessalônica,[3] também conhecido como Cunctos Populos (ou seja, todos os povos) ou De Fide Catolica (a fé universal) no qual era decretada a unidade religiosa do Império:
Queremos que as diversas nações sujeitas à nossa Clemência e Moderação continuem professando a religião legada aos romanos pelo apóstolo Pedro, tal como a preservou a tradição fiel e tal como é presentemente observada pelo pontífice Dâmaso e por Pedro, Bispo de Alexandria e varão de santidade apostólica. De conformidade com a doutrina dos apóstolos e o ensino do Evangelho, creiamos, pois, na única divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo em igual majestade e em Trindade santa. Autorizamos os seguidores dessa lei a tomarem o título de Cristãos Católicos. Referentemente aos outros que julgamos loucos, cheios de tolices, queremos que sejam estigmatizados com o nome ignominioso de hereges, e que não se atrevam a dar a seus conventículos o nome de Igrejas. Estes sofrerão, em primeiro lugar, o castigo da divina condenação e, em segundo lugar, a punição que nossa autoridade, de acordo com a vontade do céu, decida inflingir-lhes (Cf. DREHER, 2004).
Nesse Edito há diversos aspectos que precisam ser compreendidos à luz do momento histórico em que foi criado, mas o espaço nos limita: o bispo romano Atanásio[4] havia falecido em 373 e seu sucessor foi o bispo Dâmaso e que no documento é associado diretamente ao apóstolo Pedro como garantidores da idoneidade ortodoxa da fé cristã. Contém também a formulação confessional da Trindade que havia sido estabelecida pela nova geração de teólogos conhecidos como os grandes capadócios: Basílio de Cesaréia (329-379), Gregório de Nissa (335-394), e Gregório de Nazianzo (329-390); a elaboração teológica final dessa geração está estabelecida no Credo Niceno-Constantinopolitano, aprovado no grande Concílio de 381 na cidade de Constantinopla:[5]
Cremos em um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual, por nós seres humanos e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne do Espírito Santo e da Virgem Maria, e tornou-se humano, e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos, e padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras, e subiu aos céus e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim; e no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou através dos profetas; e na Igreja una, santa, católica e apostólica; confessamos um só batismo para remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do século vindouro.
Teodósio acometido de grave doença, contraída em Tessalônica, submete-se ao batismo cristão e desta forma tornando-se o primeiro imperador romano que exerceu o poder estando batizado. Dentro desta nova perspectiva ele foi o primeiro imperador a recusar oficialmente o título de Pontifex  Maximus, em tradução livre - Supremo Guardião – protetor maior nos cultos romanos.
Conseguiu que o Senado Romano reconhecesse o Cristianismo como religião oficial formatando definitivamente a Igreja Imperial. Por lei proibia-se o retorno de qualquer expressão religiosa pagã, ou seja, que não se ajustasse ao padrão ortodoxo cristão acima mencionado. 
Na esteira das mudanças o imperador Teodósio determinou a entrega à Igreja Oficial de todos os bens das igrejas não ortodoxas, como a Ariana, a Macedoniana e a Donatista, que estavam proibidas de realizarem qualquer serviço de culto. Outro decreto proibia que se falasse ou escrevesse contra a religião cristã, e determinou-se que todos os livros contrários fossem queimados (HURLBUT, 1979, p.97). Esse reconhecimento legal incitou lideranças cristãs a promoverem atos violentos contra qualquer templo religioso considerado pagão. Em seguida começaram as perseguições, em que os hereges eram torturados e alguns executados. A Igreja perseguida ainda nos princípios do século IV tornou-se Igreja perseguidora, em 392, ano em que foi promulgada uma lei de proibição geral de cultos e sacrifícios pagãos, sob pena de castigo máximo (morte). Tão longe se estava, então, dos tempos de Nero, de Décio e de Valeriano e das duras perseguições de Diocleciano e de Galério.
Desta forma oficialmente o cristianismo foi vitorioso, todavia, as comunidades (igrejas locais) perderam sua autonomia e foram totalmente submetidas à autoridade do bispo, que por sua vez eram tutelados pelo Estado, como afirma Dreher (2004) o “regime de Cristandade se completava”. Mas era tarde de mais, pois muitos dos conceitos pagãos já haviam sido inoculados no organismo da igreja cristã.
O mundo superou a igreja, tanto quanto a igreja venceu o mundo, e o ganho temporal do cristianismo foi, em muitos aspectos, anulado pela perda espiritual. Multidões foram batizadas apenas com água, não com o Espírito e fogo do Evangelho, e amalgamavam-se costumes e práticas pagãs para a liturgia cristã sob um novo nome. A apropriação da Cruz com o estandarte militar por Constantino foi um presságio do que viria a se constituir uma infeliz mistura dos poderes temporais e espirituais, o reino que é da terra e o Reino que é do céu. O estabelecimento dessa unidade foi em si uma fonte prolífica de erros e veementes lutas sobre jurisdição, que se estendem por toda a Idade Média.
A Igreja Cristã jamais retornara à simplicidade de seus primeiros séculos antes de Constantino. Deste ponto em diante a Igreja caminhara firme para seu período mais decadente e que depois de inúmeras tentativas de reforma ou restauração eclodira na denominada Reforma Protestante no século XVI.

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Referências Bibliográficas
ALTANER, B. & STUIBER, A. Patrologia: vida, obras e doutrinas dos Padres da Igreja. São Paulo: Paulus, 1988.
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CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 2008.
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PELIKAN, Jaroslav. A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina. Vol. 1. O surgimento da tradição católica (100-600). São Paulo: Shedd Publicações, 2014.
ROSTOVTZEFF. Mikhail. História de Roma. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1961.
VEYNE, P. Quando nosso mundo se tornou cristão (312-394). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.



[1] Nasce em 346 em Cauca, atual Coca (Segóvia, Espanha) com o nome de Flávio Teodósio, filho de Thermantia e de Flávio Honório Teodósio, o velho; seu pai foi lugar-tenente hispano e um dos generais mais prestigiosos de Valentiniano I, sendo conclamado como dux efficacisimus [chefe, ou general, altamente eficaz].
[2] Juntamente com Constantino, também intitulado “O Grande” – estão entre os mais citados imperadores cristãos.
[3] Esse Edito foi assinado por Teodósio, em conjunto com seus colegas da parte ocidental do Império, Graciano e Valentiniano II.
[4] Atanásio não presenciou o resultado final de seu longo e custoso debate ariano, cujo resultado foi a elaboração do Credo Niceno-Constantinopolitano que estabelece a doutrina da Trindade e que foi fruto de sua perseverança.
[5] Este Concílio foi convocado por ordem do próprio imperador Teodósio, com a finalidade de colocar um ponto final na controvérsia Ariana que vinha se arrastando a muitos anos e trazendo transtornos político-eclesiástico ao Império. Nesse Concílio o arianismo foi condenado e seus seguidores classificados como hereges, assim como os macedonianos semi-arianos, os apolinaristas e outras expressões religiosas que não se ajustassem ao novo Credo.

terça-feira, 12 de março de 2019

Protestantismo Presbiteriano no Interior São Paulo: Brotas [1]



Os missionários [presbiterianos] tiveram a atenção despertada para a pequena vila de Brotas. Qual a razão do interesse na charmosa vila, com pequena população onde rumorejam setenta e quatro cachoeiras, ou quedas de água, em todos os cantos e recantos? Quem fornece a resposta é o Rev. José Carlos Nogueira, no histórico da igreja:

“Devemos esta primazia de Brotas, na fundação da sua igreja, à conversão ao evangelho, só pela leitura da Bíblia, do padre José Manoel da Conceição... Convertido ao evangelho e dotado de alma profundamente missionária, e de várias amizades na cidade referida, procura guiar para ela os primeiros missionários presbiterianos que se aproximavam da região. Pela influência do grande e prestigioso ministro de Deus, tormou-se Brotas o quartel-general de uma das mais belas e vigorosas arrancadas missionárias da evangelização no Brasil, a qual levou o evangelho pela re­gião do Oeste adentro e alcançou os centros povoados da época, como Jaú, Mineiros, Lençóis, Rio Novo (Avaré) e, dando passos de gigante, atingiu seus arautos a distante região do sul de Minas onde alcançou Borda da Mata e Caldas".
Naqueles tempos em que a falta de meios de transporte aumentava as distâncias, essa motivação em torno do padre, que mandava seus paroquianos ler a Bíblia, levou o Rev. Alexander Latimer Blackford a percorrer em lombos de cavalos a longa distância de cerca de duzentos e cinquenta quilômetros, de São Paulo a Brotas. O ministério apostólico cristão do padre causava ressonância em muitas regiões, especialmente na capital de São Paulo, onde ele havia nascido; em Sorocaba, onde estudara; e nas paróquias onde havia sido vigário. Desde cedo angariava simpatia com toda a gente. Conceição era um padre amado e respeitado, por seus paroquianos e por superiores, e de muito prestígio por onde andou. Como quinto vigário da matriz romana de Brotas, onde ministrou de 1852 a 1858, e de 1860 a 1863, foi considerado pelo jornal Tribuna Comunitária, na edição de 28 de abril de 2001, como uma das pessoas que fizeram a história de Brotas. Depois de ordenação passou a servir nas paróquias de Água Choca, Piracicaba, Santa Bárbara, Taubaté, Sorocaba, Limeira, Ubatuba e, por fim, Brotas. Por conta de seu convívio com evangélicos e de seus pronunciamentos nos púlpitos, o Bispa­do da Província achou por bem acender a luz amarela e tomar cuidado com ele, transferindo-o de paróquias constantemente para evitar que se enraizassem nele amizades com protestantes. Aumentava a cada dia o anseio desse padre por ver, de uma vez por todas, clareada a verdade. Surgiu a oportunidade em novembro de 1863, quando a alma inquieta de Conceição almejava libertar-se daquele estado de coisas. Recolheu-se a um sitio em Corumbataí, a poucos quilômetros de Rio Claro, onde aguardava a oportunidade para ver resolvida tal situação. Estava ansioso e na iminência de romper com o clero romano. Deus havia falado muito claro a ele por meio de sua Palavra. Estava ada a oportunidade.
Nessa ocasião, Conceição professou a fé e foi batizado pelo Rev. Blackford, presente também o Rev. Simonton. Um dia após, Simonton, Blackford e Schneider, os primeiros missionários, organizaram o Presbitério de São Paulo. No dia 17 de dezembro de 1865, o ex-padre foi ordenado, após examinado e proferido o sermão de prova. A cerimônia deve ter sido tão tocante quanto sua profissão de fé no ano anterior e, ao mesmo tempo, representou nova e alentadora injeção de sangue novo na equipe missionária, e na evangelização no Brasil. Até hoje o “Dia do Pastor” é comemorado no dia 17 de dezembro, em alusão à data de ordenação do ex-padre. O promissor acontecimento ocorreu na mesma casa da Primeira Igreja de São Paulo, na Rua de São José, 1. Nas reuniões, no mesmo local, em 1864, em que Conceição e Blackford planejaram a maneira como o sacerdote romano deixaria sua antiga igreja, certamente na cabeça e no coração de Blackford eram pré-concebidas a igreja da capital, organizada no dia 5 de março de 1865; e a primeira do interior, a de Brotas, no dia 13 de dezembro do mesmo ano, quatro dias antes da ordenação de Conceição. Poder-se-ia dizer que as duas igrejas não nasceram na mesma data, mas houve o que se poderia chamar de cogestação, ou seja, idealmente concebidas ao mesmo tempo. Só não podem ser chamadas de gêmeas, por não terem nascido no mesmo dia e hora.
O eixo Brotas-Borda da Mata

A história da Igreja Presbiteriana de Brotas tem laços muito fortes, na sua origem, com Borda da Mata, localidade que então pertencia a Pouso Ale­gre, na estrada entre São Paulo e Minas Gerais. Por volta dos anos de 1850, Brotas tomou-se uma região atrativa para cultivadores de cana-de-açúcar, café e outras culturas, que se desenvolveram velozmente na região. Famílias da região de Pouso Alegre, no sul de Minas, começaram a mudar-se para Brotas em busca de melhores terras. Entre elas a de Antônio Francisco de Gouvêa, que logo adquiriu uma propriedade em Brotas, onde se fixou. Outras famílias de Borda da Mata já habitavam a região. Logo o ainda padre Conceição, vigário da paróquia, fez amizade com duas principais famílias, a dos Gouvêa e a dos Cerqueira Leite. Naqueles tempos não havia, como hoje, o acesso fácil à Bíblia, por dois motivos principais: era difícil encontrar um exemplar; e a Igreja Romana combatia com afinco, persegui­ção e ameaças a propagação dos protestantes, com a alegação de que as Bíblias espalhadas pelos crentes eram falsas e que eram inimigos da “virgem Maria”. O padre Conceição, ao contrário, católico sincero, recomendava a seus paroquianos que lessem a Bíblia, e ele mesmo a lia para eles. Depois do primeiro encontro, em 1863, com Blackford, essa prática aumentou e ele mesmo confrontou as verdades bíblicas em relação às da Igreja de Roma. A igreja de Brotas teve início com essa propagação da mensagem bíblica por um padre. Essas verdades parecem ter atingido primeiramente as famílias Gouvêa, Cerqueira Leite e Manoel José Ribeiro.
No início de fevereiro de 1865, os missionários não perderam o foco e intensificaram suas visitas a Brotas. Blackford subiu no cavalo e lá estava ele a pregar em casa de várias dessas famílias na vila e nos sítios. Conforme o prefácio histórico da ata, o missionário pregou duas vezes na casa de Manoel José Ribeiro, a 15 e a 30 pessoas respectivamente. Na reunião em casa de Antônio Francisco Gouvêa, 40 pessoas foram ouvir o americano. Blackford, em relatório, mostra-se impressionado com o interesse dos ouvintes nos dez dias em que permaneceu pregando e fazendo visitas juntamente com Conceição:
“Nunca vi tão bem a excelência do evangelho e sua perfeita adequação para convencer e salvar os que estão ansiosos e desejam conhecer a verdade. O interesse desses dias foi absorvente; explicava-se a verdade, respondia-se às dúvidas. Encontrei melhores sentimentos e sinceridade religiosa nessa comunidade e passei a alimentar esperança de uma rápida propagação do evangelho no Brasil”.
O mesmo histórico informa a chegada de reforço, no mês de abril de 1865. Eram Simonton e Chamberlain, visitando o Distrito de Brotas, onde pregaram diversas vezes a vá­rias pessoas. Mais em junho de 1865. Os missionários mandaram para lá uma peça da infantaria missionária, o empenhado colportor Manoel Pereira Bastos, muito conhecido por dar suporte aos missionários nos primeiros tempos da evangelização em São Paulo. Bastos permaneceu espalhando munição em todos os cantos da vila e dos sítios durante dois meses. Entre os meses de outubro e novembro do mesmo ano Blackford e Simonton vol­taram a Brotas e intensificaram, durante três semanas, a evangelização e os preparativos para reunir o pessoal interessado e organizar a igreja, a terceira do Brasil e a primeira em cidade fora das capitais. E bem no interiorzão. A organização aconteceu no dia 13 de novembro de 1865. Que cerimônia singular! O pregador da ocasião foi aquele por meio do qual os corações receberam as primeiras sementes do evangelho, aquele que havia professado sua fé, Conceição. Havia mais de trinta pessoas. Nessa oportunidade, onze professaram a fé e foram balizadas. Eram da família Gouvêa. Lessa, na pág. 35, diz que Herculano Gouvêa, filho da igreja de Brotas, observou que os primeiros onze membros eram representados por Antônio Francisco de Gouvêa, Severino de Gouvêa e Joaquim José de Gouvêa. Três irmãos com outros membros das famílias. Severino é pai do Rev. Herculano Gouvêa. Lessa destaca, nas págs. 34-35 dos Anaes, que entre os onze comungantes se achava uma menina de 11 anos, Maximina de Gouvêa, filha de Antônio Francisco, a qual mais tarde se uniu por muitos anos à Primeira Igreja de São Paulo e foi esposa do presbítero Joaquim Honório Pinheiro. “Quando faleceu, em 1923,” diz Lessa, “era a última sobrevivente do primitivo grupo dos crentes presbiterianos brasileiros”. Essa fundadora da igreja de Brotas foi sogra do Rev. Themudo Lessa.
Alguém de Brotas foi a Borda da Mata, decerto recomendado pelos Gouvêa, para pregar, lançar a semente, do que resultou a igreja mineira, a terceira do interior brasileiro e a primeira de Minas. O início em Borda da Mata foi na casa de outro Gouvêa, Antônio Joaquim. Organizada a igreja de Brotas, teve assistência inicial de vários ministros, que continuaram a proclamar o evangelho e a regar após o plantio. Dentre eles, os Revs. Simonton, Blackford, Schneider, Chamberlain, Emanuel Pires e Dagama, que se revezavam e permaneciam por lá várias semanas, às vezes alguns meses.


Utilização livre desde que citando a fonte
Professor Caleb Soares
Historiador
Mestre em Letras
Mestrando em Teologia
Fundador e Presidente do
Instituto de Pedagogia Cristã (IPC)

Referência Bibliográfica
SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.

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[1] Enxerto do livro do Professor Caleb Soares conforme referência bibliográfica.