A implantação e desenvolvimento do
protestantismo no Brasil ainda esta por ser pesquisado de forma mais profunda.
Somente a partir da década de setenta com inicio de cursos de Ciência da
Religião nas Universidades brasileiras as pesquisas acadêmicas sobre o
protestantismo no país começaram a serem feitas sistematicamente.
O professor e pesquisador Caleb
Soares ao longo de mais de três décadas tem produzido diversas pesquisas no campo do
protestantismo no Brasil conforme abaixo mencionadas, bem como desenvolvido outras atividades interligadas à temática histórico-pedagógico.
Sua obra aqui evidenciada é uma das
mais recentes e de grande envergadura, pois despende um grande esforço para condensar os 150
anos de história do presbiterianismo no Brasil. A proposta é de examinar a luz
dos fatos históricos e resgatar a paixão missionária que tanto impulsionou o
avanço do presbiterianismo por todo o território brasileiro.
Evidente que a obra não está isenta
de expressões entusiastas, visto que seu autor tem raízes profundas no
protestantismo presbiteriano, mas em nada deturpa ou apequena o resultado final
de sua pesquisa histórica, ao contrário a vivência nas entranhas do
presbiterianismo brasileiro lhe oferece uma vantagem de tratar dos diversos
temas propostos com mais acuidade e profundidade.
Lamenta o autor da tremenda
dificuldade em acessar as fontes históricas primárias de atas conciliares e
outros documentos que certamente embasariam com muito mais vigor os fatos aqui
narrados. A displicência com que os documentos históricos das igrejas locais
foram e continuam sendo tratados pelos conselhos e pastores é algo que precisa
ser urgentemente corrigido, pois os danos históricos são muitas vezes
irreparáveis, como ele registra em que um pastor resolveu simplesmente fazer
uma fogueira com os documentos antigos da igreja local. Outra crítica está na
má vontade com que as lideranças eclesiásticas presbiterianas tratam seus
pesquisadores sonegando-lhes as informações necessárias para o desenvolvimento
de suas atividades – dos mais de cento e vinte questionários enviados não se
recebeu nem mesmo uma linha de resposta por parte de uma grande maioria. A obra
está dividida em três partes sendo que a segunda contém o cerne da pesquisa
proposta sobre as igrejas centenárias espalhadas pelo território
brasileiro. Em cada uma das partes o
autor faz uma sucinta introdução e posteriormente desenvolve o capítulo
subdividindo-o em tópicos com informações específicas de fácil compreensão e
assimilação, assim também como uma linguagem narrativa agradável e atrativa sem
deixar de ser acadêmica em suas abordagens.
Na primeira parte o autor resgata os
fatores históricos da implantação do protestantismo presbiteriano no Brasil.
Passa rapidamente pelas duas tentativas fracassadas dos franceses e holandeses
em implantar através da invasão e domínio a religião protestante de cunho
calvinista.
Dois fatos históricos contribuíram imensamente
para a efetivação das denominações evangélicas protestantes no país – a vinda
da Corte Portuguesa em 1808 e a Independência do Brasil (1822) e promulgação da
primeira Constituição Nacional com sua clausula de liberdade religiosa
irrestrita. Depois destas duas tentativas limitadas somente após 1808, com a
transferência forçada da coroa portuguesa para a colônia brasileira é que o
Brasil experimenta suas primeiras aberturas religiosas. Os que mais se aproveitaram
dessas aberturas legais foram as denominações estadunidenses, entre as quais os
congregacionais, presbiterianos e metodistas e posteriormente os batistas, que
enviaram seus missionários.
O autor destaca dois aspectos
interessantes nesse movimento inicial do protestantismo no país: a perspectiva
progressista da mensagem evangélica protestante, que se ajusta perfeitamente às
aspirações do espírito nacionalista da nova Nação e o trabalho pioneiro e
incansável dos colportores missionários e principalmente leigos – homens que
desbravaram o território brasileiro levando bíblias (protestantes) e diversas
literaturas e folhetos com mensagens evangélicas pela ótica protestante.
Na segunda parte do livro o autor
concentra toda sua ampla pesquisa sobre as origens das Igrejas Centenárias
Presbiterianas espalhadas por todo território brasileiro. Ele faz a feliz opção
de oferecer aos leitores a implantação dessas igrejas por regiões. A Igreja
Presbiteriana nasce na Região Sudeste, primeiramente no Rio de Janeiro e depois
em São Paulo. Será a partir desses dois polos fecundantes que o
presbiterianismo haverá de alcançar todas as demais regiões do Brasil. Ele
oferece aos leitores uma variedade de informações pouco conhecida, mas que enriquece
a leitura, citando apenas uma delas é o fato de que as primeiras instalações do
presbiterianismo paulista tinha como endereço o mais famoso entroncamento de
ruas da cidade de São Paulo – Avenida Ipiranga-São João. É surpreendente como
os presbiterianos vão adentrando o interior do Estado paulista e estabelecendo
sua denominação em cidades atraindo assim famílias inteiras. Uma de suas
estratégias era a ênfase na Educação com a formação de Colégios e Escolas
Paroquiais.
Do Estado de São Paulo o
presbiterianismo avança rapidamente em direção ao Estado de Minas Gerais. A
primeira Igreja Presbiteriana a ser estabelecida em solo mineiro foi a da
cidade Borda da Mata organizada em 1863 pelos missionários Revs. Lenington,
Emanuel Pires e Blackford, tendo como base a família Gouvêa. Outras cidades são
alcançadas como Areado, Araguari, no Triângulo Mineiro que se constituiu em
importante eixo do presbiterianismo nacional. A cidade de Lavras é uma
referência histórica no presbiterianismo brasileiro com sua igreja e seu
Colégio estabelecido pelo incansável missionário Samuel Gammon e sua família. O
Colégio Gammon ainda hoje é um referencial no contexto educacional brasileiro.
Aqui se destacam as inúmeras educadoras presbiterianas: Eliza Reed, Miss
Chambers, Henriqueta Amstrong e Carlota Kemper – que juntamente com o zelo
pedagógico mantiveram sempre o zelo evangelístico.
Depois de Minas Gerais o autor nos
transporta para os primórdios do presbiterianismo no Estado do Espírito Santo
que ocorre a partir do Leste de Minas Gerais e da igreja do Alto Jequitibá. Aqui
temos um detalhe histórico muito interessante da cooperação denominacional
entre os presbiterianos e os luteranos, sendo os primeiros originados da
imigração suíça e que foram pastoreados por luteranos de 1858 até 1909, quando
finalmente os presbiterianos assumiram o pastoreio desta comunidade na cidade
Rio Novo do Sul.
Agora somos levados pelo autor para
a região Centro-Oeste, onde pioneiramente o trabalho incansável dos colportores
em cidades do Mato Grosso e Goiás. A implantação da Igreja Presbiteriana na
cidade de Santa Luzia com suas famílias engajadas na evangelização tornou-se
uma referência para toda a região e se multiplicou rapidamente como as cidades
de Pirapitinga e Descoberto.
Chegamos ao Nordeste. Na cidade de Salvador,
naquele tempo chamava-se Bahia (que posteriormente nominou o Estado) desembarca
o missionário Rev. Franscis Joseph C. Schneider (1872) que com determinação e
entusiasmo inicia suas atividades que extrapolam a cidade sede e espalha-se por
todo o Estado baiano, como Cachoeira, Miguel Calmon, Canavieiras, Campo Formoso
e Wagner (chamada antes de Ponte Nova). Em Salvador atuaram diversos
missionários pioneiros como Blackford, Chamberlain (iniciador do Colégio
Mackenzie em SP), Kolb e Wadell, demonstrando a relevância da cidade e da região
nordestina para o projeto missionário presbiteriano. Aqui nascem projetos missionários
e instituições que ainda hoje fazem parte da organização eclesiástica presbiteriana:
a organização da primeira Sociedade Presbiteriana Feminina (SAF) em 1905,
originalmente denominada de Sociedade de Senhoras; União de Mocidade
Presbiteriana em 1946. Através dessa igreja baiana surgiram Presbitérios e Sínodos
(atualmente em número de quatro). O presbiterianismo foi implantado também na
cidade de Cachoeira a cento e vinte quilômetros de Salvador, muito conhecida
por ser a terra de Castro Alves o poeta e abolicionista, mas historicamente por
ter sido o grande centro de lutas pela Independência do Brasil e foi capital do
Estado durante dezesseis meses na época da Bahia Independente e da Revolta da
Sabinada. O autor conduz seus leitores pelo sertão baiano até o litoral de
Canavieiras, quarta organizada no Estado baiano (1906). Aqui surge a
primeira escola paroquial protestante com o nome de Colégio Doutor Antônio
Salustiano Viana, que iniciou em 1928 e perdurou até 1945, sendo reiniciada
algumas vezes posteriormente. A partir da Igreja de Canavieiras nesses mais de
cem anos o presbiterianismo expande-se ao sul da Bahia em cidades como Itabuna,
Ilhéus, Itamaraju, Camacan, Vitória da Conquista, Pau Brasil, Belmonte, Porto
Seguro, Coaraci e outras.
No Estado de Pernambuco a pioneira é
a Igreja Presbiteriana do Recife. Aqui estiveram por um período prolongado os
invasores holandeses que deixaram suas marcas protestantes pela cidade. O
trabalho inicial coube ao missionário Rev. John Rockwell Smith, após uma longa
viagem de 33 dias desembarca na cidade. Apesar de um “frágil começo” a
persistência de Smith alcançou êxito. Uma família que abraçou o evangelho
protestante foi a Lens César. O trabalho protestante foi duramente combatido
pelas lideranças católicas romanas, mas apensar de tantas lutas “permaneceram
firmes...apesar das pedradas, dos insultos”. Essa igreja prosperou e em seus
primeiros cinquenta anos alcançou perto de mil e cem membros. Seguindo a recém inaugurada
estrada de ferro surgem novas igrejas: Canhotinho, Garanhuns, Gileá e Palmares
(Zona da Mata), cabendo a de Garanhuns a alcunha de “Antioquia do Nordeste”, visto que tornou-se
ponte de lança para a evangelização pernambucana e além.
O protestantismo presbiteriano no
Estado de Sergipe é resultante das duas atividades fecundantes os colportores
advindos de Pernambuco e os obreiros que vieram via Bahia que a partir da
cidade de Laranjeiras, cuja relevância cultural e econômica na época a
reportava como mais importante do Estado. Coube ao incansável missionário
pioneiro Rev. Alexander Latimer Blackford a organização da primeira igreja em
1884. Posteriormente pastoreou aquela igreja o missionário Rev. John Benjamim
Kolb que fundou o Colégio Americano que posteriormente foi transferido para
Aracaju. O trabalho de Kolb foi profícuo e surgiram igrejas presbiterianas em
muitas cidades da região sergipana incluindo a capital Aracaju.
Na Paraíba o trabalho inicia-se com
dois colportores advindos de Pernambuco e que percorrem todo o território
paraibano distribuído bíblias e livretos evangélicos, chegando inclusive na
região do Pará. Coube ao missionário pioneiro Rev. Smith a honra de pregar e
iniciar a primeira igreja no Estado paraibano (1884).
Finalmente alcançamos a região Norte no Pará e na Amazônia, cujas capitais foram alcançadas pelo avanço missionário
presbiteriano em Belém do Pará e Manaus (1904). Esses trabalhos se iniciaram
pela presença dos migrantes de outras regiões do país e que ali chegando
fecundaram suas convicções protestantes presbiterianas. Uma das características
da igreja de Manaus é sua atuação junto aos povos ribeirinhos e os vilarejos no
interior amazônico.
Na terceira parte do livro o autor
sintetiza algumas lições retiradas de toda essa trajetória histórica, o qual
ele poderia ter se prolongado algumas páginas mais.
Mas nem somente de presbiterianismo
se forma esse livro, pois o autor vai pontilhando ao longo de todo o texto uma
constelação de informações sobre outros ramos do protestantismo que concomitantemente
se desenvolveram nesse período histórico em solo brasileiro. Os
congregacionais, os luteranos, os metodistas, os batistas e assembleianos
surgem como fortes afluentes do rio profícuo do presbiterianismo nacional.
Além do que foi aqui destacado há
inumeráveis pérolas históricas da implantação e desenvolvimento do
protestantismo presbiteriano no vasto território brasileiro, para aqueles que persistentemente
se dispor a mergulhar nesta literatura. A linguagem do autor é professoral e
agradável, despertando sempre o interesse do leitor e fazendo dessa leitura um
momento saudável de reflexão histórica.
Para aqueles que pouco conhece da
História do Presbiterianismo brasileiro esse volume do professor Caleb Soares é
indispensável e para aqueles que arduamente pesquisam o desenvolvimento do
protestantismo no Brasil a leitura desta obra é fundamental, pois está cravejada
de citações e fontes primárias e boas referências bibliográficas sobre o tema
pesquisado.
SOARES,
Caleb. 150 anos de paixão missionária –
o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
Professor Caleb Soares
Autor
de Januário Antônio dos pés formosos, Banks ainda hoje, Antioquia do Vale e
Bandeirantes da Reforma. Fundador e presidente do instituto de Pedagogia
Cristã, diretor do Farol Cristão, mestre em Letras pela Pontifícia Universidade
Católica do RS. Mestrando em Teologia de Missão Urbana pelo Seminário Teológico
Servo de Cristo, de São Paulo. Em preparo: Curso para evangelistas, O rosto e
as entranhas da violência e As três dimensões da educação.
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