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sexta-feira, 1 de março de 2019

Resenha: 150 Anos de Paixão Missionária – O presbiterianismo no Brasil



            A implantação e desenvolvimento do protestantismo no Brasil ainda esta por ser pesquisado de forma mais profunda. Somente a partir da década de setenta com inicio de cursos de Ciência da Religião nas Universidades brasileiras as pesquisas acadêmicas sobre o protestantismo no país começaram a serem feitas sistematicamente.
            O professor e pesquisador Caleb Soares ao longo de mais de três décadas tem produzido diversas pesquisas no campo do protestantismo no Brasil conforme abaixo mencionadas, bem como desenvolvido outras atividades interligadas à temática histórico-pedagógico.
            Sua obra aqui evidenciada é uma das mais recentes e de grande envergadura, pois despende um grande esforço para condensar os 150 anos de história do presbiterianismo no Brasil. A proposta é de examinar a luz dos fatos históricos e resgatar a paixão missionária que tanto impulsionou o avanço do presbiterianismo por todo o território brasileiro.
            Evidente que a obra não está isenta de expressões entusiastas, visto que seu autor tem raízes profundas no protestantismo presbiteriano, mas em nada deturpa ou apequena o resultado final de sua pesquisa histórica, ao contrário a vivência nas entranhas do presbiterianismo brasileiro lhe oferece uma vantagem de tratar dos diversos temas propostos com mais acuidade e profundidade.
            Lamenta o autor da tremenda dificuldade em acessar as fontes históricas primárias de atas conciliares e outros documentos que certamente embasariam com muito mais vigor os fatos aqui narrados. A displicência com que os documentos históricos das igrejas locais foram e continuam sendo tratados pelos conselhos e pastores é algo que precisa ser urgentemente corrigido, pois os danos históricos são muitas vezes irreparáveis, como ele registra em que um pastor resolveu simplesmente fazer uma fogueira com os documentos antigos da igreja local. Outra crítica está na má vontade com que as lideranças eclesiásticas presbiterianas tratam seus pesquisadores sonegando-lhes as informações necessárias para o desenvolvimento de suas atividades – dos mais de cento e vinte questionários enviados não se recebeu nem mesmo uma linha de resposta por parte de uma grande maioria. A obra está dividida em três partes sendo que a segunda contém o cerne da pesquisa proposta sobre as igrejas centenárias espalhadas pelo território brasileiro.  Em cada uma das partes o autor faz uma sucinta introdução e posteriormente desenvolve o capítulo subdividindo-o em tópicos com informações específicas de fácil compreensão e assimilação, assim também como uma linguagem narrativa agradável e atrativa sem deixar de ser acadêmica em suas abordagens.
            Na primeira parte o autor resgata os fatores históricos da implantação do protestantismo presbiteriano no Brasil. Passa rapidamente pelas duas tentativas fracassadas dos franceses e holandeses em implantar através da invasão e domínio a religião protestante de cunho calvinista.
            Dois fatos históricos contribuíram imensamente para a efetivação das denominações evangélicas protestantes no país – a vinda da Corte Portuguesa em 1808 e a Independência do Brasil (1822) e promulgação da primeira Constituição Nacional com sua clausula de liberdade religiosa irrestrita. Depois destas duas tentativas limitadas somente após 1808, com a transferência forçada da coroa portuguesa para a colônia brasileira é que o Brasil experimenta suas primeiras aberturas religiosas. Os que mais se aproveitaram dessas aberturas legais foram as denominações estadunidenses, entre as quais os congregacionais, presbiterianos e metodistas e posteriormente os batistas, que enviaram seus missionários.
            O autor destaca dois aspectos interessantes nesse movimento inicial do protestantismo no país: a perspectiva progressista da mensagem evangélica protestante, que se ajusta perfeitamente às aspirações do espírito nacionalista da nova Nação e o trabalho pioneiro e incansável dos colportores missionários e principalmente leigos – homens que desbravaram o território brasileiro levando bíblias (protestantes) e diversas literaturas e folhetos com mensagens evangélicas pela ótica protestante.
            Na segunda parte do livro o autor concentra toda sua ampla pesquisa sobre as origens das Igrejas Centenárias Presbiterianas espalhadas por todo território brasileiro. Ele faz a feliz opção de oferecer aos leitores a implantação dessas igrejas por regiões. A Igreja Presbiteriana nasce na Região Sudeste, primeiramente no Rio de Janeiro e depois em São Paulo. Será a partir desses dois polos fecundantes que o presbiterianismo haverá de alcançar todas as demais regiões do Brasil. Ele oferece aos leitores uma variedade de informações pouco conhecida, mas que enriquece a leitura, citando apenas uma delas é o fato de que as primeiras instalações do presbiterianismo paulista tinha como endereço o mais famoso entroncamento de ruas da cidade de São Paulo – Avenida Ipiranga-São João. É surpreendente como os presbiterianos vão adentrando o interior do Estado paulista e estabelecendo sua denominação em cidades atraindo assim famílias inteiras. Uma de suas estratégias era a ênfase na Educação com a formação de Colégios e Escolas Paroquiais.
            Do Estado de São Paulo o presbiterianismo avança rapidamente em direção ao Estado de Minas Gerais. A primeira Igreja Presbiteriana a ser estabelecida em solo mineiro foi a da cidade Borda da Mata organizada em 1863 pelos missionários Revs. Lenington, Emanuel Pires e Blackford, tendo como base a família Gouvêa. Outras cidades são alcançadas como Areado, Araguari, no Triângulo Mineiro que se constituiu em importante eixo do presbiterianismo nacional. A cidade de Lavras é uma referência histórica no presbiterianismo brasileiro com sua igreja e seu Colégio estabelecido pelo incansável missionário Samuel Gammon e sua família. O Colégio Gammon ainda hoje é um referencial no contexto educacional brasileiro. Aqui se destacam as inúmeras educadoras presbiterianas: Eliza Reed, Miss Chambers, Henriqueta Amstrong e Carlota Kemper – que juntamente com o zelo pedagógico mantiveram sempre o zelo evangelístico.
            Depois de Minas Gerais o autor nos transporta para os primórdios do presbiterianismo no Estado do Espírito Santo que ocorre a partir do Leste de Minas Gerais e da igreja do Alto Jequitibá. Aqui temos um detalhe histórico muito interessante da cooperação denominacional entre os presbiterianos e os luteranos, sendo os primeiros originados da imigração suíça e que foram pastoreados por luteranos de 1858 até 1909, quando finalmente os presbiterianos assumiram o pastoreio desta comunidade na cidade Rio Novo do Sul.
            Agora somos levados pelo autor para a região Centro-Oeste, onde pioneiramente o trabalho incansável dos colportores em cidades do Mato Grosso e Goiás. A implantação da Igreja Presbiteriana na cidade de Santa Luzia com suas famílias engajadas na evangelização tornou-se uma referência para toda a região e se multiplicou rapidamente como as cidades de Pirapitinga e Descoberto.
            Chegamos ao Nordeste. Na cidade de Salvador, naquele tempo chamava-se Bahia (que posteriormente nominou o Estado) desembarca o missionário Rev. Franscis Joseph C. Schneider (1872) que com determinação e entusiasmo inicia suas atividades que extrapolam a cidade sede e espalha-se por todo o Estado baiano, como Cachoeira, Miguel Calmon, Canavieiras, Campo Formoso e Wagner (chamada antes de Ponte Nova). Em Salvador atuaram diversos missionários pioneiros como Blackford, Chamberlain (iniciador do Colégio Mackenzie em SP), Kolb e Wadell, demonstrando a relevância da cidade e da região nordestina para o projeto missionário presbiteriano. Aqui nascem projetos missionários e instituições que ainda hoje fazem parte da organização eclesiástica presbiteriana: a organização da primeira Sociedade Presbiteriana Feminina (SAF) em 1905, originalmente denominada de Sociedade de Senhoras; União de Mocidade Presbiteriana em 1946. Através dessa igreja baiana surgiram Presbitérios e Sínodos (atualmente em número de quatro). O presbiterianismo foi implantado também na cidade de Cachoeira a cento e vinte quilômetros de Salvador, muito conhecida por ser a terra de Castro Alves o poeta e abolicionista, mas historicamente por ter sido o grande centro de lutas pela Independência do Brasil e foi capital do Estado durante dezesseis meses na época da Bahia Independente e da Revolta da Sabinada. O autor conduz seus leitores pelo sertão baiano até o litoral de Canavieiras, quarta organizada no Estado baiano (1906). Aqui surge a primeira escola paroquial protestante com o nome de Colégio Doutor Antônio Salustiano Viana, que iniciou em 1928 e perdurou até 1945, sendo reiniciada algumas vezes posteriormente. A partir da Igreja de Canavieiras nesses mais de cem anos o presbiterianismo expande-se ao sul da Bahia em cidades como Itabuna, Ilhéus, Itamaraju, Camacan, Vitória da Conquista, Pau Brasil, Belmonte, Porto Seguro, Coaraci e outras.
            No Estado de Pernambuco a pioneira é a Igreja Presbiteriana do Recife. Aqui estiveram por um período prolongado os invasores holandeses que deixaram suas marcas protestantes pela cidade. O trabalho inicial coube ao missionário Rev. John Rockwell Smith, após uma longa viagem de 33 dias desembarca na cidade. Apesar de um “frágil começo” a persistência de Smith alcançou êxito. Uma família que abraçou o evangelho protestante foi a Lens César. O trabalho protestante foi duramente combatido pelas lideranças católicas romanas, mas apensar de tantas lutas “permaneceram firmes...apesar das pedradas, dos insultos”. Essa igreja prosperou e em seus primeiros cinquenta anos alcançou perto de mil e cem membros. Seguindo a recém inaugurada estrada de ferro surgem novas igrejas: Canhotinho, Garanhuns, Gileá e Palmares (Zona da Mata), cabendo a de Garanhuns a alcunha de  “Antioquia do Nordeste”, visto que tornou-se ponte de lança para a evangelização pernambucana e além.
            O protestantismo presbiteriano no Estado de Sergipe é resultante das duas atividades fecundantes os colportores advindos de Pernambuco e os obreiros que vieram via Bahia que a partir da cidade de Laranjeiras, cuja relevância cultural e econômica na época a reportava como mais importante do Estado. Coube ao incansável missionário pioneiro Rev. Alexander Latimer Blackford a organização da primeira igreja em 1884. Posteriormente pastoreou aquela igreja o missionário Rev. John Benjamim Kolb que fundou o Colégio Americano que posteriormente foi transferido para Aracaju. O trabalho de Kolb foi profícuo e surgiram igrejas presbiterianas em muitas cidades da região sergipana incluindo a capital Aracaju.
            Na Paraíba o trabalho inicia-se com dois colportores advindos de Pernambuco e que percorrem todo o território paraibano distribuído bíblias e livretos evangélicos, chegando inclusive na região do Pará. Coube ao missionário pioneiro Rev. Smith a honra de pregar e iniciar a primeira igreja no Estado paraibano (1884).
            Finalmente alcançamos a região Norte no Pará e na Amazônia, cujas capitais foram alcançadas pelo avanço missionário presbiteriano em Belém do Pará e Manaus (1904). Esses trabalhos se iniciaram pela presença dos migrantes de outras regiões do país e que ali chegando fecundaram suas convicções protestantes presbiterianas. Uma das características da igreja de Manaus é sua atuação junto aos povos ribeirinhos e os vilarejos no interior amazônico.
            Na terceira parte do livro o autor sintetiza algumas lições retiradas de toda essa trajetória histórica, o qual ele poderia ter se prolongado algumas páginas mais.
            Mas nem somente de presbiterianismo se forma esse livro, pois o autor vai pontilhando ao longo de todo o texto uma constelação de informações sobre outros ramos do protestantismo que concomitantemente se desenvolveram nesse período histórico em solo brasileiro. Os congregacionais, os luteranos, os metodistas, os batistas e assembleianos surgem como fortes afluentes do rio profícuo do presbiterianismo nacional.  
            Além do que foi aqui destacado há inumeráveis pérolas históricas da implantação e desenvolvimento do protestantismo presbiteriano no vasto território brasileiro, para aqueles que persistentemente se dispor a mergulhar nesta literatura. A linguagem do autor é professoral e agradável, despertando sempre o interesse do leitor e fazendo dessa leitura um momento saudável de reflexão histórica.
            Para aqueles que pouco conhece da História do Presbiterianismo brasileiro esse volume do professor Caleb Soares é indispensável e para aqueles que arduamente pesquisam o desenvolvimento do protestantismo no Brasil a leitura desta obra é fundamental, pois está cravejada de citações e fontes primárias e boas referências bibliográficas sobre o tema pesquisado.

SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

Professor Caleb Soares
Autor de Januário Antônio dos pés formosos, Banks ainda hoje, Antioquia do Vale e Bandeirantes da Reforma. Fundador e presidente do instituto de Pedagogia Cristã, diretor do Farol Cristão, mestre em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do RS. Mestrando em Teologia de Missão Urbana pelo Seminário Teológico Servo de Cristo, de São Paulo. Em preparo: Curso para evangelistas, O rosto e as entranhas da violência e As três dimensões da educação.

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