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terça-feira, 13 de novembro de 2018

O ALERTA QUE VEM DA ESCÓCIA



            A Escócia é um país que não ganha páginas dos jornais internacionais e muito menos da mídia brasileira. Sua seleção de futebol poucas vezes conseguiu se classificar para a Copa do Mundo futebol; não produz telenovelas; não tem grandes catástrofes naturais; fica escondida na geografia do chamado Reino Unida da Grã Bretanha (Inglaterra). A pergunta, portanto, é: por que a Escócia ocupou recentemente as manchetes mundial e nacional? Porque incorporou em sua Constituição o ensino obrigatório da diversificação sexual.
            Mas o que nos interessa chamar atenção é o fato de que a Escócia foi um dos pilares da chamada Segunda Reforma que ocorreu na Inglaterra ainda no século XVI. A Escócia foi pioneira na Grã Bretanha a adotar o sistema de governo Presbiteriano e a elaborar uma confissão de fé calvinista. Nos séculos seguintes os escoceses atravessaram o oceano e aportaram nos Estados Unidos e ali estabeleceram o sistema presbiteriano calvinista através de suas denominações, escolas e Universidades. Nomes de grande relevância no campo da teologia foram responsáveis, por vários séculos, pela manutenção desta teologia bíblica sadia pela ótica calvinista. E o Brasil a partir do século XIX (final dos oitocentos) também recebeu a influencia da denominação presbiteriana através dos missionários estadunidenses que aqui chegaram para implantar sua denominação evangélica protestante e que comemorou 159 anos no país.
            A questão que levantamos aqui é: o que aconteceu com a Escócia? E o que aconteceu com ela pode vir acontecer com o Brasil também?
            O passar dos séculos não fizeram bem para as igrejas reformadas na Escócia. Gradativamente essas denominações foram perdendo sua capacidade de serem luz e sal da sociedade escocesa. Entrincheiradas em suas ortodoxias teológicas e comodamente instaladas em suas estruturas eclesiásticas, as denominações protestantes passaram a viver em função de si mesmas. Sistematicamente foram se afastando das realidades sociais e deixando espaços cada vez maiores os quais foram ocupados por outros segmentos sociais. O resultado está agora patente em todos os jornais mundiais: a sociedade escocesa está completamente desassociada dos princípios básicos da Palavra de Deus. O berço do presbiterianismo é hoje a vanguarda do que há de pior nas ideologias de gênero e de tudo que afronta os princípios bíblicos.
            O que isso tem haver com o Brasil? Tudo! Na mesma proporção em que a igreja se afasta da Sociedade, outros segmentos sociais passam a controlar seus destinos. Não basta ter uma teologia bíblica séria e coerente; não basta ter uma superestrutura eclesiástica; não basta ter grandes instituições educacionais e universitárias; é preciso que tudo isso seja entretecido no tecido social, para que possa influenciar os conceitos que haverão de nortear a direção que a sociedade brasileira vai tomar.
            Pela primeira vez desde a década de cinquenta, que foi abortada no inicio da década de sessenta, a igreja protestante começou a se posicionar frente às ideologias abertamente contrárias aos princípios bíblicos evangélicos. É um movimento incipiente e em sua maioria de cunho pessoal de algumas lideranças, mas que pode e deve se transformar em ações mais amplas e integradas.
            É preciso urgentemente ocupar novamente os espaços sociais que por tanto tempo foram entregues nas mãos e/ou mentes de agentes anticristãs que tem usado e abusado do comodismo e hedonismo que infectou a grande maioria dos evangélicos brasileiros.
            As nossas bandeiras teológicas tem que serem hasteadas diariamente em todos os recantos desse país; a nossa mensagem precisa ser ouvida pela sociedade brasileira; as nossas propostas sociais, econômicas, jurídicas; politicas precisam ser inseridas nas diversas agendas da Sociedade brasileira.
            É preciso romper a mentalidade de gueto que por tantos anos tem prevalecido, principalmente entre as denominações protestantes históricas. É preciso olhar não apenas pela micro, mas ampliarmos nossa visão pela ótica macro – entender que se não influenciarmos positivamente a Sociedade brasileira, ela continuará sendo influenciada por toda sorte de ideologias maléficas.
            Os nossos profissionais liberais (advogados, engenheiros, arquitetos, artistas) devem participar ativamente e de forma propositiva de suas entidades de classes. Os patrões e empregados de forma geral precisam fazer parte de seus sindicatos e defenderem suas propostas para um país melhor, mais justo e honesto.
            Os governantes em todas as suas esferas devem ser abertamente confrontadas com seus crimes; as instâncias políticas da Câmara e do Senado tem que serem renovados de maneira que possam produzir leis que não venham a inibir o desenvolvimento do evangelho; as instituições judiciárias devem ser cobradas para que as Leis e a Constituição sejam de fato respeitadas e aplicadas. É preciso mobilizar os cerca de 38 milhões de brasileiros evangélicos para que exerçam sua cidadania e utilizem os mecanismos próprios para isso como abaixo assinados e monções e ate mesmo propostas populares para formulação de leis e normas que contribuam para o bem estar social e respaldo para aqueles que enfrentam os corruptos que tanto prejudicaram e continuam prejudicando essa grande Nação.
            Uma vez perdida essa oportunidade, mantendo-se a famigerada equidistância dos fatos sociais, em muito breve nos tornaremos uma Escócia tupiniquim. Se nos contentarmos apenas com a eleição de um presidente da República, demonstraremos o quão ignorantes somos das terríveis realidades que assolam nosso país. Essa eleição apenas trouxe à tona a ponta do iceberg da podridão e devassidão que estão submersos e escondido do campo visual. É preciso muito esforço e persistência para que o Brasil venha realmente a ser uma nação digna e com princípios evangélicos sadios; é uma luta sem tréguas e que somente se encerrara com a volta do Senhor Jesus. Não podemos e nunca fomos autorizados a nos acomodarmos nesse mundo!
            Que não seja apenas um espasmo social o que vimos nessa eleição por parte de lideranças sérias dos evangélicos brasileiros. Mas que seja o inicio de um movimento consistente e perseverante, até que a nossa Nação alcance a estatura de Nação perfeita em Cristo Jesus. 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Reflexão Bíblica


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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

As Primeiras Escolas de Interpretação - Escola de Antioquia



A escola de Antioquia da Síria surgiu em oposição à de Alexandria, que dominou a hermenêutica bíblica nos primeiros séculos. Ela foi uma tentativa de coibir os abusos da espiritualização e apontar um caminho mais seguro, especialmente, quanto à leitura do Antigo Testamento. O fundador dessa escola foi Luciano de Antioquia (240-312 d.C.), a quem se atribui (apesar da falta de evidências) a tentativa de uniformização dos textos gregos existentes que deram origem ao texto Bizantino ou Sírio. Credita-se, assim, a Luciano o mérito de ter dado início a uma rica tradição de estudos bíblica marcada pela erudição e pelo conhecimento das línguas originais. A escola de Antioquia rejeitou a alegorese e sustentou que o texto bíblico deveria ser interpretado em seu sentido literal (histórico) a não ser que a passagem demonstrasse claramente tratar-se de uma alegoria. Quanto àquelas passagens, notadamente as profecias, em que se percebiam um sentido oculto e profundo além do literal, desenvolveram um conceito que ficou conhecimento como teoria. Vejamos a seguir os maiores expoentes da Escola de Antioquia.
2.1. Principais Representantes
Deodoro de Tarso (390 d.C.)
Escreveu um tratado intitulado Qual é a diferença entre contemplação e alegoria? No qual defende a “contemplação” ou theoria contra a alegoria que parecia impor um sentido forçado ao texto bíblico.
Ele também escreveu um comentário dos Salmos em que tentava explicar os princípios hermenêuticos sadios para a boa compreensão dos Salmos, procurando, assim, interpretá-los dentro do seu contexto histórico.
Teodoro de Mopsuéstia (350-428 d.C.)
Considerado o maior exegeta antioquiano, de acordo com Altaner (1988, p. 322), Teodoro comentou “com extraordinária sagacidade critica, nada comum na Igreja Antiga, quase toda a Bíblia”. Ele escreveu um tratado contra a interpretação alegórica chamada “Conceming allegoiy and history against Origen”, no qual obviamente criticava a interpretação de Orígenes. Na sua própria abordagem, ele procurou focalizar o sentido natural e literal, utilizando uma interpretação que mais tarde seria denominada gramático-histórica. Esta abordagem é evidenciada em sua obra sobre os salmos, em que procurou reconstruir as ocasiões prováveis nas quais os salmos foram escritos e tentou estabelecer o significado original pretendido pelo autor. Teodoro também limitou bastante o número de textos do Antigo Testamento que falam de Cristo, o que lhe rendeu a acusação de “judaizante” (como também mais tarde seria acusado Calvino). Além disso, ele tentou explicar textos, como a alegoria feita por Paulo em Gálatas 4.21-31, e a alegoria de Zacarias a Zorobabel (Zc 4.6-10), defendendo a tese de que a Escritura é um texto de camadas superpostas, por isso tanto o significado da história, bem como do evangelho, devem ser preservados na interpretação. As aparentes discrepâncias ele atribui à linguagem hiperbólica dos escritores que encontra pleno conhecimento em Cristo. Portanto, apesar de ele aceitar o elemento tipológico na Bíblia e encontrar passagens messiânicas nos salmos, explicou a maioria delas do ponto de vista histórico.
João, o Crisóstomo (407 d.C.)
“Crisóstomo” significa Boca de Ouro, apelido que João recebeu depois de sua morte e que é justificado pelo seu extraordinário dom da oratória. Renunciou a carreira de advogado para tornar-se monge. Após alguns anos vivendo nas montanhas, entre monges, numa vida austera, a ponto de prejudicar sua saúde, voltou a Antioquia onde foi ordenado diácono (381), presbítero (386) e nomeado para o ofício de pregador, função que exerceu por doze anos (397). Sua fama de pregador cresceu tanto que foi obrigado pelo Imperador a aceitar o bispado de Constantinopla (398). Apesar da vida conturbada, fruto das polêmicas nas quais se envolveu e que resultaram num exílio, ele produziu uma vasta obra literária composta fundamentalmente de sermões, mas também de alguns tratados e consideráveis números de cartas.
As homilias de Crisóstomo versam sobre aspectos doutrinais, polêmicos e exegéticos. Nas exegéticas, ele comentou grande número dos livros da Bíblia procurando explanar o sentido histórico dos textos. Crisóstomo defendia o princípio de que leituras alegóricas ou místicas dos textos bíblicos só deveríam ser admitidas se os próprios autores as sugerissem. Desta forma, “seus sermões eram exegéticos e eminentemente práticos. Fascinava nele a compreensão simples e gramatical das Escrituras” (WALKER, 1983, p. 188).
2.2. Considerações
À luz do exposto, fica evidente que a Escola de Antioquia tinha sérias restrições à leitura alegórica, mesmo se tratando de tipologia. Por outro lado, eles estavam conscientes das dificuldades com algumas passagens, especialmente as profecias do Antigo Testamento, pois não podiam negar que o sentido literal-histórico, às vezes, apontava para um sentido mais elevado, o sentido anagógico (escatológico). Este sentido é denominado de theoria, termo que designava o “estado mental dos profetas, quando recebiam visões [...] é uma instituição ou visão pela qual o profeta pode ver o futuro através das circunstâncias presentes” (LOPES, 2004, p. 136). Este princípio permitiu aos exegetas antioquianos conceber um sentido mais elevado para certas passagens sem, contudo abrir mão da âncora do sentido literal. Lopes (Idem, p. 135-236) resume os princípios de interpretação de Antioquia nos seguintes tópicos:
1. Sensibilidade e atenção ao sentido natural do texto
Era uma abordagem que poderia ser chamada de "gramático-histórica". Esse termo só apareceu após a Reforma, mas os princípios que caracterizavam esse tipo de interpretação já estavam presentes em Antioquia: procurar alcançar o sentido do texto através da busca da intenção do seu autor considerando o contexto histórico em que foi escrito.
2. Desenvolvimento do conceito de theoria
Esse termo designava o estado mental dos profetas em que recebiam as visões, em oposição à alegoria. Era uma intuição ou visão pela qual o profeta podia ver o futuro através das circunstâncias presentes. Depois da visão, era possível para ele descrever em seus escritos tanto o significado contemporâneo dos eventos como seu cumprimento futuro. A theoria era o princípio usado pelos antioquianos para se descobrir um sentido além do literal nas palavras dos profetas do Antigo Testamento, permanecendo-se fiel ao seu sentido natural.
3. Não negavam o caráter metafórico de algumas passagens
Reconheciam que havia um sentido mais profundo nas profecias do Antigo Testamento e que havia tipologias, como a que Paulo fez em Gálatas 4.21-31. Entretanto, afirmavam a historicidade da narrativa veterotestamentária e procuravam em seguida descobrir o sentido teológico da mesma.
4. Buscavam determinar a intenção do autor
Isto era feito pela atenção cuidadosa ao sentido histórico das palavras em seu contexto original.
5. Eram contra descobertas arbitrárias de Cristo no Antigo Testamento
Tais como as feitas pela alegorese (alegoria) alexandrina. Concordavam que Cristo estava presente nas Escrituras do Antigo Testamento, mas reagiam contra a ideia de que cada palavra, evento, numero, personagem ou instituição poderiam ser interpretados de forma alegórica de modo à sempre se encontrar Cristo nelas.

Manual de Hermenêutica Bíblica
Me. Israel Sifoleli
Mestre em Ciências da Religião
Docente da Faculdade Latino-americana
(FLAM)



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