A década de cinquenta foi realmente o período mais intenso e tenso da
história do protestantismo brasileiro. Estamos na terceira geração de
protestantes e, portanto é possível falarmos de um protestantismo brasileiro
que experimenta pela primeira vez um conflito aberto de gerações. De um lado
estão os poucos remanescentes da primeira geração e a consolidação de liderança
composta pela segunda geração e do outro lado o surgimento de uma nova
liderança composta proeminentemente por uma juventude completamente inserida
nos novos contextos teológico-cultural-social brasileiro e mundial.
As mudanças pós Segunda Guerra Mundial se fazem sentir em todo o mundo e
o Brasil não é exceção. Tudo será mudado incluindo a forma de se fazer missão e
a forma de ser igreja. O bloco comunista liderado pela União Soviética vai
exigir da igreja cristã uma resposta e postura diferente e contundente. Uma
destas respostas é o chamado Evangelho Social que se torna um instrumental
evangélico para interagir o ser igreja no meio desta nova sociedade que esta
nascendo.
No Brasil como em todo o restante do mundo as expectativas e debates são
intensificados e novas perguntas exigem novas respostas. A nova geração
protestante brasileira esta antenada em todas essas mudanças; nas denominações
evangélicas a juventude começa a questionar velhas formulas e tradições; os
centros acadêmicos municiados por novas literaturas e perspectivas tornam-se a
caixa de ressonância destes novos debates teológicos.
Entre as juventudes protestantes destacam-se os presbiterianos. Suas
uniões de mocidade estão inseridas em todas as igrejas por todo o território
brasileiro; uma coordenação nacional e regional proporciona um gerenciamento e crescimento
local; estão prontos, mas lhes falta um líder que se constitua em catalizador
de toda esta energia. É nesse momento que surge a figura do missionário
estadunidense Richard Shaull, que a convite da Igreja Presbiteriana do Brasil
(IPB) vem lecionar no Seminário Presbiteriano em Campinas. Sua empatia com os
jovens seminaristas é imediata e logo se estende por toda a juventude
protestante brasileira. Suas propostas são como água fresca para a sedenta mocidade
evangélica brasileira. Evidentemente que esse movimento haverá de convulsionar
as denominações evangélicas brasileiras que arraigadas em suas estruturas eclesiásticas
reagiram de forma contundente para preservarem o que com tanto esforço haviam construído.
A ira destes líderes eclesiásticos tem um alvo especifico – Richard Shaull.
Todas as suas propostas e todos que de alguma forma as endossam tornam-se
anátemas e aproveitando-se da fobia de tudo que se parece ou tenha cheiro de
comunismo, de maneira que Shaull e todos que exijam quaisquer mudanças são
carimbados com o selo de comunistas que desejam destruir as igrejas. Exatamente
como as mais diversas lideranças religiosas judaicas trataram Jesus Cristo e
posteriormente a primeira geração de cristãos, que foram perseguidos e mortos,
pois traziam uma nova doutrina e costumes, desmontando toda a superestrutura
que por séculos havia sido construída ao redor do Templo e do judaísmo.
É nesse contexto conturbado que surge a literatura produzida por Richard
Shaull carregado de todas as perspectivas e possibilidades oferecidas pelas
novas cosmovisões que estão sendo construídas na Europa e nos Estados Unidos. O
título do livro “Cristianismo e a Revolução Social” produz imediatamente dois
sentimentos antagônicos, na linguagem evangelical: para os que desejam mudanças
uma bênção, mas para os que são avessos às mudanças é uma maldição. O termo “revolução”
naquele momento histórico está ligado umbilicalmente à “revolução russa e/ou
comunista” cantado em verso e prosa como o maior e mais terrível perigo para o
cristianismo no mundo. Na verdade a proposta de Shaull é apenas de demonstrar
que o Cristianismo é muito mais revolucionário do que o comunismo. O primeiro
visa apenas uma dimensão do ser humano, mas o cristianismo trás uma mensagem
para o ser humano de forma integral. Assim como aquela mulher que ao quebrar o
frasco daquele precioso perfume e derramá-lo sobre Jesus, acaba por espalhar
seu fragor por todo o ambiente de maneira que todos puderam usufruir do raro
perfume, assim a mensagem evangélica não pode e não deve ficar limitada ao
frasco (denominação) e ser apreciado apenas em pequenas doses a um grupo seleto
de pessoas (membros), mas deve permear toda a Sociedade, em todas as suas
instâncias, de maneira que todos possam sentir seu agradável perfume. Em
palavras mais praticas – o Evangelho tem que sair das igrejas e ser pregado e
vivenciado em todas as esferas da Sociedade brasileira. Para Shaull os
evangélicos brasileiros tem a grande oportunidade (que perdeu) de impactar a
Sociedade com a mensagem completa do Evangelho, permeando suas mais diversas
esferas com os princípios evangélicos e construindo uma Sociedade mais justa e
igualitária. Abaixo transcrevo um sub capítulo deste livro em que Shaull
demonstra a importância dos evangélicos estarem inseridos nos movimentos
sindicais e ali fazerem diferença. Se está proposta de Richard Shaull e tantos
outros tivesse prevalecido, com todo certeza figuras nefastas como as que
recentemente governaram esse país, não teriam surgido ou se viessem a surgir
não teriam a força e projeção que angariaram. Esses setores sociais, assim como
tantos outros, como a cultura, foram entregues gratuitamente para signatários sociais
imbuídos dos ideais mais infestos possíveis, e cujos resultados perniciosos
colhemos nos dias atuais. Assim como tudo que se planta, acaba se colhendo, o
inverso também é verdadeiro, pois o que não se planta, também não se pode colher. Por fazer a opção de se manter a qualquer custo sua zona de conforto e
seu status quo, o protestantismo evangélico brasileiro perdeu a grande
oportunidade de mudar os designíos desta Nação, que ficou à mercê do que há de
pior na espécie humana depravada.
Os Cristãos e o Movimento Sindicalista
Durante os anos mais recentes, a Igreja Protestante tem começado a
perceber a importância que tem o problema das suas relações com o movimento
sindicalista. Porque o movimento sindicalista tem-se tornado uma das mais importantes
forças no nosso mundo moderno. Ele tem sustentado, quase que sozinho, toda a
batalha dos trabalhadores na conquista da justiça, na nossa sociedade
industrial. Cada vez mais ele se tem tornado uma força que irá determinar em
grande medida, a estrutura da nossa sociedade.
Qual deverá ser a nossa relação de cristãos para com este movimento?
Qual a articulação do nosso interesse cristão com esta batalha do trabalho? Se
o cristão espera exercer qualquer influência na sociedade do futuro, como
poderá permanecer à margem deste movimento?
O nosso problema tem-se tornado ainda maior pelo fato de que outras
forças, percebendo a importância deste movimento, tenham feito um determinado
esforço para controlá-lo, enquanto que nós dormimos placidamente. Por toda a
América Latina os comunistas têm assumido a liderança do movimento sindicalista
e, em muitos países, já o dominam praticamente. A Igreja Católica não lhes fica
muito atrás. Em muitos casos, a sua hierarquia tem como finalidade principal
dominar esse movimento. Noutros casos, católicos sinceros e consagrados têm
feito um esforço permanente para exercer influência cristã dentro do movimento.
Na Alemanha e na França, algumas centenas de padres têm penetrado anônimos, nas
fábricas, como operários comuns e estão vivendo vidas de sacrifício e dedicação
incomuns. Temos sobre a escrivaninha um recorte de “O Estado de São Paulo”, de
hoje, com uma entrevista do Secretário Geral da JOC (Juventude Operária
Católica), presentemente viajando através da América Latina, na organização de
núcleos jocistas. Segundo a reportagem, já foram organizadas 55 secções da JOC,
na cidade de São Paulo, e mais 50, em outros centros industriais do sul do Brasil.
O esforço é para a formação de grupos de jovens operários, os quais, com a
assistência de estudantes universitários, possam enfrentar e resolver seus
problemas, e desenvolver um senso de missão dentro da sociedade industrial.
Qual é, então, a nossa tarefa, como protestantes, em face de tudo isto?
Naturalmente que não iremos iniciar qualquer esforço, como igreja, para dominar
o movimento sindicalista, ou agir como um grupo de pressão dentro do mesmo,
porque isto seria atraiçoar a própria natureza da nossa fé protestante. Mas nós
temos a responsabilidade, como cristãos, de dar o nosso testemunho a respeito
de Jesus Cristo, em todas as esferas da vida, como também a de afirmar e
interpretar a significação da Sua soberania em todas as estruturas da
sociedade. Se Jesus Cristo é o Senhor do mundo, então, nós, que nele cremos
temos de marcar presença, especialmente nos movimentos que dominam a vida do
mundo, para darmos testemunho de Jesus Cristo e do Seu propósito para a vida
humana.
Como poderemos nós, cristãos protestantes, começar a fazer isto, hoje,
na América Latina? Há, pelo menos 3 coisas que podemos empreender agora:
1. Em quase todas as grandes cidades da América Latina há muitos
operários industriais e membros dos sindicatos, que são membros, de alguma
igreja protestante. Em muitos casos, os nossos pastores e as nossas igrejas não
sabem quantos dos seus membros estão dentro do movimente nem quais deles
desempenham atividades diretivas nos sindicatos. Com estas pessoas é que
devemos começar, ajudando-as a descobrir a sua vocação cristã — e testemunho que
são chamados a dar do seu Senhor, tanto na fabrica como no sindicato.
Se estivermos dispostos a fazer isto precisaremos, antes de tudo,
descobrir estas pessoas e que estão elas fazendo. Depois precisamos de
estabelecer contacto com elas e despertar o seu interesse e solicitude. Então,
devemos providenciar os meios de estudar com elas a sua responsabilidade. Isto
poderá ser feito por meio de breves institutos e retiros, e pela formação de
pequenos grupos de estudo, que poderiam explorar e discutir estes assuntos.
Tais experiências forneceriam material para a discussão e para estudo, por
outros grupos através do Continente.
2. Poderemos organizar institutos de treinamento para operários, com
cursos noturnos para dirigentes e membros do movimento sindicalista —
protestantes e não-protestantes sobre os
problemas e responsabilidades fundamentais do trabalho no mundo moderno A
Igreja Católica Romana tem feito largo uso destes métodos, tanto nos Estados
Unidos como em outros países. Tem organizado, em grandes cidades, pelo país
fora “Institutos do Trabalho”, com classes noturnas para dirigentes e membros
dos sindicatos Os cursos são ministrados por padres, professores universitários
e estudantes. Estudam os problemas da organização e direção do movimento sindicalista,
oratória, leis trabalhistas, a doutrina católica sobre assuntos econômicos e
sociológicos, e muitas outras coisas. É natural que indaguemos até que ponto estes
institutos são instrumentos para conquistar a confiança dos dirigentes do
movimento tornando assim, possível o controle desta grande força de qualquer
maneira, porém, permanece o fato de que a Igreja esta presente; ela está
prestando notável serviço e esta fazendo sentir o seu impacto sobre o
movimento.
Na
América Latina, a Igreja Protestante possue uma oportunidade incomum. A Igreja
Católica e considerada como instrumento da reação; para muitos o Protestantismo
é olhado como uma força nova interessada pelas massas que oferece uma palavra
de esperança para o futuro, em razão desta atitude, que ainda persiste em
alguns círculos, nós temos a oportunidade de dar um testemunho cristão eficaz
neste campo. De novo aqui, são necessárias algumas experiências que possam
desenvolver padrões suscetíveis de serem seguidos em qualquer parte.
3.
Precisamos de apresentar o movimento sindicalista como uma vocação cristã laica
para a juventude das nossas igrejas. Chegou o tempo de abandonarmos, de uma
vez, a ideia de que a única vocação cristã é o ministério e de restituir de
novo, a ênfase dos reformadores ao chamado
do cristão. Dentro da linha de pensamento de que certas vocações leigas são tão
importantes como o ministério, poderemos encarecer a necessidade de certos
jovens crentes, de altas qualidades, se dedicarem ao movimento sindicalista
como sua vocação cristã. A nós nos parece que esta será a réplica protestante
aos padres operários católicos. Precisamos com toda a urgência, de alguns dos
mais excelentes jovens que se preparem neste ramo e vão às fábricas como operários
comuns e começando como simples membros de um sindicato operário, dando suas
vidas neste campo como a sua vocação cristã específica.
Estas
pequenas sugestões são somente um ponto de partida em nossa solicitude pelo
proletariado industrial. À medida que formos avançando deste ponto, nova luz
nos pode vir quanto a novas oportunidades e novas responsabilidades.
Cristianismo e a Revolução Social (Richard Shaull)
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica
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O Protestantismo na Capital de São Paulo: A Igreja
Presbiteriana Jardim das Oliveiras.
Referência
Bibliográfica
SHAULL, Richard. O
cristianismo e a Revolução social. Tradutor Aureliano Lino Pires. São
Paulo: União Cristã de Estudantes do Brasil, 1953.
Bibliografia
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