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sexta-feira, 14 de março de 2025

Protestantismo e Seu Desenvolvimento Histórico


Protestantismo - A Semente das Artes, Letras, Estados Livres, etc. - Sua História a Grande drama — Sua origem — Fora da humanidade — Um grande poder criativo — O protestantismo reviveu o cristianismo.

A História do Protestantismo, que nos propomos a escrever, é não mera história de dogmas. Os ensinamentos de Cristo são as sementes; a cristandade moderna, com sua nova vida, é a bela árvore que brotou deles. Falaremos da semente e depois da árvore, tão pequena em seu início, mas destinada um dia a cobrir a terra.

Como essa semente foi depositada no solo; como a árvore cresceu e floresceu apesar das furiosas tempestades que sobrevieram sobre ela; como, século após século, ela ergueu seu topo mais alto no céu, e espalhou seus galhos mais longe, abrigando a liberdade, cuidando das letras, fomentando a arte, e reunindo uma fraternidade de nações prósperas e poderosas ao seu redor, será nosso trabalho nas páginas seguintes mostrar. Entretanto, queremos que se note que é isso que entendemos por protestantismo na história da qual estamos entrando agora. Visto assim - e qualquer visão mais restrita seria falsa tanto para a filosofia como para os factos – a História do Protestantismo é o registo de um dos maiores dramas de todos os tempos. É verdade, sem dúvida, que o protestantismo, visto estritamente, é simplesmente um princípio. Não é uma política. Não é um império, com suas frotas e exércitos, seus oficiais e tribunais, com os quais estende seu domínio e faz com que sua autoridade seja obedecida. Nem sequer é uma Igreja [denominação] com as suas hierarquias, sínodos e éditos; é simplesmente um princípio. Mas é o maior de todos os princípios. É um poder criador. A sua influência é abrangente. Penetra no coração e renova o indivíduo. Desce às profundezas e, com a sua energia onipotente mas silenciosa, vivifica e regenera a sociedade. Torna-se assim o criador de tudo o que é verdadeiro, amável e grande; o fundador de reinos livres e a mãe de igrejas puras. O próprio globo terrestre é considerado um palco não muito amplo para a manifestação de sua ação benéfica; e todo o domínio dos assuntos terrestres é considerado uma esfera não muito vasta para ser preenchida com seu espírito e governada por sua lei.

De onde veio esse princípio? O nome protestantismo é muito recente: a coisa em si é muito antiga. O termo protestantismo tem pouco mais de 350 anos. Data do protesto que os príncipes luteranos cederam à Dieta de Espira[1] em 1529. Restrito a seu significado histórico, o protestantismo é puramente negativo. Ele apenas define a atitude assumida, em uma grande era histórica, por um partido na cristandade com referência para outra parte. Mas se isso fosse tudo, o protestantismo não teria história. Tinha fosse puramente negativo, teria começado e terminado com os homens que se reuniram no Cidade alemã no ano já especificado. O novo mundo que surgiu disso é o prova de que no fundo deste protesto estava um grande princípio que agradou a Providência para fertilizar e fazer a semente daquelas grandes, benéficas e duradouras conquistas que tornaram os últimos três séculos, em muitos aspectos, os mais agitados e maravilhoso na história. Os homens que entregaram este protesto não quiseram criar um mero vazio. Se eles repudiaram o credo e se livraram do jugo de Roma, era para que pudessem plantar uma fé mais pura e restaurar o governo de uma Lei superior. Eles substituíram a autoridade da Infalibilidade [Papal] pela autoridade da Palavra de Deus. O longo e sombrio obscurecimento de séculos eles dissiparam, para que as estrelas gêmeas da liberdade e do conhecimento possam brilhar, e isso, sendo a consciência livre, que o intelecto possa despertar de sua profunda sonolência, e a sociedade humana, renovando sua juventude, pudesse, após a interrupção de um mil anos, retomar sua marcha em direção ao seu alto objetivo.

Repetimos a pergunta - De onde veio esse princípio? E pedimos aos nossos leitores que marquem bem a resposta, pois é a nota-chave de todo o nosso vasto assunto, e nos coloca, logo no início, nas fontes daquela longa narração na qual estamos entrando agora.

O protestantismo não é apenas o resultado do progresso humano; não é um mero princípio de perfectibilidade inerente à humanidade, e classificando-se como um de seus poderes nativos, em virtude de que, quando a sociedade se corrompe, pode purificar-se a si mesma, e quando é presa em seu curso por alguma força externa, ou de exaustão, pode recrutar suas energias e avançar de novo no seu caminho. Não é nem o produto da razão individual, nem o resultado do pensamento e das energias conjuntas da espécie. O protestantismo é um princípio que tem sua origem fora da sociedade humana: é um enxerto divino sobre o intelectual e a natureza moral do homem, por meio da qual novas vitalidades e forças são introduzidas nele, e o caule humano produz doravante um fruto mais nobre. É a descida de uma influência nascida do céu que se alia a todos os instintos e poderes do indivíduo, a todas as leis e anseios da sociedade, e que, acelerando tanto o ser individual quanto o social para uma nova vida, e direcionando seus esforços para objetos mais nobres, permite que o mais alto desenvolvimento de que a humanidade é capaz, e a realização mais completa possível de todos os seus grandes fins. Em uma palavra, o protestantismo é o cristianismo revivido [destaque meu].

Perguntas Para Reflexão

1)    O que o autor quis dizer com “Os ensinamentos de Cristo são as sementes”?

2)    Por que o autor define o Protestantismo como sendo um princípio?

3)    Você concorda com o autor de que o Protestantismo é um poder criador?

4)    O Protestantismo foi um movimento apenas negativo ou foi também propositivo?

5)    Quais foram as estrelas gêmeas que Protestantismo resgatou?

6)    O que o Protestantismo não é segundo o autor?

7)    O que o Protestantismo é segundo o autor?

 

(Extrato do livro de J. A. Wylie "The História do Protestantismo" v.1)

James Aitken Wylie LL.D. (1808-1890) foi um historiador escocês da religião e ministro presbiteriano. Sua obra mais famosa é a História do Protestantismo em quatro volumes. Outros livros importantes incluem _The Grande Êxodo, ou "O Tempo do Fim", Roma e a liberdade civil: ou, A agressão papal em sua relação com a soberania da Rainha e a independência da naçãoO Papado: Sua História, Dogmas, Gênio e PerspectivasOs Jesuítas: Suas Máximas Morais e Tramas Contra Reis, Nações e IgrejasO papado é o Anticristo - uma demonstração.

Este é o primeiro de um trabalho de 4 volumes. Se Deus quiser, o próximo volume aparecerá na primavera de 2021.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica

 

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[1] Foi uma reunião importante do Sacro Império Romano-Germânico realizada em 1529 na cidade de Speyer (ou Espira), na Alemanha. Esta reunião foi convocada para lidar com duas questões principais: a ameaça dos exércitos turcos que avançavam na Hungria e a crescente influência do protestantismo.


sábado, 15 de julho de 2023

Historia do Protestantismo - James A. Wylie (1808-1890AD)


          Um dos mais extraordinários e profícuo escritor da História do Protestantismo.  Suas obras precisam serem urgentemente resgatadas do limbo da historiologia protestante a que foi lançado (como tantos outros). É um daqueles nomes que são citados intermitentemente nas notas de rodapé e referências bibliográficas dos historiadores e pesquisadores acadêmicos, mas do qual pouco se fala a respeito dele e de suas monumentais obras.

Na minha pesquisa não encontrei nenhum estudo específico sobre ele e seu imenso trabalho literário historiográfico.  Dentro do limitado espaço deste blog meu esforço será de suprir, ainda que minimamente, este vácuo.

Quem foi James A. Wylie?

          Um escocês por nascimento (9 de agosto de 1808 - 1 de maio de 1890) na cidade de Kirriemuir e um pastor protestante de viés presbiteriano. Wylie foi educado no Marischal College, Universidade de Aberdeen, onde estudou por três anos antes de se transferir para a Universidade de St Andrews para estudar com o Rev. Dr. Thomas Chalmers. Não encontrei nenhum relato de sua conversão, porém, seguindo os passos de seu pai, entrou no Original Secession Divinity Hall, Edimburgo (Escócia), em 1827, a terra do grande reformador escocês John Knox, sendo posteriormente ordenado ao ministério em 1831, na Igreja Secessionista em Dollar, Clackmannanshire.   

Os grandes embates teológico-eclesiástico ainda girava em torno do catolicismo romano. Wylie se constituirá em uma das maiores referências apologéticas contra o Catolicismo romano em todo o mundo de língua inglesa na última parte do século 19.

Duas Obras Relevantes

Sua obra "O Papado: sua História, Dogmas, Genialidade e Perspectivas" em que expõe de forma contundente, sem ser arrogante ou prepotente, as entranhas heréticas destes símbolo máximo da eclesiologia nos moldes católico romano, o fez ganhador de um prêmio literário de grande destaque, promovido pela Aliança Evangélica, bem como um valor monetário de 100 guinés. A bancada julgadora tinha eminentes Doutores, Ralph Wardlaw (pastor e escritor presbiteriano escocês), Rev. Cunningham (Doutorado (DD) honorário pela Universidade de Edimburgo), Rev. John Eadie (professor de literatura bíblica e hermenêutica). Este trabalho também lhe rendeu grande reputação e o projetou como grande apologeta do catolicismo romano além de suas fronteiras nacionais expandindo-se por todo o Continente europeu.

 Mas sua obra magna é sem dúvida "História do Protestantismo", constituída em três volumes, subdividido em vinte e quatro capítulos e que se estende ao longo de quase 2.000 páginas, abrangendo desde os primórdios do cristianismo até a Revolução Gloriosa na Grã-Bretanha em 1688, tendo sua primeira edição em 1878 (cf. mencionado ao fim do artigo).

A leitura destas duas obras aqui referidas proporcionara ao leitor uma ampla visão dos dois lados da moeda – o Catolicismo Romano e os movimentos de Reforma Protestante, espalhada por diversos países e com ampla apresentação de fontes documentais primárias e bibliográficas raramente encontradas em obras produzidas posteriormente até os dias atuais.

A linguagem utilizada pelo autor revela seriedade acadêmica e zelo pela autenticidade dos fatos históricos, com ampla fundamentação de suas fontes de pesquisa. Pelo conjunto de suas obras ele recebeu da Universidade de Aberdeen o título de Legum Doctor LL.D. (Doutor das Leis), referente ao grau acadêmico de nível de doutorado honorário. O duplo “L” na abreviatura se refere à capacitação para ensinar nas cátedras do direito canônico e civil.

Ele tinha plena consciência de sua vocação literária que pode ser evidenciada em suas palavras: "Minha língua é a pena de um pronto escritor", registrada na edição da revista “Testemunha” em 1846.

Em 1846 deixa o ministério pastoral e muda-se para Edimburgo, para se tornar subeditor do jornal religioso The Witness (Testemunho ou Testemunha), sob o comando de Hugh Miller, onde ele escrevera cerca de 800 artigos no transcorrer de muitos anos.

Em 1846 ele deixou a igreja Em 1852, depois de se juntar à Igreja Livre da Escócia, deixa o The Witness e passa a editar o jornal denominacional Free Church Record, um papel que ele continuou até 1860.

          Em 1860, principalmente através da instrumentalidade de Dr. James Begg, o Instituto Protestante foi estabelecido, e Dr. Wylie foi convidado para ser um de seus docentes, o qual exerceu a nomeação pelos próximos anos. Durante esse longo período de docência, mais de 2.000 alunos foram ensinados por ele. Os escritos e ensinamentos do Dr. Wylie contra o Papado tiveram um longo alcance influência em toda a cristandade.

Só quem não tinha convicções fortes, exceto para desprezar queles que o fizeram, falou dele como um "fanático". Mas se suas declarações sobre o Papado sempre foram fortes, por outro lado sempre foram escrupulosamente pesquisados e verdadeiros e escrito em linguagem acessível à população em geral, bem como de forma agradável e cativante.

Seu amplo e veemente repúdio ao sistema católico romano sempre foi contrabalançado por sua preocupação intercessora por todos os católicos. Ele realmente se preocupava que eles pudessem ler seus escritos para descobrirem por si mesmos as razões pelas quais a Reforma Protestante fora e continuava sendo necessária, e o que verdadeiramente representava o protestantismo [quanta falta faz isso nestes dias em que se ensinam coisas completamente absurdas].

Ele viveu como um cristão deveria viver. As palavras do Rev. C. A. Salmond (1890) logo após sua morte é uma síntese de sua vida:

"James Wylie foi um dos homens mais bem informados, mais geniais e simpáticos, e Sua humildade profunda e inabalável era um de seus maiores encantos. Bem dizia-se que não se podia ficar muito tempo com ele sem perceber o seu amor apaixonado por Cristo e para com as pessoas de bem, e sua piedade não ostensiva deu um sabor inconfundível para toda a sua vida".

          Nestes dias cinzas onde a verdade bíblica é eclipsada por sombras projetada pela aberração da construção de uma enorme Torre de Babel ideológica ecumênica de abrangência mundial, onde a verdade bíblica é suprimida em nome de uma “nova verdade”, que de nova não tem absolutamente nada, pois desde sempre está bem ilustrada nas páginas iniciais do livro de Gênesis, a leitura das obras de James A. Wylie torna-se indispensável e urgente.

A História do Protestantismo (James Aitken Wylie): Um olhar exaustivo sobre a história da Igreja Protestante desde o século I até 1800.

Volume 1

Book 1 — Progress From the First to the Fourteenth Century

Book 2 — Wicliffe and His Times, or Advent of Protestantism

Book 3 — John Huss and the Hussite Wars

Book 4 — Christendom at the Opening of the Sixteenth Century

Book 5 — History of Protestantism in Germany to the Leipsic Disputation, 1519

Book 6 — From the Leipsic Disputation to the Diet at Worms, 1521

Book 7 — Protestantism in England, From the Times of Wicliffe to Those of Henry VIII

Book 8 — History of Protestantism in Switzerland From A.D. 1516 to Its Establishment at Zurich, 1525

Book 9 — History of Protestantism From the Diet of Worms, 1521, to the Augsburg Confession, 1530

 

Volume 2

Book 10 — Rise and Establishment of Protestantism in Sweden and Denmark

Book 11 — Protestantism in Switzerland From Its Establishment in Zurich (1525) to the Death of Zwingli (1531)

12 — Protestantism in Germany From the Augsburg Confession to the Peace of Passau

Book 13 — From Rise of Protestantism in France (1510) to Publication of the Institutes (1536)

Book 14 — Rise and Establishment of Protestantism at Geneva

Book 15 — The Jesuits

Book 16 — Protestantism in the Waldensian Valleys

Book 17 — Protestantism in France From Death of Francis I (1547) to Edict of Nantes (1598)

 

Volume 3

Book 18 — History of Protestantism in the Netherlands

Book 19 — Protestantism in Poland and Bohemia

Book 20 — Protestantism in Hungary and Transylvania

Book 21 — The Thirty Years' War

Book 22 — Protestantism in France From Death of Henry IV (1610) to the Revolution (1789)

Book 23 — Protestantism in England From the Times of Henry VIII

Book 24 — Protestantism in Scotland

 

Utilização livre desde que citando a fonte

Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião

me.ivanguedes@gmail.com

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Reflexão Bíblica

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Referência Bibliográfica

WYLIE, James A. The History of Protestantism. (3 volumes). Cassell & Company, Limited: London, Paris & New York.1878.

 

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segunda-feira, 11 de maio de 2020

Farel - Como Lausanne Tornou-se Reformada



            Farel, William (1489–1565)
Pioneiro da Reforma Protestante na Suíça

A cidade de Lausanne, na Suíça, é conhecida pelos brasileiros em decorrência do grande Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em julho de 1974, onde se reuniram mais de 2.400 participantes de 150 nações e que deu origem à chamada Teologia da Missão Integral, ainda hoje repercutindo no mundo inteiro. Desta conferência foram produzidos muitos documentos dos quais um ou outro foram traduzidos em português.
            Mas se desconhece quase que por completo a história desta cidade e que se constitui na razão pela qual a Conferência ocorreu nela e não em tantas outras cidades Suiças mais celebres historicamente falando como Genebra ou Berna, das quais temos um pouco mais de informação sobre o processo de reforma religiosa pelas quais passaram em meados do século XVI.
Um dos personagens proeminentes dos eventos reformistas que a cidade de Lausanne experimentou foi Guilherme Farel. Esse personagem da galeria dos reformadores do século XVI, apesar de ser pouco comentado, foi fundamental para que essa cidade Suíça e outras, inclusive Genebra, viessem aderir ao movimento da Reforma Protestante que a partir da Alemanha vinha se espalhando por toda a Europa.
Farel, de origem francesa, havia feito diversas tentativas frustradas de obter autorização das autoridades para pregar em Lausanne. A cidade antiga, com seu orgulhoso bispo, sua grande catedral, amiga de padres e monges, sempre esteve muito bem guardada contra as heresias reformistas. Mas a situação política da cidade mudou radicalmente, pois o Cantão Pays de Vaud, cuja capital era Lausanne, conseguiu sua independência e agora havia uma nova administração pública que fazendo uma entrada triunfante em Lausanne destituiu o todo poderoso bispo católico, que rapidamente deixou a cidade. Escrevendo a um sobrinho Farel registra: "Fizemos uma excelente recepção em Friburgo", e a recepção por parte da população havia sido muito animadora.
O Conselho de Berna estava determinado a efetivar a mudança religiosa na nova Província de maneira que se decretou um debate público, muito comum naquela época, entre os padres católicos e os pastores protestantes. A data definida para o debate foi de 1 a 10 de outubro de 1536, dando tempo para que os padres da cidade encontrassem os doutores hábeis para o debate. O Imperador Carlos V emite um documento proibindo o debate, mas as autoridades suíças não tomaram conhecimento da ordem emitida pelo então grande imperador de toda a Europa. Por outro lado, Carlos V tinha preocupações muito maiores com a França de Francisco I, de maneira que os acontecimentos de Lausanne eram naquele momento de menor relevância.
Guilherme Farel elaborou dez artigos que sintetizavam a teologia reformada: reafirma a supremacia da Bíblia, a justificação pela fé somente, o sumo-sacerdócio e mediação de Cristo, o culto espiritual sem cerimônias e imagens, a santidade do casamento e a liberdade cristã na observância ou não das questões indiferentes, como jejuns e festas [santas]. Foi dele também o sermão de abertura da assembleia em 1º outubro, bem como o sermão de encerramento no dia oito, que nos revela a relevância dele neste período de mudanças religiosas profundas. João Calvino, ainda jovem, chegou a participar das discussões, cujo principal oponente foi o francês Claude Blanchrose, um dos médicos da corte que havia se estabelecido em Lausanne, mas diante do trabalho de Farel e Viret, ficou plenamente satisfeito, de maneira que se absteve de maiores intersecções no transcorrer dos debates.
A disputa foi realizada na Catedral de Lausanne, contrariando a vontade dos clérigos que, incapazes de impedir a alegada profanação do edifício, removeram uma imagem altamente venerada da Virgem Maria e dos santos para um lugar de segurança. Na abertura das atividades da assembleia Von Wattenwyl, o oficial de justiça sênior, fez saber a todos os presentes qual era o objeto da disputa: a necessidade de encerrar os distúrbios que haviam surgido no país por causa das questões religiosas. Ele fez um juramento aos debatedores, de que ouviria os dois lados com a mesma imparcialidade e aplacaria todos os conflitos e permitiriam que o apelo final fosse feito somente às Escrituras. Os debatedores ficaram frente a frente, tendo o mediador no centro: pelo lado protestante, Farel, Viret,[1] Calvino,[2] Caroli,[3] Fabri, Marcourt e Le Comte; e, pelo lado católico romano, vários sacerdotes e monges estavam presentes, como Drogy, Mimard, Michod, Loys, Berilly e Claude Blancherose, dominicanos e franciscanos de Lausanne, os agostinianos de Thonon e todo o sacerdócio dos distritos conquistados. Todos os debates foram feitos em francês.
Como é percebido Farel assumiu a liderança das discussões, ainda que todos os demais também expusessem as teses apresentadas. Uma a uma foram sendo colocadas e abertas para que seus opositores pudessem rebatê-las, todavia os clérigos romanos não conseguiam encontrar argumentações que pudessem rebatê-las e em grande parte tentavam atitudes evasivas fazendo ataques pessoais de forma injuriosa aos representantes protestantes.
Por sua vez, de forma firme e contundente os reformadores foram respondendo os protestos e objeções dos clérigos, sempre comparando Escritura com Escritura, os pais da igreja com os pais da igreja e os decretos de um concílio com outros, demonstrando sempre as incoerências e distorções produzidas pela igreja romana. A cada nova tese apresentada revelava-se aos presentes a ignorância dos clérigos romanos, bem como a decadência da própria igreja romana e muitas vezes o silêncio eram suas únicas respostas.
Em suas palavras finais Farel faz menção a uma trama orquestrada por líderes eclesiásticos romanos de Lausanne, para assassinar os ministros protestantes durante a trajetória para chegar à cidade e conclui que não há nele e nos demais companheiros um desejo de vingança, mas que oravam em favor de tais pessoas, para que se arrependessem e recebessem o perdão completo. O oficial de justiça dissolveu a assembleia e solicita que eles esperassem silenciosamente o resultado.
A partir destes debates na cidade de Lausanne as autoridades civis de Berna, em 1º de novembro do mesmo ano, decretam seria adotado em toda sua jurisdição o padrão reformado de fé em rejeição as doutrinas católicas romanas. Viret e Pierre Caroli foram designados pregadores e Viret lecionou, na mesma época, na academia fundada em Berna, em 1540. Farel e Calvino, bem como os demais companheiros retornam às suas cidades e prosseguem suas atividades, tomados por grande gratidão a Deus.  

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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Historiologia Protestante

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Referências Bibliográficas
KIRCHHOFER, Melchior. The life of William Farel, the Swiss reformer. London: The Religious Tract Society, 1837.
McGRATH, Alister. Christianity’s Dangerous Idea. New York: Harper One, 2008. p. 83-104.
M’CLINTOCK, John and STRONG, James Strong (Eds.). Cyclopædia of Biblical, Theological, and Ecclesiastical Literature. Vol X. New York: Harper & Brothers, 1894.
SCHAFF, Philip. History of the Christian Church. v. 8. Grand Rapids: Christian Classics Ethereal Library, 2002. p. 142-148.


[1] Pierre Viret era o único suíço nativo entre os pioneiros do protestantismo na Suíça ocidental; todos os outros eram fugitivos franceses. Em Lausanne trabalhou como pastor, professor e escritor por vinte e dois anos.
[2] Em um aparte quando da tese sobre a Ceia, Calvino foi retomado em seguida por Calvin, que explicou tão claramente suas razões para rejeitar a transubstanciação, bem como os benefícios reais associados à Ceia do Senhor, que um constrangedor silêncio se fez por parte dos debatedores católicos e diante disso Tandi, um franciscano, confessou perante todos que fora vencido pelo poder da verdade e que, dali em diante, ele acreditaria no evangelho puro e regularia sua vida por ele.
[3] Caroli ficou por um curto período apenas. Depois de desavenças com Viret, Farel e Calvino e acusações sem fundamento de ensinavam doutrinas do arianismo, foi deposto como caluniador, e terminou voltando à Igreja Romana.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

GALERIA DA REFORMA: João Wycliffe (c. 1328-1384)



            Os anseios por uma Igreja Cristã que refletisse os ensinos bíblicos e fosse libertada dos grilhões da corrupção teológica e da depravação eclesiástica são percebidos em séculos antecedentes ao nascimento de João Wycliffe. Milhares de cristãos, homens e mulheres, foram mortos por simplesmente desejarem e defenderem uma Igreja coerente com os princípios bíblicos.
            John Wycliffe nasceu em Hipswell, perto de Yorkshire, na Inglaterra, provavelmente no ano de 1328. Em 1346 foi estudar Teologia, Filosofia e Legislação Canônica em Oxford (Balliol College) e aqui nessa cidade ele permaneceu o resto de sua vida. Com 26 anos tornou-se mestre do Colégio em que estudara. Com 1361 foi ordenado pela Igreja católica, passando a exercer a função de vigário em Fillingham. Voltou para Oxford, onde conclui o bacharelado em Teologia, em 1365 e o doutorado em 1372.
            O rei Ricardo II (1377-99) foi quem percebendo suas qualificações acadêmicas e eruditas o nomeou capelão e posteriormente reitor em Lutterworth. Nos anos subsequentes (1360 a 1370) Wycliffe adquiriu uma crescente reputação como pregador popular e com fortes tons de crítica ao sistema papal de governo da Igreja Cristã Romana. A resposta imediata do clero romano vem através do Papa Gregório XI que em 1377 condena o teor de suas pregações antipapas e exige que se apresente ao bispo de Londres. Todavia, contava com apoio tanto da Universidade em Oxford quanto da corte do rei e por esta razão não foi preso.
Mesmo debaixo de fortes pressões eclesiásticas Wycliffe continuou sistematicamente pregando contra os desmandos eclesiásticos e desvios teológicos da Igreja Romana e seu moto era de que somente na Bíblia encontra-se a única fonte de autoridade e verdade e não em quaisquer outros documentos eclesiásticos. Como Martinho Lutero 150 anos depois suas teses concluíam enfaticamente de que nem Papas e nem Concílios eram infalíveis, e que quaisquer decretos papais ou conciliares derivam sua autoridade e poder somente quando estando em perfeita consonância com as Escrituras em sua totalidade. Além da questão papal, que ocupou grande espaço em suas pregações e escrita, Wycliffe também questionou as doutrinas católicas da transubstanciação e do purgatório.
            Outro vespeiro cutucado pelo reformador de Oxford é que os líderes eclesiásticos deveriam ser servos do povo e não se servir deles para seus propósitos pessoais. Dentro dessa perspectiva a partir de 1380 ele organizou grupos de “pregadores leigos”, pois não faziam votos nem recebiam consagração formal, que posteriormente ficaram conhecidos como Lolardos, e que despojados de tudo à semelhança dos discípulos enviados por Jesus em duas ocasiões de Seu ministério terreno, a partir de Oxford viajaram por toda a Inglaterra pregando a mensagem evangélica.
            Essa atitude de Wycliffe, literalmente, colocou mais madeira na fogueira e a resposta de Roma veio imediata – o bispo de Londres o proíbe de pregar e em 1382 o arcebispo de Canterbury emite uma bula de sua condenação eclesiástica. Todavia, o professor e clérigo reformador permanece refugiado na Universidade de Oxford. Durante esse período de reclusão ele completou uma de suas maiores obras – uma tradução da Bíblia para a língua vernácula inglesa e também empreendeu um resumo de suas ideias principais em um livro cujo título é “Trialogus”, onde discute o poder e conhecimento de Deus, criação, virtudes e vícios, a encarnação, a redenção e os sacramentos. Wycliffe escreveu para familiarizar padres e leigos com as complexas questões subjacentes à doutrina cristã, e começa com a teologia filosófica formal, que se move para a teologia moral, concluindo com uma crítica abrasadora do status quo eclesiástico do século XIV.
            Depois que Wycliffe morreu em 1384 as autoridades da igreja romana suprimiu seus escritos o máximo possível, todavia, uma geração depois, suas ideias ainda continuavam vivas e sendo pregadas pelos Lolardos. Em 1415, quando então outro reformador popular John Huss foi igualmente condenado à morte em fogueira, o Conselho de Constança ordenou que o corpo (ossos) de Wycliffe fosse exumado e queimado junto com seus livros. A ordem foi cumprida somente em 1428.
            Quando no século XVI a Inglaterra experimenta uma Reforma Religiosa, promovida inicialmente pelo rei Henrique VIII, mas efetivamente concluída apenas no governo de sua filha Elizabete I, o grande doutor de Oxford João Wycliffe passou a ser considerado como uma das poderosas vozes que promoveram a Reforma no Velho Continente. Seu Novo Testamento em inglês foi finalmente publicado, em uma edição limitada, no século XVIII, e sua Bíblia em meados do século XIX.

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Guedes, Ivan Pereira
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Referências Bibliográficas
AZEVEDO, Leandro Villela de. As Obras Inglesas de John Wycliffe inseridas no contexto religioso de sua época: Da Suma Teológica de Aquino ao Concilio de Constança, Dos espirituais franciscanos a Guilherme de Ockham. (Tese Doutorado). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010. [Orientador: Prof. Dr. Nachman Falbel].
BOISSET, J. História do protestantismo. São Paulo: Difusão Europeia, 1971.
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