Farel, William
(1489–1565)
Pioneiro da Reforma
Protestante na Suíça
A cidade de Lausanne, na
Suíça, é conhecida pelos brasileiros em decorrência do grande Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em julho de 1974, onde se reuniram mais de 2.400
participantes de 150 nações e que deu origem à chamada Teologia
da Missão Integral, ainda hoje repercutindo no mundo inteiro. Desta conferência
foram produzidos muitos documentos dos quais um ou outro foram traduzidos em português.
Mas se
desconhece quase que por completo a história desta cidade e que se constitui na
razão pela qual a Conferência ocorreu nela e não em tantas outras cidades Suiças
mais celebres historicamente falando como Genebra ou Berna, das quais temos um
pouco mais de informação sobre o processo de reforma religiosa pelas quais
passaram em meados do século XVI.
Um dos personagens
proeminentes dos eventos reformistas que a cidade de Lausanne experimentou foi
Guilherme Farel. Esse personagem da galeria dos reformadores do século XVI,
apesar de ser pouco comentado, foi fundamental para que essa cidade Suíça e
outras, inclusive Genebra, viessem aderir ao movimento da Reforma Protestante
que a partir da Alemanha vinha se espalhando por toda a Europa.
Farel, de origem francesa,
havia feito diversas tentativas frustradas de obter autorização das autoridades
para pregar em Lausanne. A cidade antiga, com seu orgulhoso bispo, sua grande
catedral, amiga de padres e monges, sempre esteve muito bem guardada contra as
heresias reformistas. Mas a situação política da cidade mudou radicalmente,
pois o Cantão Pays de Vaud, cuja capital era Lausanne, conseguiu sua
independência e agora havia uma nova administração pública que fazendo uma
entrada triunfante em Lausanne destituiu o todo poderoso bispo católico, que
rapidamente deixou a cidade. Escrevendo a um sobrinho Farel registra: "Fizemos uma excelente recepção em Friburgo",
e a recepção por parte da população havia sido muito animadora.
O Conselho de Berna estava
determinado a efetivar a mudança religiosa na nova Província de maneira que se decretou
um debate público, muito comum naquela época, entre os padres católicos e os pastores
protestantes. A data definida para o debate foi de 1 a 10 de outubro de 1536,
dando tempo para que os padres da cidade encontrassem os doutores hábeis para o
debate. O Imperador Carlos V emite um documento proibindo o debate, mas as
autoridades suíças não tomaram conhecimento da ordem emitida pelo então grande
imperador de toda a Europa. Por outro lado, Carlos V tinha preocupações muito
maiores com a França de Francisco I, de maneira que os acontecimentos de
Lausanne eram naquele momento de menor relevância.
Guilherme Farel elaborou dez
artigos que sintetizavam a teologia reformada: reafirma a supremacia da Bíblia,
a justificação pela fé somente, o sumo-sacerdócio e mediação de Cristo, o culto
espiritual sem cerimônias e imagens, a santidade do casamento e a liberdade
cristã na observância ou não das questões indiferentes, como jejuns e festas
[santas]. Foi dele também o sermão de abertura da assembleia em 1º outubro, bem
como o sermão de encerramento no dia oito, que nos revela a relevância dele
neste período de mudanças religiosas profundas. João Calvino, ainda jovem,
chegou a participar das discussões, cujo principal oponente foi o francês
Claude Blanchrose, um dos médicos da corte que havia se estabelecido em
Lausanne, mas diante do trabalho de Farel e Viret, ficou plenamente satisfeito,
de maneira que se absteve de maiores intersecções no transcorrer dos debates.
A disputa foi realizada na Catedral
de Lausanne, contrariando a vontade dos clérigos que, incapazes de impedir a alegada
profanação do edifício, removeram uma imagem altamente venerada da Virgem Maria
e dos santos para um lugar de segurança. Na abertura das atividades da
assembleia Von Wattenwyl, o oficial de justiça sênior, fez saber a todos os
presentes qual era o objeto da disputa: a necessidade de encerrar os distúrbios
que haviam surgido no país por causa das questões religiosas. Ele fez um
juramento aos debatedores, de que ouviria os dois lados com a mesma
imparcialidade e aplacaria todos os conflitos e permitiriam que o apelo final
fosse feito somente às Escrituras. Os debatedores ficaram frente a frente,
tendo o mediador no centro: pelo lado protestante, Farel, Viret,[1] Calvino,[2] Caroli,[3] Fabri, Marcourt e Le
Comte; e, pelo lado católico romano, vários sacerdotes e monges estavam
presentes, como Drogy, Mimard, Michod, Loys, Berilly e Claude Blancherose, dominicanos
e franciscanos de Lausanne, os agostinianos de Thonon e todo o sacerdócio dos
distritos conquistados. Todos os debates foram feitos em francês.
Como é percebido Farel
assumiu a liderança das discussões, ainda que todos os demais também expusessem
as teses apresentadas. Uma a uma foram sendo colocadas e abertas para que seus
opositores pudessem rebatê-las, todavia os clérigos romanos não conseguiam
encontrar argumentações que pudessem rebatê-las e em grande parte tentavam
atitudes evasivas fazendo ataques pessoais de forma injuriosa aos
representantes protestantes.
Por sua vez, de forma firme
e contundente os reformadores foram respondendo os protestos e objeções dos
clérigos, sempre comparando Escritura com Escritura, os pais da igreja com os
pais da igreja e os decretos de um concílio com outros, demonstrando sempre as
incoerências e distorções produzidas pela igreja romana. A cada nova tese
apresentada revelava-se aos presentes a ignorância dos clérigos romanos, bem
como a decadência da própria igreja romana e muitas vezes o silêncio eram suas
únicas respostas.
Em suas palavras finais Farel
faz menção a uma trama orquestrada por líderes eclesiásticos romanos de Lausanne,
para assassinar os ministros protestantes durante a trajetória para chegar à
cidade e conclui que não há nele e nos demais companheiros um desejo de
vingança, mas que oravam em favor de tais pessoas, para que se arrependessem e
recebessem o perdão completo. O oficial de justiça dissolveu a assembleia e
solicita que eles esperassem silenciosamente o resultado.
A partir destes debates na
cidade de Lausanne as autoridades civis de Berna, em 1º de novembro do mesmo
ano, decretam seria adotado em toda sua jurisdição o padrão reformado de fé em
rejeição as doutrinas católicas romanas. Viret e Pierre Caroli foram designados
pregadores e Viret lecionou, na mesma época, na academia fundada em Berna, em
1540. Farel e Calvino, bem como os demais companheiros retornam às suas cidades
e prosseguem suas atividades, tomados por grande gratidão a Deus.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências
Bibliográficas
KIRCHHOFER, Melchior. The life of William Farel, the Swiss reformer. London: The
Religious Tract Society, 1837.
McGRATH, Alister. Christianity’s
Dangerous Idea. New York: Harper One, 2008. p. 83-104.
M’CLINTOCK, John and STRONG, James Strong (Eds.). Cyclopædia of Biblical, Theological, and
Ecclesiastical Literature. Vol X. New York: Harper & Brothers, 1894.
SCHAFF, Philip. History of the Christian Church. v. 8. Grand Rapids: Christian
Classics Ethereal Library, 2002. p. 142-148.
[1] Pierre
Viret era o único suíço nativo entre os pioneiros do protestantismo na Suíça
ocidental; todos os outros eram fugitivos franceses. Em Lausanne trabalhou como
pastor, professor e escritor por vinte e dois anos.
[2] Em
um aparte quando da tese sobre a Ceia, Calvino foi retomado em seguida por
Calvin, que explicou tão claramente suas razões para rejeitar a
transubstanciação, bem como os benefícios reais associados à Ceia do Senhor, que
um constrangedor silêncio se fez por parte dos debatedores católicos e diante
disso Tandi, um franciscano, confessou perante todos que fora vencido pelo
poder da verdade e que, dali em diante, ele acreditaria no evangelho puro e
regularia sua vida por ele.
[3] Caroli
ficou por um curto período apenas. Depois de desavenças com Viret, Farel e
Calvino e acusações sem fundamento de ensinavam doutrinas do arianismo, foi
deposto como caluniador, e terminou voltando à Igreja Romana.
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