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terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O Protestantismo Entre as Matrizes Religiosa do Brasil[1]

 

O Brasil é um país extremamente religioso – mas quais são suas Matrizes religiosas? Como essa religiosidade foi formada? Qual a influência disso na Sociedade brasileira atual? Essas e outras questões serão levantadas aqui durante o nosso Simpósio.

A Religião foi e continua sendo um modelador do perfil social de um povo.

Max Weber e milhares de outros estudiosos se debruçaram sobre esta questão e constataram a RELEVÂNCIA da RELIGIÃO sobre todas as Sociedades.

PORTANTO, essa temática é sempre atual e relevante para todos aqueles que desejam compreender melhor o que está acontecendo na Sociedade brasileira.

O nosso desejo é que ao final do nosso Simpósio tenhamos uma visão mais clara e profunda da importância da Teologia/Religião nas nossas vidas e da nossa Sociedade.

OS PROTESTANTISMO NO BRASIL

Alguns esclarecimentos:

A ordem Cronológica mais correta seria: Religiões Indígenas, Religião Católicas, Religiões Afro e Religião Protestantes.

Por que a utilização do PLURAL???

Por que cada uma dessas expressões religiosas não é única, mas dentro de cada uma delas há uma DIVERSIDADE e em alguns casos até CONFLITANTES sobre a forma de expressar sua religiosidade.

Exemplo: O Catolicismo que chega no Brasil não é exatamente o mesmo Catolicismo Europeu.

                  O Protestantismo que chega ao Brasil já vem expressado em suas diversas DENOMINAÇÕES e cada uma delas com características distintas.

                     Assim acontece com a religião indígena e afro.

O nosso Tema Nesta Noite é: O PROTESTANTISMO NO BRASIL

TÚNEL NO TEMPO (quem assistiu essa Série?? – Estamos velhinhos.....)

Algumas Datas Significativas – para entendermos o Protestantismo que chegou no Brasil.

1500 – O Brasil entra no Mapa Mundial

1517 -  31 de Outubro – Na Alemanha Lutero afixa na porta da igreja do castelo de Wittenberg as 95 Teses.

1519  - Simultaneamente começa  na Suíça outro movimento reformador dirigido por Ulrich Zwingli (1484-1531).

1531 - Henrique VIII rompe com a Igreja Romana e torna-se o Cabeça (Papa) da Igreja Anglicana (Inglaterra)

1536 João Calvino chega em Genebra, e foi induzido por Farel a ajudar na Refor

1541. JOÃO CALVINO finalmente introduz a Reforma em Genebra.

1588 – Fundação da Academia Teológica de Genebra, influenciou muitos países da Europa.

1560, sob a liderança de Knox, o Parlamento renunciou ao catolicismo e adotou a fé reformada para a Escócia – Estabelecimento da Igreja no sistema Presbiteriano.

ENQUANTO TUDO ISSO ACONTECE NA EUROPA – O BRASIL CONTINUA TRANQUILO E SOSSEGADO.

Pegaremos uma Nova Rota Cronológica

1531 - Henrique VIII rompe com a Igreja Romana e torna-se o Cabeça (Papa) da Igreja Anglicana (Inglaterra)

- Henrique VIII nunca deixou de ser “católico romano”, portanto ele faz na verdade uma Reforma pró forme – muda tudo para não mudar nada.

- Dentro do Anglicanismo surgem diversos segmentos – debaixo do Guarda Chuva do PURITANISMO – que desejavam reformas mais radicais.

- O PURITANISMOS tem suas subdivisões: Congregacionais, Presbiterianos, Metodistas e Batistas – soa familiar esses nomes??

1629 – Depois de muitas guerras internas e perseguições de ambas as partes – Os Puritanos resolveram atravessar o Oceano e se estabelecerem na América do Norte, conhecido por alguns como Estados Unidos da América.

 O objetivo deles é ter uma Nação em que possam expressar sua religião protestante livre da opressão do Governo.

Cada um dos ramos protestantes inglês se estabelecem, constroem Igrejas, cidades, Universidades e Industria.

ENQUANTO ISSO NO BRASIL – Continuamos totalmente alienados –

Colônia Extrativista e unicamente Católicos.

PROTESTANTISMOS NO BRASIL

Tentativas Frustradas

FRANCESES - 1555 e 1560 – Invasão e Conquista

- Nicolau Durand de Villegaignon (católico carola - Ordem de Malta) associa-se ao rei francês Henrique II (católico) e ao Almirante Gaspar de Coligny (reformado) para estabelecer a FRANÇA ANTARTICA – como refúgio do Huguenotes (reformados) franceses.  

Fracassou - Mas deixou algumas referências: 

Primeiro Culto e Ceia Reformada no Brasil (21 de março de 1557)

Primeiros Protestantes mortos no Brasil 

HOLANDESES - 1630 e 1654 Outra tentativa de Invasão e Conquista

- Os invasores pertenciam à Companhia das Índias OcidentaisFOCO PRINCIPAL controlar as Usinas de açúcar do Brasil.

- Por permanecerem mais tempo no Brasil os holandeses deixaram marcas mais profundas no Brasil:

- Locais: Salvador, Olinda, Recife – Maranhão e Sergipe

- Figura Proeminente – Conde Mauricio de Nassau

- Tolerância Religiosa: em Recife havia uma Igreja Anglicana (ingleses) e uma Igreja Francesa, bem como sinagogas (judeus) e católicos romanos (com suas missas e festas) livremente manifestavam suas expressões religiosas sem restrição ou perseguição mais acentuada.

- Com a saída de Nassau o domínio holandês entra em declínio rapidamente e as forças portuguesas e brasileiras reconquistam os territórios invadidos e expulsam os invasores, definitivamente em 1649.

RESULTADOS DAS TENTATIVAS FRACASSADAS

- Imediatamente a Igreja Católica Romana restabelece a hegemonia religiosa, proibindo toda e qualquer outra manifestação de fé, implantando de forma implacável a cartilha da horrenda Inquisição Religiosa.

- O Brasil fica totalmente isolado de todos os movimentos religiosos, sociais e políticos que estão influenciando e transformando o mundo Europeu e posteriormente o Americano.

- Após repelir estes dois grupos invasores anticatólicos, tudo e todos estrangeiros com qualquer resquício de religião protestante passaram a serem vistos como invasores e deveriam ser imediatamente combatidos e extirpados, de maneira que toda estruturada religiosa protestante foi extinta, e o catolicismo retoma com força total sua catequese e assim permaneceria até as últimas décadas do século XIX.

Mas dois acontecimentos históricos de suma importância para o Brasil e os brasileiros trarão uma luz no final do túnel da implantação definitiva do protestantismo tupiniquim:

PRIMEIRAS ABERTURAS OFICIAIS PARA IMPLANTAÇÃO DO PROTESTANTISMO NO BRASIL

- A transferência da Família Real Portuguesa para o Brasil (1808)

- Fugindo do francês Napoleão Bonaparte

- Escoltados pelos navios de guerra Ingleses

- a carta régia de abertura dos portos brasileiros ao comércio de todas as nações amigas (leia-se Ingleses).

- os ingleses passaram a ter garantia legal para expressar sua religião protestante, podendo inclusive construir seus próprios templos religiosos, com a ressalva de que não se assemelhassem aos templos católicos e não tocassem sinos, que serviam para anunciar os horários de reuniões e cultos, bem como restringia qualquer esforço de proselitismo entre os brasileiros católicos romanos, na linguagem mais protestante, estava proibido qualquer esforço em evangelizar católicos brasileiros.

- E ousadamente, medida as proporções e repercussões históricas, afirmo: com a chegada da corte à Baia de Todos os Santos começava o último ato do Brasil de monopólio católico romano e o primeiro ato do Brasil protestanizado, através de suas mais diversas ramificações, que em breve haveriam de serem transplantadas no país.

A Independência do Brasil e a Primeira Constituição Brasileira

1822 – Apenas 14 Anos depois, o Brasil torna-se Independente;

- Sem dinheiro, D. Pedro I renova o Acordo Comercial com os ingleses;

1824 – Promulga-se a primeira Constituição brasileira, em 25 de março, que será uma das mais inovadoras entre todas elaboradas na época, com exceção da americana e a mais duradoura de todas que foram elaboradas no Brasil posteriormente, e que foi substituída somente 1891 pela primeira, das muitas, constituição republicana.

Uma das maiores novidades contida nesta primeira Constituição brasileira era a clausula referente à liberdade de culto.

É com D. Pedro I que plena liberdade religiosa vai de fato ser estabelecida. Ele teve o cuidado de manter o catolicismo como a religião oficial do novo Império, mas de forma pioneira, desde o descobrimento do Brasil, protestantes, judeus, muçulmanos, budistas e adeptos de quaisquer outras expressões religiosas poderiam professar livremente sua fé. E mais ainda, assegurava-se constitucionalmente, a plena liberdade de imprensa e de opinião, de modo que ninguém poderia ser preso sem processo formal e sem amplo direito de defesa.

Nenhum grupo religioso soube aproveitar ao máximo este artigo constitucional como os protestantes.

Eles não apenas começam a se instalarem no país, como iram aproveitar todos os meios de comunicação da época, preferencialmente os jornais e revistas, para a divulgação de suas mensagens evangélicas de conteúdo protestante.

PRIMEIRA IGREJA PROTESTANTE PARA BRASILEIROS

- O primeiro a fazer uso desta recente liberdade religiosa foi o Médico e Rev. Robert Kalley

Em 19 de agosto de 1855, em Petrópolis – RJ, o Sr. Robert Kalley fundou a primeira Escola Dominical, dando assim origem a igreja Congregacional Fluminense, de fato a primeira protestante tendo membros brasileiros.

Depois de alguns anos no Brasil e tendo recebido como membros de sua denominação duas senhoras da alta sociedade – foi coagido a parar ou seria retirado do país.

Diante desta situação, o Dr. Kelley resolve fazer uma consulta a três dos mais eminentes juristas do Império: Dr. José Nabuco Tomáz de Araujo, então Ministro da Justiça, Dr. Urbano Sabino Pessoa Mello, magistrado e político e Dr. Caetano Alberto Soares, ex-sacerdote católico romano, magistrado e político - solicitando seus pareceres legais e por escrito, conforme um questionário contendo onze pontos relacionados à questão da tolerância e liberdade religiosa no Brasil.

Os pareceres dos juristas foram amplamente favoráveis à causa de Kelley e lhe deram fundamentação legal e constitucional para que continuasse a desenvolver suas atividades religiosas.

“Os pareceres dos juristas e a resolução governamental foram a jurisprudência necessária para que se tornasse mais efetiva a implantação permanente do protestantismo no Brasil, servindo de referência aos demais grupos que começaram a chegar ao país. [...].

Com um culto realizado a 27 de julho de 1845 a Igreja Luterana dava início às suas atividades no Brasil (para os imigrantes alemães e suíços).

 No dia 12 de janeiro de 1862, no Rio de Janeiro, o jovem missionário estadunidense reverendo Ashbel Green Simonton, oficializa as atividades da primeira igreja Presbiteriana do Brasil na língua portuguesa.  

No ano de 1881, chegaram ao Brasil, os primeiros missionários batistas, William Bagby, e Z.C. Taylor, que no ano seguinte, ou seja, em 15 de outubro de 1882, fundaram a Igreja Batista em Salvador – BA.

Com a liderança de Gunnar Vingren e Daniel Berg, no dia 18 de junho de 1911, na cidade de Belém do Pará, foi iniciada a primeira Igreja Assembleia de Deus no Brasil.

HOJE o termo Protestante ficou restrito às Academias, pois todos os demais ramos do cristianismo não Católicos foram englobados no termo EVANGÉLICOS. E como EVANGÉLICOS se aproximam dos 30% da POPULAÇÃO brasileira – o que não é pouco.

Muito se poderia falar das contribuições do Protestantismo no Brasil, mas a areia da Ampulheta está acabando. Meu desejo é que essas informações possam ter contribuído para uma melhor compreensão dos primórdios do Protestantismo no Brasil

Sou grato a todos que pacientemente me ouviram.

Utilização livre desde que citando a fonte

Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

Universidade Presbiteriana Mackenzie

me.ivanguedes@gmail.com

Outro Blog

Reflexão Bíblica

http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

 

Referências Bibliográficas

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domingo, 5 de dezembro de 2021

VERBETE: Aborto e Suas Implicações Éticas



Certamente este é um dos temas mais explosivo nos dias atuais. Nas discussões éticas o termo “aborto” é utilizado para se referir à interrupção antinatural, do desenvolvimento de um feto ainda no útero da mulher. Evidente que o pode ocorrer um aborto natural e/ou espontânea o que não gera discussões, pois não envolve uma decisão da mãe.

A palavra “aborto” é formada por dois vocábulos latinos: “ab“(privação) e “ortus” (nascimento), que associados significam a “privação do nascimento”. O substantivo “aborto” deriva-se do verbo latino “aborior” (falecer ou sumir), o oposto de “orior” (nascer ou aparecer).

A novidade da discussão desta temática está no fato de que muitos que se declaram cristãos defendem a liberdade da mulher para fazer está opção contrariando a opinião cristã histórica que sempre se posicionou contrária à está ação terrivelmente nociva e violenta contra a vida humana ainda em formação e totalmente incapaz de se defender. Apesar de constar no Juramento de Hipócrates clara desaprovação, da prática, o aborto era comum no contexto social greco-romano, assim como o infanticídio por consequência. Os líderes cristãos, chamados de Pais (Padres) da Igreja estavam unidos na condenação de ambos, ainda que houvesse divergências na questão de quando a alma passava a habitar o feto, mas no que tangia à provocar deliberadamente o aborto todos eles eram concordes de que não havia qualquer justificativa plausível.

A Didaquê um dos documentos mais antigos do cristianismo (aprox. início do século II), ainda debaixo das leis liberais (hoje chamada de politicamente correta) do Império Romano, se posiciona muito claramente contra o aborto: “Não matarás o embrião por aborto e não farás perecer o recém-nascido” (Didaquê 2,2). Um dos líderes e porta-vozes da Igreja Cristã, em seus primórdios, Tertuliano (150-220), deixa claro o ensinamento ortodoxo de que a morte de um embrião tem a mesma gravidade do assassinato de um ser humano já nascido e que, portanto, impedir propositalmente a geração de uma criança é um homicídio em potencial. Agostinho (354-430) um dos maiores teólogos cristão, respeitado e amplamente utilizado pelos protestantes, assim como o teólogo Tomás de Aquino (1225-1274), utilizado pelo catolicismo romano, ambos consideravam pecado grave interromper a gestação e o desenvolvimento da vida humana. Até tempos muito recentes, havia um consenso amplo no cristianismo de que a vida, tanto no estágio embrionário quanto no fetal, era sagrada e digna de respeito. Infelizmente hoje os cristãos, sejam protestantes (evangélicos ou católicos), que se posicionam contrários à liberação legal do aborto, são classificados pelas mídias, amplamente abortistas, pejorativamente de fundamentalistas, como se defender a vida fosse algo opcional. As ideologias abortivas cada vez mais banalizam o valor intrínseco da própria vida.  

O texto primário utilizado pelos cristãos ortodoxamente históricos é o Sexto Mandamento: “Não mataras” em que é interpretado como Deus tendo um relacionamento com o ser humano enquanto em sua formação embrionária, ou seja, Deus trata o embrião como sendo de fato um ser humano completo. Assim foi dito a Jeremias: “Antes que eu te formasse no ventre eu te escolhi e antes de você nascer, eu te consagrei” (Jeremias 1.3). Nas narrativas evangélicas temos o testemunho a respeito de João, o Batista, de que quando as mães, Isabel e Maria, se encontraram, após a Anunciação, o feto do ventre de Isabel “saltou de alegria” mediante a presença do ainda feto Jesus que já estava sendo gerado no ventre de Maria (Lucas 1.39, 44).

Os textos trazem a implicação de que os fetos já possuem personalidade desde a concepção e, portanto, tem direito a uma absoluta proteção. Evidente que os chamados cristãos liberais oferecem outra explicação, partindo do entendimento de que a vida somente começa quando a criança de fato nasce, ou seja, quando a respiração entra nas narinas e o ser então se torna "um vivente” ...então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente (Gênesis 2.7). Uma exegese completamente destituída de seu contexto textual, visto que Adão não foi gerado no ventre de uma mulher, mas foi criado diretamente por Deus, o que não mais ocorrerá a partir do nascimento de seus filhos através de Eva. Eles advogam que esta interpretação tem sido ensinada de forma consistente na tradição judaica desde os seus primórdios, entretanto, a tradição judaica não está acima da autoridade das Escrituras.

No livro de Êxodo, que narra a formação da nação israelita, onde estão sendo estabelecidas as diretrizes fundamentais de suas leis constitucionais, há um exemplo de que se alguém incidentalmente causar um aborto espontâneo em uma gestante, essa pessoa não deve ser denunciada como assassino. E um pouco mais além, o texto não considera nem mesmo a perda do feto em si, como gerador de “dano” à mulher, pois descreve o que deveria em caso que fosse necessário reparação (Êxodo 21.23).  Neste caso em particular, os códigos legais mosaico se distinguem em relação a outros códigos legais da época como os da Suméria, Assíria, Babilônia, Hitita ou Persa, onde em todos se iguala a causa de um aborto espontâneo com um proposital como sendo homicídio.

Evidente que nos tempos atuais os avanços da medicina utilizam intervenções cirúrgicas especificas para se extrair o feto indesejado, todavia, na essência não é totalmente distinto daquela época em que ocorria pela violência, principalmente guerras, ou envenenamento.

Outro aspecto contemporâneo da discussão é o fato de que com o avanço da medicina tornou-se possível compreender melhor o desenvolvimento fetal da criança, o que contrasta com ignorância da época da antiguidade. Mas como diz o caipira: “pau que bate em João, bate também em José”. Esse mesmo avanço tecnológico medicinal revela cada vez mais claramente que o feto ainda em suas primeiras semanas manifesta percepções e sensações de dor, bem como é possível desde muito cedo obter evidências fotográficas de formação de membros completos em um embrião, por exemplo, uma mão perfeitamente formada, mas minúscula.

Mas os defensores do aborto insistem que datar a personalidade desde a concepção é quase impossível, e eles defendem, em vez disso, que a personalidade se desenvolve lenta e imperceptivelmente durante o período de gravidez e primeira infância, e que nenhum limite é, portanto, de significado moral fundamental em uma realidade em evolução e desenvolvimento.

Dentro do contexto da ética cristã predomina o fato de que o aborto nunca deve ser considerado bom em si mesmo. É sempre um mal mesmo em casos considerados legalmente justificáveis. Dentro desta perspectiva, denominada de doutrina de duplo efeito, ampla maioria de cristãos concordam primariamente de que o aborto é justificado quando a vida da mãe está em perigo real, entretanto, um número expressivo vai além e entendem que possa ocorrer o aborto também quando a gravidez foi decorrente de estupro ou quando o a criança é identificada com algum tipo de doença congênita com sequelas irreversíveis, neste último os questionamentos são mais enfáticos, visto que há inúmeros casos de pessoas que superaram as mais diversas deficiências congênitas. Entretanto, apesar de discutíveis cada um destes casos e até outros similares, não se anula o fato de que a esmagadora maioria dos abortos deliberados são gravemente imorais.

Os denominados cristãos liberais, ainda que nem todos, vão muito mais além, deixando de lado a bíblia e implicações morais, e tomam como primícia as implicações sociais como o bem-estar da família existente ou conforme as ideologias mais recentes avocam o "direito da mulher de escolher", pois somente ela e última instância é dona de seu corpo.

Esta mudança de foco é decorrente da chamada "deterioração processual", que passou a legislar sobre a perspectiva de "aborto sob demanda" em grande parte dos tribunais. O que tem levado os cristãos e protestantes evangélicos mais ortodoxos teologicamente a lutarem pelo endurecimento em relação as legislações locais, nacionais ou regionais, contra esta ampliação legalista dos tribunais judiciais. 

            As palavras de Dietrich Bonhoeffer, que viveu nos nefastos dias do nazismo, inclusive morrendo em uma de suas prisões, que vivenciou a banalidade da vida humana, que era ceifada pelos motivos mais triviais imagináveis, coloca o seu posicionamento, bem como dos cristãos que ainda levam a sério a bíblia como Palavra de Deus, sobre a questão ética do aborto:

O extermínio do fruto no ventre materno é atentado ao direito de vida conferido por Deus à vida em formação. A discussão da pergunta se aqui já se trata de um ser humano só leva confusão ao simples fato de que Deus, em todo caso quis criar um ser humano aqui e que deste ser humano em formação se tirou a vida deliberadamente. Ora, isso outra coisa não é do que assassinato. Os motivos que levam a tal ato pode ser bem variados; mais: ali onde se trata de um gesto de desespero em extrema pobreza e miséria humana ou econômica a culpa cabe mais à sociedade do que ao indivíduo; finalmente, neste ponto o dinheiro pode encobrir muita leviandade, enquanto justamente entre os pobres o ato cometido após dura luta de consciência

aparece mais facilmente; tudo isso indiscutivelmente afeta, de forma decisiva, a postura pessoal e poimênica diante do autor, mas não pode mudar nada no fato do assassinato em si (BONHOEFFER, 1985, p. 100 [itálico meu].

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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Referências Bibliográficas
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KAISER Jr., Walter C. O cristão e as questões éticas da atualidade: um guia bíblico para pregação e ensino. Tradução de orahldo Janzen e Ingrid Neufeld  de Lima. São Paulo: Vida Nova, 2015.
MORROW, David R. Moral reasoning – a text and reader on ethics and contemporary moral issues. Published in the United States of America by Oxford University Press, 2018. [esta obra não tem cunho evangélico cristão, mas trás três longos artigos sobre o tema que valem a pena serem lidos criticamente].
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quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Movimento dos Irmãos da Vida Comum e/ou Devotio Moderna



"Quanto mais o homem percebe que é imperfeito, 

mais perto ele está da perfeição."

Gerard Groete

            Desde os primeiros dias do apadrinhamento do Imperador Constantino no final do século três a Igreja Cristã começa demonstrar sinais cada vez mais claros e alarmantes de que sucumbiria sobre a pressão da ascensão político-econômica e por extensão o controle do poder. Como de fato ocorre com quaisquer instituições que em seus primórdios estabelecem objetivos sublimes, mas na mesma proporção em que alcançam sucesso e poder, assim como ocorre com o personagem de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, vai sendo paulatinamente dominada pelo que há de pior e nunca pelo que possui de melhor – é uma característica premente do ser humano decaído.

            Na medida em que se adentra ao período histórico convencionalmente denominado de Idade Média (476 e 1453) a deterioração das multifaces da imensa Igreja Cristã pós Constantino vai aceleradamente amalgamando com todos os piores aspectos da Sociedade que ela mesma condenava. Assim como Judas Iscariotes que conviveu intensamente com Jesus e no final o traiu se vendendo vergonhosamente por algumas irrisórias moedas de prata ou como Esaú que trocou seu privilégio da primogenitura por um comum e vulgar prato de lentilhas, a Igreja Cristã entrega-se literalmente de corpo e alma às concupiscências de uma Sociedade prenha de toda sorte de depravações inimagináveis; produzindo em suas instâncias, das mais simples até às mais elevadas, uma profunda desordem dos sentidos, da razão e da espiritualidade.

Esse rio vai se acaudelando até se transformar em um volumoso e imenso rio que em seu percurso vai arrastando tudo e todos. E a Igreja que deveria gerar vida, passa a ser sinônimo de morte; ela que deveria pacificar os corações, torna-se instrumento de terror e horror para uma população cada vez mais miserável; a Igreja que deveria ser a luz do Mundo, torna-se parte inerente das Trevas que vai cobrindo toda a extensão deste período histórico da humanidade Ocidental a ponto de receber a alcunha de Idade das Trevas (tudo isso na Europa e não necessariamente no resto do mundo).

Mas como a Igreja não é somente uma instituição humana, mas tem sua origem e razão estabelecidas por aquele que morreu por ela e a comprou com seu precioso sangue, ela permaneceu e permanecerá até que Jesus Cristo, sua pedra angular retorne e a resgate definitivamente. E assim como Deus mesmo manteve no Israel apóstata um remanescente fiel, que não dobrava seus joelhos à Baal, o mesmo Espírito manteve no meio desta Igreja decadente aqueles que mantiveram os princípios fundamentais de um cristianismo bíblico gerador de vida e luz para todos que estavam ao derredor. E como se sabe, em meio à mais tensas trevas, uma única pequenina chama resplandece com mais intensidade e torna-se uma referência para aqueles que vivem à deriva na escuridão.

Enquanto nós temos no século XVI, com o advento da chamada Reforma Protestante, os grandes luminares nas pessoas dos expoentes reformadores, cujos nomes e ações conhecemos, ou pelo menos deveríamos conhecer, nos séculos que os antecederam também haveremos, se tivermos paciência e persistência, de descobrir alguns expoentes luminosos que zelaram e com suas vidas expressaram o que há de mais maravilhoso e extraordinário na Igreja Cristã – vida em abundância.

É aqui que introduzo o recorte histórico ocorrido a partir do século XIV e que ficou conhecido como Movimento dos Irmãos da Vida Comum. Influenciou profundamente a vida espiritual dos cristãos em toda região noroeste da Europa, como nenhum outro movimento havia feito no período medievo, nem mesmo as congregações de reforma monástica e canônica, nem nas observâncias das ordens mendicantes alcançou tal êxito.  Esse movimento interno da Igreja Cristã foi tão profundo que o impacto dele repercutiu ainda no século XVI, XVII e XVIII permeando as origens de dois poderosos movimentos intestinos nas Igrejas Reformadas, cujas ortodoxias se haviam tornando tão rígida e insensível que transformara os movimentos e teologia intensamente apaixonada dos pioneiros reformadores em um frio e insensível ritual doutrinário-teológico-academicista. O historiador W. Walker descreve este momento do protestantismo como sendo caracterizado por um dogmatismo extremado:

“Em certo sentido, esse protestantismo escolástico foi mais estreito do que aquele do período medieval por ter sido inconscientemente influenciado pelo espírito racionalista contra a qual lutou, tanto que se tornou semelhante às novas correntes racionalistas tanto na têmpera como no método”. (1967, p. 190).

Os dois movimentos que me referi acima são pela ordem o Precisionismo de origem holandesa-alemã e o Puritanismo inglês. Ambos os movimentos beberam desta fonte nascente no distante século XIV e que mesmo quando oficialmente extinguido, em meados do século XVI, suscitou periodicamente remanescentes que nos séculos XVII e XVIII retomaram algumas de suas concepções e propostas cardeais, evidentemente com renovada e necessárias roupagens, mas com o mesmo coração e desejo de vivenciar os ensinos bíblico-evangélico.

E não apenas nos séculos citados, mas transpassou o tempo-espaço e atravessando oceanos alcançam as Américas, primeiramente a do Norte e depois a do Sul. Sim, em nossos primórdios protestantes trazemos as marcas indeléveis deste conjunto de movimentos vivificadores de uma Igreja viva e luminosa no meio das trevas e da religiosidade estéril.  O popular quadro dos “dois caminhos”, que emoldurou tantas salas das casas dos “crentes” evangélicos brasileiros, trazido na bagagem dos missionários protestantes estadunidenses que aqui começaram a desembarcarem a partir da metade final do século XIX, é a expressão palpável da sobrevivência deste movimento iniciado no século XIV e renovado de tempos em tempos no seio do protestantismo mundial.

Origem

            O movimento dos Irmãos da Vida Comum (em latim: Fratres Vitae Communis), que posteriormente passou a ser denominado de “Devoção Moderna” (Devotio Moderna), termo cunhado por Henry Suso (Heinrich Seuse), o famoso místico de Bodensee (Lago de Constança). O movimento ainda que tenha surgido em meados do período histórico da Idade Média, caminhou sempre à margem da instituição oficial da Igreja Cristã e mesmo em seu apogeu, quando fortemente estruturado e estabelecido suas instituições educacionais, sociais e religiosas (mosteiros), contando com mais de uma centena de núcleos espalhadas por todo o norte da Europa e milhares de adeptos, não foi cooptado pelo sistema oficial que sempre o tratou com desconfiança crítica.

            Eles defendiam apaixonadamente um retorno aos primeiros ideais cristãos, dentro dos limites da exegese prevalecente no medievo, especialmente os Evangelhos. O modelo perseguido por eles era a dos primeiros cristãos (Atos), o que se assemelhava aos diversos movimentos de protestos que surgiram desde os primórdios e pontilharam todo o período Medieval, tanto dentro da ortodoxia como aqueles alienados dela. Ao lados das Escrituras soma-se as literaturas advindas dos chamados Pais do Deserto, que torna-se um espelho do ideal vivencial deles.

            As figuras fundantes deste movimento foram Gerard Groete (1340-1384), Florens Radewyns (1350–1400) em Deventer e Jan Celle na vizinha Zwolle, a partir da década 1370. A proposta de uma vivência comunitária e de muitas vezes estar inserido nos interiores de muitos Mosteiros deste período, o distinguia principalmente pelo fato da não exigência de votos, de maneira que seus adeptos eram completamente motivados pelo compromisso pessoal espontâneo e livre.

            A razão pela qual o movimento manteve uma relação direta com os mosteiros é pelo fato de que Groete tinha como um dos seus objetivos resgatar a genuína vida monástica para uma espiritualidade eminentemente bíblica e de moral ilibada. Tendo como modelo a vida do próprio Groete muitos monges adotaram para si os princípios estabelecidos e vivenciados pelo movimento do Irmãos da Vida Comum.

            Desde seus primórdios o movimento propôs uma busca permanente pelo renascimento da piedade e da moral (antecipando o Movimento Renascentista e Humanista que ampliarão exponencialmente alguns dos conceitos propostos pelos Irmãos da Vida Comum). Mas apesar de surgir e permanecer às margens da oficialidade, as propostas deles permaneceram em estreita conexão com a expressão de fé da igreja cristã medieval. Em nenhum momento seus líderes fundantes e posteriores propuseram uma fuga da igreja oficial ou mesmo uma profunda e ampla reforma eclesiástica (o que vai ocorrer somente no século XVI e que indiretamente atingira o próprio movimento dos Irmãos e contribuirá para sua extinção oficial, visto que incomodava tanto o staff católico como também dos reformadores).

            O objetivo claro e buscado perenemente esteve sempre centrado no resgate de uma vida cristã interior nutrida pelas Escrituras e autenticada por uma vivência correspondente (que pode ser perceptível nos movimentos de espiritualidade do protestantismo, nomeados acima), sintonizada com as carências e anseios de uma sociedade decadente em todas as suas esferas sociais-políticas-eclesiásticas. Em todo o tempo visava-se a conversão e a renovação do coração pela ação fecundante do Espírito Santo; a proclamação da salvação por meio do Senhor Jesus Cristo (ainda que não explicitassem a exclusividade como o farão os reformadores); e a importância primordial do estudo da Sagrada Escritura, não nos moldes escolástico-academicista, mas em sua essência evangélica, especialmente o seguimento de Cristo na vida cotidiana, ou seja, chegar a uma vivência prática através da reflexão diária sobre a vida de Cristo. Não era um movimento centrado no emocionalismo ou experiências místicas, mas se desejava ardentemente as virtudes e resultados tangíveis. Esta busca incansavelmente pode ser vista claramente nas páginas da obra escrita por Thomas von Kempen [Tomás a Kempis], De Imitatione Christi (Imitação de Cristo) escrito provavelmente entre 1414 e 1425, onde o autor preserva a essência deste movimento dos Irmãos, tendo sido ele uma testemunha ocular. O livro é uma espécie de diário do crente na busca pela perfeição e/ou santidade imitando a própria vida de Jesus conforme registrada nas narrativas evangélicas. Impossível não vermos semelhanças profundas nas perspectivas da obra de Kempis e o livro evangélico romanceado escrito no século XIX por Charles M. Sheldon intitulada “Em Seus Passos O Que Faria Jesus”, publicada em 1896 e que se tornou um sucesso editorial com milhões de cópias vendidas, traduzida para muitas línguas, inclusive o português. A narrativa fictícia de Sheldon torna-se uma espécie de manual de ética cristã, desafiando através dos personagens os cristãos a exercerem sua influência a fim de gerar transformações sociais, políticas e espirituais no lugar onde vivem, através da vivência dos princípios bíblico-evangélico. Certamente os Irmãos da Vida Comum leriam e reproduziriam esse livro.

            O desejo por uma espiritualidade vivencial nunca se extinguiu por completo na Igreja Cristã Medieval, mesmo em seu período mais escuro, mas tais princípios estavam enterrados e escondidos sob inumeráveis cerimônias, hierarquias e carnalidade, de maneira que, o movimento dos Irmãos surge justamente para, assim como os mineiros que adentram ao mais profundo das minas para extrair as preciosas e ricas pedras, adentrarem nas profundezas tensas da religiosidade do medievo e extrair as preciosas pedras da genuína espiritualidade e vivência do Cristianismo bíblico.

Contexto Histórico Religioso



Traje típico dos Irmãos da Vida Comum

            Nos tempos de surgimento do Movimento dos Irmãos da Vida Comum já era notório aos olhos do mais simples neófito a franca decadência das instâncias religiosas oficiais, desde a mais simples e interiorana capela, perpassando pelos mosteiros, acentuando-se miseravelmente nas instâncias superiores e culminando com uma cúpula eclesiástica, que em alguns momentos tornou-se pior, em todos os sentidos, do que a própria sociedade mundana e depravada em que estava inserida. Qualquer cristão com mediano conhecimento bíblico ficava horrorizado com aquele quadro religioso decadente e posteriormente os humanistas cristãos expressariam e combateriam os horrores deste estado deplorável da Igreja Cristã oficial e que acabara desembocando no chamado movimento da Reforma Protestante no século XVI.    

            As dissensões eclesiásticas que se multiplicava dia a dia era apenas um reflexo desta decadência intestinal da Igreja moribunda, que desta forma perdia paulatinamente sua credibilidade moral e espiritual enfraquecendo consequentemente sua influência externa. Durante o Cisma ocidental entre 1378 e 1417, dois ou até três papas interinos se digladiaram e se contrapuseram por anos rasgando diante dos olhos de todos a tão aclamada unidade da Igreja Cristã. Seu esfacelamento interno não apenas a dividiu e subdividiu, mas a descaracterizou completamente de modo que ela se torna um instrumento do mal que passa assolar as próprias nações cristãs.

Mas por outro lado, ninguém poderia voltar a fazer vista grossa para as mazelas da igreja medieval. Passa-se a enfatizar uma volta à igreja primitiva como um modelo exemplar a ser imitado e a se buscar o resgate das literaturas canônicas como fundamentos da genuína fé e instrução cristã que haviam sidas banidas para o limbo do esquecimento. O movimento dos Irmãos da Vida Comum nasce com o propósito de oxigenar esta atmosfera infecciosa do cristianismo medievo.

Propostas  

            Gerhard [Geert, Gerrit] Groete [Groot], seus discípulos se referiam a ele como Gerardus Magnus [latim Gerardus Magnus], e seus colaboradores diretos Florens [Florent] Radewin, Florens (ou Florent) Radewijns em Deventer e Jan Celle na vizinha Zwolle, oriundos dos Países Baixos (Holanda) empreenderam muitas iniciativas e ações que se constituiriam nas ferramentas com as quais implementariam uma vivificação desta Igreja Cristã medieval terrivelmente enferma.

            Um dos pontos básicos fundamentais deste movimento era o de resgatar o aspecto pessoal e devocional da fé cristã (solus cum solo) cara a cara, o crente sozinho na presença de Deus. A religiosidade cerimonialista coletiva que se predominava naqueles dias (como nos nossos dias) acabava camuflando todos os absurdos praticados, como vimos até aqui; nunca se teve tanta missa (culto), os templos lotados, mas nunca o cristão esteve tão longe de Deus, como no transcorrer da Idade Média.

            Groete e seus irmãos da Vida Comum resgatam para si mesmos e compartilham com outros uma vida espiritual pessoal com Deus, mas não se tratava de uma proposta contemplativa alienante, como mencionado acima, e sim o desenvolvimento de um estilo de vida ativa e prática em prol do próximo, principalmente dos desvalidos e marginalizados pelo sistema da época, pois a genuína espiritualidade implica em amar a Deus, saber que é amado dele e ir ao encontro do próximo. O próprio Groete renunciara a quase todos os seus bens e colocara a casa de seus pais, que haviam falecido no verão de 1350 devido à peste e ele tinha apenas dez anos, localizada em Deventer, para acolhimento gratuito de mulheres piedosas e em grande parte viúvas, que queriam servir a Deus, mas eram muito pobres para pagar o dote de um mosteiro. Elas faziam trabalhos simples para se auto sustentarem e cultivarem uma vida de oração e meditação, marcando o início das Irmãs da Vida Comum (1374). De longe, a maior parte dos livros holandeses preservados do movimento vem das comunidades femininas.

Mas diferentemente dos mosteiros a convivência e pratica dos Irmãos era totalmente voluntário sem a exigências de votos, o que facilitou a incorporação de homens e mulheres, leigos e clérigos no movimento. O que não significa que não houvesse regras e exigências rígidas e até mesmo sanções punitivas. A convivência comunitária exige sempre um rigor normativo para que não venha a cair na armadilha do desleixo e da pecaminosidade. A proposta de espiritualidade dos Irmãos possuía um senso sóbrio de realidade, pois é voltada para as pessoas que vivem na lida diária com suas desventuras e limitações humanas. Esse foi o segredo do sucesso imediato alcançado pelo movimento iniciado por Gerard, pois ele tinha conseguido dar expressão ao que a Europa de seu tempo precisava mais: uma espiritualidade que respeitasse e desafiasse os leigos.

           Advindo de uma família abastada Groete vai utilizar seus recursos econômicos para adquirir diversas propriedades onde vai estabelecendo locais de acolhimento “casas” para os que vão se agregando ao movimento dos Irmãos. A partir da Holanda o movimento vai se espalhando para a Alemanha, norte da França, Espanha e até mesmo na Itália.

       Com ênfase na literatura o movimento dos Irmãos da Vida Comum se tornou empreendedor pioneiro em duas áreas prementes daquela época, antecipando os grandes movimentos Renascentista e Humanista e a própria Reforma Protestante que compartilharam igualmente destas duas premissas: a fundação de escolas e inicialmente o processo de copistas de textos que passaram a serem preservados. As irmãs e ainda mais os irmãos da Vida Comum tornavam-se ávidos leitores, em primeiro lugar dos textos bíblicos, mas também de outras leituras, dos quais faziam anotações curtas decorrentes de suas reflexões e que posteriormente eram transformados em livretos. Pois, para eles não era suficiente uma leitura informativa sobre milhares de fatos curiosos mas sem uma compreensão do que os autores desejam comunicar e uma avaliação da praticidade na vida pessoal. 

        Deste modo, para começar, selecionava-se cuidadosamente o livro, tais como Agostinho, meditações de Bernard, Heinrich Suso entre outros, deixando de fora a literatura escolástica, mística e dogmática. O Devotio Moderna sem livros seria semelhante a um relógio sem ponteiros e se referiam a si mesmos como os “irmãos da pena”. Todo este esforço e dedicação expressava um propósito triplo: difundir as ideias, apoiar a comunidade espiritual e construir sua própria personalidade religiosa. Escrever era em si um ato de devoção e internalização, pois no processo o conteúdo de um texto não somente era preservado, mas também era memorizado e seus ensinos apreendidos na mente e no coração do copista.

Mas além de copiarem os livros para uso pessoal, eles também copiavam por encomenda, quando contratados por outros, o que contribuía para sua sustentabilidade, visto que os livros eram raridades e caros. Seus trabalhos copistas eram reconhecidos pela exatidão dos textos e pela qualidade da produção. Um quarto de todos os manuscritos preservados da antiguidade foram preservados por copias feitas pelos Irmãos da Vida Comum. O próprio Groete era um leitor contumaz, o que apelidamos de “rato de biblioteca”, em decorrência disso em todas as casas dos Irmãos havia sempre uma biblioteca ao qual se destinava um terço de sua renda para mantê-la e amplia-la, estando aberta a quaisquer pessoas que desejasse ler, constituindo-se em embriões das bibliotecas públicas. Apesar de ávido leitor ele não produziu muitas obras, mas um desses tratados, Resoluções (c. 1374 ou 1375), escrito durante seu tempo em Monnikhuizen, estabeleceu diretrizes para a vida espiritual comum e se constituiu em uma espécie de regra para suas comunidades e seguidores.

Imediatamente ao aparecimento da prensa tipográfica de Gutemberg eles iniciaram a editoração e distribuição de suas literaturas religiosas e educacionais. Um único exemplo nos ajuda a compreender o impacto desta ação editorial. No ano de 1500, a Imitação de Cristo escrita por Thomas Kempis, que se constituía em um livro fonte importante para o movimento dos Irmãos, passou por 59 edições com 1.000 cópias em cada edição. Este livro que ainda hoje continua sendo reimpresso em várias partes do mundo, incluindo o português, é considerado o segundo livro religioso mais lido, perdendo apenas para a leitura da Bíblia. Mas a utilização da imprensa trouxe uma grande perda para o movimento, pois o processo de assimilação interna do texto copiado perdeu-se.

            Este aspecto está em perfeita sintonia com a premissa dos Irmãos da Vida Comum, pois acreditavam que o meio mais eficiente de se alcançar uma reforma na Igreja e na Sociedade era através da universalização da educação dos jovens e a alfabetização dos adultos, para que cada um por si mesmo pudesse ter acesso direto ao conhecimento das verdades bíblicas. Este conceito de personalização do conhecimento religioso tornou-se uma das principais características do Humanismo Cristão e da Reforma Protestante 150 anos depois.

            Suas próprias escolas (ex. Deveter, alcançou 2.000 alunos e Zwolle chegou a ter 1.200 alunos) eram altamente conceituadas naquele período. Além disso eram convidados pelas autoridades civis para administrarem suas escolas os quais eles capacitavam professores e reitores e quando estes não seguiam as diretrizes pedagógicas estabelecidas eram dispensados sumariamente.

            O grande desafio era a disseminação desta educação para as áreas rurais, e para isso eles estabeleceram albergues e dormitórios para as crianças carentes, de maneira que universalizou a educação tornando-a acessível aos mais pobres. Alguns destes albergues chegavam a acomodar até duzentos alunos e grande parte deles acabavam completando seus estudos nas cidades. Em cada albergue havia um Irmão que revisava o que os professores haviam ensinado em sala de aula. Evidentemente que havia uma atenção peculiar deles em relação à espiritualidade desses alunos para que pudessem ler e apreender as Escrituras bíblicas.

            É deles também o conceito de estabelecer o sistema de oito séries, ainda utilizado inclusive no Brasil. Essa novidade contribuiu significativamente para um ensino mais produtivo e menos exigente para os alunos. Nestes novos currículos foi introduzido o trivium (gramática, lógica e retórica) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia); um embrião do diário de classe permitia acompanhar o desenvolvimento de cada aluno, que eram submetidos a provas periódicas para avaliar seus conhecimentos adquiridos, e recursos visuais, como mapas, foram inseridos como ferramentas pedagógicas. Em cursos avançados se incluía latim, grego e hebraico. Todos estes esforços e inovações colocaram o sistema educacional dos Irmãos na vanguarda da introdução do conceito humanístico de educação.

Todos os expoentes da Reforma adotaram com entusiasmo e veemência este conceito educacional como meio para fundamentar as igrejas e impactar as sociedades em que estavam inseridos. A famosa Academia de Genebra, estabelecida por João Calvino, é um dos mais eficientes exemplos deste fato, irradiando uma teologia bíblica e permeando toda a sociedade através de homens e mulheres comprometidos com os princípios do Evangelho. Grande parte de sua vivência em Genebra ele dedicou a estruturar a questão educacional da cidade. Seu projeto incluía um sistema de ensino fundamental no vernáculo para todos, incluindo leitura, escrita, aritmética, gramática e religião, pois sua visão educacional extrapolava as paredes eclesiásticas, pois entendia que se deveriam instruir os jovens e demais pessoas não apenas “para o ministério [pastoral], bem como para o governo civil” (REID, 1954, p. 63), ou seja, para todas as demais áreas da Sociedade.

Poucas nações no mundo entenderam e vivenciaram estes princípios do que os Estados Unidos da América do Norte, que desde suas gênesis esteve fecundada deste princípio educacional e cujas instituições moldaram não apenas a mente e a vida de seus concidadãos, como foram exportados para todos os lugares do globo terrestre. Os primeiros missionários protestantes estadunidenses que desembarcaram nos portos brasileiros, a partir da segunda parte dos oitocentos, traziam em suas bagagens este conceito educacional religioso, cujo moto expressa com clareza: ao lado de uma igreja, uma escola. Naquele momento histórico o Brasil vivenciava a nefasta realidade de oitenta a noventa por cento de sua população em total analfabetismo ou analfabetismo funcional. 

A contribuição do movimento dos Irmãos é comprovada pelo fato de que, entre 1400-1560, as maiores taxas de alfabetização e o número crescente de edições literária é muito superior em cidades onde havia atividades das casas dos Irmãos do que nas demais cidades deste período. Igualmente há uma proliferação mais acentuada de escolas e bibliotecas.

A lista daqueles que entraram em contato com as ressonâncias educacionais do movimento dos Irmãos da Vida Comum em sua juventude é longa e contém além de Martinho Lutero, que por um ano estudou em uma das escolas fundadas pelos Irmãos, inclui também Erasmo de Roterdã, Nicolau Copérnico, Huldrych Zwínglio, Martin Bucer, João Calvino, Heinrich Bullinger para citar apenas alguns.

Inácio de Loyola, haverá de incorporar grande parte da tradição Devotio Moderna em seus Exercícios Espirituais e por extensão à tradição jesuíta de formação. Desta forma, a simples e devocional piedade de Groote tornou-se uma marca da Contrarreforma do século XVI. E serão esses jesuítas que se estabeleceram no Brasil, no período colonial, e estabeleceram as primeiras escolas brasileiras.

Por fim, não poderia deixar de destacar um aspecto pessoal da trajetória de Gerhard Groote que repercutiu profundamente na vida pessoal dele e na vida de milhares e talvez milhões de pessoas. As Escrituras estavam no centro de sua vida. Sua pregação era pregação bíblica. Seu coração ardia intensamente no desejo de ver todas as pessoas lendo a Bíblia. Mas diferentemente de hoje, naqueles dias não apenas é difícil e caro adquirir um exemplar da bíblia, mas também era raro encontrar uma versão que contivesse textos totalmente confiável.

Diante deste desafio ele começa pessoalmente a coletar manuscritos bíblicos em igrejas e mosteiros pelos quais passava. De posse deste material ele começa então o árduo e minucioso trabalho comparando as diversas cópias, considerando as diferentes leituras e finalmente copilando os textos mais exatos e confiáveis.

Todo o seu conhecimento adquirido em anos anteriores, incluindo o latim, grego e hebraico, são colocados com empenho e dedicação, pois ele nunca se considerou, ou foi considerado, um anti-intelectual. Depois de um longo tempo Groote conseguiu produzir um texto satisfatório da bíblia para seu uso pessoal. Posteriormente, universidades nos Países Baixos que iram desenvolver importantes trabalhos científicos sobre o texto da Bíblia, haverão de utilizar o trabalho iniciado por Groote.

Nada dura para sempre e os irmãos também enfrentam sua queda em algum momento. No transcurso da Reforma Protestante, a dissolução das comunidades de irmãos começou, até que oficialmente desapareceram completamente no século XVII. Todavia, as influencias benéficas deste movimento perenizou-se e transpassou os séculos posteriores e ainda hoje vemos focos desta busca permanente de uma espiritualidade genuína.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Reflexão Bíblica

Referências Bibliográficas

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EGER, Thomas. Die Devotio Moderno und die Brüder vom Gemeinsamen: Leben, Munique, GRIN Verlag, 2001. https://www.grin.com/document/56315

KEMPIS, Thomas A. The Founders of the New Devotion - Being the Lives of Gerard Groote, Florentius Radewin, and Their Followers. Translated by J. P. Arthur. Londres: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co., Ltd., 1905. [Kempis escreveu essa biografia cinquenta anos depois da morte Groote].

LIMÓN, Francisco (Editor). Introducción a la História Reformada [lección 1 Movimentos prerreformistas].

www.reformiertonline.net:8080/t/span/bildung/grundkurs/gesch/lek2/index.jsp

REID, J. K. S. Calvin: Theological Treatises. Philadelphia: Westminster, 1954.

SCHMIDT, Arndt. Devotio moderno - Das Phänomen der neuen Frömmigkeit im Spätmittelalter. Munique, GRIN Verlag, 2010. https://www.grin.com/document/189015

SHELDRAKE, Philip. A Brief History of Spirituality. Malden, USA: Blackwell Publishing, 2007. [Blackwell brief histories of religion].

WALKER, W. História da Igreja cristã, v. 2. São Paulo: ASTE, 1967. (citada)

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VAN ZIJL, Theodore P. Gerard Groetee, Ascetic and Reformer (1340 - 1384). A Dissertation Submitted to the Faculty of the Graduate School of Arts and Sciences of the Catholic University of American in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree of Doctor and Philosophy Hardcover – January 1, 1963.

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