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segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Gregório I, o Grande e/ou Magno (590-604): transição da igreja Antiga para a Medieval.


Assume a cadeira pontifical em momento crítico – pestes e disputas internas. Conhecido por sua piedade e possuidor de raro tino político torna-se um dos papas mais bem-sucedido.
Advindo de família abastada, exímio administrador, perito diplomata e pragmático. Exerceu a função de prefeito de Roma, foi embaixador na corte imperial de Constantinopla, representando os interesses do papa e dos romanos diante do Imperador do Oriente e abade de um mosteiro por ele fundado, no qual foi logo foi colocado como abade (líder do mosteiro) – portanto, qualidades para o exercício do papado não lhe faltava.
O período trazia toda sorte de dificuldades e conturbações, externas e internas. O prestígio do bispo de Roma praticamente inexistia. Era preciso agir em várias frentes simultaneamente.
Consegue reorganizar o exército, inclusive arcando com os soldos que não estavam sendo pagos, por fim estabeleceu as pazes com o rei dos lombardos. Justamente por ter que politicamente intervir em diversas situações, quase sempre com tato e habilidade diplomática, Gregório estendeu a esfera de influência do papado, junto com a ajuda do monasticismo Beneditino, que começava a disseminar-se na Europa Ocidental. Gregório acabaria por considerar-se não apenas bispo de Roma, mas também patriarca do Ocidente, intervindo em diversas regiões do antigo Império.
Internamente, resgatou a disciplina eclesiástica; organizou o rito litúrgico e a música sacra. Enfrentou e saiu vitorioso da disputa com o patriarca de Constantinopla que havia se intitulado “bispo universal”. Adotou para si o título de “servo dos servos de Deus”. Investiu fortemente no trabalho missionário e diplomático, fazendo acordos vantajosos com os governos civis. Foi ele que estabeleceu o arcebispado de Cantuária, na Inglaterra. Em seus dias a influência da sé romana estendeu-se sobre a França, Inglaterra, Espanha e África. Fervoroso defensor das ordens monásticas, especialmente os beneditinos, que viria a se constituir em dois pilares do cristianismo medieval – o papado e os mosteiros.
Apesar de muitas qualidades, Gregório não foi um grande teólogo quando comparado com nomes tais como Agostinho, Ambrósio e João Crisóstomo. Tendo as obras desses teólogos em mãos ele vai se preocupara com a forma prática religiosa, tais como: como o cristão poderia oferecer a Deus uma satisfação pelos seus pecados cometidos e para isso estabelece um processo: penitencia, arrependimento, confissão oracular e pena ou castigo. Ele então desenvolve a absolvição sacerdotal, em que confirma o perdão que Deus já conferiu ao penitente; e aqueles cristãos que morrem na fé, mas não fizeram penitencia suficiente vão para o purgatório.[1] Gregório também foi um defensor do cânon da missa, que segundo ele Cristo é imolado de novo. Mas na verdade todos esses conceitos não foram criados por Gregório, mas proliferavam na prática religiosa em um ambiente de profunda ignorância espiritual. O diferencial está em que enquanto os anteriores se esforçaram para evitar que a doutrina cristã fosse contaminada com superstições populares, Gregório simplesmente foi incorporando de forma sincrética todas estas crenças, superstições e lendas da época como se fossem verdade evangélica, e ele também chegou a colocar a tradição no mesmo “” de autoridade das Escrituras.
§  Desta forma, estabeleceu os fundamentos da teologia medieval, para o bem e para o mal, e que continuam se constituindo nos pontos basilares da dogmática católica romana até hoje.
§  Gregório I é, sem dúvida, um marco fundamental na transição da igreja antiga para a medieval. Sendo necessário lembrar que ele assumiu essa liderança em um período que a Igreja Cristã estava em franca decadência e mergulhada no que ficou conhecido como “Era das Trevas”.
§  O grande expoente teológico desse período foi Isidoro de Sevilha (600-636), e ainda que lhe faltasse a envergadura da originalidade dos grandes do passado, não lhe faltava erudição. Duas obras suas tornam-se manuais da teologia ocidental em todo o primeiro período da idade média: Sentenças, seu livro contendo breves proposições doutrinárias e Origens ou Etimologias, uma espécie de enciclopédia do conhecimento daqueles dias, e se tornou uma das principais fontes de informação sobre o pensamento da Antiguidade.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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[1] O conceito de purgatório não surgiu com Gregório, pois as primeiras referências se encontram nos escritos de Hermes de Roma, posteriormente torna-se mais evidente com Cipriano, que fez uso da referência bíblica de Mateus5.26. Todavia, Agostinho fundamentado em 1 Coríntios 3.11-15, procura deixar claro que essa era uma possibilidade improvável, ainda que não tenha descartado totalmente. Gregório, todavia, o toma como algo certo e declara: “Deve-se crer, que antes do julgamento, há um fogo de purgatório para certos pecados menores”. A Igreja Oriental ensinava que, entre a morte e o julgamento, há um estado intermediário, e que as almas nesse estado podem ser auxiliadas mediante oração e sacrifício.