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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Protestantismo Brasileiro: Juventude Presbiteriana 50/60 - Oito Estudos de Preparação Para o Testemunho



            Poucos personagens históricos do protestantismo no Brasil tornaram-se tão contraditório quanto o missionário estadunidense Richard Shaull. Tem aqueles que o admiram e são entusiastas de sua estadia brasileira, por outro lado, temos aqueles que o repudiam e argumentam que suas ideias incendiaram a juventude protestante causando mais danos do que reparações. Evidentemente que é necessário entender o contexto histórico em que ele atuou no país para de fato compreendermos a relevância de seu trabalho principalmente junto à juventude protestante no Brasil, sem mencionar suas atividades no protestantismo na América Latina.
            Quando Richard Shaull desembarcou no Brasil, tendo como porta de entrada um convite da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) para lecionar em seu Seminário Teológico em Campinas, não seria possível prever o quanto isso mudaria a história do presbiterianismo centenário e do próprio ethos protestante brasileiro.
            Ele esta fecundado das novas perspectivas teológicas que proliferavam por toda Europa e desembocavam nas Universidades americanas e, por conseguinte nas suas denominações evangélicas. Desde seus primeiros contatos com a juventude presbiteriana a simbiose foi imediata, pois encontrava jovens entusiastas e desejosos de mudanças, nas igrejas, na Sociedade e no Brasil. Richard lhes oferece uma direção e a marcha inicia-se e avoluma-se de forma nunca antes visto no protestantismo brasileiro.
Essa juventude são filhos e netos da primeira geração de protestantes, e suas lideranças foram formados nas academias estabelecidas pelas missões protestantes que aqui haviam chegado. Esta não era uma geração de neófitos, mas moços e moças que haviam aprendido a pensar e analisar o contexto em que estavam inseridos. Mas havia se criado um fosso crescente entre as primeiras gerações e essa nova geração de protestantes. Se os pioneiros tiveram que fazer um parto fórceps e se impor pela força das leis sua presença na Sociedade brasileira, três gerações depois a situação é totalmente diferente. Agora já comodamente estabelecida e tendo adquirido seu próprio status quo, o que as denominações menos desejam são movimentos que possam produzir convulsões internas e externas.
Mas as novas gerações de jovens protestantes quer mais do que uma alienação social ou como se dizia no meio presbiteriano uma “equidistância”, a palavra de ordem mundial é “revolução” e elas estão acontecendo ao redor do globo terrestre e exigem-se mudanças. A palavra “revolução” passou a ter uma conotação extremamente pejorativa, de maneira que tudo que precisa ser “proibido” ou “inibido” era taxada de “revolução”. E a figura de Richard Shaull foi carimbada com a alcunha de “revolucionário” de maneira que tudo que ele fizesse ou deixasse de fazer era visto pelas lideranças eclesiásticas como ações danosas e perniciosas para as denominações.
Ao angariar a atenção, admiração e carinho da juventude protestante brasileira, Shaull colocou combustível na fogueira das vaidades eclesiásticas muitas vezes mais aquecidas do que as velhas fogueiras da inquisição católica romana. Suas atividades são tolhidas de forma melancólica logo após o golpe militar de 1964, mas antes mesmo Shaull pode contemplar com profunda tristeza o genocídio de toda uma geração de jovens presbiterianos e protestantes por todo o território brasileiro. Antecedendo aos próprios militares as autoridades eclesiásticas implacavelmente exerceram todo o poder institucional vigentes em suas constituições denominacionais e passaram a criar novas leis que pudessem ser instrumentos cirúrgicos para extirpar todo membro, jovem ou velho, canceroso de novas ideias revolucionarias. Totalmente tolhido de suas atividades docentes e missionárias não restou a Richard Shaull outra alternativa do que retornar para seu país e dali tentar, mas sem qualquer ação efetiva, manter acesa a chama da juventude protestante brasileira, que após esse período tornou-se e ainda continua sendo apenas uma tênue luz em meio às crescentes trevas que tem coberto o Brasil e sua Sociedade. Sem dúvida alguma essa é uma das razões pelas quais as gerações atuais colhem os frutos pútridos de uma sociedade brasileira sem quaisquer padrões morais em todas as suas instâncias – pois ao se retirar o sal que a poderia preservar ela manteve seu processo natural de decomposição.
Com esta brevíssima introdução desejo apresentar nesta série de artigos um material produzido pela Confederação da Mocidade Presbiteriana, sobre a direção do Rev. Richard Shaull, que deveria a partir de seu IV Congresso Nacional (1956 – Salvador - BA) ser distribuído para todas as Uniões de Mocidade Presbiterianas locais, tendo como objetivo despertar e inserir a juventude presbiteriana e protestante nas questões bíblicas e sociais do país. O tema da primeira lição é sugestivo: “Orientados ou Desorientados”, uma das questões colocadas ao final para servir de discussão de grupo preocupa-se com a reflexão sobre a questão central: “Se estamos desorientados, quais são as causas de nossa desorientação?”

Palavras de Apresentação
A CONFEDERAÇÃO DA MOCIDADE PRESBITERIANA tem o grato prazer de apresentar à mocidade evangélica em geral a série de estudos que preparou para seu IV Congresso Nacional. Tais como estudos, feitos por uma comissão, tiveram a orientação direta do Rev. Richard Shaull, professor do Seminário Presbiteriano de Campinas.
O folheto não foi feito para ficar numa gaveta ou sobre uma estante de livros ou ainda, para uma leitura superficial. O melhor seria que o leitor fizesse uma das seguintes coisas:
— interessar sua mocidade nos estudos dos temas aqui apresentados, dedicando, pelo menos uma reunião à discussão de cada tema. Deve haver uma ampla discussão entre todos os sócios, e um esforço de chegar a conclusões específicas que possam ser levadas à prática. Se suas mocidade tem mais de 20 sócios, convém dividi-la em grupos de 10 a 15 e fazer os estudos com esses grupos pequenos para assim dar maior oportunidades a todos de participarem na discussão;
— se você conseguir que toda a mocidade faça estes estudos, sugerimos que reúna pelo menos um grupo de lideres que possam estudar estes temas, sucessivamente, até chegar ao ultimo deles.
Os estudos que ora apresentamos abrangem três temas gerais:
— a necessidade que muitos moços sentem de mais segurança na compreensão de sua fé. O moço crente para dar testemunho de Cristo no mundo, tem que saber o que crê e possuir convicções profundas. Infelizmente, às vezes, moços mais cultos são os que têm menos certeza do que creem.
— a necessidade de conhecer melhor os problemas atuais e os movimentos sociais, políticos e até religiosos que nos rodeiam e dos quais não podemos fugir. Se Cristo nos envia ao mundo como suas testemunhas, temos que conhecer, necessariamente, a situação do homem e do mundo, entender os seus problemas e ver o significado da nossa fé cristã em relação a esses movimentos.
Estamos preparados para isto?
— a necessidade de fazer da mocidade evangélica um movimento mais dinâmico e com um conceito mais claro da sua missão na igreja e na comunidade.
Finalizando, queremos transmitir a toda mocidade evangélica o desejo sincero de os estudos que se seguem possam atingir seus objetivos. Os temas que eles abrangem são atuais, vem de encontro à ansiedade que notamos no seio de nossos moços por uma ação mais objetiva frente ao mundo. Gostaríamos de saber dos resultados querem negativos ou positivos, que por certo nos orientarão no sentido de outras publicações que venham a preencher as necessidades que temos.

I. ORIENTADOS OU DESORIENTADOS[1]
É comum ouvir-se dizer que a mocidade evangélica se encontra desorientada, que não tem certeza do que crê, nem possuiu convicções firmes. Esta atitude é à primeira vista, lógica e justificável. Nós, os crentes, somos uma pequena minoria num mundo contrario a nossa fé. Este mundo é dominado de tal maneira por certas ideias e filosofias pagãs ou seculares que quaisquer pessoas que não as aceite nem se conforme com elas é considerada antiquada. O moço crente entra em contato com todas essas, sente o seu impacto e muitas vezes fica desorientado ou vencido.
É necessário, porem, compreendermos que não podemos continuar assim. Em vez de sermos os desorientados, somos nós que hoje temos a missão de oferecer uma orientação certa para o mundo. Apesar do domínio de certas ideias que parecem determinar o pensamento de quase todos os homens, a nova geração do nosso tempo sente-se tremendamente desorientada. Não tem confiança em si mesma, nem nas filosofias do dia; não sabe de onde veio nem para onde vai; nem a sua vida nem o seu trabalho tem sentido.
Diante dessa situação, o moço crente tem uma missão muito clara: Em vez de ficar desorientado, ele é que é chamado a orientar a sua geração. E se ele falhar neste ponto, grande será a sua responsabilidade, “Se a luz que em ti são trevas, quão grande serão tais trevas! " Mat. 6:23
Esta missão de orientar o mundo é a consequência mais natural do Evangelho. Segundo ele Deus Mesmo nos revelou a sua vontade e nos mostrou o segredo do seu plano para o mundo e para cada um de nós. A pessoa que crê em Cristo já encontrou este segredo, conhece a verdade e tem um sentido definido para vida.
Três são as bases que a fé cristã nos dá para a nossa orientação em face dos problemas do pensamento e da vida em nosso tempo:
1. Deus veio ao mundo em Jesus Cristo para nos descobrir o segredo da vida e da morte e nos revelar a natureza de Deus e o destino do homem. Eis aqui uma cousa tremenda e quase incrível. Todas as filosofias c religiões do mundo são apenas esforços de homens para penetrar na obscuridade e resolver o mistério do universo. São tentativas do homem de subir a Deus. Estas religiões e filosofias podem ter muitas cousas boas e representar grandes estudo e dedicação por parte dos que as formulam porem são a final de contas, esforços humanos sujeita a todas as limitações e falhas do ser humano. São apenas produtos de seu tempo e não revelação da verdade e tema. Estas filosofias e religiões podem nos impressionar pela sua coerência lógica e pela sua originalidade; mas nunca merece nossa completa confiança porque são falíveis e mesmo as melhores parcialmente erronias.
Em face deste fato vemos precisamente o caráter extraordinário da fé cristã.
Nela o homem não trata de subir a Deus; antes, Deus desce ao homem e entra no mundo. Ela não é o resultado do esforço humano de penetrar no grande mistério de Deus e da vida; antes nela Deus se revela ao homem; isto é, “tira o véu” detrás do qual Ele e o seu plano para o mundo estão escondido. Assim Ele nos permite ver com toda clareza, o que Ele é, e o que faz. É este o significado da confissão de Pedro; Tu es o Cristo, o Filho do Deus vivo.”(Mat 16:16). Cristo é por tanto, o caminho a verdade e a vida. Na sua vida, morte e ressurreição, Deus entrou no mundo, revelou-nos a sua vontade e ainda está conosco.
Será possível ficarmos desorientados diante do mundo, possuindo uma fé com esta base? Não deveria ser ao contrário? Só o cristianismo tem este fundamento, só o cristianismo descansa na clara e completa revelação de Deus em Cristo. Podemos sentir todo o apelo e poder de qualquer ideologia de nosso tempo, porem sabemos que só em Cristo se encontra a verdade que permanecerá. Consequentemente o moço crente, perante toda essas ideologias, terá em Cristo a base duma convicção inabalável e duma vida dinâmica.
2. Deus, que veio ao mundo em Cristo vem ao nosso encontro hoje e revela a sua vontade através da Bíblia.
Jesus Cristo esteve no mundo há 2000 anos. Como então podemos entrar em contato com Ele Hoje? A resposta do cristianismo é que existe um livro que nos traz o testemunho dos que estiveram com Ele. Essas pessoas viram, ouviram e nos contaram o que Ele fez e disse.
Mas, o valor da Bíblia não está simplesmente no fato de ela preservar essa letra escrita e nos informar da vida de Jesus. Antes, a obra do Espírito Santo faz uma cousa que ninguém poderia imaginar. Quando lemos a Bíblia o Cristo de quem ela fala salta de suas páginas e ainda hoje, vem ao nosso encontro. Deus Mesmo nos fala e nos chama, e assim encontramos, de forma pessoal, o nosso destino.
É evidente que nem sempre temos esta experiência. Podemos ler e estudar a Bíblia durante anos sem que nada disto aconteça. A razão está no fato de lermos a Bíblia com uma finalidade errada. Às vezes fazemos dela um texto de ciência ou de história e a lemos para ver se é certo ou não o que ela diz sobre esses assuntos. Ou pode ser que leiamos com um desejo meramente intelectual de aprender de cor certo número de versículos ou conhecer o conteúdo de um livro ou de alguns capítulos. Isto pode ser interessante, mas não será de grande proveito.
Temos de ler a Bíblia com outro espirito. Ela é supremamente a história do que Deus tem feito através dos séculos para nos salvar e para redimir o mundo. Ela existe para nos trazer esta história e nos confrontar com a vontade de Deus, para a nossa vida. Quando lemos a Bíblia sabendo que o nosso futuro e o futuro do mundo dependem da nossa resposta às ordens do Senhor, alguma cousa tem que acontecer: Deus nos fala; Cristo vem ao nosso encontro; Deus nos revela o que Ele está fazendo e nos chama a dar a nossa vida ao seu serviço. Ouvimos, compreendemos e resolvemos obedecer.
3. O Deus que veio ao mundo em Cristo e nos encontra hoje através da Bíblia estabeleceu um povo no mundo. Nós pertencemos a esse povo que é a Igreja e nele encontramos orientação, estímulo e ajuda a todo momento.
O crente não tem de se orientar sozinho. Ele é chamado a pertencer à comunidade que Deus estabeleceu. É através dela que Deus age no mundo, e é através dela que Deus orienta e ensina. “Onde dois ou três estiverem reunidos cm meu nome, ali estarei em meio deles”.
Portanto é nessa comunidade que o moço crente se orienta e chega a compreender a vontade de Deus. A Igreja preservou a Bíblia através dos séculos; ela põe a bíblia nas nossas mãos e nos ajuda a compreender a mensagem do Evangelho. Além de tudo isto a igreja nos permite entrar em contato e comunhão com outros crentes em Cristo de tal maneira que possamos nos ajudar mutuamente a compreender melhor a mensagem de Cristo e segui-la. Para que isto aconteça, porém, cada União de Mocidade tem de ser uma verdadeira comunidade de moços que desejam ardentemente conhecer e obedecer a Jesus Cristo. Têm de se reunir, não simplesmente para ouvir programas, mas para estudar seriamente os seus problemas, permitindo que o Espirito Santo os oriente ao encontro do caminho da verdade e da obediência.
A REVELAÇÃO DE DEUS EM CRISTO; O ENCONTRO COM ESTE DEUS REVELADO ATRAVÉS DA BÍBLIA; A VIDA NA COMUNIDADE DE DISCÍPULOS DE CRISTO: Eis aí os três pontos fundamentais da nossa orientação na fé cristã. Na medida em que os seguimos encontramos uma base sólida e certa para o nosso pensamento e poderemos enfrentar a desorientação e insegurança do nosso tempo com confiança e convicção. Isto constitui o primeiro passo na revitalização do nosso movimento.

PERGUNTAS PARA SEREM DISCUTIDAS NO GRUPO:
1.         Até que ponto você tem certeza do que crê?
2.         Quem tem convicções mais firmes: o moço crente da sua União de Mocidade ou moços Espiritas, Adventistas e comunistas que você conhece?
3.         Se estamos desorientados, quais são as causas de nossa desorientação?
4.         Poderão os três pontos mencionados acima contribuir para nos dar melhor orientação? De que maneira?
5.         O que poderia fazer a sua União de Mocidade para ajudar neste sentido?

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


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O Protestantismo na Capital de São Paulo: A Igreja Presbiteriana Jardim das Oliveiras.


Referência Bibliográfica
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[1] O texto será mantido na grafia original com a mínima correção.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Protestantismo: Breve História dos Movimentos de Juventude Protestante Mundial (1844-1910)[1]




Protestantismo: Breve História dos Movimentos de Juventude Protestante Mundial (1844-1910)[1]
Os vários movimentos de juventude protestantes surgidos a partir da segunda metade do século XIX na Europa e nos Estados Unidos tiveram um impressionante impacto na sociedade de seu tempo. Capazes de mobilizar milhares de jovens, a influência deste movimento se internacionalizou ganhando os Continentes. Já em fins do século XIX e início do século XX, ele atingia a América Latina e o Brasil. Portadores de novas sociabilidades, mais dinâmicas do que as Igrejas protestantes tradicionais onde as lideranças leigas nem sempre eram aproveitadas, estes movimentos foram atuantes em duas esferas de ação: de maneira interna, comunitária, eles se inseriram nas sociedades protestantes tradicionais não sem encontrar resistência; de forma mais independente ele resultou na criação de instituições religiosas sem vínculo denominacional, as chamadas para-eclesiásticas, ecumênicas e proselitistas as quais constituíam- se em espaços privilegiados para a expressão cúltica, mais apropriada aos jovens, com ritmos e liturgia próprios. Neste sentido, as para-eclesiásticas inovaram a vida litúrgica das igrejas ao introduzirem o uso de instrumentos musicais outros que o órgão e hinários tradicionais das igrejas protestantes, o emprego de instrumentos acústicos ou elétricos como o violão, guitarra, baterias, etc., ainda que a maioria dos cânticos empregados estivesse sob a influência norte-americana. Logo, os movimentos foram assimilados pelas comunidades protestantes ou então constituíram o motivo de sua dissidência.
Um dos pioneiros movimentos de juventude protestantes criados e ainda em atividade foi o ilustre Young Men’s Christian Association (Associação Cristã de Moços - ACM), fundada por George Williams, em 1844. Depois de implantadas em vários países do mundo, seus membros, a maioria formada de estudantes universitários organizaram, em 1895, uma outra sociedade, a Federação Universal de Associações Cristãs de Estudantes (FUACE). O movimento contou com a impulsão do metodista e prêmio Nobel da paz John R. Mott (1865-1958) e de Karl Fries.
Outro importante movimento de juventude foi a Aliança Mundial das Uniões Cristãs (AMUC). Com seu sistema federativo agrupado ao redor da Base de Paris, em 1855, se constituiu das uniões locais e nacionais masculinas e femininas se implantando em grande numero de países e conta, atualmente, com milhões de membros.
O movimento de escoteiros, fundado em 1907-1908 por Robert Stephenson Baden-Powell, tinha por objetivo influenciar a mocidade inglesa no plano moral, intelectual, físico e cívico com os valores do Evangelho. Inspirados pelo exemplo protestante outros movimentos liderados por leigos, católicos e judeus deram uma dimensão mundial ao movimento.
Depois da Segunda Guerra mundial os movimentos de juventude protestantes incorporam uma práxis de tipo missionária como a Ação de Jovens por Cristo (AJC); Campus para Cristo (CC), Operação Mobilização (OM), Inter-Varsity Christian Fellowship, Jovens em Missão, Grupos Bíblicos colegiais e universitários. Estes movimentos conversionistas possuíam como principal estratégia a evangelização pessoal assim como a edificação espiritual seguida por uma formação bíblica.
Na América Latina duas influencias principais foram precursoras na criação das sociedades de jovens protestantes: a Associação Cristã de Moços e Mulheres (YMCA e YWCA) e o Esforço Cristão. Enquanto que a primeira se centrava em atividades religiosas e culturais ligadas á prática do esporte e do ensino do inglês com uma liderança independente das igrejas protestantes, a segunda atuava no interior das igrejas procurando o desenvolvimento de um autêntico espírito cristão. A A.C.M. teve uma inserção bastante precoce no Cone Sul, sob a influência da sessão inglesa (Buenos Aires, 1874; Rio de Janeiro, 1875; Valparaiso, 1883). Somente mais tarde, sob influência norte-americana, ela atingiria São Paulo, 1839; México, 1904, Cuba, 1905 e Porto Rico, 1909. Em 1940, quando o uruguaio Humberto Grassi foi eleito secretário da Federação Sul Americana, a A.C.M. contava com aproximadamente 42 mil membros. Igualmente de origem norte-americana, o Esforço Cristão possuía 200 associações, a maioria delas pouco dinâmicas o que levou à união das federações argentina, chilenas e uruguaias á formação de uma organização regional, a partir de 1934. Esta resultou na criação, em 1941, em Lima, da União Latino-americana de Jovens Evangélicos (ULAJE). O Congresso adotou o tema: Com Cristo, um Mundo Novo. Este novo movimento preocupava-se com os problemas atuais e, numa ação ecumênica condenaram o “atual sistema capitalista fundado na opressão e na ilegalidade econômica”, reivindicavam a "implantação de um sistema econômico de cooperação” (Bastian, 1994: 178). No Brasil, a Associação Cristã de Moços (A.C.M.) desenvolveu-se graças à propaganda do presbítero Myron Clark, delegado especial da instituição no país. Assim, a primeira sociedade de jovens protestantes brasileiros, a Associação Cristã de Moços (A.C.M.) foi organizada no meio presbiteriano e metodista paulistano em 1865. A experiência ecumênica não se limitou à organização da A.C.M. Em São Paulo, o exemplo dado pela união da presbiteriana com a metodista foi seguido pela Sociedade de Obreiros Cristãos. Esta promovia reuniões de propaganda, sendo composta de elementos de várias igrejas. Sua diretoria constitui-se em julho de 1895 na ordem que segue: Antônio P. Passos, Benedito Vieira, José Bento Dias Ferraz, João da Silva Pereira, John Barton.
A segunda influência precursora na criação de sociedades de jovens protestantes brasileiros foi a sociedade denominada Esforço Cristão (Ferreira, 1959). A sociedade pioneira foi fundada pela missionária americana Clara Hough, em Botucatu, no ano de 1891. Em 1898, surgiu, em Curitiba, uma outra sociedade inspirada no Esforço Cristão e do Christian Endeavor fundada pela missionária norte-americana Elmira Kuhl. O medico R. W. Fenn veio, em 1900, ocupar no Brasil, o cargo de secretário geral do moviintento. Dois anos mais tarde uma Convenção Nacional se reuniu em São Paulo formando a União Brasileira de Esforço Cristão, sob a presidência de Erasmo Braga. Em 1907, Francis E. Clarck, fundador da sociedade esteve presente na terceira convenção da União Brasileira de Esforço Cristão, onde organizou, no Rio de Janeiro, a União Sul Americana. Os presbiterianos Erasmo Braga, Adolfo Hempel e Eliezer dos Santos Saraiva, foram líderes do movimento na região de São Paulo. Em 1911, o Esforço Cristão contaria com 80 sociedades com cerca de dois mil membros e de um jornal que servia de propaganda do movimento. Em 1925, organizou- se no Colégio Grambery a União de Estudantes para o Trabalho de Cristo (UETC), transformada posteriormente em União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB). Sob a influência da A.C.M. e do Esforço Cristão paulatinamente o número de sociedades de jovens foi crescendo no interior das comunidades protestantes até que praticamente todas elas já possuíam uma sociedade deste tipo. Nas décadas de 1930 e na seguinte, a Igreja Presbiteriana Independente dominou o movimento em âmbito ecumênico. Este contou com a orientação do pastor Eduardo Pereira de Magalhães, parente do ilustre pastor Independente Eduardo Carlos Pereira. Este período pode ser considerado como o do início do processo de nacionalização do movimento de jovens protestantes no Brasil.

Cronologia das Principais Datas do Movimento Mundial de Jovens Protestantes
1844- Fundação da Young Men’s Christian Association, por George Williams.
1855- Criação da Aliança Mundial das Uniões Cristãs.
1895- Emergência da Federação Universal das Associações Cristãs de Estudantes criada pelo metodista John Raleigh Mott (1865-1955) e de Karl Fries. Surge um movimento ecumênico denominado Sociedade de Obreiros Cristãos.
1908- Aparição do Movimento de Escoteiros fundado em 1908 por Baden-Powell.
1839 - Fundação, em São Paulo, da Yong Men’s Christianity Association (YMCA) e da Yong Woman’s Christianity Association (YWCA) influência da sessão norte-americana.
1865 - Organização da (A.C.M.) no meio presbiteriano e metodista paulistano.
1875 - Rio de Janeiro, Fundação da Yong Men’s Christianity Association (YMCA) e da Yong Woman’s Christianity Association (YWCA) influência da sessão inglesa. Fundação, em São Paulo, do Movimento Esforço Cristão por Francis E. Clarck.
1891- Fundação de uma sociedade de jovens inspirada no Esforço Cristão pela missionária americana Clara Hough, em Botucatu.
1898 - Surge em Curitiba uma outra sociedade inspirada no Esforço Cristão e do Christian Endeavor fundada pela missionária Elmira Kuhl.
1900 - O médico R. W. Fenn vem ocupar no Brasil o cargo de secretário geral do movimento Esforço Cristão.
1902 - Convenção Nacional se reúne em São Paulo formando a União Brasileira de Esforço Cristão, sob a presidência do presbiteriano Erasmo Braga.
1907 - Rio de Janeiro, terceira Convenção da União Brasileira de Esforço Cristão. Organização da União Sul Americana.
1925 - Organização no Colégio Grambery da União de Estudantes para o Trabalho de Cristo (UETC), transformado posteriormente em União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB).
Organização do primeiro Congresso Nacional da Juventude Evangélica, sob a orientação do pastor da Igreja Presbiteriana Independente Eduardo Pereira de Magalhães. O mesmo, depois de artigos que publicou em jornais evangélicos criou o Comitê de jovens de São Paulo. Este resultou na criação da Federação da Mocidade da Igreja Presbiteriana Independente, em uma série de Congressos regionais de jovens, na Associação de Retiros Espirituais para a Mocidade, e no jornal Bandeirante Cristão.
1936    - Ainda sob a influência de Eduardo Pereira de Magalhães surge o livro Apreciação e Diretrizes concebido no Congresso Evangélico que impulsiona a obra entre sociedades protestantes de jovens no plano ecumênico.
1937    - Instalação da sede da A.C.M à rua Santo Antônio, São Paulo, sob a presidência do médico Flaminio Fávero, ex-diretor da Faculdade de Medicina e presbítero da segunda Igreja Presbiteriana independente.
1938- Primeiro Congresso Nacional da Mocidade Evangélica, Rio dc Janeiro, realizado na Igreja Fluminense e patrocinado pela Confederação Evangélica do Brasil (CEB).
1940 — Eleição do uruguaio Humberto Grassi, secretário da Federação sul-americana da Associação Cristã de Moços (A.C.M.).

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


Referências Bibliográficas
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_____________ (Org.) De Dentro do Furacão, Richard Shaull e os Primórdios da Teologia da Libertação. São Paulo: CEDI, 1985.
BRAGA, Erasmo de Carvalho. Pan-Americanismo: aspecto religioso. Nova York: Missionary Education Movement of the United States and Canada, 1917. [Digitized by the Internet Archive in 2014]
BRAGA, Erasmo; GRUBB, Kenneth. The Republic of Brazil: A Survey of the Religious Situation. London: World Dominion Press, 1932.
FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil, vol. 1 e 2, 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
MATOS, Alderi S. Erasmo Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira – perspectivas sobre a missão da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
MOURA, Enos. Do baú do Enos pai. 1ª ed. São Paulo: PoloBooks, 2018. 364p.
PEREIRA DE MAGALHÃES, Eduardo. Reconstrução da Ordem Social: A Mocidade e o Problema Social, 1941.
PIEDRA, Arturo. Evangelização protestante na América Latina – análise das razões que justificaram e promoveram a expansão protestante (1830-1960). São Leopoldo: Editora Sinodal; Equador: CLAI, 2008.
SHAULL, Richard. Somos uma comunidade missionária: oito estudos de preparação para o testemunho. Secretaria Geral da Mocidade da Confederação da Mocidade Presbiteriana. São Paulo: Imprensa Metodista, 1957.
SILVA, Hélerson, MOURA, Enos e MORAES, Mônica. Eu faço parte desta história. São Paulo: CEP, 2002. [Secretaria de Cultura – Comissão de História da Mocidade – da Confederação Nacional da Mocidade da Igreja Presbiteriana do Brasil].

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Quando o Protestantismo Brasileiro Foi Inserido no Contexto Internacional https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/09/quando-o-protestantismo-brasileiro-foi.html
A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e o Conselho Mundial de Igreja (CMI) https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2016/05/a-igreja-presbiteriana-do-brasil-ipb-e.html
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[1] Texto extraído do livro “Eu faço parte desta História” cf. referências bibliográficas. Os destaques são meus.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Resenha: Do Baú do Enos Pai (compartilhando a História do Protestantismo Brasileiro)



            Poucos sãos as pessoas que tem a oportunidade de escrever sua própria história. O velho diário, como a da menina judia Anne Frank e o do missionário presbiteriano A. G. Simonton foi e ainda continua sendo uma ferramenta preciosa para se registrar os acontecimentos marcantes da vida, mas os brasileiros não incorporaram essa cultura e raríssimos entre nós tem esse zelo literário. A nossa tradição histórica sempre foi a transmissão oral, de maneira que ouvimos e repassamos o nosso conhecimento histórico através dos “causos” que avós e pais nos relatam ao redor da mesa, a televisão já tinha roubado grande parte dessa cultura e com a “inclusão (invasão) digital” perdemos definitivamente essa extraordinária cultura oral e caímos no silêncio da ignorância. Os brasileiros correm seriamente o risco de se tornarem pessoas sem história.
            A importância do livro de Enos Moura (pai) como ele gosta de frisar, é uma dessas raras oportunidades de adquirirmos conhecimento histórico através dos “causos” por ele compartilhado, graças a Deus na forma escrita, ainda que passar horas conversando com ele seja algo além de prazeroso bastante interessante e instrutivo para aqueles que são apaixonados pela história de forma geral e em particular do protestantismo no Brasil.
Enos é uma testemunha ocular viva de quase cem anos da história protestante brasileira e por sua origem nordestina ele nos proporciona uma rara oportunidade de tomarmos conhecimento de fatos e personagens do protestantismo pioneiro, ou seja, na sua implantação e consolidação no país. O seu amigo e historiador Alderi de Matos sintetiza na orelha a importância desse livro: “É palpitante acompanhar a caminhada de sua família por várias gerações, desde os bisavôs já distantes no tempo, passando pelo avô e pelo pai pastores e por uma infinidade de outros personagens que marcaram, e marcam ainda hoje, a sua peregrinação”.
Sublinhei a expressão “infinidade de outros personagens” porque realmente expressa a riqueza do conteúdo deste Baú crônico-historiográfico. Em cada uma de suas crônicas o autor vai abrindo o leque e nos apresentando os mais diversos personagens que demarcaram a historiografia protestante brasileira nos últimos oitenta anos. Ele teve contato pessoal desde missionários pioneiros como o Rev. John Rockwell Smith até aqueles que ainda hoje continuam influenciando a história do presbiterianismo brasileiro como o Rev. Roberto Brasileiro, atual presidente do Supremo Concilio.
Enos é privilegiado, pois participou indireta e diretamente dos grandes movimentos intestinos do presbiterianismo brasileiro. Apesar de serem em forma de crônicas, curtas bem ao gosto popular brasileiro, ele polvilha em cada uma delas informações precisas e vivenciais destes movimentos. Não se omite em expressar suas opiniões e contestações dos fatos por ele registradas, pois esse sempre foi seu jeito de vivenciar sua fé e defender seus pontos de vistas, mas que torna a leitura dos textos instigante e reflexivos.
Outro aspecto peculiar é o fato de que grande parte de sua vida e, portanto dos textos aqui apresentados é pela ótica do leigo, visto que sua ordenação, que merece um adendo à parte, ocorre apenas em 1980 aos 36 anos de idade, de maneira que trabalhando em diversas empresas, sendo que por 25 anos na EMPETUR (Empresa de Turismo de Pernambuco) e tendo a oportunidade de viajar por diversos países adquiriu uma cosmovisão muito além de uma eclesiologia feudal, o que lhe proporcionou a capacidade de interagir de forma positiva com os mais diversos segmentos social-político-eclesiástico do período histórico por ele aqui abordado.
Dentre todas as suas múltiplas atividades eclesiásticas ao longo de sua vida, certamente sua atuação na e junto a juventude presbiteriana é a mais marcante. Desde seus doze anos (1956) ele participa efetivamente da caminhada da mocidade presbiteriana (União de Mocidade Presbiteriana-UMP). Participou do apogeu do trabalho da juventude presbiteriana, sofreu terrivelmente com o fechamento da Confederação Nacional pelo Supremo Concílio (maio de 1960 – portanto, antecedendo o Golpe Militar no país) e pela qual gastou e se deixou gastar pela reorganização da Nacional dos jovens presbiterianos que somente veio a ocorrer em 1986 com a realização do “X Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana”, ou seja, 26 anos depois.  Durante esses anos e ainda hoje na maturidade de seus mais de setenta anos, Enos continua interagindo com a Mocidade Presbiteriana. Ele compartilha conosco nessas crônicas todos esses movimentos internos da juventude presbiteriana e proporcionando uma oportunidade para refletirmos sobre o que fomos e o quanto estamos longe de sermos aquilo que já fomos um dia.
A questão de sua ordenação na IPB ocupa três crônicas e realça a forma retrógada do pensamento presbiteriano no período pós-regime militar. Ele havia concluído o curso teológico, iniciado no Seminário Teológico Presbiteriano de Recife, mas concluído em São Paulo na Faculdade de Teologia da Igreja Episcopal do Brasil em 1969. Foi encaminhado pelo Conselho da IPB Ebenézer ao Presbitério Norte de São Paulo, que se reuniria em um sítio em Mogi das Cruzes. No transcorrer da reunião conciliar um bilhete assinado por dois “conceituados” pastores cujo teor era “Não ordenem esse rapaz, ele é perigoso” e essa alcunha foi suficiente para impedir sua ordenação na IPB. Em 1980, em um encontro com o Rev. Mozart Noronha então moderador da Assembleia Geral da Igreja Cristã de Confissão Reformada, com sede no Rio de janeiro, foi convidado por este para se apresentar como candidato e ser ordenado por essa denominação protestante. Após cumprir todos os requisitos eclesiásticos exigidos pelo Concílio sendo aprovado foi ordenado no sábado dia 23 de novembro de 1980, tendo a parênese pelo Rev. Jonas Neves Rezende, tendo o templo da Igreja Cristã de Ipanema repleta como testemunha e tendo o Rev. Rubem Alves participando da cerimônia colocando-lhe a Estola Sacerdotal. Pouco tempo após foi recebido por transferência na IPB através do Presbitério de Pernambuco e foi fazer parte do colegiado de pastores da IPB das Graças, após longos onze anos entre a formação teológica e a ordenação.
Minhas duas últimas observações sobre esse “Baú” é que as crônicas são concisas e em uma linguagem extremamente agradável tanto para aqueles que não são da área de história, mas certamente preciosa e bastante útil para todos aqueles que estudam a história do protestantismo brasileiro e particularmente aos presbiterianos, que haverão de adquirir um vasto conhecimento da intimidade dessa denominação do protestantismo histórico nacional. Quem dera os pastores e membros da IPB lessem esse “Baú” e fizessem um exercício de reflexão histórica aprendendo com seus erros e acertos para virmos a ser uma igreja melhor e mais coerente com os princípios evangélicos que teoricamente tanto zelamos (lembrando que os fariseus e escribas eram os zeladores da Torá nos dias de Jesus).
Minha última nota e propositalmente deixei para o final são as dezenas e provavelmente uma centena de fotos e imagens preciosas para qualquer historiador ou curioso dos fatos concorridos no protestantismo brasileiro ao longo de quase um século. De todas destaco apenas duas fotos que são bastante representativos da relevância de todas as demais imagens contidas nesse precioso “Baú do Enos”. A primeira esta na página 177 e trás o cinquentagenário Rev. Harold Cook examinando com uma lupa se a secretária havia marcado corretamente o seu voo de retorno, após participar do Supremo Concílio reunido em Recife em julho de 1978. A segunda imagem é o momento de sua ordenação quando o então excluído do rol de membros da IPB e exilado político Rev. Rubem Alves lhe coloca a Estola Sacerdotal em 1980 (p. 193).
E para aqueles que desejam conhecer o desenvolvimento das atividades da juventude presbiteriana, principalmente após a reativação da sua Confederação Nacional, encontrará nesse “Baú” preciosas informações de quem não apenas ouviu falar, mas por alguém que vivenciou e continua vivenciando intensamente as atividades da juventude presbiteriana no Brasil.

MOURA, Enos. Do baú do Enos pai. 1ª ed. São Paulo: PoloBooks, 2018. 364p.




Bibliografia do Autor
MOURA, Enos. Do baú do Enos pai. 1ª ed. São Paulo: PoloBooks, 2018. 364p.
____________. Do amor por uma Tocha. Edição do autor, 2016.
SILVA, Hélerson, MOURA, Enos e MORAES, Mônica. Eu faço parte desta história. São Paulo: CEP, 2002. [Secretaria de Cultura – Comissão de História da Mocidade – da Confederação Nacional da Mocidade da Igreja Presbiteriana do Brasil].

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