Poucos personagens históricos do
protestantismo no Brasil tornaram-se tão contraditório quanto o missionário
estadunidense Richard Shaull.
Tem aqueles que o admiram e são entusiastas de sua estadia brasileira, por
outro lado, temos aqueles que o repudiam e argumentam que suas ideias
incendiaram a juventude protestante causando mais danos do que reparações.
Evidentemente que é necessário entender o contexto histórico em que ele atuou
no país para de fato compreendermos a relevância de seu trabalho principalmente
junto à juventude protestante no Brasil, sem mencionar suas atividades no
protestantismo na América Latina.
Quando Richard Shaull desembarcou no
Brasil, tendo como porta de entrada um convite da Igreja Presbiteriana do
Brasil (IPB) para lecionar em seu Seminário Teológico em Campinas, não seria
possível prever o quanto isso mudaria a história do presbiterianismo centenário
e do próprio ethos protestante brasileiro.
Ele esta fecundado das novas
perspectivas teológicas que proliferavam por toda Europa e desembocavam nas
Universidades americanas e, por conseguinte nas suas denominações evangélicas.
Desde seus primeiros contatos com a juventude presbiteriana a simbiose foi
imediata, pois encontrava jovens entusiastas e desejosos de mudanças, nas
igrejas, na Sociedade e no Brasil. Richard lhes oferece uma direção e a marcha
inicia-se e avoluma-se de forma nunca antes visto no protestantismo brasileiro.
Essa juventude são filhos e netos da primeira geração de
protestantes, e suas lideranças foram formados nas academias estabelecidas
pelas missões protestantes que aqui haviam chegado. Esta não era uma geração de
neófitos, mas moços e moças que haviam aprendido a pensar e analisar o contexto
em que estavam inseridos. Mas havia se criado um fosso crescente entre as
primeiras gerações e essa nova geração de protestantes. Se os pioneiros tiveram
que fazer um parto fórceps e se impor pela força das leis sua presença na
Sociedade brasileira, três gerações depois a situação é totalmente diferente.
Agora já comodamente estabelecida e tendo adquirido seu próprio status quo, o
que as denominações menos desejam são movimentos que possam produzir convulsões
internas e externas.
Mas as novas gerações de jovens protestantes quer mais do
que uma alienação social ou como se dizia no meio presbiteriano uma “equidistância”,
a palavra de ordem mundial é “revolução” e elas estão acontecendo ao redor do
globo terrestre e exigem-se mudanças. A palavra “revolução” passou a ter uma
conotação extremamente pejorativa, de maneira que tudo que precisa ser
“proibido” ou “inibido” era taxada de “revolução”. E a figura de Richard Shaull
foi carimbada com a alcunha de “revolucionário” de maneira que tudo que ele
fizesse ou deixasse de fazer era visto pelas lideranças eclesiásticas como
ações danosas e perniciosas para as denominações.
Ao angariar a atenção, admiração e carinho da juventude
protestante brasileira, Shaull colocou combustível na fogueira das vaidades
eclesiásticas muitas vezes mais aquecidas do que as velhas fogueiras da
inquisição católica romana. Suas atividades são tolhidas de forma melancólica
logo após o golpe militar de 1964, mas antes mesmo Shaull pode contemplar com
profunda tristeza o genocídio de toda uma geração de jovens presbiterianos e
protestantes por todo o território brasileiro. Antecedendo aos próprios
militares as autoridades eclesiásticas implacavelmente exerceram todo o poder
institucional vigentes em suas constituições denominacionais e passaram a criar
novas leis que pudessem ser instrumentos cirúrgicos para extirpar todo membro,
jovem ou velho, canceroso de novas ideias revolucionarias. Totalmente tolhido
de suas atividades docentes e missionárias não restou a Richard Shaull outra
alternativa do que retornar para seu país e dali tentar, mas sem qualquer ação
efetiva, manter acesa a chama da juventude protestante brasileira, que após
esse período tornou-se e ainda continua sendo apenas uma tênue luz em meio às
crescentes trevas que tem coberto o Brasil e sua Sociedade. Sem dúvida alguma
essa é uma das razões pelas quais as gerações atuais colhem os frutos pútridos
de uma sociedade brasileira sem quaisquer padrões morais em todas as suas
instâncias – pois ao se retirar o sal que a poderia preservar ela manteve seu
processo natural de decomposição.
Com esta brevíssima introdução desejo apresentar nesta
série de artigos um material produzido pela Confederação da Mocidade
Presbiteriana, sobre a direção do Rev. Richard Shaull, que deveria a partir de
seu IV Congresso Nacional (1956 – Salvador - BA) ser distribuído para todas as
Uniões de Mocidade Presbiterianas locais, tendo como objetivo despertar e
inserir a juventude presbiteriana e protestante nas questões bíblicas e sociais
do país. O tema da primeira lição é sugestivo: “Orientados ou Desorientados”, uma das questões colocadas ao final
para servir de discussão de grupo preocupa-se com a reflexão sobre a questão
central: “Se estamos desorientados, quais
são as causas de nossa desorientação?”
Palavras de Apresentação
A CONFEDERAÇÃO DA MOCIDADE PRESBITERIANA tem o grato
prazer de apresentar à mocidade evangélica em geral a série de estudos que
preparou para seu IV Congresso Nacional. Tais como estudos, feitos por uma
comissão, tiveram a orientação direta do Rev. Richard Shaull, professor do
Seminário Presbiteriano de Campinas.
O folheto não foi feito para ficar numa gaveta ou
sobre uma estante de livros ou ainda, para uma leitura superficial. O melhor
seria que o leitor fizesse uma das seguintes coisas:
— interessar
sua mocidade nos estudos dos temas aqui apresentados, dedicando, pelo menos uma
reunião à discussão de cada tema. Deve haver uma ampla discussão entre todos os
sócios, e um esforço de chegar a conclusões específicas que possam ser levadas
à prática. Se suas mocidade tem mais de 20 sócios, convém dividi-la em grupos
de 10 a 15 e fazer os estudos com esses grupos pequenos para assim dar maior
oportunidades a todos de participarem na discussão;
— se
você conseguir que toda a mocidade faça estes estudos, sugerimos que reúna pelo
menos um grupo de lideres que possam estudar estes temas, sucessivamente, até
chegar ao ultimo deles.
Os estudos que ora apresentamos abrangem três temas
gerais:
— a
necessidade que muitos moços sentem de mais segurança na compreensão de sua fé.
O moço crente para dar testemunho de Cristo no mundo, tem que saber o que crê e
possuir convicções profundas. Infelizmente, às vezes, moços mais cultos são os
que têm menos certeza do que creem.
— a
necessidade de conhecer melhor os problemas atuais e os movimentos sociais,
políticos e até religiosos que nos rodeiam e dos quais não podemos fugir. Se
Cristo nos envia ao mundo como suas testemunhas, temos que conhecer,
necessariamente, a situação do homem e do mundo, entender os seus problemas e
ver o significado da nossa fé cristã em relação a esses movimentos.
Estamos preparados para isto?
— a
necessidade de fazer da mocidade evangélica um movimento mais dinâmico e com um
conceito mais claro da sua missão na igreja e na comunidade.
Finalizando, queremos transmitir a toda mocidade evangélica
o desejo sincero de os estudos que se seguem possam atingir seus objetivos. Os
temas que eles abrangem são atuais, vem de encontro à ansiedade que notamos no
seio de nossos moços por uma ação mais objetiva frente ao mundo. Gostaríamos de
saber dos resultados querem negativos ou positivos, que por certo nos
orientarão no sentido de outras publicações que venham a preencher as
necessidades que temos.
I. ORIENTADOS OU DESORIENTADOS[1]
É comum ouvir-se dizer que a mocidade evangélica se
encontra desorientada, que não tem certeza do que crê, nem possuiu convicções
firmes. Esta atitude é à primeira vista, lógica e justificável. Nós, os
crentes, somos uma pequena minoria num mundo contrario a nossa fé. Este mundo é
dominado de tal maneira por certas ideias e filosofias pagãs ou seculares que quaisquer
pessoas que não as aceite nem se conforme com elas é considerada antiquada. O
moço crente entra em contato com todas essas, sente o seu impacto e muitas
vezes fica desorientado ou vencido.
É necessário, porem, compreendermos que não podemos
continuar assim. Em vez de sermos os desorientados, somos nós que hoje temos a
missão de oferecer uma orientação certa para o mundo. Apesar do domínio de
certas ideias que parecem determinar o pensamento de quase todos os homens, a
nova geração do nosso tempo sente-se tremendamente desorientada. Não tem
confiança em si mesma, nem nas filosofias do dia; não sabe de onde veio nem
para onde vai; nem a sua vida nem o seu trabalho tem sentido.
Diante dessa situação, o moço crente tem uma missão muito
clara: Em vez de ficar desorientado, ele é que é chamado a orientar a sua
geração. E se ele falhar neste ponto, grande será a sua responsabilidade, “Se a
luz que em ti são trevas, quão grande serão tais trevas! " Mat. 6:23
Esta missão de orientar o mundo é a consequência mais
natural do Evangelho. Segundo ele Deus Mesmo nos revelou a sua vontade e nos
mostrou o segredo do seu plano para o mundo e para cada um de nós. A pessoa que
crê em Cristo já encontrou este segredo, conhece a verdade e tem um sentido
definido para vida.
Três são as bases que a fé cristã nos dá para a nossa
orientação em face dos problemas do pensamento e da vida em nosso tempo:
1.
Deus veio ao mundo em Jesus Cristo para nos descobrir o segredo da vida e da
morte e nos revelar a natureza de Deus e o destino do homem. Eis aqui uma cousa
tremenda e quase incrível. Todas as filosofias c religiões do mundo são apenas
esforços de homens para penetrar na obscuridade e resolver o mistério do
universo. São tentativas do homem de subir a Deus. Estas religiões e filosofias
podem ter muitas cousas boas e representar grandes estudo e dedicação por parte
dos que as formulam porem são a final de contas, esforços humanos sujeita a todas
as limitações e falhas do ser humano. São apenas produtos de seu tempo e não
revelação da verdade e tema. Estas filosofias e religiões podem nos
impressionar pela sua coerência lógica e pela sua originalidade; mas nunca
merece nossa completa confiança porque são falíveis e mesmo as melhores
parcialmente erronias.
Em face deste fato vemos precisamente o caráter
extraordinário da fé cristã.
Nela
o homem não trata de subir a Deus; antes, Deus desce ao homem e entra no mundo.
Ela não é o resultado do esforço humano de penetrar no grande mistério de Deus
e da vida; antes nela Deus se revela ao homem; isto é, “tira o véu” detrás do
qual Ele e o seu plano para o mundo estão escondido. Assim Ele nos permite ver
com toda clareza, o que Ele é, e o que faz. É este o significado da confissão
de Pedro; Tu es o Cristo, o Filho do Deus vivo.”(Mat 16:16). Cristo é por
tanto, o caminho a verdade e a vida. Na sua vida, morte e ressurreição, Deus
entrou no mundo, revelou-nos a sua vontade e ainda está conosco.
Será possível ficarmos desorientados diante do mundo,
possuindo uma fé com esta base? Não deveria ser ao contrário? Só o cristianismo
tem este fundamento, só o cristianismo descansa na clara e completa revelação
de Deus em Cristo. Podemos sentir todo o apelo e poder de qualquer ideologia de
nosso tempo, porem sabemos que só em Cristo se encontra a verdade que
permanecerá. Consequentemente o moço crente, perante toda essas ideologias,
terá em Cristo a base duma convicção inabalável e duma vida dinâmica.
2.
Deus, que veio ao mundo em Cristo vem ao nosso encontro hoje e revela a sua
vontade através da Bíblia.
Jesus Cristo esteve no mundo há 2000 anos. Como então podemos
entrar em contato com Ele Hoje? A resposta do cristianismo é que existe um
livro que nos traz o testemunho dos que estiveram com Ele. Essas pessoas viram,
ouviram e nos contaram o que Ele fez e disse.
Mas, o valor da Bíblia não está simplesmente no fato de
ela preservar essa letra escrita e nos informar da vida de Jesus. Antes, a obra
do Espírito Santo faz uma cousa que ninguém poderia imaginar. Quando lemos a
Bíblia o Cristo de quem ela fala salta de suas páginas e ainda hoje, vem ao
nosso encontro. Deus Mesmo nos fala e nos chama, e assim encontramos, de forma
pessoal, o nosso destino.
É evidente que nem sempre temos esta experiência. Podemos
ler e estudar a Bíblia durante anos sem que nada disto aconteça. A razão está
no fato de lermos a Bíblia com uma finalidade errada. Às vezes fazemos dela um
texto de ciência ou de história e a lemos para ver se é certo ou não o que ela
diz sobre esses assuntos. Ou pode ser que leiamos com um desejo meramente
intelectual de aprender de cor certo número de versículos ou conhecer o
conteúdo de um livro ou de alguns capítulos. Isto pode ser interessante, mas
não será de grande proveito.
Temos de ler a Bíblia com outro espirito. Ela é
supremamente a história do que Deus tem feito através dos séculos para nos
salvar e para redimir o mundo. Ela existe para nos trazer esta história e nos
confrontar com a vontade de Deus, para a nossa vida. Quando lemos a Bíblia
sabendo que o nosso futuro e o futuro do mundo dependem da nossa resposta às
ordens do Senhor, alguma cousa tem que acontecer: Deus nos fala; Cristo vem ao
nosso encontro; Deus nos revela o que Ele está fazendo e nos chama a dar a
nossa vida ao seu serviço. Ouvimos, compreendemos e resolvemos obedecer.
3.
O Deus que veio ao mundo em Cristo e nos encontra hoje através da Bíblia
estabeleceu um povo no mundo. Nós pertencemos a esse povo que é a Igreja e nele
encontramos orientação, estímulo e ajuda a todo momento.
O crente não tem de se orientar sozinho. Ele é chamado a
pertencer à comunidade que Deus estabeleceu. É através dela que Deus age no mundo,
e é através dela que Deus orienta e ensina. “Onde dois ou três estiverem
reunidos cm meu nome, ali estarei em meio deles”.
Portanto é nessa comunidade que o moço crente se orienta e
chega a compreender a vontade de Deus. A Igreja preservou a Bíblia através dos
séculos; ela põe a bíblia nas nossas mãos e nos ajuda a compreender a mensagem
do Evangelho. Além de tudo isto a igreja nos permite entrar em contato e
comunhão com outros crentes em Cristo de tal maneira que possamos nos ajudar
mutuamente a compreender melhor a mensagem de Cristo e segui-la. Para que isto
aconteça, porém, cada União de Mocidade tem de ser uma verdadeira comunidade de
moços que desejam ardentemente conhecer e obedecer a Jesus Cristo. Têm de se
reunir, não simplesmente para ouvir programas, mas para estudar seriamente os
seus problemas, permitindo que o Espirito Santo os oriente ao encontro do
caminho da verdade e da obediência.
A REVELAÇÃO DE DEUS EM CRISTO; O ENCONTRO COM ESTE DEUS
REVELADO ATRAVÉS DA BÍBLIA; A VIDA NA COMUNIDADE DE DISCÍPULOS DE CRISTO: Eis
aí os três pontos fundamentais da nossa orientação na fé cristã. Na medida em
que os seguimos encontramos uma base sólida e certa para o nosso pensamento e
poderemos enfrentar a desorientação e insegurança do nosso tempo com confiança
e convicção. Isto constitui o primeiro passo na revitalização do nosso
movimento.
PERGUNTAS PARA SEREM DISCUTIDAS NO GRUPO:
1. Até que ponto você tem certeza do que
crê?
2. Quem
tem convicções mais firmes: o moço crente da sua União de Mocidade ou moços
Espiritas, Adventistas e comunistas que você conhece?
3. Se estamos desorientados, quais são as
causas de nossa desorientação?
4. Poderão
os três pontos mencionados acima contribuir para nos dar melhor orientação? De
que maneira?
5. O que poderia fazer a sua União de
Mocidade para ajudar neste sentido?
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
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