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quarta-feira, 6 de junho de 2018

Protestantismo: Juventude Presbiteriana - Willie Humphreys Gammon (Billy Gammon)



“São estes apenas alguns dos pontos culminantes que vimos nesta rápida viagem — exemplo do que a mocidade organizada está realizando com o emprego de suas energias e talentos no trabalho do Mestre, — e que mais uma vez e mais do que nunca nos encheu de esperanças para q futuro de nossa pátria e da igreja”.
O trecho faz parte de um artigo de Billy Gammon no jornal Mocidade

A História do Protestantismo apesar do esforço que se tem feito nas duas ou três décadas ainda continua sendo quase que totalmente desconhecida. Apenas a ponta desse iceberg histórico protestante tem sido explorada, pouco ou quase nada, além disso.
No que tange ao presbiterianismo, um dos pioneiros ramos do protestantismo transplantado para o Brasil no final dos oitocentos, portanto, a mais de cento e cinquenta anos, não é uma exceção, mas ratifica a regra. E o mais agravante é que mesmo o pouco que tem sido pesquisado permanece escondido nas estantes, muito bem organizada e cuidada, das Universidades onde foram elaboradas para obtenção de graus de mestrado e doutorado de seus autores. Alguns temas conseguem atrair atenção das respectivas denominações, mormente temas que não exponha suas contradições, e são editadas. Todavia, essas obras acabam tendo um preço inibidor para os leitores populares e permanecem leituras “pastorais” ou dos iniciados nas academias universitárias. Nenhuma editora denominacional tem uma politica de literatura a baixo preço de modo a facilitar aquisição literária por parte da população menos favorecida; nenhuma dela tem uma politica de divulgação e incentivo à leitura voltada para as crianças, adolescentes e jovens semianalfabetos desta geração plugada nas mídias sociais, mas completamente alienadas do universo literário. Essas editoras denominacionais como todas as demais, precisam gerar lucros, caso contrário sem qualquer pudor elas terão encerradas suas atividades.
O desconhecimento de suas respectivas histórias, tanto nos aspectos positivos quanto negativos, empobrecem a capacidade pensante dos milhares de membros e suas respectivas lideranças. A história foi e continua sendo a melhor forma de exercitar a capacidade reflexiva das pessoas. Mas como acontece no contexto politico brasileiro, fica cada vez mais evidente que também não há interesse por parte dos comandos denominacionais que seus “irmãos” e “irmãs” sejam capazes de pensar por si mesmas. Alguns aspectos históricos denominacionais precisam permanecer no “esquecimento”, não por vergonha ou pudor, mas simplesmente porque podem despertar o interesse dos seus membros para temáticas “nocivas” e fomentar ações “perigosas” para o status quo denominacional, que tão arduamente tem sido estabelecido ao longo destas últimas décadas. E para aqueles que insistem em revolver velhos esqueletos, a porta da frente está sempre aberta para sairem e procurarem outros espaços religiosos ou acadêmicos, que sempre foi a forma mais simples e fácil de tratar estas situações “constrangedoras”. A jovem história do protestantismo no Brasil é um testemunho permanente desta forma de se tratar assuntos incômodos e contraditórios – a dissensão e ruptura eclesiástica, ou a simples saída dos inquietadores.
Uma das marcas distintivas das historiografias eclesiásticas oficiais é que seus temas e conteúdos devem sempre se harmonizar com o projeto eclesiástico oficial. Nada que possa arranhar ou insinuar algo diferente do que se estabeleceu na ortodoxia denominacional será aceita e produzida. Isso não significa que a historiografia oficial seja descartável como fonte histórica e nem se insinua aqui que os fatos ali registrados são falsificados ou distorcidos. Isto não se faz necessário, pela simples razão, de que nada será produzido que possa trazer qualquer constrangimento eclesiástico. A seleção de temas e personagens a serem abordados nesse tipo de historiografia é cuidadosa e exaustivamente selecionada, de maneira que sempre se produzira uma história concordante com o pensamento predominante denominacional.
A jovem missionária brasileira estadunidense Willie Humphreys Gammon, mais conhecida pelo diminutivo carinhoso de Billy Gammon, é uma entre centenas de outras figuras históricas, que foram lançadas no limbo historiográfico presbiteriano e do protestantismo brasileiro oficial.[1] Uma razão para ser “escondida” é o fato de que viveu e atuou no contexto conturbado das décadas 50/60. Ela como a maior parte da liderança de juventude deste período foi alijada por uma forte repressão institucional, como nunca visto antes e como não repetido até os dias atuais. A reação institucional eclesiástica foi na mesma proporção do tamanho imenso do movimento da juventude presbiteriana e protestante que se espalhou por todos os rincões brasileiros, nos grandes centros urbanos, mas também nas cidades periféricas e mesmo nos vilarejos interioranos brasileiros.
Ela nasceu em Lavras, Minas Gerais, em 1° de julho de 1916. Filha de Samuel Rhea Gammon[2] e Clara Gennet Moore Gammon,[3] missionários de origem estadunidenses que dedicaram suas vidas ao Brasil, completou na sua cidade natal os cursos primário (Escola Carlota Kemper) e secundário (Instituto Gammon).
Em 1987 terminou o curso superior nos Estados Unidos (St. Andrews Presbyterian College, North Carolina), com bacharelato em Letras. Na Drew University (Madison, New Jersey), em 1940, obteve o mestrado em Educação com a tese Contribuição dos colégios evangélicos para o desenvolvimento da educação no Brasil e, em 1971 (Universidade de Virgínia), tirou o grau de mestre em literatura americana com o tema The Brazilian poetry of Elizabeth Bishop — the growth of sympathy.
Billy Gammon completou sua formação com vários outros cursos e estágios, no Brasil e no exterior, tanto de especialização no idioma inglês (Universidade de Cambridge, 1966; São Paulo, 1972; Brasília, 1973) quanto em teologia (New York, 1939 e Instituto Ecumênico da Faculdade de Teologia da Universidade de Genebra, 1961).
Sua atividade profissional abrangeu os dois campos nos quais se preparou. Lecionou inglês em várias escolas e, entre 1965 e 1968; e a partir de 1972 ocupou a cadeira de língua inglesa e depois de literatura inglesa e americana no Centro Universitário de Brasília. Seu período de maior atividade no trabalho da igreja vai de 1946 a 1960. Entre 46 e 58 ocupou o cargo de secretária-geral da mocidade presbiteriana do Brasil, sendo responsável pelo planejamento, programação e orientação do trabalho da juventude presbiteriana em todo o país. De 1958 a 1960 trabalhou no Departamento da Mocidade da Confederação Evangélica do Brasil, onde exerceu atividade semelhante, agora em âmbito interdenominacional e ecumênico.
Como resultado de uma vida profissional eficiente e competente, Billy Gammon ocupou outros cargos, em entidades religiosas e seculares e recebeu alguns prêmios e bolsas, tendo ainda participado de vários congressos internacionais no Brasil, nos Estados Unidos e em diversos países da Europa e da América Latina. Foi preletora em diversas conferências no Brasil e no exterior, onde também publicou muitos artigos, destacando se, no Brasil, trabalhos em periódicos tais como o jornal Mocidade, a revista Cruz de Malta, a Revista da Mocidade e o jornal Brasil Presbiteriano, além dos programas para as Uniões de Mocidade, em publicação periódica.  
Influência Familiar
            Ela nasceu em uma família que respirava e aspirava uma fé evangélica protestante, mas também da cultura e inserção na sociedade brasileira. Seu pai Samuel Gammon foi um dos organizadores da União de Estudantes para o Trabalho Cristão em 1926, o primeiro grupo estudantil organizado do Brasil e participou do primeiro grande evento do Protestantismo voltado para América Latina: “Congresso da Obra Cristã na América Latina e/ou Congresso do Panamá” (local em que foi realizado o evento). E sua mãe que além de missionária, professora foi também escritora.      Seus pais iniciaram e mantiveram um dos colégios protestante mais profícuo e que permanece até os dias atuais – Colégio Gammon – um dos pioneiros na implantação de um currículo voltado para agricultura.
            Foi nesta atmosfera de uma amalgama genuína de piedade e cultura que a jovem Billy cresceu e se desenvolveu. Aqui o evangelho não era apenas conhecimento teológico, mas vivencial, expressada diariamente na vida comunitária e convívio fraternal entre missionários e membros da igreja, entre professores e alunos do Instituto e/ou Colégio.
Sua mãe escreveu uma biografia de seu pai e na narrativa compartilha um momento referente às expectativas com relação à pequena Billy:
“Muitas vezes o pai, vendo-a brincar dizia: ‘Que incontáveis possibili­dades não estão envolvidas na vida desta criança!’ Teria sido motivo de imensa satisfação para o pai se soubesse que essa filhinha estava destinada a prestar serviço relevante na Igreja Presbiteriana do Bra­sil. Era a Billy” (GAMMON, 2003. p. 127).
Formação Acadêmica
            Estudou em grandes universidades no exterior, conforme acima citadas, e também no Brasil (USP, UnB). Mas longe de ser uma formação acadêmica homogênea: além da teologia e educação, seu currículo tinha sociologia, artes (dança – sapateado). No Instituto Gammon leciona inglês, música e sapateado, inserindo pela primeira vez a dança no currículo escolar protestante[4].
            Evidente que este tipo de ousadia e novidade reproduziu um forte zunido por parte de muitos lidere eclesiásticos que a retratavam como “modernista” e “mundana”, mas ela sempre teve total e pleno apoio de seus pais e professores do Instituto, que sempre a motivaram.
Atuação Eclesiástica
            A Missão Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (PCUS) assumiu Billy como missionária no Brasil para trabalhar exclusivamente com a mocidade. Em pouco tempo os resultados começaram aparecer e passou a chamar atenção das lideranças presbiterianas. Pela primeira vez na história da IPB uma jovem vai assumir um cargo na direção nacional através da Secretária Geral da Mocidade Presbiteriana do Brasil.
Seu trabalho junto a juventude presbiteriana era intenso e fecundado com uma visão de integração entre a missão da igreja e inserções essência do Evangelho, uma ação cristã alienada da sociedade.
Evidente que Billy encontra uma caixa de ressonância na liderança da juventude presbiteriana que naquele momento se compõe da segunda e terceira geração de protestantes no Brasil e que também estavam sensíveis a um espírito cooperativo entre todos os segmentos evangélicos brasileiros com o intuito de influenciar de forma mais contundente a Sociedade brasileira. Dentre os quais podem ser nomeados os jovens Paulo e Waldo César (fundadores do jornal Mocidade), os netos de Belmiro de Araújo César (primeiro pastor brasileiro do Nordeste), e Paulo Rizzo, neto de Miguel Rizzo,[5] outro líder brasileiro da primeira geração, e que anteriormente a eles já defendiam um evangelho mais atuante e fecundo na Sociedade brasileira.
Pela extensão continental do Brasil Billy viajou mais de 3.500 km, no espaço de apenas um mês, no avião da Missão Presbiteriana, o Arauto do Evangelho, percorrendo as igrejas nos confins de Minas e Bahia, estimulando e organizando as atividades da juventude presbiteriana. De acordo com Paul Pierson, também missionário presbiteriano no Brasil, sob sua liderança, o movimento jovem presbiteriano brasileiro “cresceu de 150 sociedades [UMPs] para 600, com aproximadamente 17.000 membros em 1958” (Picrson, Younger Churchy, p. 214). Billy era então secretária do trabalho da mocidade presbiteriana; e esta viagem, como tantas outras, e tantos congressos, ela realizava com vigor e entusiasmo. O testemunho de Waldo César nos ajuda a compreender a razão de todo esse seu desprendimento e dedicação: “Sua esperança numa juventude que vivesse não só para a igreja, mas para a pátria (que ela cita em primeiro lugar), foi sempre a sua maneira coerente de viver e de esperar”.
Desencontros Eclesiásticos
            Mas os tempos no Brasil estavam mudando rápido e radicalmente. Nos primeiros anos da década sessenta haveria a intervenção militar e as lideranças eclesiásticas protestantes evangélicas dariam respaldo ao governo imposto, de maneira que qualquer pensamento divergente precisava ser extirpado das respectivas denominações, como um câncer necessita ser tirado do corpo para não contaminá-lo completamente.
            Na mesma medida em que Billy conduzia a juventude presbiteriana, organizada de forma nunca vista, tendo na sua Confederação o seu núcleo gerador, para um Evangelho atuante na Sociedade, proporcionalmente as lideranças eclesiásticas presbiterianas se alertavam. O jornal Mocidade era a caixa de ressonância dessa juventude, com seus artigos questionadores da ordem vigente e suas propostas pouco ortodoxas de vivência evangélica. O Rev. João Dias de Araújo, que vivenciou toda essa trajetória ao lado de Billy e que sofreu juntamente os revezes eclesiásticos em decorrência dessa postura, lembra a pauta editorial do jornal:
I. Evangelização; 2. Estruturação do trabalho da mocidade: 3. Pro­blemas sociais - três eram os problemas debatidos amplamente: a. Analfabetismo. O jornal fez uma campanha conclamando os jovens para livrar a pátria deste inimigo - o analfabetismo, b. A guerra, c. Ação Social. 4. Ecumenismo - os jovens se entusiasmaram pelo movi­mento ecumênico. 5. Política - o jornal dava grande importância ao dever de votar nas eleições e combatia fortemente a ditadura que foi implantada por Getúlio Vargas. 6. Recreações - diversão dos jovens crentes. 7. Problemas da Igreja (ARAÚJO, 1982, p. 22-23).
Billy os envolvia em um mundo mais amplo da literatura[6] e Congressos internacionais. O jovem e líder Waldo Cesar e outros três brasileiros participaram do Primeiro Congresso Latino-Americano de Jovens em Havana, Cuba, em 1946. No ano seguinte (1947) Cesar e sete jovens brasileiros de outras denominações foram delegados ao Congresso Internacional da Juventude Cristã em Oslo, patrocinada pela Federação Cristã de Alunos do Mundo. Impactados e transpirando mudanças ao voltarem para o Brasil, eles agem como verdadeiros evangelistas – reproduzindo suas descobertas a partir da Conferência por todo o país.
            Sob a liderança de Billy multiplicava-se os retiros, conferências, seminários e congressos por todo o país. Além da temática bíblico-teológica soma-se os temas sociais tocando nas chagas abertas e pútrida resultantes da política populista de Getúlio Vargas e o desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, ambas as políticas responsáveis diretas pela multiplicação dos bolsões de miserabilidade ao redor dos grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, incluindo a então recém-inaugurada capital nacional Brasília.
            A juventude presbiteriana atuava fortemente em diversas instituições interdenominacionais como a Confederação Evangélica Brasileira (CEB), a União Cristã de Estu­dantes do Brasil (UCEB),[7] com a Associação Cristã de Acadêmicos (ACAs) e ainda nascente União Nacional de Estudantes (UNE)[8].
            Mas todo esse esforço por mais de uma década estão com seus dias contados. A jovem Paulina Steffen que caminho lado a lado com Billy por esta longa jornada, em depoimento oral, nos oferece uma visão do que estava acontecendo e do que viria acontecer:
Foi Billy, juntamente com Dr. Richard Shaull, quem estruturou e ex­pandiu para todo o Brasil o trabalho de reflexão bíblica e teológica com a juventude presbiteriana e com estudantes cristãos. Ela e Dr. Shaull ensinaram-nos a ler e interpretar a Bíblia. Aprendemos uma outra forma de exegese bíblica e uma metodologia de trabalho reflexi­vo e participativo. Os líderes da Igreja Presbiteriana, o Supremo Con­cílio não apoiavam a atuação da Billy. Os dirigentes da Igreja Presbi­teriana não aceitavam a forma democrática como a Billy lidava com os jovens. Ela tinha uma saúde frágil e trabalhava muito em situação precária. A direção geral da igreja não criou para ela um lugar ade­quado para seu trabalho. Só muito tempo depois, ela conseguiu um espaço, numa sala na Rua Alzira Brandão n° 35, no Rio de Janeiro. Ela fazia relatório de seus trabalhos, mas eles não aprovavam seus relatórios. Ela trabalhou muito. Nós tínhamos um arquivo da mocida­de com todos os jornais encadernados, documentos e atas. Tudo foi destruído (apud, Sinner, Wolff e Bock [Orgs], 2006, p. 34).
Mas as questões envolvendo a Mocidade evoluem rapidamente, documentos começam a subir dos concílios presbiteriais (responsável pela jurisdição das igrejas locais) de diversos lugares do país, para o Supremo Concílio. A exoneração de Billy Gammon da Secretária Nacional de Mocidade foi o primeiro passo para uma intervenção, em seguida vem a censura e encerramento do jornal Mocidade e por fim, a Comissão Executiva, composta pela Diretoria do Supremo mais os presidentes dos Sínodos, reunida em fevereiro de 1960 resolve “reestruturar” (extinguir) a Confederação Geral da Mocidade:
“Quanto ao relatório do Secretário Geral da Mocidade, encaminhando plano de reestruturação da Mocidade, bem como parecer sobre o Departamento Estudantil, a Comissão Executiva resolve: (1) Aprovar o relatório, expressando ao Secretário a apreciação desta Comissão Executiva pelo trabalho assíduo, consciencioso e competente com que orientou a Confederação da Mocidade Presbiteriana. (2) Convocar uma reunião de presidentes de Sínodos e Secretários Sinodais da Mocidade para elaborarem um anteprojeto de reestruturação da Mocidade Presbiteriana do Brasil." (CE-60-01).
Finalmente em 1962 a Confederação Nacional de Mocidade foi extinta oficialmente, as Federações sofreram forte intervenção e as UMPs ficaram restritas às suas atividades religiosas recreativas. Todas as lideranças envolvidas nessa longa trajetória foram afastadas ou simplesmente optaram por sair, permanecendo somente aqueles que ortodoxamente se ajustavam ao pensamento vigente da liderança eclesiástica da IPB.
Sem espaço na IPB Billy trabalhou na Universidade de Brasília na área de Ciências Sociais. Envolveu-se com a Associação Bíblica Universitária (ABU), mas aqui encontra resistência por parte de jovens evangélicos que opõe à participação de jovens católicos e membros da UNE nas reuniões de estudo bíblico. Monitorada permanentemente pelo governo militar foi afastada da UnB, mas continua lecionando agora no Centro de Ensino Universitário de Brasília (CEUB) e atuando em diversos projetos sociais.
Billy continuou seu trabalho ecumênico, lutou pela unidade dos cristãos e por uma igreja cristã mais identificada com os princípios ensinados por Jesus Cristo em favor dos oprimidos; acreditou que era preciso conhecer a realidade e buscar transformá-la; que era necessário mudar estruturas, rumos da política e da economia para criar novas condições de vida digna para o sofrido povo brasileiro. Foi solidária com os que sofriam discriminações; defendeu jovens que eram reprimidos pela igreja e os que eram presos, torturados pela ditadura militar. Sua voz profética levantou-se diante das estruturas opressoras do Estado e da igreja. Inconformados, eles tentaram apagar os registros sobre a atuação da Billy junto à juventude da Igreja Presbiteriana do Brasil, seu trabalho como educadora, orientadora em diversas instituições do Brasil e da América Latina.
Billy Gammon defendeu os pobres, oprimidos, injustiçados e não se conformou com o poder ditatorial da igreja nem dos militares. Devido a suas posições, foi perseguida até à morte (Sinner, Wolff e Bock [Orgs], 2006, p. 36).
Testemunhos Sobre Billy Gammon
Para Jaime Wright ela amava intensamente pessoas quer fossem das igrejas ou fora delas. E isso fica evidente quando cerceada de poder exercer suas atividades dentro de sua instituição eclesiástica, ela passou a cooperar com um grupo de cristãos interdenominacionais em Brasília, prestando serviço às favelas que existem à margem daquela cidade suntuosa, através da Ação Cristã Progente,[9] ajudando na descoberta de uma expressão da preocupação cristã pelos marginalizados deste país.
Ela tinha prazer em reunir pessoas mesmo que em seu pequeno apartamento em Brasília. E nas palavras de Alpina Gonzaga: “Ela sempre dizia: vamos nos reunir! Nem ela soube, acho eu, o quanto penetrou no mundo fora da igreja”.
O rev. Domício P. Mattos e diretor do jornal oficial da IPB (Brasil Presbiteriano), um dos poucos que deu apoio à jovem e destemida missionária, compartilha: “Caminhamos juntos um bom pedaço, mas não conseguimos ir muito longe.. . Fomos marginalizados. Primeiro Billy, no trabalho da Mocidade, depois nós, na imprensa oficial. Encontrei-me com Billy muitas outras vezes em congressos internacionais e reuniões de estudos. Ela lutava ainda pela renovação: queria a Igreja envolvida nos problemas do homem, operando com Cristo na sua libertação”.
A sua segunda vocação era o campo universitário, no qual atuou com a mesma dedicação, competência e amor: Como fica evidenciado nos testemunhos abaixo inseridos:
Preparou-se na igreja para servir ao mundo — para o qual a igreja existe. No mundo fora da igreja Billy dedicou-se com seriedade à universidade. Romildo Bueno de Souza.
Sua fragilidade era aparente. No fundo Billy era uma fortaleza, era capaz de lutar obstinadamente, se necessário, para alcançar aquilo que nem sempre estávamos vendo. Era capaz de arriscar-se pela sua visão de um novo mundo, de um novo estado de coisas. E assim Billy ultrapassou o seu tempo e o seu espaço — como os heróis mencionados na carta aos Hebreus — e serviu à igreja, à universidade e às pessoas. Jether Ramalho
Eu sei que a professora Willie exigia que a turma se esforçasse; e até mesmo ela era às vezes severa. Mas em tudo que fazia transmitia amor, bondade e principalmente ela era muito humana. (De uma estudante).
No final deste primeiro semestre de Literatura Inglesa desejamos expressar nossa profunda gratidão pelos ensinamentos recebidos. Estávamos desencorajados e fomos fortalecidos; estávamos sem esperança, mas tivemos nossa confiança renovada; nossa falta de ânimo foi recuperada pela fé que nos deu, fazendo-nos crer na nossa pró­pria capacidade, restaurando-nos a confiança que havíamos perdido há tanto tempo. Muito obrigado por tudo isto, profª Willie. (Carta de uma estudante)
As palavras de Roberto Villaça, carregadas de dor e lamento pela amiga falecida, realça seu aspecto sempre agregador: “Antigos companheiros do trabalho da mocidade, amigos de São Paulo, Brasília e Rio, hoje se reúnem aqui, pessoas que não se encontravam há tanto tempo. Billy sempre nos reuniu — e agora, vinte anos depois, estamos de novo juntos por causa dela. O motivo é triste, mas o encontro é alegre, porque ela sempre foi motivo de alegria para todos”.
A humildade, uma característica cada vez mais rara em líderes evangélicos, se destaca no árduo ministério dela em formar novas lideranças: “O que posso testemunhar nesta hora — entre tantas coisas que poderiam ser ditas — era a sua preocupação em descobrir e em preparar lideres. E Billy conseguiu, nas suas viagens pelo Brasil, descobrir essas pessoas — o que fazia com humildade e sem pensar em si mesma. . . . Sua preocupação era comunitária e ecumênica” Guaracy Maranhão.
Seu tempo à frente do trabalho da mocidade presbiteriana marcou positivamente a vida desta juventude: “O que vale mais para mim, neste momento, é relembrar a personalidade de Billy; e o que ela significou para nós. Na tristeza, temos a alegria de haver trabalhado com Billy no seu tempo na mocidade presbiteriana” Carlos Luiz Dias.
È preciso coragem para amar e servir: “Billy Gammon teve coragem de amar — e muitas vezes arriscou a sua vida e segurança pessoal para ajudar a outros. E teve coragem para servir. E capacidade de sofrer para amar e servir” Eudaldo Silva Lima.
A paciência genuína é aquela que consegue olhar para frente, na expectativa de que as coisas irão mudar positivamente: “Billy deu o seu testemunho em condições nada estimulantes — disto dou testemunho; e da sua fidelidade e paciência da esperança e da doação de si mesma; a paciência, sobretudo, de ver para a frente” Paulina Steffen.
Com a sua morte prematura e envolvida em mistério, quando foi atropelada em uma rua escura em Brasília e ali deixada por horas sem socorro, a IPB, os evangélicos protestantes e o Brasil ficaram mais pobres. Poucos foram os evangélicos brasileiros que amaram e serviram até as últimas consequências o povo sofrido desta nação. Raros são aqueles evangélicos que de fato abrem mão do conforto protetor de uma instituição eclesiástica, para encarnar a mensagem evangélica em perfeita sintonia com a pessoa e mensagem de Jesus Cristo.
Nestes dias em que um evangelicalismo materialista-hedonista tem se sobressaído no Brasil, resgatar a memória de Billy Gammon torna-se relevante e necessário. O Brasil e o protestantismo brasileiro continuam carentes de pessoas como Billy, que consegue olhar para o outro em vez de olhar para si mesma; que consegue colocar os outros, antes de si mesma; que está disposta a morrer para si mesma em favor daqueles pelas qual Cristo morreu na cruz, para que tivessem vida e vida em abundância.
Seu sepultamento foi um marco histórico no protestantismo evangélico brasileiro. Não era possível fazer um único oficio fúnebre por isso com a presença de seus irmãos Alice Gammon Coriolano e Audley Gammon, foram realizados três ofícios: em Lavras (24-9-74), em Brasília (3-10) e no Rio (1-12) — lugares onde morou por mais tempo e que deixou impressões profundas na vida de centenas e milhares de pessoas e formou uma rede de amigos. Foi sepultada no dia 24 de setembro em Lavras (MG), retornando não como heroína, mas simplesmente como a filhinha de Samuel e Clara Gammon.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/


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CEI documento 59 novembro 1974 (edição especial) BILLY GAMMON (WILLIE HUMPHREYS GAMMON).




[1] O historiador oficial da IPB Rev. Alderi Matos tem feito um esforço grande em resgatar os personagens presbiterianos. Ele faz uma sintética referência a Billy Gammon apenas no que se refere à sua filiação aos pais que foram missionários pioneiros e sua atuação institucional na IPB. Mas se houver interesse em conhecer a abrangência da atuação desta jovem presbiteriana é necessário procurar em obras interdenominacionais.
[2] O Rev. Gammon foi casado anteriormente com Willie Brown Humphreys, que faleceu em 1908, e tiveram uma filha Mary Elizabeth que casou com o Rev. Augustus Lee Davis e foram missionários no Brasil.
[3] Foi a segunda esposa do Rev. Gammon e tiveram cinco filhos: além de Billy, Alice Gennet, Adudley Anderson, Joseph Moore e Richard Rhea. Alice e Billy atuaram como missionárias nos período de 1934-1940 e 1940-1963 e seus irmãos Joseph e Richard pastorearam nos Estados Unidos.
[4] Uma das razões pelas quais as denominações protestantes mantiveram-se alheias à Sociedade brasileira, foi sua dicotomia equivocada e sem fundamentação bíblica da mensagem evangélica e as artes. Ao abandonar toda e qualquer influência nas artes brasileiras, ofereceu-a gratuitamente à outras mentalidades que dela se apropriaram e moldaram à suas imagens e semelhas, de maneira que hoje colhemos os frutos amargos desta nefasta dicotomia.
[5] Foi aluno do Prof. Rev. Erasmo Braga herdando dele sua cosmovisão da cooperação interdenominacional. Foi um dos fundadores do Instituto de Cultura Religiosa, que tinha por objetivo atingir, com os princípios evangélicos, aquelas pessoas que dificilmente entrariam numa igreja, principalmente protestante. O Instituto publicou as revistas Fé e Vida e Unitas durante muitos anos. A iniciativa dessas publicações era de presbiterianos, mas refletia a intenção de colher nas diversas denominações protestantes o reflexo do pensamento evangélico brasileiro e promover a cultura espiritual. Exerceu por duas vezes a presidência do Supremo Concílio da IPB.
[6] Nesse momento nasce no Brasil a Associação de Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE), que irá municiar os estudantes de teologia e toda essa juventude com uma literatura teológica europeia pós segunda guerra mundial: Karl Barth (1886-1968), de Paul Tillich (1886-1965), Emil Brunner (1889-1966), Reinhold Niebuhr (1892-1971) e Dietrich Bonhoeffer (1906-1945). Mas nenhuma outra se ajustou tão perfeitamente ao momento dessa juventude protestante do que a Teologia do Evangelho Social de Rauschenbusch que moldou o senso de justiça social dos diversos grupos, em especial da UCEB, que tinha seu expoente maior na figura carismática de Richard Shaull.
[7] Esse organismo interdenominacional que inicia seus primeiros passos no Metodismo e ganha corpo no Presbiterianismo, era um movimento estudantil autenticamente protestante. Se em sua fase inicial (1920-1940) era uma ênfase na conversão, a partir da década de cinquenta a ênfase será na questão social em decorrência dos abalos sísmicos pós-segunda guerra mundial.
[8] A o se ver esvaziada da influência evangélica esse organismo tornou-se um centro de proliferação de um discurso socialista esquizofrênico que perdura até os dias atuais. Mas a culpa não é deles é nossa, pois ao tirar o sal que a preservava apenas seguiu o curso natural da deterioração e decomposição.
[9] Este projeto social iniciou-se quando o Rev. John Miller começou a dar assistência a mais de trinta mil famílias que foram retiradas das invasões, próxi­mas ao Plano Piloto, e levadas para cidade-satélite Ceilândia.

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