Baia da Guanabara vista pelos primeiros missionários americanos |
O resultado prático destas
duas tentativas frustradas e se inserir um protestantismo à base de invasões,
foi que os portugueses e seu catolicismo romano ilustrado fecharam
completamente o Brasil para toda e quaisquer influências religiosas externas,
que somente foram reabertas nos fins dos oitocentos, ou seja, quase trezentos
anos depois dos movimentos reformistas que mudaram completamente a Europa.
Portanto, o protestantismo que chega aqui no Brasil não é o mesmo de Lutero,
Calvino e seus companheiros dos primeiros anos da Reforma Protestante, mas um protestantismo
que passou a infância e adolescência na Inglaterra e sua fase adulta na América
vizinha do Norte. No final dos oitocentos serão, portanto, missionários
advindos dos EUA que aportaram no Brasil, trazendo em suas bagagens um
protestantismo moldado pelos conceitos denominacionais americanos.
Frustrados com a Reforma da
Igreja inglesa, os dissidentes, denominados deforma geral de Puritanos, entre
eles os Presbiterianos, que por anos aspiraram o desejo de ver a Igreja da
Inglaterra (Anglicana) moldada segundo seus ideais teológicos e eclesiásticos,
com a ascensão de Carlos II e o restabelecimento do sistema episcopal, veem
suas expectativas desvanecer e ceder lugar a um total desapontamento, que os
impulsionam a começar algo novo. Assim, a transferência dos Presbiterianos e
demais não conformistas para o Novo Mundo foi o fator isolado mais importante na
modelação dos fundamentos religiosos da América do Norte, onde haverão de
encontrarem um ambiente profícuo para se estabelecerem e expandirem.
Os diversos grupos
separatistas ingleses e sua transposição para os Estados Unidos está totalmente
envolta na pré-disposição de separar-se do Anglicanismo e posteriormente
separar-se da própria Inglaterra no movimento de Independência americana.
Estas igrejas independentes,
mais particularmente o trio: presbiterianos, congregacionais e metodistas
forjaram os característicos distintivos, a forma e o poder do Protestantismo
americano, que posteriormente irá expandir-se sobre um número crescente de
países, incluindo o Brasil.
Desde o século XVII o
calvinismo já estava estabelecido na América do Norte, em Massachusetts nas
cidades de Plymouth, em 1620, e Salem e Boston, em 1630, mas o sistema de
governo era congregacional e não presbiteriano.
Mas, a partir de meados do século
XVIII milhares de presbiterianos, mais acentuadamente de origem escocês-irlandeses,
desembarcaram na América do Norte, alcançando um número expressivo de 250 mil
imigrantes que atravessaram o Atlântico até 1775. Estabeleceram-se em cidades
como Nova Jersey, Pensilvânia, Maryland, Virgínia e nas Carolinas. A cidade de
Pittsburgh, ao oeste da Pensilvânia, ostentou o título da cidade mais presbiteriana
dos Estados Unidos. A relevância destas informações peculiares está no fato de
que os primeiros missionários presbiterianos a aportar em terras brasileiras
são originários da região da Pensilvânia, incluindo o Rev. Ashbel Green Simonton o
pioneiro entre eles.
Após um longo período em que
as igrejas presbiterianas permaneceram dispersas, em 1706 constituiu-se o
primeiro Presbitério[1]
na Filadélfia e em 1717 organiza-se o primeiro Sínodo composto por quatro
presbitérios. Em 1729 adota-se oficialmente a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster como
padrão doutrinário. Para não fugir à regra de 1741 a 1758 os presbiterianos se dividiram por
causa de diferenças acerca do avivamento e da educação teológica. A chamada Nova Escola (New
School), apoiada pelo Sínodo[2]
de Nova York, era aberta para as influências congregacionais que promoviam o chamado
movimento de reavivamento, onde se enfatizava a livre escolha do ser humano
para aceitar ou rejeitar a mensagem do evangelho e/ou a salvação. O outro grupo
denominado de Velha Escola (Old
School), apoiada pelo Sínodo de Filadélfia, arraigados ainda nos ideais
teológicos dos imigrantes escocês-irlandeses, defendia a todo custo os símbolos
de Fé de Westminster e extremamente rígidos quanto as suas estruturas
eclesiais. (MATOS, 2000, pp. 31-34; HAUCK, 1985, pp. 244-245).
Outra divisão que deve ser
destacada é a que ocorre em 1857 e 1861, causada pela questão da escravidão. As
igrejas presbiterianas do Sul,
tanto da Nova quanto da Velha Escola, apoiaram
a continuidade da escravidão, de maneira que rompem com as igrejas
do Norte, que defendiam a liberdade de todo tipo de escravidão. Esta ruptura
produziu as duas principais denominações presbiterianas americanas: a Igreja do
Norte (PCUSA)
e a Igreja do Sul (PCUS).
São estas duas denominações que haverão de enviar os primeiros missionários
presbiterianos ao Brasil – Ashbel G. Simonton em 1859 (PCUSA) e Edward Lane e
George N. Morton em 1869 (PCUS). Certamente que está bifurcação denominacional
americana haverá de se reproduzir em sua transplantação no campo missionário
brasileiro.
É preciso destacar um aspecto importante
que é o conceito de “denominação”
que vai ser amplamente estabelecido e difundido. A ideia é de que a verdadeira
igreja não pode ser enclausurada em uma única forma eclesiástica, de maneira
que cada forma eclesiástica diferente é uma parte da verdadeira igreja e que a
somatória de todas elas expressa a Igreja verdadeira.
Diferentemente das missões
europeias que Troeltsch chama de “igreja oficial”
onde as missões fazem uso da infraestrutura colonial para implantar e expandir
suas ações; nas missões norte americanas cada denominação forma sua própria
Agência Missionária, que prepara, envia e sustenta seus missionários, que por
sua vez implantam as respectivas denominações nos países a que foram enviados.
Tudo isso já estava
embrionariamente gestando nos escritos de Lutero e de Calvino. O primeiro
declarava que a diversidade institucional era inevitável nesta terra, e que “nesta vida a igreja não é adequadamente entendida em
relação a essas questões”; igualmente Calvino declara que é impossível
traçar fronteiras precisas para a igreja de Cristo, pois não é possível
detectar com total exatidão os que realmente são eleitos de Deus. (SHELLEY, 2004,
p. 34).
Mas é na América do Norte que
este conceito denominacional alcança seu ápice, pois naquele momento histórico
era uma resposta “divina” para a multifacetada fé cristã experimentava no Novo
Mundo.
Entretanto, apesar de o
conceito denominacional ter sido adotado amplamente, como já foi mencionado,
todas as vezes que divergências surgem na área teológica ou eclesiástica, a
primeira reação é sempre a de suprimir, pois prevalece o antigo conceito de que
somente pode haver uma forma verdadeira de se expressar a fé cristã e,
portanto, de ser igreja, tornando a convivência harmoniosa com as diferenças
inaceitável, forçando à única outra possibilidade – a ruptura.
Por fim, mas não menos relevante está o fato de que nesse
período histórico um forte movimento espiritualista esta penetrando as
denominações evangélicas americanas, chamado de Pietismo. Os pietistas tem uma visão dicotômica de Igreja X Mundo, de maneira que qualquer
coisa que tenha jeito ou forma de mundanismo deve ser rejeitado (talvez explique,
em parte, o espírito alienante social do protestantismo histórico brasileiro).
Paralelamente o movimento pietista atua fortemente numa vida cristã/espiritual mais
profunda em sua relação com Deus e na pregação da mensagem evangélica de
conversão (revival). Os missionários americanos que
estabeleceram as primeiras denominações protestantes no Brasil são filhos
legítimos dessa visão de mundo e do "revival" ocorrido nos Estados
Unidos, no século XIX. O caso mais peculiar é a do
pioneiro Ashbel G. Simonton. O jovem Simonton experimenta com toda intensidade
a força da conversão produzida pela pregação dos revivais característico da Escola Nova, mas toda sua formação
teológica e seu envio como missionário foi feito por meio de uma igreja da Escola Antiga. Desta maneira, o presbiterianismo
brasileiro nasce com uma forte ambiguidade,
tendo uma pregação espelhada nos revivais, centrada no apelo à conversão
através de uma experiência de fé pessoal (Escola
Nova), amplamente manifestada nos púlpitos e uma tendência ortodoxa,
conservadora (Escola Velha),
entrincheirada nos Seminários e nas estruturas conciliares, que vai desenvolver
um forte espírito autoritário. (MENDONÇA e VELASQUES, 1990).
A relevância destas informações, está no fato, já
mencionado, que os primeiros missionários no Brasil saem deste contexto
fragmentário do presbiterianismo americano.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
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Reflexão Bíblica
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VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão
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[1]
Na estrutura eclesiástica federativa presbiteriana cada igreja local compõe seu
Conselho; um grupo de igrejas, mormente da mesma região geográfica, formam um
Presbitério que passa a ter jurisdição sobre elas.
[2]
Alguns Presbitérios formam um Sínodo, que passa a ter jurisdição sobre eles,
assim como ocorre com o Presbitério em relação às Igrejas.
Gostei da publicação.
ResponderExcluirGrato! Sendo possível divulgue esse blog em suas redes sociais.
ExcluirGrato! Sendo possivel divulgue o artigo.
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