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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

CRISTIANISMO PRIMITIVO

A expressão “Cristianismo Primitivo[1] produz algumas discussões acadêmicas. O que poderíamos denominar de fato como sendo o “Cristianismo Primitivo”? Qual seria realmente a delimitação temporal desse período? Entre os diversos estudiosos não há uma única resposta, portanto, expresso aqui apenas uma dentre outras possibilidades para compreendermos melhor o que chamamos de “Cristianismo Primitivo”.
            O termo “cristianismo primitivo” foi usado pela primeira vez por J. B. Basedow em 1979 referindo-se ao cristianismo “original, autêntico”. Posteriormente a expressão tornou-se independente da história da igreja, como sendo algo distinto dela. No século XIX debatia-se muito se o “cristianismo primitivo” seria ou não um modelo ideal para todas as igrejas no transcorrer do tempo.
Sem dúvida alguma, a expressão nos arremete aos primórdios do cristianismo, tendo como ponto de partida as literaturas canônicas neotestamentárias. Mas essas informações cobrem tão somente a segunda parte do primeiro séculos e nos fornecem apenas um estrato do que realmente estava acontecendo, visto que a mensagem cristã alcança em pouco tempo todo o território do império Romano, proliferando comunidades cristãs em toda parte. A partir de Antioquia, segundo evangelista Lucas,[2] eles passaram a serem denominados de cristãos e por extensão suas comunidades posteriormente se constituirão no que veio a ser denominado de cristianismo (Χριστιανισμός), mas esse termo somente foi utilizado pela primeira vez por Inácio de Antioquia em 107 d.C., para definir o sistema e a prática dos cristãos ou da igreja cristã pelos quais estavam sendo perseguidos injustamente; usa também para distingui-lo do judaísmo e por fim aquela fé verdadeira que requer uma vida que corresponda a essa verdade.[3]
            Entretanto, o cristianismo, mormente usado no singular, nunca foi um movimento uníssono e homogêneo,[4] pois desde seus primeiros movimentos há discordâncias em suas ênfases e posteriormente na interpretação de suas principais doutrinas. Nas correspondências paulinas e demais encontramos os apóstolos preocupados que as mais diversas discrepâncias que foram se desenvolvendo paralelamente e muitas vezes dentro das próprias comunidades cristãs. O que chamamos de ortodoxia cristã, que se refere ao conjunto de dogmas estabelecido pela igreja cristã, é algo posterior e que haverá de ser forjado na bigorna dos embates e discussões das lideranças eclesiásticas e mais tarde conciliares.
            A periodização[5] do Cristianismo Primitivo também não encontra uma conciliação entre os diversos historiadores cristãos. Como em toda história, as permanências e mudanças estão sempre presentes e interagindo mutuamente, ora se opondo, ora se articulando. Desta forma, há aqueles que optam por uma compreensão mais ampla desse período, perpassando pelo estabelecimento do cânon cristão e controvérsias trinitárias de maneira que é possível esticar até o quinto século. Alguns preferem tomar como referência para conclusão desse período o Concílio de Calcedônia (451), onde as questões cristológicas foram ao menos equalizadas. Outros optam por ampliar até 604 no Ocidente quando do falecimento do papa Gregório, o Grande e até 749 no Oriente, com a morte de João de Damasco. Todavia, há aqueles que preferem o oposto e define como “Cristianismo Primitivo” tão somente o período neotestamentário e quando muito o segundo século da era cristã. Seguindo a periodização mais ampla podemos subdividi-la em três períodos: apostólico (dos primórdios neotestamentário até Clemente, bispo de Roma (95 d.C.); pré-Nicéia e pós-Nicéia. O primeiro concílio ecumênico de Nicéia, convocado pelo imperador Constantino (325 d.C.), se constitui determinante para essa periodização por definir polêmicas teológicas (cristológicas), mas também porque demarca a ascensão do cristianismo sobre o paganismo no império Romano e que efetuaria profundas mudanças da sociedade da época.
            A relevância do estudo deste primeiro período do Cristianismo Primitivo está justamente no fato de que é no transcorrer destes primeiros séculos que o Cristianismo se definira como religião e moldará a forma e limites da Igreja Cristã. É aqui que seus cânones serão definidos e mesmo os Reformadores no século XVI a eles voltaram em seus esforços de resgatar a Igreja Cristã de seu caos teológico-eclesiástico.
            A partir de Nero, perpassando alguns séculos e muitos imperadores, se empreendeu todos os esforços para que esse cristianismo fosse destruído e esquecido. Líderes cristãos foram mortos das formas mais brutais; suas literaturas queimadas periodicamente; suas comunidades espoliadas com lei ou mesmo sem leis; mas esse Cristianismo permaneceu, para que no século XXI fosse completamente esquecido e totalmente ignorado, justamente por aqueles que deveriam preservá-lo e perdurá-lo. O que nem mesmo os mais cruéis imperadores romanos conseguiram fazer, os cristãos dos dias atuais fazem com sua indiferença e ignorância. Assim como o jovem pródigo, desperdiçou toda sua riqueza se banqueteado e se prostituindo, os cristãos tem persistentemente feito com a herança recebida do Cristianismo Primitivo. Mas, assim como aquele jovem, quando experimentando a mais intensa miséria, chora amargamente e toma a resolução de retornar à casa do Pai, assim será com os atuais cristãos, que quando se aperceberem da real miséria espiritual que estão vivendo, haverão de arrependidos, retornarem às fontes saudáveis daquele cristianismo que apesar de enfrentarem os mais duros embates internos e externos, permaneceu fiel às suas origens e fundamentos evangélicos. 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
ARAÚJO, C. B. R. de. A igreja dos Apóstolos: Conceito e forma das lideranças na Igreja Primitiva. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.
CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 2008.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. v. 1. São Paulo: Hagnos, 8ª ed., 2006.
ERDMAN, Charles R. Hechos de Los Apóstoles. Ed. TELL, 1974.
GONZÁLEZ, J. L. História ilustrada do cristianismo. A era dos mártires até a era dos sonhos frustrados. 2. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2011.
HINSON, E. Glenn e SIEPIERSKI, Paulo. Vozes do cristianismo primitivo. São Paulo: SEPAL, ano?
KEENER, Craig S. Comentário Bíblico Atos: Novo Testamento. Tradução José Gabriel Said. Belo Horizonte: Editora Atos, 2004.
LATOURETTE, K. S. Uma história do cristianismo. São Paulo: Hagnos, 2007.
VEYNE, P. Quando nosso mundo se tornou cristão (312-394). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.




[1] Alguns autores referem-se a esse mesmo período optando por outras nomenclaturas: cristianismo antigo; cristianismo pré-niceno.
[2] Além do livro de Atos, escrito pelo evangelista Lucas, temos Josefo, um historiador judeu que escreveu em grego, Tácito, Suetônio e Plínio, o Jovem, como as primeiras testemunhas não-bíblicas que fazem referência aos cristãos.
[3][3] Atualmente a expressão “cristianismo” é utilizado para distingui-lo de outras expressões de fé como o judaísmo e o islamismo, bem como contraponto há outros “ismos”, como o humanismo, marxismo. 
[4] Esta polissemia de sentidos e significados resultou em que os historiadores passaram a se utilizar do termo plural “cristianismos”, para melhor ilustrar o contexto histórico. Uma “unificação” ocorre a partir do século IV e perdura somente até o século XVI, quando eclode a Reforma Protestante, revelando novamente a pluralidade inerente do movimento cristão.
[5] A divisão cronológica da história, tal como conhecemos hoje, foi desenvolvida a partir do século XIX. Visava facilitar o estudo das ações do homem através dos tempos, sendo baseada então no calendário cristão, uma vez que foi criada a partir da cultura europeia Ocidental greco-romana.

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