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terça-feira, 10 de julho de 2018

Protestantismo no Brasil: mudanças que possibilitaram a inserção e desenvolvimento do protestantismo presbiteriano



O BRASIL NO CONTEXTO PRÉ SIMONTON: mudanças que possibilitaram a inserção e desenvolvimento do protestantismo presbiteriano.

BRAZIL IN THE CONTEXT OF PRE SIMONTON: changes that allowed the insertion and development of presbyterian protestantism.

Resumo
Este artigo tem como objetivo destacar o contexto político, econômico, social e religioso que Simonton herdou e onde desenvolveu o seu profícuo ministério missionário. As mudanças em todas estas áreas que ocorreram nos cinquenta anos que antecederam a chegada dele, principalmente nos últimos dez anos, prepararam de forma única a inserção e desenvolvimento do protestantismo presbiteriano no Brasil. Quando Simonton desembarca no porto do Rio de Janeiro o que indicavam apenas possibilidades, os anos posteriores demonstrariam ser uma realidade.

Palavras Chaves
Simonton, Brasil, protestantismo, presbiterianismo, colportagem.

Introdução
O Presbiterianismo estabelece-se no Brasil eclesiasticamente, após alguns esforços pessoais, em 1859 com a chegada do missionário americano Ashbel Green Simonton dando origem a Igreja Presbiteriana do Brasil.
Nos cinquenta anos que antecedem a chegada de Simonton, principalmente nos dez últimos, o Brasil experimenta uma profunda e continua metamorfose em todas suas esferas sociais, que haverão de transformar e alterar definitivamente sua trajetória histórica e principalmente no que concerne à religião. Podemos dizer que estes anos constituíram-se em um período de maturação, para a inserção definitiva do protestantismo na história e na vida dos brasileiros, que perdura até os dias atuais, com todas suas implicações nas mais distintas esferas sociais.
O Brasil na Chegada de Simonton
            Quando Simonton chega ao Brasil o protestantismo já se fazia presente no contexto social e na mentalidade de grande parte dos brasileiros. Afora as duas frustradas e distantes tentativas de um protestantismo invasor pelos Franceses e depois pelos Holandeses, que não são serão examinadas neste artigo, mas que possuem uma ampla bibliografia a ser consultada (MATOS, 2008, pp. 84-93; LESSA, p. 11s.; SCHALKWIJK, 2004).
As Primeiras Aberturas ao Protestantismo
            Desde 1808 com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, debaixo da proteção inglesa, e a simultânea abertura dos portos brasileiros aos países amigos, o país se abriria definitivamente para outras nacionalidades e evidentemente suas respectivas religiões.
            O “Tratado de Comércio e Navegação” (1810) em seu Artigo XII (REILY, 1993, pp. 40-41), firmado por Dom João VI com a Inglaterra, vai permitir a prática cúltica anglicana possibilitando assim, de maneira inédita, que pregações protestantes fossem feitas legalmente no país, ainda que restrita aos estrangeiros, pois permanecia vedada qualquer tipo de proselitismo.
            Em 1824 imigrantes alemães se instalaram na cidade de Friburgo, no Rio de Janeiro, e posteriormente espalharam-se por toda região sul do país, de maneira que em 1830 havia um numero expressivo de 4.800 alemães com suas respectivas igrejas e escolas, formando colônias também em São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Em 1827 formou-se a Comunidade Protestante Alemã-Francesa, eram bilíngues, composta por luteranos e calvinistas e posteriormente agregaram-se reformados suíços. (MATOS, 2008, pp. 94-100; MENDONÇA e VELASQUES, 1990, pp. 26-28; REILY, 1984, pp. 51-52; DREHER, 1989, pp. 59-74). Pressionado por esta opção pela imigração europeia, de cunho protestante, em detrimento de outras populações, de origem católica, em 1824 a primeira Constituição Brasileira, redigida por Dom Pedro I com a ajuda de seu Conselho de Estado e debaixo de forte influência do espírito liberal, (GABATZ, 2011) concede-se no Art. 5º a não-católicos o exercício privado, enquanto o exercício público da religião continua sendo privilégio dos católicos:
A Religião Católica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.
As Sociedades Bíblicas e a Colportagem
As Sociedades Bíblicas - Britânica e Americana - começam a enviar seus agentes “colporteurs” que viajam milhares de quilômetros por todo o Brasil distribuindo Bíblias, bem como outros panfletos contendo a mensagem evangélica protestante. (MATOS, 2008, pp. 101-102).
A expansão extremamente rápida e profícua do protestantismo no Brasil é devedora em alto grau às atividades continua da denominada colportagem, que foi exercida inicialmente pelos primeiros missionários e posteriormente por centenas de leigos brasileiros que percorreram todo o país, saindo dos grandes centros urbanos e chegando aos lugares mais distantes e às vilas mais acanhadas, oferecendo bíblias e comunicando a mensagem evangélica pela perspectiva protestante. Soares, que conta em detalhes o desenvolvimento desta atividade no Brasil, registra que o esforço incessante dos colportores tornou-se logo cedo motivo de preocupação por parte das lideranças católicas, conforme se percebe nas palavras do padre Agnelo Rossi ao fazer uma definição dos colportores:
Tradução do vocábulo anglo-gálico colporteurs. São os propagandistas viajantes que, de povoação em povoação, de casa em casa, vão desenvolvendo uma propaganda ativíssima com a venda de Bíblias e opúsculos evangélicos, e com a distribuição de folhetos de propaganda. Ordinariamente, são homens peritos em convencer, com termos sonoros e lábia invulgar. Servem muitas vezes de meio utilíssimo para fundação de novos centros protestantes. Observadores perspicazes, eles sondam o terreno onde sua propaganda é mais ou menos eficaz e informam as seitas sobre as possibilidades dos locais percorridos.  (1939, pp. 146-47, apud SOARES, 1996, p.15 itálico do autor e negrito meu).
            Alguns destes primeiros observadores estrangeiros escreveram suas reminiscências sobre o país e despertaram um crescente interesse por parte de seus concidadãos em relação ao Brasil. Um dos mais populares foi escrito por um missionário metodista americano Daniel P. Kidder – “Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil” (1972) que vai influenciar muito um pastor presbiteriano, James C. Fletcher, que atuara de forma efetiva no país por mais de dez anos e que atualizando as informações anteriormente editadas por Kidder, vai editar um novo livro com o título de “O Brasil e os Brasileiros” (1941) que terá sua primeira edição em inglês em 1857 e reedições atualizadas em 1866, 1867 e 1868, sendo que nas últimas edições foi inserido um capítulo especialmente voltado para os possíveis imigrantes sulistas do pós-guerra civil americana, tendo também algumas edições em português. (VIEIRA,1980, 71). Os livros de Kidder e Fletcher, conforme Ribeiro vai fixar na mente dos norte-americanos uma imagem bastante positiva do Brasil e principalmente em ser “acessível aos protestantes” e “como ‘país de Missão’, ao quais as igrejas protestantes deviam enviar missionárias”. (1981, p. 14).
Os Primeiros Brasileiros e as Primeiras Igrejas Protestantes Brasileiras
            Digno de nota é o esforço empreendido por missionários metodistas americanos que entre os anos de 1835 e 1841, além dos estrangeiros residentes, também alcançaram muitos cidadãos brasileiros com sua mensagem protestante. (REILY, 1993, pp. 92-93; COSTA, 2003, pp. 2-5).
            Mas o primeiro missionário a estabelecer uma denominação protestante com brasileiros e para brasileiros foi o Dr. Rev. Robert Reid Kalley (1855) que fora fortemente influenciado pelos livros de Kidder e Fletcher e persuadido por correspondência por este último a se estabelecer no Brasil (VIERIA, 1980, p. 66; MATOS, 2008, p.106; LEONARD, 1981, p. 55).
Em 11 de junho de 1858 Kalley batiza o primeiro brasileiro marcando assim a data de fundação da Igreja Evangélica, posteriormente denominada Fluminense. Em 1868 um dos diáconos, Manoel José da Silva Viana, estabelece-se em Recife e em 1873 com a presença de Kalley 12 pessoas são batizadas e organiza-se a Igreja Evangélica Pernambucana. (SOARES, 2009, p. 41).
            O Imperador D. Pedro II com seu perfil desenvolvimentista e liberal manteve contatos tanto com Fletcher quanto com Kalley e apreciava e incentivava o espírito progressista do protestantismo americano e europeu o que certamente facilitou em muito a inserção destes no país (VIEIRA, 1980, pp. 64-65 e 121-122; LÉONARD, 1981, pp.47-48).
Mudanças Econômicas e Sociais
            Outro aspecto importante, que antecede a chegada de Simonton, é que o país esta em frenética ebulição, saindo de um sistema estritamente agrário-rural e iniciando seu processo de industrialização e urbanização, alterando substancialmente as estruturas sociais e políticas brasileiras.
            Os dados estatísticos fornecidos por Prado Junior (2004, p. 192) revelam a pujança desta mudança de eixo econômico-social que se revelaria irreversível. E conforme Rocha o “... país estava num decênio de importantes reformas e melhoramentos”, o qual ele destaca alguns exemplos: introdução dos vapores marítimos; a Companhia de Gás na Capital; a estrada de ferro Petrópolis-Mauá; o projeto da Estrada de Ferro D. Pedro II; o aumento da propaganda anti escravagista; o destaque dado aos Estados Unidos como país que mais atraia imigrantes por causa de sua tolerância e liberdade de culto e consciência em contra partida ao cerceamento constitucional de fundo católico romano no Brasil; a melhoria e ampliação do sistema educacional (1941, p. 24).
            Apesar desta efervescência econômico-social o país vivia um período político calmo, onde os dois partidos, o conservador (governista) e o progressista (oposicionista), tinham estabelecido uma aliança sob a liderança do Marquês de Paraná (KIDDER e FLETCHER, 1941, p. 205).
            A Igreja Católica Romana por sua vez estava fragilizada, tanto pelo sistema regalista, quanto por sua crise interna entre os galicanistas, de ideias liberais, que almejavam uma Igreja Católica brasileira, autônoma de Roma, e os ultramontanistas, de cunho conservador, que lutavam por manter a Igreja Católica brasileira debaixo da supremacia papal. (MATOS, 2008, pp. 62-64).
Consulta Jurídica Sobre a Tolerância e Liberdade Religiosa no Brasil
            Uma última questão muito importante que antecede apenas alguns meses da chegada de Simonton, mas que vai ser fundamental para as suas atividades missionárias e denominacional, é a consulta jurídica proposta pelo Dr. Rev. Kalley sobre a tolerância e liberdade religiosa no Brasil.
            Kalley estava sendo coagido de várias formas a parar suas atividades religiosas proselitistas, pois havia batizado e recebido como membros de sua denominação duas senhoras da alta sociedade. Então faz uma consulta a três dos mais eminentes juristas do Império: Dr. José Nabuco Tomáz de Araujo, então Ministro da Justiça, Dr. Urbano Sabino Pessoa Mello, magistrado e político e Dr. Caetano Alberto Soares, ex-sacerdote católico romano, magistrado e político, solicitando seus pareceres legais e por escrito, conforme um questionário contendo onze pontos relacionados à questão religiosa no país.
            Os pareceres dos juristas foram amplamente favoráveis a causa de Kelley e lhe deram fundamentação legal e constitucional para que continuasse a desenvolver suas atividades religiosas. Encaminha ao Governo Imperial suas documentações e os pareceres que são acolhidos pelo então Ministro do Interior, Conselheiro J. N. da Silva Paranhos, que fica satisfeito com as explicações de Kalley e lhe assegura os direitos constitucionais. A resolução oficial do Governo chega às suas mãos em 13 de agosto de 1859, portanto, um dia após o desembarque de Simonton no Brasil. (ROCHA, 1941, p. 95; VIEIRA, 1980, p. 114).
E Pinto sublinha muito bem a importância deste ponto para a inserção permanente do protestantismo no Brasil, em sua dissertação sobre Kalley e a ampliação da liberdade religiosa:
Os pareceres dos juristas e a resolução governamental foram a jurisprudência necessária para que se tornasse mais efetiva a implantação permanente do protestantismo no Brasil, servindo de referência aos demais grupos que começaram a chegar ao pais. [...] Kalley saiu tremendamente fortalecido do episódio, projetando-se nos meios acatólicos e também na elite da sociedade brasileira. Um missionário por conta própria, desvinculado de qualquer denominação, que não representava nenhuma igreja ou sociedade missionária estabelecida no exterior, obteve o parecer importante de que o cidadão tinha o direito de seguir a religião que quisesse, segundo o prescrevia a Constituição de 1824. (2005, p. 111).

            Portanto, quando Simonton desembarca no porto do Rio de Janeiro, no dia 12 de agosto de 1859 encontra um Brasil, político, social, econômico e religiosamente favorável e maturado para a implantação e desenvolvimento de sua denominação presbiteriana. O que os anos anteriores indicavam apenas possibilidades, os anos posteriores demonstraram ser uma realidade.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica


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Referências Bibliográficas
DREHER, Martin N. Protestantismo de inmigración en Brasil - su implantación en el contexto del proyecto liberal modernizador y las consecuencias del mismo. Revista Cristianismo y Sociedad 27, nº 1, 1989.
GABATZ, Celso. A influência do liberalismo e do protestantismo na constituição da sociedade brasileira. Passo Fundo, RS; Revista Semina V10 - 2º semestre, 2011.
KIDDER, Daniel P. Reminiscências de viagens e permanências no Brasil [1842]. Tradução de Moacir N. Vasconcelos. São Paulo: Livraria Martins/ Edusp, 1972.
________________ e FLETCHER, James C. O Brasil e os brasileiros – esboço histórico e descritivo. São Paulo, Cia Editora Nacional, 1941.
LÉONARD, Émile-G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JERP/ASTE, 1981.
LESSA, Vicente Themudo. Anais da 1ª Igreja Presbiteriana de São Paulo [1863-1903] - Subsídios para a história do presbiterianismo brasileiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira – perspectivas sobre a missão da igreja. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
MENDONÇA, A. G. e VELASQUES P. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola,1990.
PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 46ª reimpressão, 2004.
RAILY, Duncan Alexander. História documental do protestantismo no Brasil. 2ª impr. rev. São Paulo: ASTE, 1993.
ROCHA, João Gomes. Lembranças do passado – Ensaio histórico do inicio do trabalho evangélico no Brasil, do qual resultou a fundação da Igreja Evangélica Fluminense pelo Dr. Robert Reid Kalley. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Publicidade Ltda, vol. 1, 1941.
SCHALKWIJK, Frans Leonard.  Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630 a 1654). São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
SOARES, Calebe. 150 Anos de paixão missionária - o presbiterianismo no Brasil. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980.

ABSTRACT
This article aims to highlight the political, economic, social and religious Simonton developed for inherited his fruitful missionary ministry. The changes in all these areas that occurred in the fifty years preceding his arrival, especially in the last ten years, uniquely prepared insertion and development of Protestantism in Brazil. When Simonton arrives at the port of Rio de Janeiro indicated that the only possibilities, years later would show a reality.

KEYWORDS
Simonton, Brazil, Protestantism, Presbyterianism, Canvassing.


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