O
BRASIL NO CONTEXTO PRÉ SIMONTON: mudanças que possibilitaram a inserção e
desenvolvimento do protestantismo presbiteriano.
BRAZIL IN THE CONTEXT OF PRE SIMONTON: changes that allowed the insertion and development of presbyterian protestantism.
Resumo
Este artigo tem como objetivo destacar o
contexto político, econômico, social e religioso que Simonton herdou e onde desenvolveu
o seu profícuo ministério missionário. As mudanças em todas estas áreas que
ocorreram nos cinquenta anos que antecederam a chegada dele, principalmente nos
últimos dez anos, prepararam de forma única a inserção e desenvolvimento do
protestantismo presbiteriano no Brasil. Quando Simonton desembarca no porto do Rio de Janeiro
o que indicavam apenas possibilidades, os anos posteriores demonstrariam ser
uma realidade.
Palavras
Chaves
Simonton, Brasil, protestantismo,
presbiterianismo, colportagem.
Introdução
O Presbiterianismo
estabelece-se no Brasil eclesiasticamente, após alguns esforços pessoais, em 1859
com a chegada do missionário americano Ashbel Green Simonton dando origem a Igreja
Presbiteriana do Brasil.
Nos cinquenta anos que
antecedem a chegada de Simonton, principalmente nos dez últimos, o Brasil
experimenta uma profunda e continua metamorfose em todas suas esferas sociais,
que haverão de transformar e alterar definitivamente sua trajetória histórica e
principalmente no que concerne à religião. Podemos dizer que estes anos
constituíram-se em um período de maturação, para a inserção definitiva do
protestantismo na história e na vida dos brasileiros, que perdura até os dias
atuais, com todas suas implicações nas mais distintas esferas sociais.
O
Brasil na Chegada de Simonton
Quando
Simonton chega ao Brasil o protestantismo já se fazia presente no contexto
social e na mentalidade de grande parte dos brasileiros. Afora as duas
frustradas e distantes tentativas de um protestantismo invasor pelos Franceses
e depois pelos Holandeses, que não são serão examinadas neste artigo, mas que
possuem uma ampla bibliografia a ser consultada (MATOS, 2008, pp. 84-93; LESSA,
p. 11s.; SCHALKWIJK, 2004).
As
Primeiras Aberturas ao Protestantismo
Desde
1808 com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, debaixo da proteção
inglesa, e a simultânea abertura dos portos brasileiros aos países amigos, o
país se abriria definitivamente para outras nacionalidades e evidentemente suas
respectivas religiões.
O
“Tratado de Comércio e Navegação” (1810) em seu Artigo XII (REILY, 1993, pp.
40-41), firmado por Dom João VI com a Inglaterra, vai permitir a prática
cúltica anglicana possibilitando assim, de maneira inédita, que pregações
protestantes fossem feitas legalmente no país, ainda que restrita aos
estrangeiros, pois permanecia vedada qualquer tipo de proselitismo.
Em 1824 imigrantes alemães se
instalaram na cidade de Friburgo, no Rio de Janeiro, e posteriormente espalharam-se
por toda região sul do país, de maneira que em 1830 havia um numero expressivo
de 4.800 alemães com suas respectivas igrejas e escolas, formando colônias
também em São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Em 1827 formou-se a Comunidade
Protestante Alemã-Francesa, eram bilíngues, composta por luteranos e
calvinistas e posteriormente agregaram-se reformados suíços. (MATOS, 2008, pp.
94-100; MENDONÇA e VELASQUES, 1990, pp. 26-28; REILY, 1984, pp.
51-52; DREHER, 1989, pp. 59-74). Pressionado por esta opção
pela imigração europeia, de cunho protestante, em detrimento de outras
populações, de origem católica, em 1824 a primeira Constituição Brasileira,
redigida
por Dom Pedro I com a ajuda de seu Conselho de Estado e debaixo de forte influência
do espírito liberal, (GABATZ, 2011) concede-se no Art. 5º a não-católicos o exercício
privado, enquanto o exercício público da religião continua sendo privilégio dos
católicos:
A Religião
Católica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras religiões
serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso
destinadas, sem forma alguma exterior de templo.
As
Sociedades Bíblicas e a Colportagem
As Sociedades Bíblicas -
Britânica e Americana - começam a enviar seus agentes “colporteurs” que
viajam milhares de quilômetros por todo o Brasil distribuindo Bíblias, bem como
outros panfletos contendo a mensagem evangélica protestante. (MATOS, 2008, pp.
101-102).
A expansão extremamente
rápida e profícua do protestantismo no Brasil é devedora em alto grau às
atividades continua da denominada colportagem, que foi exercida inicialmente
pelos primeiros missionários e posteriormente por centenas de leigos
brasileiros que percorreram todo o país, saindo dos grandes centros urbanos e
chegando aos lugares mais distantes e às vilas mais acanhadas, oferecendo
bíblias e comunicando a mensagem evangélica pela perspectiva protestante.
Soares, que conta em detalhes o desenvolvimento desta atividade no Brasil,
registra que o esforço incessante dos colportores tornou-se logo cedo motivo de
preocupação por parte das lideranças católicas, conforme se percebe nas
palavras do padre Agnelo Rossi ao fazer uma definição dos colportores:
Tradução do
vocábulo anglo-gálico colporteurs. São
os propagandistas viajantes que, de povoação em povoação, de casa em casa, vão
desenvolvendo uma propaganda ativíssima com a venda de Bíblias e opúsculos
evangélicos, e com a distribuição de folhetos de propaganda. Ordinariamente,
são homens peritos em convencer, com termos sonoros e lábia invulgar. Servem
muitas vezes de meio utilíssimo para fundação de novos centros protestantes. Observadores perspicazes, eles sondam o
terreno onde sua propaganda é mais ou menos eficaz e informam as seitas sobre as possibilidades dos
locais percorridos. (1939, pp. 146-47,
apud SOARES, 1996, p.15 itálico do autor e negrito meu).
Alguns
destes primeiros observadores estrangeiros escreveram suas reminiscências sobre
o país e despertaram um crescente interesse por parte de seus concidadãos em
relação ao Brasil. Um dos mais populares foi escrito por um missionário
metodista americano Daniel P. Kidder – “Reminiscências de Viagens e
Permanências no Brasil” (1972) que vai influenciar muito um pastor
presbiteriano, James C. Fletcher, que atuara de forma efetiva no país por mais
de dez anos e que atualizando as informações anteriormente editadas por Kidder,
vai editar um novo livro com o título de “O Brasil e os Brasileiros” (1941) que
terá sua primeira edição em inglês em 1857 e reedições atualizadas em 1866,
1867 e 1868, sendo que nas últimas edições foi inserido um capítulo
especialmente voltado para os possíveis imigrantes sulistas do pós-guerra civil
americana, tendo também algumas edições em português. (VIEIRA,1980, 71). Os
livros de Kidder e Fletcher, conforme Ribeiro vai fixar na mente dos
norte-americanos uma imagem bastante positiva do Brasil e principalmente em ser
“acessível aos protestantes” e “como ‘país de Missão’, ao quais as igrejas
protestantes deviam enviar missionárias”. (1981, p. 14).
Os
Primeiros Brasileiros e as Primeiras Igrejas Protestantes Brasileiras
Digno
de nota é o esforço empreendido por missionários metodistas americanos que
entre os anos de 1835 e 1841, além dos estrangeiros residentes, também
alcançaram muitos cidadãos brasileiros com sua mensagem protestante. (REILY,
1993, pp. 92-93; COSTA, 2003, pp. 2-5).
Mas
o primeiro missionário a estabelecer uma denominação protestante com
brasileiros e para brasileiros foi o Dr. Rev. Robert Reid Kalley (1855) que
fora fortemente influenciado pelos livros de Kidder e Fletcher e persuadido por
correspondência por este último a se estabelecer no Brasil (VIERIA, 1980, p. 66;
MATOS, 2008, p.106; LEONARD, 1981, p. 55).
Em 11 de junho de 1858
Kalley batiza o primeiro brasileiro marcando assim a data de fundação da Igreja
Evangélica, posteriormente denominada Fluminense. Em 1868 um dos diáconos,
Manoel José da Silva Viana, estabelece-se em Recife e em 1873 com a presença de
Kalley 12 pessoas são batizadas e organiza-se a Igreja Evangélica Pernambucana.
(SOARES, 2009, p. 41).
O
Imperador D. Pedro II com seu perfil desenvolvimentista e liberal manteve
contatos tanto com Fletcher quanto com Kalley e apreciava e incentivava o
espírito progressista do protestantismo americano e europeu o que certamente
facilitou em muito a inserção destes no país (VIEIRA, 1980, pp. 64-65 e
121-122; LÉONARD, 1981, pp.47-48).
Mudanças
Econômicas e Sociais
Outro
aspecto importante, que antecede a chegada de Simonton, é que o país esta em
frenética ebulição, saindo de um sistema estritamente agrário-rural e iniciando
seu processo de industrialização e urbanização, alterando substancialmente as
estruturas sociais e políticas brasileiras.
Os
dados estatísticos fornecidos por Prado Junior (2004, p. 192) revelam a pujança
desta mudança de eixo econômico-social que se revelaria irreversível. E
conforme Rocha o “... país estava num decênio de importantes reformas e
melhoramentos”, o qual ele destaca alguns exemplos: introdução dos vapores
marítimos; a Companhia de Gás na Capital; a estrada de ferro Petrópolis-Mauá; o
projeto da Estrada de Ferro D. Pedro II; o aumento da propaganda anti
escravagista; o destaque dado aos Estados Unidos como país que mais atraia
imigrantes por causa de sua tolerância e liberdade de culto e consciência em
contra partida ao cerceamento constitucional de fundo católico romano no
Brasil; a melhoria e ampliação do sistema educacional (1941, p. 24).
Apesar
desta efervescência econômico-social o país vivia um período político calmo,
onde os dois partidos, o conservador (governista) e o progressista
(oposicionista), tinham estabelecido uma aliança sob a liderança do Marquês de
Paraná (KIDDER e FLETCHER, 1941, p. 205).
A
Igreja Católica Romana por sua vez estava fragilizada, tanto pelo sistema
regalista, quanto por sua crise interna entre os galicanistas, de ideias
liberais, que almejavam uma Igreja Católica brasileira, autônoma de Roma, e os
ultramontanistas, de cunho conservador, que lutavam por manter a Igreja
Católica brasileira debaixo da supremacia papal. (MATOS, 2008, pp. 62-64).
Consulta
Jurídica Sobre a Tolerância e Liberdade Religiosa no Brasil
Uma
última questão muito importante que antecede apenas alguns meses da chegada de
Simonton, mas que vai ser fundamental para as suas atividades missionárias e
denominacional, é a consulta jurídica proposta pelo Dr. Rev. Kalley sobre a
tolerância e liberdade religiosa no Brasil.
Kalley
estava sendo coagido de várias formas a parar suas atividades religiosas proselitistas,
pois havia batizado e recebido como membros de sua denominação duas senhoras da
alta sociedade. Então faz uma consulta a três dos mais eminentes juristas do
Império: Dr. José Nabuco Tomáz de Araujo, então Ministro da Justiça, Dr. Urbano
Sabino Pessoa Mello, magistrado e político e Dr. Caetano Alberto Soares,
ex-sacerdote católico romano, magistrado e político, solicitando seus pareceres
legais e por escrito, conforme um questionário contendo onze pontos relacionados
à questão religiosa no país.
Os
pareceres dos juristas foram amplamente favoráveis a causa de Kelley e lhe
deram fundamentação legal e constitucional para que continuasse a desenvolver
suas atividades religiosas. Encaminha ao Governo Imperial suas documentações e
os pareceres que são acolhidos pelo então Ministro do Interior, Conselheiro J.
N. da Silva Paranhos, que fica satisfeito com as explicações de Kalley e lhe
assegura os direitos constitucionais. A resolução oficial do Governo chega às
suas mãos em 13 de agosto de 1859, portanto, um dia após o desembarque de
Simonton no Brasil. (ROCHA, 1941, p. 95; VIEIRA, 1980, p. 114).
E Pinto sublinha muito bem a
importância deste ponto para a inserção permanente do protestantismo no Brasil,
em sua dissertação sobre Kalley e a ampliação da liberdade religiosa:
Os pareceres
dos juristas e a resolução governamental foram a jurisprudência necessária para
que se tornasse mais efetiva a implantação permanente do protestantismo no
Brasil, servindo de referência aos demais grupos que começaram a chegar ao
pais. [...] Kalley saiu tremendamente fortalecido do episódio, projetando-se
nos meios acatólicos e também na elite da sociedade brasileira. Um missionário
por conta própria, desvinculado de qualquer denominação, que não representava
nenhuma igreja ou sociedade missionária estabelecida no exterior, obteve o
parecer importante de que o cidadão tinha o direito de seguir a religião que
quisesse, segundo o prescrevia a Constituição de 1824. (2005, p. 111).
Portanto,
quando Simonton desembarca no porto do Rio de Janeiro, no dia 12 de agosto de 1859
encontra um Brasil, político, social, econômico e religiosamente favorável e
maturado para a implantação e desenvolvimento de sua denominação presbiteriana.
O que os anos anteriores indicavam apenas possibilidades, os anos posteriores
demonstraram ser uma realidade.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Reflexão Bíblica
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Jardim das Oliveiras. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião).
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VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980.
ABSTRACT
This article
aims to highlight the political, economic, social and religious Simonton
developed for inherited his fruitful missionary ministry. The changes in all
these areas that occurred in the fifty years preceding his arrival, especially
in the last ten years, uniquely prepared insertion and development of
Protestantism in Brazil. When Simonton arrives at the port of Rio de Janeiro
indicated that the only possibilities, years later would show a reality.
KEYWORDS
Simonton, Brazil, Protestantism, Presbyterianism, Canvassing.
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