Públio (Gaio) Cornélio Tácito (56/58 d.C.- 118/120 d.C.)
foi um historiador romano que viveu no primeiro século. Há poucas informações
sobre ele, mas o que se pode afirmar conforme a professora Mariza Moura de
Miranda é que:
“pertencia à burguesia provincial,
teve excelente educação, iniciou a sua vida pública como orador e que o êxito
alcançado levou-o às funções públicas. Favorecido pelos imperadores Flávios foi
questor, tribuno da plebe ou edil, pretor e senador”.
Foi um excelente orador e um advogado que serviu no
Senado romano, e que foi nomeado para exercer um cargo político na província da
Germânia. Arnaldo Momigliano (2004) identifica a relevância de suas obras,
considerando Tácito como fonte primária para historiadores, teólogos,
moralistas e políticos por mais de três séculos.
Ele é reconhecido como um dos principais historiadores da
Roma do primeiro século da era cristã segundo os especialistas que leram suas
obras. Escritor de sutilezas e afiada ironia, mas de uma perspicácia transcendente
da realidade humana. Um de seus contemporâneos, Plínio o Jovem, em uma
correspondência faz uma menção ao colega historiador: “suas histórias serão
imortais” (Epístolas, 7, 33). Porém, após o segundo século ele foi quase que
completamente esquecido. É provável que uma das razões, entre outras, tenha
sido a antipatia de judeus e cristãos pelas suas posturas antissemitas e
anticristãs. Um dos escritores cristãos, Tertuliano é contundente e acusa-o de
ser “o mais eloquente dos mentirosos” (Apologia, 16). Quase no final do segundo
século o Imperador Tácito (275-276), seu descendente, ordena que se façam novas
cópias dos escritos históricos para que não se perdessem.
Somente no século IX, período medieval, se redescobre as
obras de Tácito, primeiramente uma parte do “Vida de Agrícola” (Gneu Júlio
Agrícola, cônsul romano e seu sogro), sua primeira obra publicada, logo após o
assassinato de Domiciano e a ascensão de Nerva; posteriormente, na Alemanha, os
livros I a VI dos Anais e somente na segunda parte do século XI, na Itália, se
encontram os demais livros dos Anais (dezesseis no total), bem como, os livros
I a V das Histórias (quatorze ao todo).
Todavia, suas temáticas continuam atuais apesar dos
séculos, como por exemplo - como conviver com o poder? A história demonstra que
essa convivência é com raríssima exceção corruptora, como tão bem ele registra
em sua obra, mas que podemos contemplar a olhos nus na própria história do
Brasil desde seus dias de Colônia até os governos atuais, bem como na própria
História da Igreja Cristã de ontem e de hoje.
Do que se preservou de suas muitas obras duas se
destacam: os Anais e as Histórias são tomados como duas partes de uma mesma
obra, onde ele registra pontuando com suas observações pessoais, a história da
Roma do primeiro século, começando com a morte de Augusto César em 14 dC e
terminando com a morte de Domiciano em 96.
O que possuímos das Historiae é um
quadro de uma guerra civil em que os líderes não são mais e talvez até menos
importantes do que a multidão – soldados provinciais, plebe romana. Nos
Annales, a perspectiva muda. As personalidades do imperador e de suas mulheres,
e de alguns poucos generais e filósofos dominam o cenário. (MOMIGLIANO, 2004,
p. 163)
Usando a ótica dos imperadores, Tácito contempla os diversos
eventos que ocorreram no transcorrer do primeiro século. Para a História do
Cristianismo seus relatos adquirem relevância significativa porque coincide com
o tempo da vida terrena de Cristo, com o desenvolvimento da igreja cristã primitiva
e com os registros canônicos que perfazem o Segundo Testamento.
Muito do material elaborado por Tácito está perdido, mas
as partes que permanecem são fascinantes. Um dos livros que sobraram dos Anais
é o livro 15, que conta a história do reinado de Nero de 62 a 65 anos. Essa foi
uma época muito importante, coincidindo com a prisão de Paulo e o martírio de
Pedro, conforme a tradição da igreja, ambos em Roma e sob a autoridade de Nero.
Ele também trata sobre um tema muito importante ocorrido
no primeiro século: o grande incêndio ocorrido na cidade de Roma em 64. O
historiador registra que havia fortes indícios de que o próprio Nero era
considerado responsável pelo incêndio. Ele tinha o desejo de reconstruir a
cidade e, se pudesse simplesmente queimar algumas das áreas indesejáveis da
cidade, seria mais fácil para ele reconstruir. Mas o fogo ficou fora de
controle e acabou destruindo grande parte da cidade. Isso fez com que o povo de
Roma se voltasse contra ele. Imediatamente espalha-se a “fake news” de que o
incêndio tinha sido iniciado pelos cristãos, que naquele momento era considerado
uma seita dos judeus que também não eram bem visto pelo populacho. Tácito nos informa
o que aconteceu:
Consequentemente, para se livrar da
culpa, Nero colocou a culpa e infligiu as mais requintadas torturas em uma
classe odiada por suas abominações chamadas de “cristãos” pela população.
Christus, de quem o nome teve suas origens, sofreu a penalidade extrema durante
o reinado de Tibério nas mãos de um dos nossos procuradores, Pôncio Pilatos, uma
superstição perniciosa, assim controlada por momento, novamente surgiu, não
apenas na Judéia, a primeira fonte do mal, mas mesmo em Roma, onde tudo o que é
repugnante e vergonhoso, vindo de todas as partes do mundo, encontra um centro
e ganha popularidade. Primeiramente foram detidos todos os que se deram como
culpados. Depois, graças a tudo o que disseram, uma enorme multidão foi
condenada, não tanto pelo crime de incendiar Roma, mas sim por ódio contra a
humanidade. Às suas mortes acrescentou-se escárnio de todo o tipo. Coberto com
peles de animais, eles foram rasgados por cães e pereceram, ou foram pregados a
cruzes, ou foram condenados às chamas e queimados, para servir como iluminação
noturna, quando o dia tinha expirado.
Nesta pequena referência de Tácito, podemos observar
várias coisas: vemos uma das primeiras referências fora do Segundo Testamento a
Cristo, em que Seu julgamento e morte é datada em relação a Pôncio Pilatos e a
referência é feita à Sua morte por crucificação; também tomamos conhecimento da
atitude dos romanos em relação aos cristãos e a intensa e cruel perseguição que
enfrentaram por causa de Nero.
Poucos são os estudiosos antigos ou modernos que duvidam
da credibilidade da referência histórica de Tácito sobre os cristãos. Somente
em 1885 o P. Hochart concluiu que se tratava de uma interpolação de cristãos ao
texto, mas Robert van Voorts argumentou de forma inequívoca de que tais
informações não poderiam ser interpolações de cristãos, pois o texto trata o
cristianismo e os cristãos como sendo uma “perversa superstição”, “fonte do mal”
ou ainda como sendo “horrenda e vergonhosa”, uma caracterização totalmente
negativa com as quais nenhum cristão concordaria e por esta razão Tertuliano
repudiava as obras de Tácito e o acusa, conforme acima mencionado, de ser “o
mais eloquente dos mentirosos” (Apologia, 16). Por fim John P. Meier (1991, p.
168) conclui que não há nenhuma evidência quer seja da arqueologia ou histórica
que ofereça fundamento de que o texto teve interpolação de algum escritor
cristão posterior.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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