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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

GALERIA DA REFORMA: João Wycliffe (c. 1328-1384)



            Os anseios por uma Igreja Cristã que refletisse os ensinos bíblicos e fosse libertada dos grilhões da corrupção teológica e da depravação eclesiástica são percebidos em séculos antecedentes ao nascimento de João Wycliffe. Milhares de cristãos, homens e mulheres, foram mortos por simplesmente desejarem e defenderem uma Igreja coerente com os princípios bíblicos.
            John Wycliffe nasceu em Hipswell, perto de Yorkshire, na Inglaterra, provavelmente no ano de 1328. Em 1346 foi estudar Teologia, Filosofia e Legislação Canônica em Oxford (Balliol College) e aqui nessa cidade ele permaneceu o resto de sua vida. Com 26 anos tornou-se mestre do Colégio em que estudara. Com 1361 foi ordenado pela Igreja católica, passando a exercer a função de vigário em Fillingham. Voltou para Oxford, onde conclui o bacharelado em Teologia, em 1365 e o doutorado em 1372.
            O rei Ricardo II (1377-99) foi quem percebendo suas qualificações acadêmicas e eruditas o nomeou capelão e posteriormente reitor em Lutterworth. Nos anos subsequentes (1360 a 1370) Wycliffe adquiriu uma crescente reputação como pregador popular e com fortes tons de crítica ao sistema papal de governo da Igreja Cristã Romana. A resposta imediata do clero romano vem através do Papa Gregório XI que em 1377 condena o teor de suas pregações antipapas e exige que se apresente ao bispo de Londres. Todavia, contava com apoio tanto da Universidade em Oxford quanto da corte do rei e por esta razão não foi preso.
Mesmo debaixo de fortes pressões eclesiásticas Wycliffe continuou sistematicamente pregando contra os desmandos eclesiásticos e desvios teológicos da Igreja Romana e seu moto era de que somente na Bíblia encontra-se a única fonte de autoridade e verdade e não em quaisquer outros documentos eclesiásticos. Como Martinho Lutero 150 anos depois suas teses concluíam enfaticamente de que nem Papas e nem Concílios eram infalíveis, e que quaisquer decretos papais ou conciliares derivam sua autoridade e poder somente quando estando em perfeita consonância com as Escrituras em sua totalidade. Além da questão papal, que ocupou grande espaço em suas pregações e escrita, Wycliffe também questionou as doutrinas católicas da transubstanciação e do purgatório.
            Outro vespeiro cutucado pelo reformador de Oxford é que os líderes eclesiásticos deveriam ser servos do povo e não se servir deles para seus propósitos pessoais. Dentro dessa perspectiva a partir de 1380 ele organizou grupos de “pregadores leigos”, pois não faziam votos nem recebiam consagração formal, que posteriormente ficaram conhecidos como Lolardos, e que despojados de tudo à semelhança dos discípulos enviados por Jesus em duas ocasiões de Seu ministério terreno, a partir de Oxford viajaram por toda a Inglaterra pregando a mensagem evangélica.
            Essa atitude de Wycliffe, literalmente, colocou mais madeira na fogueira e a resposta de Roma veio imediata – o bispo de Londres o proíbe de pregar e em 1382 o arcebispo de Canterbury emite uma bula de sua condenação eclesiástica. Todavia, o professor e clérigo reformador permanece refugiado na Universidade de Oxford. Durante esse período de reclusão ele completou uma de suas maiores obras – uma tradução da Bíblia para a língua vernácula inglesa e também empreendeu um resumo de suas ideias principais em um livro cujo título é “Trialogus”, onde discute o poder e conhecimento de Deus, criação, virtudes e vícios, a encarnação, a redenção e os sacramentos. Wycliffe escreveu para familiarizar padres e leigos com as complexas questões subjacentes à doutrina cristã, e começa com a teologia filosófica formal, que se move para a teologia moral, concluindo com uma crítica abrasadora do status quo eclesiástico do século XIV.
            Depois que Wycliffe morreu em 1384 as autoridades da igreja romana suprimiu seus escritos o máximo possível, todavia, uma geração depois, suas ideias ainda continuavam vivas e sendo pregadas pelos Lolardos. Em 1415, quando então outro reformador popular John Huss foi igualmente condenado à morte em fogueira, o Conselho de Constança ordenou que o corpo (ossos) de Wycliffe fosse exumado e queimado junto com seus livros. A ordem foi cumprida somente em 1428.
            Quando no século XVI a Inglaterra experimenta uma Reforma Religiosa, promovida inicialmente pelo rei Henrique VIII, mas efetivamente concluída apenas no governo de sua filha Elizabete I, o grande doutor de Oxford João Wycliffe passou a ser considerado como uma das poderosas vozes que promoveram a Reforma no Velho Continente. Seu Novo Testamento em inglês foi finalmente publicado, em uma edição limitada, no século XVIII, e sua Bíblia em meados do século XIX.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/

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Referências Bibliográficas
AZEVEDO, Leandro Villela de. As Obras Inglesas de John Wycliffe inseridas no contexto religioso de sua época: Da Suma Teológica de Aquino ao Concilio de Constança, Dos espirituais franciscanos a Guilherme de Ockham. (Tese Doutorado). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010. [Orientador: Prof. Dr. Nachman Falbel].
BOISSET, J. História do protestantismo. São Paulo: Difusão Europeia, 1971.
DANIEL-ROPS. A igreja da renascença e da reforma I: a reforma protestante. São Paulo: Ed. Quadrante, 1996, p. 435.
DELUMEAU, Jean. La Reforma. Barcelona: Editorial Labor S/A, 1967.
LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do cristianismo - volume II: 1500 a 1975 a.D. São Paulo: Editora Hagnos, 2006.
LOSERTH, Johann. Wiclif and Hus. London: Hodder and Stoughton, 1883.
SERGEANT, Lewis. John Wyclif. New York: G. P. Putnam's Sons, 1893.
WALKER, Williston. História da igreja cristã. Tradução D. Glênio Vergara dos Santos e N. Duval da Silva. São Paulo: ASTE, 1967.

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