Conselheiro real, nobre, advogado
(Universidade de Orléans), funcionário público, linguista francês e um
reformista leigo (não era formado em teologia) e que veio a se constituir em o
primeiro mártir protestante da França. Ele pertencia a uma família nobre de
Artois e era o senhor de Berquin, perto de Abbeville.
Atraído ao protestantismo
por Lefèvre d'Étaples, o personagem mais proeminente no início da Reforma na
França (prepara o caminho para os também franceses Farel e Calvino), e o editor
Josse Badius, ele ensinou a Bíblia na corte e indo de casa em casa na região
onde havia nascido. Ele é o que poderíamos chamar de um “contrabandista” de
ideias, pois sua grande obra foi popularizar os escritos dos eminentes
reformadores da época, principalmente as obras do humanista Erasmo de Roterdã.
Ele pertencia àquele grupo
de humanistas piedosos que desejavam uma reforma da Igreja, mas sem romper com
Roma, na linha de Erasmo de Roterdã, o qual entendia ser melhor reformador do
que Lutero, pois desgostava da aspereza do reformador alemão. Todavia, sua trajetória
o levou a ser mais ousado e determinado do que o humanista holandês, que assumiu
os princípios dos reformadores e veio a se constituir em uma extensão da visão
reformada de Lefévre. Sua maior ambição era fazer propagar na França a mensagem
límpida do Evangelho, sem os subterfúgios da religião romanista.
São levadas ao conhecimento
do oficial de justiça de Mailly as ideias subversivas e heréticas de Berquin,
que manda apreender alguns livros e documentos
dele e os leva à secretaria do tribunal. O material apreendido eram traduções
de vários escritos de Lutero, Melanchthon, Carlstadt e Erasmo, bem como alguns
tratados originais de Berquin, em latim ou francês, cujos títulos eram: o uso e
a utilidade da Missa, o Espelho de Teólogos, o Debate de Piedade e Superstição.
Ele admite ser o autor desses tratados. Ele declarava Cristo como o único
caminho da salvação, tecia fortes críticas à obrigatoriedade do celibato aos
sacerdotes, à invocação de Maria nas liturgias e negando que ela fosse a fonte
de toda graça, e a ignorância de grande parte dos monges (talvez aqui a origem
de certa aversão à Lutero), e defendia o princípio de que as Escrituras deveriam
ser lidas para o povo em geral na língua vernácula. O juiz eclesiástico, tendo submetido à censura escrupulosa dos livros e
codicilos encontrados na casa de Berquin, declara-os ímpios, cismáticos e
heréticos, e solicita ao juiz civil para que fossem queimados.
Os teólogos da Sorbonne, o
berço e o túmulo da Reforma na França, liderados por Noèl Beda, chefe da
Faculdade de Teologia de Paris (1520-1534) e contumaz oponente da Reforma na
França, o denunciaram como herege e, em 13 de maio de 1523, ele foi julgado
perante o parlamento. Sete de seus escritos e uma de suas traduções de Lutero e
Melanchton foram condenados pela faculdade teológica e pelo parlamento e ele
preso pela primeira vez.
Foi lhe dado permissão para
se aposentar e morar em sua propriedade se ele permanecesse calado. Mas ele não
conseguiu parar de dizer a verdade e indo de casa em casa ensinava a
Bíblia. Em 8 de janeiro de 1526, depois
de ser denunciado pelo bispo de Amiens, foi preso novamente. Mas uma vez ele é
liberto, pela intercessão de Margarida
d'Angouleme, a irmã do rei, a amiga dedicada de todas as mentes livres. É
provável que Margarida nunca tenha conhecido pessoalmente Louis de Berquin, mas
admirava aquele jovem cavalheiro, de aproximadamente 40 anos, que se rebelou
contra a tirania de pedantes, cujas mentes mesquinhas desejam a morte daqueles
que se atrevessem discordar deles. Ela intercede por todos em uma
correspondência ao rei, naquele momento prisioneiro em Madri pelas forças de
Carlos V (imperador do Sacro Império Romano), e seu pedido é com tanto ardor
que ele se apressa a enviar ao regente uma ordem para o parlamento, que o
julgamento de Berquin fosse suspenso até seu retorno, assim como os de
Lefebvre, Roussel e todos os outros doutores suspeitos de heresia.
Por um curto período (julho
de 1528 a março de 1529) ele viveu em relativa segurança. Mas preso pela
terceira vez o parlamento o condenou "a
ter sua língua marcada com ferro quente (furada), sendo preso por toda a vida",
mas tendo seu apelo ao rei Francisco I negado, pois as forças políticas e
econômicas que o apoiavam estavam pressionando fortemente, em 17 de abril, o
parlamento ordenou que Berquin fosse queimado na famosa Praça de Notre Dame. No momento de
sua execução, ele queria falar, mas os gritos da multidão, perto de 20.000
pessoas assistiram à execução, sufocaram sua voz, e ele se entregou sem
murmúrios a seus carrascos, dizendo: "Por
que eu os odeio, eles me levam à casa de meu pai?” Ele foi o primeiro mártir protestante na França. Teodoro de Beza disse
sobre ele: “Se Francisco [rei] o tivesse
apoiado até o fim, ele seria o Lutero da França”, e ainda cita as palavras
do responsável pela prisão de Paris, Merlin, sobre Berquin, enquanto ele se
aproximava da pira fumando, de que em momento algum demonstrou medo ou ódio,
mas um rosto sereno e tranquilo, de
alguém que estava em paz consigo mesmo e com seu Deus - como se estivesse
meditando em sua biblioteca sobre seus estudos, ou na igreja sobre seu Deus, e
a testemunha conclui que nunca tinha visto alguém morrer mais cristão do que
ele.
Os trabalhos originais de Berquin
foram todos perdidos e restam apenas algumas de suas traduções: Enchiridion du
chevalier chrestien [O Manual do Soldado Cristão] (Antuérpia, 1529); Le vray
moyen de bien et catholiquement se confesser [O verdadeiro caminho do bem e da
confissão católica] (Lión, 1542);
Paráfrase do Novo Testamento e Le symbole des apôtres [O símbolo dos apóstolos ]
(ambos de Erasmus).
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências
Bibliográficas
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SMEDLEY, Edward. History
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1834.
Obrigado por essa informação histórica cultural...
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