O protestantismo somente começa a se
estabelecer no Brasil no final dos oitocentos. Primeiro vieram os protestantes
imigrantes de países europeus para fugirem das guerras e misérias de seus
países e tentarem aqui reiniciar suas vidas e professarem livremente sua fé
reformada. Posteriormente chegaram as primeiras denominações protestantes
evangélicas: presbiterianos, metodistas, congregacionais, batistas e
assembleianos que paulatinamente, mas de forma irreversível foram estabelecendo
suas denominações em todo o território brasileiro.
Concomitantemente aos esforços
missionários denominacionais surgem as organizações paraeclesiásticas tais como
as Sociedades Bíblicas Inglesas e Americanas que atuaram e continuam atuando na
edição e distribuição de bíblias no mundo inteiro e que foram suporte
fundamentais na implantação e desenvolvimento do protestantismo no Brasil. Uma
destas organizações paraeclesiásticas[1] que
aportaram cedo no Brasil foi a Associação Cristã de Moços (ACM) que já
comemorou mais de cento e cinquentas anos de atuação no país.
De acordo com o “Atlas do Esporte no Brasil” (2006) ela é
uma instituição que congrega pessoas sem distinção de raça, posição social,
crença religiosa, política ou de qualquer natureza. Surgiu na Inglaterra em
plena Revolução Industrial (1750-1850). Sua data de fundação é 06 de junho de
1844, pela iniciativa de George Williams[2] e
sua nomenclatura original “Young Men´s Christian Association” (YMCA)[3].
Desde seus primeiros dias o objetivo central era proporcionar aos jovens, que
se aglomeravam nos grandes centros urbanos em busca do trabalho, atividades
saudáveis e motivadoras, visto que vivia em condições de vida precárias,
jornada de trabalho extenuante e não existiam opções de lazer. Mas ela não era
apenas uma agremiação esportiva, pois tinha uma missão: proporcionar a estes jovens
uma alternativa de vida, influenciando-os a cultivarem a vida religiosa do
ponto de vista evangélica protestante.
Em 1855, devido ao crescimento e expansão do movimento
acemista em muitos países, realizou-se um encontro internacional na França, tendo
representantes da Inglaterra, Holanda, Estados Unidos, França, Canadá, Bélgica
e Alemanha. Durante o encontro, precisamente no dia 22 de agosto, é aprovada a
"Base de Paris", diretriz básica que deveriam nortear as suas atividades,[4] e
que se constitui, até hoje, os princípios e fundamentos da ACM/YMCA em todas as
suas ações e práticas:
"As Associações Cristãs de Moços procuram unir os
jovens que, considerando a Jesus Cristo como seu Deus e Salvador, segundo as
Sagradas Escrituras, procuram em sua fé e em sua vida ser seus discípulos e
juntos trabalhar para estender, entre os jovens, o Reino de seu mestre".
"Que as divergências de opiniões sobre outros
assuntos, por mais importantes que sejam, mas que não estejam incluídos no
princípio anterior, não deverão interferir nas relações harmoniosas das
Associações Confederadas".
Paris, 1855
Ainda de acordo com Atlas do Esporte no Brasil a ACM
começou a se espalhar por toda Inglaterra, mas foi nos Estados Unidos que ela
expandiu e conciliou de forma mais eficaz “o
objetivo inicial do seu fundador: o cultivo das virtudes do caráter e do
espírito, da disciplina do corpo e, principalmente, do lado comunitário e
humano”. (p. 03).
Em 1905, se celebrou em Paris o 50º aniversário da
Aliança Mundial das ACM, nesta comemoração, George Williams, já debilitado, foi
recebido com grande emoção, e com a ajuda de seu filho, Howard Williams,
proferiu seu último discurso:
Jovens da França, eu quero dizer que se vocês querem
levar uma vida feliz, útil e proveitosa, dêem seus corações a Deus, enquanto
são jovens.
Meu último legado muito precioso é a Associação Cristão
de Moços. Eu a deixo em suas mãos queridos jovens de todos os países, para que
vocês a conservem e a divulguem. Espero que vocês sejam tão felizes como eu
tenho sido e tenham mais êxito, pois isto significará bênçãos para suas
próprias almas e para as almas de muitos outros (http://www.ymca.org.br/index.asp?pagina=historia)
Na noite de 14 de
novembro desse mesmo ano de 1905 faleceu George Williams e foi sepultado na
cripta da Catedral de Saint Paul, em Londres.
A Revista oficial “InformaACM”, em uma edição especial, registra
que em 1890, o Reverendo George W. Chamberlain,[5]
missionário presbiteriano no Brasil, enviou uma carta ao Secretário Geral da
ACM / YMCA Nova York, Robert McBurney, para trazer o movimento acemista ao
Brasil. Ele dizia: “Deve-se dar início
desde já e, em vários centros ao trabalho em prol dos moços brasileiros, no
estilo da Associação Cristã de Moços”. (2012, p. 09). Em visita à YMCA de
Minneapolis, nos Estados Unidos, Chamberlain encontrou o jovem Myron August
Clark, líder nova-iorquino da YMCA Kansas City, que aceitou o desafio e veio ao
Brasil no ano seguinte lançar a semente da Associação Cristã de Moços.
Em 1891 o jovem norte-americano Clark chega a São Paulo, cidade
onde o protestantismo estava fortemente estabelecido, mas encontra dificuldades
para desenvolver a ACM e resolve mudar-se para o Rio de Janeiro. Em 04 de julho
de 1893, Clark funda a ACM do Rio de Janeiro, a primeira da América Latina, em
um prédio alugado na Rua da Assembleia e a primeira sede própria na cidade do
Rio de Janeiro foi adquirida em 1896, na Rua da Quitanda, 47[6]. Em
1901 a ACM inicia no Rio Grande de Sul e também alcança Minas Gerais, Brasília,
Paraná, Amazonas e Pará, onde manteve um acampamento em Porto Trombetas (DACOSTA,
2006, p. 03).
Em agosto de 1895, Clark retorna a São Paulo e juntamente
com alguns jovens cristãos, entre eles o futuro pastor presbiteriano Erasmo
Braga estabelece uma base da ACM que por alguma razão teve que ser reorganizada
em 1903. (MATOS, 2008, p.151 e nota n° 71).
A partir desta reorganização a ACM em São Paulo ela
consegue atrair cada vez mais jovens para suas múltiplas atividades sociais,
físicas, cursos e palestras, já em 1920 contava com 1 mil Associados
registrados e no ano de 1922, já contava com 7 mil pessoas associados. A
atuação das ACMs vai fomentar, juntamente com o Movimento Voluntario Estudantil
(MVE) a criação da União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB), que vai desempenhar
um papel relevante nos acontecimentos desencadeados nas décadas de 50/60.
Um dos pastores presbiterianos que atuou fortemente junto
a ACM, na década de cinquenta foi o Rev. José Borges dos Santos Jr, cuja
preparação acadêmica e suas qualificações pessoais o estimulavam continuamente
a se envolver em todas as frentes possíveis que de alguma forma cooperassem com
a propagação da mensagem evangélica no país. A lista de organizações das quais
ele teve participação direta demonstra claramente que ele nunca se acomodou
apenas dentro das fronteiras denominacional presbiteriana, mas sempre esteve
aberto para cooperar com todos aqueles que de uma forma ou outra ansiavam
multiplicar os esforços em impactar a sociedade brasileira com a mensagem
cristã evangélica, no que foi fortemente influenciado e estimulado pelos seus
modelos e mentores acadêmicos e pastorais, tais como o Rev. Erasmo Braga que
fez parte da fundação da ACM em São Paulo.
Quando assumiu o
pastorado na Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo (IPUSP), toma conhecimento
das atividades desta agremiação cristã de cunho ecumênico e incentiva que os jovens
da igreja participem ativamente dela. Além disso, ele vai se envolver
pessoalmente nas atividades da ACM fazendo parte da direção desta agremiação
cristã e em seus Relatórios Pastorais anuais ao Presbitério de São Paulo
encontramos o registro de suas participações, ao menos uma ou duas anuais,
através de palestras e estudos bíblicos: 1950 (01 palestra); 1951 (02 palestras
e 01 reunião); 1952 (01 palestra e 01 estudo bíblico); 1953 (01 palestra e 01
estudo bíblico); 1954 (02 palestras e 01 estudo bíblico). Em meados de 1952 foi
convidado para participar da Junta Internacional da ACM reunida em Montevidéu,
no Uruguai.
Como toda organização não denominacional ela dependia das
contribuições de seus afiliados, mas também do apoio financeiros das igrejas,
para poder manter seu orçamento. O Rev. Borges, conforme registro na Ata 1002
(01/01/1949) da IPUSP, solicita apoio financeiro, no que é atendido, para
suprir necessidades da ACM em São Paulo.
Mas se desde os primórdios até a década de cinquenta
havia um espírito de cooperação entre as diversas denominações, de maneira que
o apoio às organizações paraeclesiásticas era visto de forma positiva, tudo
começara a mudar a partir da década de sessenta e os acontecimentos políticos eclesiásticos
que mudaram definitivamente a forma de relacionamentos denominacionais e
principalmente a ótica extremamente negativa pela qual passou a serem vistas
todas as organizações paraeclesiásticas.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
Referências Bibliográficas
CORREIA,
Juliane Cristine Alves. O lugar da ACM
na história da educação física brasileira - refletindo sobre o esporte e a
calistenia. (Graduação) Universidade Estadual de Campinas (Faculdade de Educação
Física): Campinas, 2008.
GUEDES,
Ivan Pereira. O Protestantismo na capital de São Paulo: A Igreja
Presbiteriana Jardim das Oliveiras. Dissertação (Mestrado em Ciências
da Religião).
HIDAKA,
Milton Kazuo e SEGUI, Ary de Camargo. Associação Cristã de Moços no Brasil –
ACM abud DACOSTA, Lamartine (Org). Atlas do Esporte no Brasil. Rio de
Janeiro: CONFEF, 2006. Disponível em: http://www.atlasesportebrasil.org.br/textos/169.pdf.
Acesso em 01/05/2013.
MATOS,
Alderi Souza de. Erasmo Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira –
perspectivas sobre a missão da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
2008.
REVISTA
INFORMACM. Ano 10, n° 39, Edição Especial, São Paulo, 2012. Disponível em:
http://www.acmsaopaulo.org/novo/adm/upload/revistasVirtuais/
117201224630PM-informacm_edicao39.pdf. Acesso em 10/03/2013.
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de Paradigma Teológico do Protestantismo no Brasil e a Fundação da ASTE
Presbiterianismo
na Cidade de São Paulo - Pioneiro do Radialismo Evangélico
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2014/02/presbiterianismo-na-cidade-de-sao-paulo.html
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Protestantismo na Capital de São Paulo: A Igreja Presbiteriana Jardim das
Oliveiras.
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Protestantismo na América Latina: Implantação
O
Brasil pelo Prisma Protestante (J. C. Fletcher)
PROTESTANTISMO
NO BRASIL - DOCUMENTO: O Primeiro Esboço do Presbiterianismo no Brasil
Primeiro
Curso Teológico Protestante no Brasil
[1]
Palavra que vem de eclesia, (igreja); está relacionada a atividade em paralelo
ao ministério eclesiástico. Inicialmente visava unir esforços entre os diversos
ramos do cristianismo em favor de comunicar a mensagem evangélica, o que deu
origem às missões interdenominacionais. Posteriormente tornou-se um instrumento
para uma aproximação ecumênica e social dentro do campo religioso protestante e
católico.
[2]
George Williams nasceu em 11 de outubro de 1821 em uma granja no condado de
Somerset (Inglaterra). Até os 15 anos viveu no campo com sua família, dedicado
aos trabalhos rurais como seus irmãos. Desde cedo George Williams não se
mostrou apto para as atividades no campo mesmo assim demorou muito tempo para
se dar conta de que estava bastante desorientado frente à vida. Durante essa
época o jovem de 15 anos enfrentou sérios problemas de ordem moral e espiritual
a respeito do seu destino. Toda essa efervescência pessoal culminou na sua
conversão à Igreja Congregacionalista, onde se tornou um ativo participante da
escola dominical e iniciou um movimento de evangelização de companheiros de
trabalho, celebrando em sua casa reuniões de estudos bíblicos.
[3]
Desde o século XVI já existiam na Europa pequenos grupos de jovens cristãos que
se reuniam para estudos bíblicos: na Holanda, em 1568; em Paris, em 1629; nos
Estados Unidos, em 1677, entre outros movimentos em países europeus.
[4]
Base de testemunho da Associação Cristã de Moços, a Base de Paris, aprovada
pelos delegados da I Conferência Mundial de Paris, em 1855, foi reafirmada no
6° Conselho Mundial das ACMs/YMCAs, em 1973.
[5]
Chamberlain e sua esposa haviam iniciado as bases da Escola Americana na cidade
de São Paulo e que posteriormente se constituiu em Colégio e Universidade, cujo
nome atual é Universidade Presbiteriana Mackenzie. As Escolas Americanas
inovaram muito o espaço escolar introduzindo entre outras coisas a educação
física e a prática esportiva em seus currículos. Esta mentalidade inovadora se
amalgamava com as atividades desenvolvidas pela ACM/AMCA.
[6]
Em 1929, a ACM passa a funcionar na Rua Araújo de Porto Alegre, em uma área
recém-aberta na esplanada que resultou do desmonte do Morro do Castelo.
Atualmente a ACM/YMCA está localizada na Rua da Lapa, 86 – Centro, cidade do
Rio de Janeiro.
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