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sábado, 9 de março de 2019

Protestantismo no Brasil e as Organizações Paraeclesiásticas: Associação Cristã de Moços




            O protestantismo somente começa a se estabelecer no Brasil no final dos oitocentos. Primeiro vieram os protestantes imigrantes de países europeus para fugirem das guerras e misérias de seus países e tentarem aqui reiniciar suas vidas e professarem livremente sua fé reformada. Posteriormente chegaram as primeiras denominações protestantes evangélicas: presbiterianos, metodistas, congregacionais, batistas e assembleianos que paulatinamente, mas de forma irreversível foram estabelecendo suas denominações em todo o território brasileiro.
            Concomitantemente aos esforços missionários denominacionais surgem as organizações paraeclesiásticas tais como as Sociedades Bíblicas Inglesas e Americanas que atuaram e continuam atuando na edição e distribuição de bíblias no mundo inteiro e que foram suporte fundamentais na implantação e desenvolvimento do protestantismo no Brasil. Uma destas organizações paraeclesiásticas[1] que aportaram cedo no Brasil foi a Associação Cristã de Moços (ACM) que já comemorou mais de cento e cinquentas anos de atuação no país.
De acordo com o “Atlas do Esporte no Brasil” (2006) ela é uma instituição que congrega pessoas sem distinção de raça, posição social, crença religiosa, política ou de qualquer natureza. Surgiu na Inglaterra em plena Revolução Industrial (1750-1850). Sua data de fundação é 06 de junho de 1844, pela iniciativa de George Williams[2] e sua nomenclatura original “Young Men´s Christian Association” (YMCA)[3]. Desde seus primeiros dias o objetivo central era proporcionar aos jovens, que se aglomeravam nos grandes centros urbanos em busca do trabalho, atividades saudáveis e motivadoras, visto que vivia em condições de vida precárias, jornada de trabalho extenuante e não existiam opções de lazer. Mas ela não era apenas uma agremiação esportiva, pois tinha uma missão: proporcionar a estes jovens uma alternativa de vida, influenciando-os a cultivarem a vida religiosa do ponto de vista evangélica protestante.
Em 1855, devido ao crescimento e expansão do movimento acemista em muitos países, realizou-se um encontro internacional na França, tendo representantes da Inglaterra, Holanda, Estados Unidos, França, Canadá, Bélgica e Alemanha. Durante o encontro, precisamente no dia 22 de agosto, é aprovada a "Base de Paris", diretriz básica que deveriam nortear as suas atividades,[4] e que se constitui, até hoje, os princípios e fundamentos da ACM/YMCA em todas as suas ações e práticas:
"As Associações Cristãs de Moços procuram unir os jovens que, considerando a Jesus Cristo como seu Deus e Salvador, segundo as Sagradas Escrituras, procuram em sua fé e em sua vida ser seus discípulos e juntos trabalhar para estender, entre os jovens, o Reino de seu mestre".
"Que as divergências de opiniões sobre outros assuntos, por mais importantes que sejam, mas que não estejam incluídos no princípio anterior, não deverão interferir nas relações harmoniosas das Associações Confederadas".
Paris, 1855
Ainda de acordo com Atlas do Esporte no Brasil a ACM começou a se espalhar por toda Inglaterra, mas foi nos Estados Unidos que ela expandiu e conciliou de forma mais eficaz “o objetivo inicial do seu fundador: o cultivo das virtudes do caráter e do espírito, da disciplina do corpo e, principalmente, do lado comunitário e humano”. (p. 03).
Em 1905, se celebrou em Paris o 50º aniversário da Aliança Mundial das ACM, nesta comemoração, George Williams, já debilitado, foi recebido com grande emoção, e com a ajuda de seu filho, Howard Williams, proferiu seu último discurso:
Jovens da França, eu quero dizer que se vocês querem levar uma vida feliz, útil e proveitosa, dêem seus corações a Deus, enquanto são jovens.
Meu último legado muito precioso é a Associação Cristão de Moços. Eu a deixo em suas mãos queridos jovens de todos os países, para que vocês a conservem e a divulguem. Espero que vocês sejam tão felizes como eu tenho sido e tenham mais êxito, pois isto significará bênçãos para suas próprias almas e para as almas de muitos outros (http://www.ymca.org.br/index.asp?pagina=historia)
 Na noite de 14 de novembro desse mesmo ano de 1905 faleceu George Williams e foi sepultado na cripta da Catedral de Saint Paul, em Londres.
A Revista oficial “InformaACM”, em uma edição especial, registra que em 1890, o Reverendo George W. Chamberlain,[5] missionário presbiteriano no Brasil, enviou uma carta ao Secretário Geral da ACM / YMCA Nova York, Robert McBurney, para trazer o movimento acemista ao Brasil. Ele dizia: “Deve-se dar início desde já e, em vários centros ao trabalho em prol dos moços brasileiros, no estilo da Associação Cristã de Moços”. (2012, p. 09). Em visita à YMCA de Minneapolis, nos Estados Unidos, Chamberlain encontrou o jovem Myron August Clark, líder nova-iorquino da YMCA Kansas City, que aceitou o desafio e veio ao Brasil no ano seguinte lançar a semente da Associação Cristã de Moços. 

Em 1891 o jovem norte-americano Clark chega a São Paulo, cidade onde o protestantismo estava fortemente estabelecido, mas encontra dificuldades para desenvolver a ACM e resolve mudar-se para o Rio de Janeiro. Em 04 de julho de 1893, Clark funda a ACM do Rio de Janeiro, a primeira da América Latina, em um prédio alugado na Rua da Assembleia e a primeira sede própria na cidade do Rio de Janeiro foi adquirida em 1896, na Rua da Quitanda, 47[6]. Em 1901 a ACM inicia no Rio Grande de Sul e também alcança Minas Gerais, Brasília, Paraná, Amazonas e Pará, onde manteve um acampamento em Porto Trombetas (DACOSTA, 2006, p. 03).
Em agosto de 1895, Clark retorna a São Paulo e juntamente com alguns jovens cristãos, entre eles o futuro pastor presbiteriano Erasmo Braga estabelece uma base da ACM que por alguma razão teve que ser reorganizada em 1903. (MATOS, 2008, p.151 e nota n° 71).
A partir desta reorganização a ACM em São Paulo ela consegue atrair cada vez mais jovens para suas múltiplas atividades sociais, físicas, cursos e palestras, já em 1920 contava com 1 mil Associados registrados e no ano de 1922, já contava com 7 mil pessoas associados. A atuação das ACMs vai fomentar, juntamente com o Movimento Voluntario Estudantil (MVE) a criação da União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB), que vai desempenhar um papel relevante nos acontecimentos desencadeados nas décadas de 50/60.
Um dos pastores presbiterianos que atuou fortemente junto a ACM, na década de cinquenta foi o Rev. José Borges dos Santos Jr, cuja preparação acadêmica e suas qualificações pessoais o estimulavam continuamente a se envolver em todas as frentes possíveis que de alguma forma cooperassem com a propagação da mensagem evangélica no país. A lista de organizações das quais ele teve participação direta demonstra claramente que ele nunca se acomodou apenas dentro das fronteiras denominacional presbiteriana, mas sempre esteve aberto para cooperar com todos aqueles que de uma forma ou outra ansiavam multiplicar os esforços em impactar a sociedade brasileira com a mensagem cristã evangélica, no que foi fortemente influenciado e estimulado pelos seus modelos e mentores acadêmicos e pastorais, tais como o Rev. Erasmo Braga que fez parte da fundação da ACM em São Paulo.
 Quando assumiu o pastorado na Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo (IPUSP), toma conhecimento das atividades desta agremiação cristã de cunho ecumênico e incentiva que os jovens da igreja participem ativamente dela. Além disso, ele vai se envolver pessoalmente nas atividades da ACM fazendo parte da direção desta agremiação cristã e em seus Relatórios Pastorais anuais ao Presbitério de São Paulo encontramos o registro de suas participações, ao menos uma ou duas anuais, através de palestras e estudos bíblicos: 1950 (01 palestra); 1951 (02 palestras e 01 reunião); 1952 (01 palestra e 01 estudo bíblico); 1953 (01 palestra e 01 estudo bíblico); 1954 (02 palestras e 01 estudo bíblico). Em meados de 1952 foi convidado para participar da Junta Internacional da ACM reunida em Montevidéu, no Uruguai.
Como toda organização não denominacional ela dependia das contribuições de seus afiliados, mas também do apoio financeiros das igrejas, para poder manter seu orçamento. O Rev. Borges, conforme registro na Ata 1002 (01/01/1949) da IPUSP, solicita apoio financeiro, no que é atendido, para suprir necessidades da ACM em São Paulo.
Mas se desde os primórdios até a década de cinquenta havia um espírito de cooperação entre as diversas denominações, de maneira que o apoio às organizações paraeclesiásticas era visto de forma positiva, tudo começara a mudar a partir da década de sessenta e os acontecimentos políticos eclesiásticos que mudaram definitivamente a forma de relacionamentos denominacionais e principalmente a ótica extremamente negativa pela qual passou a serem vistas todas as organizações paraeclesiásticas.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

Referências Bibliográficas
CORREIA, Juliane Cristine Alves. O lugar da ACM na história da educação física brasileira - refletindo sobre o esporte e a calistenia. (Graduação) Universidade Estadual de Campinas (Faculdade de Educação Física): Campinas, 2008.
GUEDES, Ivan Pereira. O Protestantismo na capital de São Paulo: A Igreja Presbiteriana Jardim das Oliveiras. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião).
HIDAKA, Milton Kazuo e SEGUI, Ary de Camargo. Associação Cristã de Moços no Brasil – ACM abud DACOSTA, Lamartine (Org). Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro: CONFEF, 2006. Disponível em: http://www.atlasesportebrasil.org.br/textos/169.pdf. Acesso em 01/05/2013.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira – perspectivas sobre a missão da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
REVISTA INFORMACM. Ano 10, n° 39, Edição Especial, São Paulo, 2012. Disponível em: http://www.acmsaopaulo.org/novo/adm/upload/revistasVirtuais/ 117201224630PM-informacm_edicao39.pdf. Acesso em 10/03/2013.

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[1] Palavra que vem de eclesia, (igreja); está relacionada a atividade em paralelo ao ministério eclesiástico. Inicialmente visava unir esforços entre os diversos ramos do cristianismo em favor de comunicar a mensagem evangélica, o que deu origem às missões interdenominacionais. Posteriormente tornou-se um instrumento para uma aproximação ecumênica e social dentro do campo religioso protestante e católico.
[2] George Williams nasceu em 11 de outubro de 1821 em uma granja no condado de Somerset (Inglaterra). Até os 15 anos viveu no campo com sua família, dedicado aos trabalhos rurais como seus irmãos. Desde cedo George Williams não se mostrou apto para as atividades no campo mesmo assim demorou muito tempo para se dar conta de que estava bastante desorientado frente à vida. Durante essa época o jovem de 15 anos enfrentou sérios problemas de ordem moral e espiritual a respeito do seu destino. Toda essa efervescência pessoal culminou na sua conversão à Igreja Congregacionalista, onde se tornou um ativo participante da escola dominical e iniciou um movimento de evangelização de companheiros de trabalho, celebrando em sua casa reuniões de estudos bíblicos.
[3] Desde o século XVI já existiam na Europa pequenos grupos de jovens cristãos que se reuniam para estudos bíblicos: na Holanda, em 1568; em Paris, em 1629; nos Estados Unidos, em 1677, entre outros movimentos em países europeus.
[4] Base de testemunho da Associação Cristã de Moços, a Base de Paris, aprovada pelos delegados da I Conferência Mundial de Paris, em 1855, foi reafirmada no 6° Conselho Mundial das ACMs/YMCAs, em 1973.
[5] Chamberlain e sua esposa haviam iniciado as bases da Escola Americana na cidade de São Paulo e que posteriormente se constituiu em Colégio e Universidade, cujo nome atual é Universidade Presbiteriana Mackenzie. As Escolas Americanas inovaram muito o espaço escolar introduzindo entre outras coisas a educação física e a prática esportiva em seus currículos. Esta mentalidade inovadora se amalgamava com as atividades desenvolvidas pela ACM/AMCA.
[6] Em 1929, a ACM passa a funcionar na Rua Araújo de Porto Alegre, em uma área recém-aberta na esplanada que resultou do desmonte do Morro do Castelo. Atualmente a ACM/YMCA está localizada na Rua da Lapa, 86 – Centro, cidade do Rio de Janeiro.

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