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quarta-feira, 20 de março de 2019

Protestantismo no Brasil: Italianos Presbiterianos



Luiz ou Luigi Bemini, 40 anos, está a bordo do “Rio Pardo”, cruza o Atlântico e chega a Santos, em companhia da esposa, Anjola (Ângela), e os filhos Arnaldo, Armando e Chencia, adolescentes. A família desembarca em Santos e, após breve permanência na Hospedaria dos Imigrantes, rumou para a capital, onde se estabeleceu na Rua 24 de Maio. Ao contrário de muitos de seus compatriotas, que permaneciam na Hospedaria muitos dias, até serem recrutados para fazendas de café no interior de São Paulo. Pelo jeito, Bernini tinha rumo e atividades certas, embora sua ficha de imigrante fosse de “trabalhador”. Esse italiano pertencia à Igreja Valdense da Itália. Descendia do grande arquiteto e escultor Gian Lorenzo Bemini, autor de obras arquitetônicas em arte, trabalhou para oito papas na elaboração de obras no entorno da Basílica de São Pedro, e como autor de outras espalhadas em Roma, entre as quais várias fontes. Chegado a São Paulo, logo se filiou à Igreja Presbiteriana juntamente com a esposa e os filhos, todos batizados pelo Rev. George Chamberlain. Como não portava documento de sua filiação à Igreja Valdense, Bemini professou a fé e foi batizado por Chamberlain no dia 13 de março de 1881.
Há um episódio grave, registrado por Themudo Lessa, nas págs. 233- 234, sobre um padre de São Bernardo do Campo a quem Luigi foi pedir permissão para sepultar um filhinho. O padre naquele tempo era a autoridade que concedia permissão para se enterrar pessoas no cemitério. Mesmo com a alegação de que o menino era batizado e que a lei reservava lugar para não católicos nos cemitérios, o vigário disse que a autoridade máxima era a da sua igreja. “Aonde vou então enterrar meu filho?”, indagou Luigi. “No mato”, respondeu o padre. Sendo assim, o enlutado italiano levou, num cesto, o corpinho do filho e o sepultou em São Paulo. É de notar como a colônia italiana demorou a aderir ao presbiterianismo. Fundada em 1865, a Igreja Presbiteriana de São Paulo, em 1867 aderiu a ela Bartholomeu Revíglio, o primeiro italiano. Conforme Lessa, na pág. 197, a família Bemini é a segunda turma. Em 1900, a Igreja Unida de São Paulo designou o então licenciado Júlio Sanguinetti para trabalhar com um grupo de crentes italianos e, ao mesmo tempo, evangelizar outros.
A igreja nasceu na casa do italiano
Luigi Bemini e a família estão agora no município de Tietê. Após vinte e dois anos como membro da igreja em São Paulo, os Bemini foram recebidos por jurisdição na Igreja Presbiteriana de Tietê, na data de 30 de outubro de 1904. Adquiriu um sítio, naquela época uma verdadeira fazenda. O Rev. João Ribeiro de Carvalho Braga pastoreava naquele ano a igreja de Tietê. Luigi Bemini, assim como Bartolomeu Revíglio, seu compatriota, tinha sido colportor e gostava de evangelizar. Tinha lá no sítio uns empregados e vizinhos, a quem costumava falar do evangelho e convidar para reuniões em sua casa. Aliás, casarão. Ali começou um ponto de pregação e em pouco tempo foi considerada congregação autônoma. Chegou, em agosto de 1905, o Rev. Júlio Sanguinetti, como pastor da igreja de Tietê. A vinda desse seu patrício parece ter aumentado o alento de Luigi. Um ano e três meses depois de recebido como membro, Luigi fundou a igreja no chamado casarão onde morava, e no dia 6 de janeiro de 1906 é organizada igreja, pelo Rev. Júlio Sanguinetti, que começou a pastorear as duas. Passou a chamar- se em alusão ao nome do lugar, “Igreja Presbiteriana de Cruz das Almas”. Constam como fundadores os nomes de Luigi Bemini; sua segunda esposa, Elíza Pereira Bemini; Chencia Bemini e Armando Bemini, filhos de Luigi; Benedicto João de Campos; Joaquim J. de Campos; Joaquim Manoel de Campos; Amélio de Souza Lara; Izabelina de Campos Lara; Ignácio Soares remandes; Manoel Soares Fernandes; Isabel Maria de Lima; Anna Mana ie Moraes; Salvador Alves Ribeiro; Maria Eugênia de Camargo; e Ürsula Leopoldina do Amaral. A grande maioria era de irmãos transferidos da igreja ie Tietê na mesma data da inauguração da igreja de Cruz das Almas.
A igreja cresceu e os irmãos sentiram a necessidade de construírem seu primeiro templo, e isso foi possível com a doação do terreno por um dos fundadores, Benedito João de Campos, sete anos depois de organizada a igreja, em 1913. A propriedade situava-se perto do município de Porto Feliz, a dezesseis quilômetros do centro de Tiete. A construção foi concluída em
1927. De maneira que, por muitos anos, a propriedade dos Bemini abrigou a igreja. A primeira esposa de Luigi faleceu em 1884, e do segundo casamento com Elisa Pereira nasceram outros filhos. Em 1926, Luigi Bemini faleceu e foi sepultado logo na entrada do Cemitério do Redentor, na Avenida Doutor Arnaldo esquina com a Rua Cardeal Arcoverde, em São Paulo. Elisa faleceu em Tietê, em 1935.
Pastores nas lutas e vitórias
Aconteceu o que é comum à história de outras igrejas. Como diz o ditado popular, “nem tudo são flores”. O caminho da igreja é muitas vezes pontilhado de espinhos. Há muita luta para se cumprir a missão. Problemas de toda a sorte aparecem. Escassez de recursos, de gente para trabalhar, de liderança, muito tempo sem oficiais, sem Conselho, falta de fidelidade. Esses os mais comuns problemas. Não foi diferente com a igreja de Cruz das Almas. Porém há também flores pelo caminho, e a igreja conta vitórias após lutas. Luiz Bemini, com visão, abriu um curso de alfabetização para os moradores da região. Vários descendentes seus tocaram a obra. Um dos descendentes é o pastor Marcos Bemini. Outros reforços chegaram, entre os quais os da família Almeida. Leonor, uma das filhas de Luiz, casou-se com João Pedro de Almeida, pai do Rev. João de Almeida, por muitos anos pastor da igreja de Itapeva e das igrejas de Itapetininga e de Torre Pedra; e avô dos presbíteros Heber José de Almeida e João de Almeida Junior. O Rev Edson Fernando de Almeida descende dessa mesma família Almeida. João Pedro de Almeida tomou-se presbítero, um dos sustentáculos da igreja. Certa ocasião teve de enfrentar um invasor do templo em plena escola dominical. Tão estranho senhor, provavelmente por conta própria, entrou armado e ordenou que todos se encolhessem num canto e ficassem quietinhos, enquanto ameaçava de morte o presbítero, caso não encerrasse definitivamente as reuniões da igreja. Os irmãos  estão contidos, mas oravam e pediam por livramento, enquanto o refém administrava a crise com sabedoria, paciência e palavras de consolo e esperança. Ate que aquela criatura desistiu de seu intento. Parece que era meio louco.
A igreja desenvolveu, ao longo do tempo, ministérios diversos, e um deles parece ter gerado simpatia nas autoridades: evangelização e cuidado de crianças no Jardim Santa Cruz. Em 1989, Wilma Pantojo de Souza e Maria Luiza Moreira Camargo iniciaram esse trabalho na residência de Olinda Camargo Jacinto, e depois numa sala da Escola “Professora Lyria de Toledo Pasquale”. Era a classe “Boas Novas”. Esse trabalho prosperou de tal maneira que a igreja decidiu comprar um terreno no bairro, e foi para lá que se mudou, depois da construção do templo, em 1993 A propriedade antiga funciona, desde então, como acampamento. As entidades internas são a UMP, desde 1969; a SAF, desde 1974; e a UPH, desde 2001. Nesses cento e três anos a igreja tem sido pastoreada pelos Revs. Júlio Sanginetti, João Ribeiro de Carvalho Braga, james Porter Smith, William Cleary Kerr, Uriel Antunes de Moura, Manoel Alves de Brito, Waldemar W. Wey, Pedro Albero Rodrigues, Renato Fiúza Teles, Lázaro M. Camargo, José Constantino Ramos, Lázaro Lopes de Arruda, Felipe Manoel de Campos, Jackson Macedo de Souza, Paulo Edson Petreca, Cézar Palmeira, Antônio Francisco de Souza, Ezequiel Fernandes de Camargo, Joel Rodrigues Cavalcanti, Antônio Jorge de Souza, Roberto Pontes Oliveira, José Correa Cardoso, Joani Correa Prestes, Leocádio Carpiné, Osvandi Pedroso e Airton Williams Vasconcelos Barbosa e Amauri Bella Rodrigues.

Utilização livre desde que citando a fonte
Professor Caleb Soares
Historiador
Mestre em Letras
Mestrando em Teologia
Fundador e Presidente do
Instituto de Pedagogia Cristã (IPC)

Referência Bibliográfica
SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.

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