Tirando as duas tentativas
frustradas de se estabelecer alguma forma de protestantismo no Brasil através
da invasão e domínio, a primeira de curtíssima duração pelos franceses (1555-1567)
e a segundo mais longa dos holandeses (1630-1654), os diversos ramos derivados
da Reforma Protestante iniciaram definitivamente sua inserção no país no final
dos oitocentos, com a chegada de diversos missionários de origem estadunidenses
enviados pelas denominações evangélicas americanas.
Entretanto, apesar da presença
permanente e crescente destes ramos protestantes a mais de cento e cinquenta
anos, sua presença e atuação na sociedade brasileira continuam sendo ignorada
completamente pelos livros didáticos de História do Brasil. A culpa deste fato
facilmente comprovado não é apenas daqueles que produzem o material didático,
mas também dos próprios protestantes que optaram desde suas origens tupiniquins
a manterem uma equidistância da sociedade em que eles vivem e quando chamados
para assumirem um papel de protagonista dos eventos sociais contentaram-se em
permanecerem como meros coadjuvantes da história nacional. Esta opção ao longo
do tempo tornou a presença protestante invisível aos olhos da sociedade
brasileira.
Os pioneiros do estudo
sociológico e antropológico no Brasil não fizeram ou fizeram poucas referências
ao protestantismo brasileiro nascente, para citar apenas alguns exemplos temos Oliveira
Vianna (1920), Alceu Amoroso Lima (1931) e Gilberto Freyre (1933) que ao
fazerem pequenas inserções em seus textos sobre os protestantes nacionais, o
fazem de forma folclórica, como simples curiosidade.
A
presença e influência dos protestantes em suas respectivas denominações
começaram a serem pesquisadas mais precisamente após o grande crescimento das
chamadas denominações pentecostais e mais especificamente os chamados
neopentecostais (Universal e seus derivados) na sociedade brasileira e sua
grande visibilidade na mídia e participação na política regional e nacional,[1] forçando os centros
acadêmicos a dar-lhes atenção como campo crescente de pesquisa sociológica,
antropológica e religiosa. Mas o protestantismo histórico ainda permaneceu
incubado e somente lentamente foi saindo dos casulos acadêmicos.
Um fator
que alavancou a pesquisa no campo do protestantismo histórico foi a criação dos
cursos de pós-graduação e mais especificamente os da área de Ciências da
Religião. Na medida em que estes polos foram se multiplicando no Brasil a produção
acadêmica tomou um novo e continuo impulso.
Uma
das primeiras e provavelmente pioneira produção acadêmica dentro das normas da
pesquisa cientifica sobre o protestantismo no Brasil foi a do professor Leonard
“O protestantismo brasileiro, estudo de
eclesiologia e historia social”, cujo subtítulo revela o escopo e a
orientação do autor, onde ele procura relacionar o crescimento do
protestantismo no Brasil com diversos fenômenos sociológicos brasileiros e
desta forma caracterizar algumas das funções sociais do protestantismo e de
suas variadas modalidades.
O
historiador francês Guillaume Jules Émile Léonard,[2] nome completo, mas
conhecido amplamente na historiografia protestante brasileira como Émile
Léonard, chega ao Brasil no final da década de 1940 a convite da Universidade
de São Paulo (USP), recomendado por Lucien Febvre e Fernand Braudel para
lecionar História da Civilização Moderna e Contemporânea, ocupando a cadeira de
História da Faculdade de Filosofia, Ciências e letras de 1948 a 1950, cadeira
ocupada anteriormente por Fernand Braudel, que aqui estivera em seu segundo
período de maio a dezembro de 1947. Tinha ele uma motivação pessoal para
atravessar o grande Atlântico em direção ao sul, pois desejava conhecer o
protestantismo brasileiro para aprofundar suas pesquisas sobre a expansão da
Reforma nas diferentes partes do mundo.
E o protestantismo brasileiro não lhe oferecia apenas um
tema de investigação, um campo relativamente virgem de pesquisa. Oferecia-lhe algo
mais: oferecia-lhe uma espécie de viveiro de experimentação, um flagrante, por
assim dizer, do processo histórico. Desde 1921 — como se deduz da lista de publicações
suas — vinha êle reunindo elementos para realizar uma grande interpretação da
Reforma na França. O panorama atual do protestantismo francês, distante quatro
séculos do ambiente da Reforma, oferecer-lhe-ia problemas constantes de
interpretação dos fatos. A introdução do protestantismo no Brasil é de ontem: a
obra congregacionalista data de 1855, a presbiteriana, de 1859. O catolicismo
brasileiro do fim do século passado assemelhava-se ao europeu do século XVI.
Ainda hoje, em muitos pontos do Brasil, se vivem e se reproduzem os choques, as
polémicas, as reações, as perseguições religiosas, da segunda metade do século
passado. Êsse ambiente seria muito parecido com aquêle em que se operou a Reforma
do século XVI (Prefâcio da primeira edição de 1965-ASTE).
Apesar
do exímio tempo que permaneceu no país o eminente professor empreende uma ampla
pesquisa de campo e em arquivos nas denominações protestantes, bem como a
leitura bibliográfica da história do Brasil e do protestantismo aqui
estabelecido, de modo a estabelecer os subsídios necessários para elaborar sua
obra acima referida. Inicialmente sua pesquisa foi editada e publicada em oito números
da Revista de História da USP (nºs 5 a 12),[3] de janeiro de 1951 a
dezembro de 1952 e somente reunido em livro no ano de 1963 (dois anos após a
morte dele).[4]
Ele
inicia seu trabalho delimitando suas fontes, discorrendo pelo estabelecimento
das primeiras missões estrangeiras, passando pelas reações dentro do
catolicismo hegemônico até então vigente no Brasil, sem deixar de expor os
problemas eclesiásticos ocorridos no interior do próprio protestantismo
estabelecido aqui em forma das múltiplas denominações exportadas de suas
matrizes americanas.
Como
mencionado o pioneirismo de seu trabalho esta no fato de que ele evita as narrativas
hagiográficas até então vigentes na historiografia protestante brasileira e
municia-se de uma rigorosa pesquisa documental e da aplicação de um método de
investigação histórico próprio a um trabalho científico.
Como
estrangeiro, francês, e ligado a uma instituição acadêmica não confessional
(USP), portanto sem vínculo denominacional, Leonard estava completamente livre
para empreender não apenas uma mera reconstituição da implantação e expansão do
protestantismo no Brasil, mas também para fazer uma análise de seus aspectos
positivos e negativos.
A
multiplicidade de denominações evangélicas, com suas estratégias e atividades
distintas, antes de ser um aspecto positivo, acabam por se torna um problema a
ser administrado permanentemente, pois os atritos tornam-se inevitáveis na prática
missionária. Um exemplo é o fato de que os presbiterianos possuem duas agências
missionárias atuando simultaneamente no país, uma de origem sulista e outra de
origem nortista e que em diversas ocasiões expõem as diferenças de suas missões
pátrias advindas da chamada Guerra de Secessão.
A
formação da membresia dessas comunidades protestantes iniciais é formada não
apenas pelas camadas sociais menos favorecidas, mas também atraem intelectuais
e aristocratas. Ele percebeu também dado as dimensões continentais e desproporcionais
do país, somados ao numero defasado de missionários e pastores, que foram surgindo
ao longo dos anos diversas comunidades evangélicas autônomas sem qualquer influência
das lideranças das igrejas estabelecidas.
Especifica
algumas das crises internas e cisões das jovens denominações protestantes (como
a divisão da igreja presbiteriana em virtude do debate a respeito da questão da
maçonaria); visitou e observou com muita atenção a Igreja Evangélica Brasileira
(IEB), decorrente da ruptura de uma liderança presbiteriana, Miguel Vieira
Ferreira, então presbítero dessa igreja, mas que acabou fundando uma nova
tradição religiosa, que naquele momento de sua pesquisa estava em processo de reinterpretação
de suas origens; expõe a contínua reação católica, sobretudo na República, tendo
como propósito salvaguardar seu espaço de atuação e sua posição de religião
hegemônica; por fim tece algumas considerações sobre o pentecostalismo que
ainda estava iniciando sua expansão nos grandes centros urbanos brasileiro.
A
obra de Léonard, portanto, permanece um referencial a pesquisadores do tema,
tanto pelas preciosas informações que contém como também, conforme ressaltado,
pelo seu pioneirismo enquanto projeto historiográfico sobre o protestantismo.
LÉONARD, Émile-Guillaume.
O protestantismo brasileiro:
estudo de eclesiologia e de história social . Tradução de Camargo Schützer,
2ª edição. Rio de Janeiro e São Paulo, JUERP/ASTE, 1981. 354 p.
estudo de eclesiologia e de história social . Tradução de Camargo Schützer,
2ª edição. Rio de Janeiro e São Paulo, JUERP/ASTE, 1981. 354 p.
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Guedes, Ivan Pereira
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[1] Desde os anos 50, o Pentecostalismo
cresce muito no Brasil. Mas sua expansão acelera-se acentuadamente a partir da
década de 1980, momento em que esse movimento religioso passa a conquistar
igualmente crescente visibilidade pública, espaço na tevê e poder político partidário.
Segundo os Censos Demográficos do IBGE, havia 3,9 milhões de pentecostais no Brasil
em 1980, 8,8 milhões em 1991 e 17,7 milhões em 2000.
[2] A família de Léonard vem da forte tradição
huguenote e seus antepassados constam nos arquivos de Genebra – que, no século
18, recebeu muitos refugiados franceses.
[3] O Prof. Dr. Eurípedes Simões de Paula
abriu-lhe as páginas da Revista; o Prof. Lineu de Camargo Schiitzer deu-se ao
trabalho de traduzir as 315 páginas em que se converteu o seu original, distribuídos
ao longo das oito edições consecutivas.
[4] Sua monumental obra histórica do
protestantismo - Histoire Générale du Protestantisme (Paris, 1961-1964;
reeditada em 1988), perfazem quatro volumes que totalizam 1937 páginas.
Torna-se imprescindível ao estudo do protestantismo, uma obra amadurecida ao
longo de mais de vinte anos de uma carreira dedicada à pesquisa e ao
recolhimento de material sobre o protestantismo em diferentes partes do mundo. Suas
fontes pesquisadas incluem textos em inglês, espanhol, português, italiano,
holandês, alemão e latim, tendo sido traduzida para o inglês, espanhol e
italiano, lamentavelmente nunca para o português.
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