Translate

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Protestantismo no Brasil: Atuações Econômicas de James C. Fletcher


Adido Comercial
Fletcher foi sempre um missionário atípico, pois sua visão era extraordinariamente ampla para os seus dias. Hoje muito se fala que os missionários devem interagir com a sociedade em que desejam comunicar a sua mensagem evangélica e que isto pode ser feito através do exercício de uma profissão ou ofício. Fletcher já desenvolvia este conceito, quando se utilizou de sua função de Adido Comercial Americano para entre tantas outras coisas comunicar a sua mensagem evangélica. Escrevendo em 1862 uma carta ao Journal of Commerce de New York, ele expõe de forma muita clara sua concepção do trabalho missionário:
“Sei que alguns podem dizer que não é papel de um clérigo missionário estar envolvendo-se com negócios. Mas creio que tenho uma visão mais alta do que o mero interesse mercantil do meu país, pois sou dos tais que crêem que a religião e o comércio são servos que, unidos com a bênção de Deus, servem para a promoção dos interesses mais nobres e mais altos da humanidade”.[1]
                        O seu trabalho como Adido da Legação Americana no Brasil foi negociado com o governo brasileiro pelo então Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário dos Estados Unidos para o Brasil e Argentina, Robert Cumming Schenck, que deste modo procurava dar ao recém chegado missionário uma “proteção oficial”.
            Pouco tempo depois, Ferdinand Coxe, até então Secretário da Legação necessita pedir uma licença e indica Fletcher para substituí-lo interinamente. Assim, ele passa a responder por esta importante função diplomática, sob as ordens diretas do então Cônsul americano na Corte Edward Kent, que havia sido Governador do Estado de Maine.
            Escrevendo ao seu pai Calvin Fletcher,[2] ele deixa transparecer sua grande disposição e motivação em ser um instrumento missionário do evangelho, mas também em propiciar ao Brasil a oportunidade de alcançar um “progresso” tanto em seu desenvolvimento econômico, cientifico e tecnológico, que tanto os Estados Unidos quanto a Europa já haviam alcançado.
            Em 1853 o General William Trousdale assume o Ministério da Legação Americana e minimiza toda e qualquer sugestão de Fletcher quanto aos assuntos de interesse americano e brasileiro, e por fim acaba o destituindo da Legação[3]. Sem nenhuma diplomacia, mas transpirando arrogância e prepotência Trousdale conseguiu em pouco tempo inflamar profundamente toda a diplomacia brasileira, que naquele momento já estava insultada com uma expedição não autorizada de mapeamento do Rio Amazonas, feitas por militares americanos e por vários artigos produzidos nos jornais de Washington, criticando abertamente o Governo brasileiro por não permitir a abertura do Rio Amazonas.
            Fletcher fica pasmo e profundamente irritado com as atitudes grosseiras e desastradas do então Ministro. Ele sabia que esta atitude estapafúrdia de Trousdale traria grande retrocesso nas relações Brasil-Estados Unidos. E de fato isto ocorreu, pois até então o Brasil estava disposto a ampliar os laços com os americanos para fugir da pressão dos ingleses, como o próprio Fletcher havia informado em sua correspondência ao New York Daily Times:
“O Brasil estava preparado para se atirar nos braços dos Estados Unidos da América do Norte e, provavelmente, sem consultar o Gabinete de Washington, revelou tal intensão ao Ministro Britânico”.[4]
            Afastado da sua função da Legação ele volta agora para sua única ocupação de Capelão dos Marinheiros, mas em momento algum perde suas aspirações sociais e missionárias. 
Feira Industrial
            Em 1853 sua esposa Henriette Fletcher, após o nascimento do segundo filho, fica muito adoentada e após vários tratamentos infrutíferos eles são aconselhados pelo médico a se mudarem para um clima mais frio. Apesar de suas dificuldades financeiras Fletcher consegue embarcar no navio Yankee Blade, de volta aos Estados Unidos via costa oeste, passando por Valparaíso, Colômbia e Panamá, onde faz baldeação e toma outro navio até New York (Fletcher e Kildder, p.239).
            Pouco tempo depois estavam morando em Washington. Fletcher encontra a Capital ainda em efervescência com as noticias daqueles acontecimentos envolvendo a diplomacia americana e brasileira. Um ano antes havia chegado a Washignton Francisco Inácio de Carvalho Moreira, conhecido mais tarde por Barão de Penedo, que assumira como Ministro Plenipotenciário brasileiro. O Ministro diariamente procurava quaisquer informações escritas sobre o Brasil e imediatamente respondia junto ao Departamento de Estado americano protestando contra qualquer insinuação de invasão do Amazonas, incluindo as pseudas expedições que não tinham outro objetivo a não ser invadir aquela região brasileira.
            Em 1854 Fletcher está pronto para retornar ao Brasil e agora vem como o primeiro agente nomeado pela Sociedade Bíblica Americana para o Brasil. Mas fiel à sua visão missionária e progressista se propõe a realizar uma exposição industrial de produtos americanos, no rio de Janeiro. (Fletcher e Kidder p. 239).
            Anuncia nos jornais americanos que levaria para expor no Brasil, sem qualquer custo para os doadores, artigos que fossem enviados ao seu endereço. Ele diz que estes artigos seriam posteriormente presenteados ao Imperador D. Pedro II, bem como as associações literárias e científicas brasileiras. Seu apelo foi bem sucedido e ele recebeu inúmeros artigos manufaturados para serem usados em sua Exposição no Rio de Janeiro.
            Uma companhia de navegação de Baltimore lhe forneceu passagem e frete gratuitos e o então Ministro brasileiro em Washington, Carvalho Moreira, deu-lhe uma apresentação que liberou sem transtornos alfandegários as mercadorias que seriam expostas no Brasil. (Fletcher e Kidder p.239-240).
            Em 16 de Maio daquele ano a Exposição promovida por Fletcher foi inaugurada no espaço do Museu Nacional com a presença do próprio Imperador D. Pedro II, e uma grande comitiva, que examinaram atentamente todos os artigos trazidos. A exposição industrial ficou aberta para o público por dois dias e foi um grande sucesso.
Ferrovias
            Em seu esforço em ver o “progresso” brasileiro, Fletcher divulga e informa aos responsáveis pela nascente estrada de ferro que havia uma locomotiva de fabricação americana que suportaria aclives íngremes, facilitando assim o avanço deste fundamental transporte para o desenvolvimento da economia brasileira. Com necessidade de retornar aos Estados Unidos, procurou de todos os meios atrair o Barão de Mauá àquele país (Fletcher e Kidder p. 302), mas o Barão tinha grande ligação com os ingleses. Apesar disto, sem que se possa precisar se foi de fato o esforço de Fletcher, o então presidente da Estrada de Ferro Dom Pedro II, convidou o americano Coronel C.F.M. Garnett para assumir a função de engenheiro chefe daquela linha. Deste modo, a linha tornou-se inteiramente “americanizada” não apenas pelo pessoal, mas porque o material rolante era todo de fabricação americana (Bastos – Cartas, p.513; Fletcher e Kidder p.302).
Agricultura
            De uma forma muito interessante Fletcher trouxe uma enorme contribuição para a agricultura cafeeira brasileira. Em 1862 conseguiu atrair para o Brasil John H. Lidgerwood, neto do fundador da Lidgerwood Manufacturing Company de New York, que veio com o objetivo de solicitar concessões para vender sua máquina de despolpar café. Por intermédio dele o industrial teve acesso direto ao Imperador Dom Pedro II, que impressionado pela utilidade da máquina autorizou a concessão, registrando inclusive em seu diário. Ao menos em seus primeiros anos a máquina de Lidgerwood foi de grande influência na economia cafeeira do Brasil. Em uma de várias viagens que Lidgerwood fez pelo pólo cafeeiro das então Províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais ele declara a um jornal de língua inglesa no Rio de Janeiro, que os fazendeiros “tinham haurido tanto benefício do uso de suas invenções e melhoramentos e lhe tinham demonstrado reconhecimento pelos serviços que havia prestado ao grande produto do Império” (The American Mail, Rio, 24 de fevereiro de 1862).
            Fletcher também trouxera nesta sua vinda um grande suprimento de sementes de algodoeiro das ilhas de Barbados, como também milho de excelente qualidade que era amplamente cultivado nos estados sulistas americano, doando tudo ao Instituto Brasileiro de Agricultura. Impressionado pelo esforço de Fletcher o imperador Dom Pedro II registra este acontecimento em seu diário (Diário do Imperador, p. 166).
Jazidas de Carvão
            Um dos gargalos da recente e progressiva industrialização brasileira era a questão energética. Havia uma grande carência de grandes depósitos de carvão mineral de boa qualidade no território nacional. Fletcher havia feito amizade com um geólogo inglês chamado Nathaniel Plant que desde 1861 estava nas regiões do Rio Grande do Sul fazendo explorações pelas bacias dos Rios Candiota e Jaguarão. Este geólogo havia localizado alguns depósitos de carvão que depois de várias análises haviam demonstrado serem extensos e de boa qualidade. Uma carta do Professor Agassiz ao geólogo garantia que as amostras de carvão que tinha examinado podiam tranqüilamente serem comparadas as melhores do mercado internacional (Fletcher e Kidder, Apêndice D, pp.384-396). Fletcher não perdera tempo e usando de toda a sua influência palaciana consegue marcar uma audiência do geólogo Plant com o próprio Imperador e pessoalmente o conduziu ao palácio (Fletcher e Kidder, ibid., 617-623; Carta de Fletcher a Dom Pedro II, Rio, 13 de Agosto de 1864). Um relatório desta pesquisa de Plant foi publicado na revista inglesa Quartely Journal of Science, V.II, de abril de 1864.
            Resumidamente essas são algumas das contribuições de missionário presbiteriano estadunidense em relação ao Brasil que ele escolheu amar e semear a mensagem evangélica da forma protestante. Lamentavelmente somos obrigados a registrar que apesar de tão grandes esforços o trabalho de Fletcher ficou fora dos anais da historiografia presbiteriana e mesmo protestante produzidos no Brasil.
           

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


Artigos Relacionados
James Cool Fletcher: o primeiro missionário presbiteriano no Brasil
O Brasil pelo Prisma Protestante (J. C. Fletcher)
Protestantismo no Brasil: Livro - O Brasil e os Brasileiros – Prefácios http://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/01/livro-o-brasil-e-os-brasileiros.html?spref=tw
Inserção do Presbiterianismo no Brasil
Protestantismo no Brasil - DOCUMENTO: O Primeiro Esboço do Presbiterianismo no Brasil
O Trabalho Desenvolvido por Ashbel Green Simonton e Seus Companheiros

Referências Bibliográficas
KIDDER, D. P. e FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros – esboço histórico e descritivo, v. 1.Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941 [Tradução da 6ª. edição em inglês - Elias Dolianiti e Revisão e Notas de Edgard Sussekind de Mendonça].
LÉONARD, Émile-Guillaume. O protestantismo brasileiro – estudo de eclesiologia e de história social, 2ª. ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JUERP/ASTE, 1981.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga - o protestantismo e a sociedade brasileira. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
OLIVEIRA, D. V. “The Brazil and The Brazilians”: Apontamentos documentais e analíticos de uma publicação norte-americana sobre o Brasil no século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.
_______________. A “sólida e estável” Monarquia nos Trópicos: Imagens sobre o Brasil e os Brasileiros no livro Brazil and Brazilians – portrayed in Historical and descriptive sketches, 1857.Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2013.
PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: Relatos de Viagens e Transculturação. Bauru: EDUSC, 1999.
REILY, Ducan Alexander. História documental o protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1984.
SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã – IPC, 2009.
VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil, 2ª. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.





[1] Journal of Commerce, New York, 6 de Setembro de 1862.
[2] IHS-CFP, Carta nº 493 (cf. David Gueiros Vieira, op. Cit. P.63)
[3] “O nome de Fletcher desapareceu completamente da lista diplomatica da Corte Imperial do ano de 1854”. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro (Rio: Eduardo e Henrique Laemmert, 1854), p. 193 (cf. Vieira, op. Cit. p. 64).
[4] New York Daily Times, New York, 3 de janeiro de 1853. (cf. Vieira, ibid., p.64).

Nenhum comentário:

Postar um comentário