Adido Comercial
Fletcher foi sempre um missionário
atípico, pois sua visão era extraordinariamente ampla para os seus dias. Hoje
muito se fala que os missionários devem interagir com a sociedade em que
desejam comunicar a sua mensagem evangélica e que isto pode ser feito através
do exercício de uma profissão ou ofício. Fletcher já desenvolvia este conceito,
quando se utilizou de sua função de Adido Comercial Americano para entre tantas
outras coisas comunicar a sua mensagem evangélica. Escrevendo em 1862 uma carta
ao Journal of Commerce de New York, ele expõe de forma muita clara sua
concepção do trabalho missionário:
“Sei que alguns podem dizer que não é papel
de um clérigo missionário estar envolvendo-se com negócios. Mas creio que tenho
uma visão mais alta do que o mero interesse mercantil do meu país, pois sou dos
tais que crêem que a religião e o comércio são servos que, unidos com a bênção
de Deus, servem para a promoção dos interesses mais nobres e mais altos da
humanidade”.[1]
O
seu trabalho como Adido da Legação Americana no Brasil foi negociado com o
governo brasileiro pelo então Enviado Extraordinário e Ministro
Plenipotenciário dos Estados Unidos para o Brasil e Argentina, Robert Cumming
Schenck, que deste modo procurava dar ao recém chegado missionário uma
“proteção oficial”.
Pouco
tempo depois, Ferdinand Coxe, até então Secretário da Legação necessita pedir
uma licença e indica Fletcher para substituí-lo interinamente. Assim, ele passa
a responder por esta importante função diplomática, sob as ordens diretas do
então Cônsul americano na Corte Edward Kent, que havia sido Governador do
Estado de Maine.
Escrevendo
ao seu pai Calvin Fletcher,[2] ele deixa
transparecer sua grande disposição e motivação em ser um instrumento
missionário do evangelho, mas também em propiciar ao Brasil a oportunidade de
alcançar um “progresso” tanto em seu desenvolvimento econômico, cientifico e
tecnológico, que tanto os Estados Unidos quanto a Europa já haviam alcançado.
Em
1853 o General William Trousdale assume o Ministério da Legação Americana e
minimiza toda e qualquer sugestão de Fletcher quanto aos assuntos de interesse
americano e brasileiro, e por fim acaba o destituindo da Legação[3]. Sem
nenhuma diplomacia, mas transpirando arrogância e prepotência Trousdale
conseguiu em pouco tempo inflamar profundamente toda a diplomacia brasileira,
que naquele momento já estava insultada com uma expedição não autorizada de
mapeamento do Rio Amazonas, feitas por militares americanos e por vários
artigos produzidos nos jornais de Washington, criticando abertamente o Governo
brasileiro por não permitir a abertura do Rio Amazonas.
Fletcher
fica pasmo e profundamente irritado com as atitudes grosseiras e desastradas do
então Ministro. Ele sabia que esta atitude estapafúrdia de Trousdale traria
grande retrocesso nas relações Brasil-Estados Unidos. E de fato isto ocorreu,
pois até então o Brasil estava disposto a ampliar os laços com os americanos
para fugir da pressão dos ingleses, como o próprio Fletcher havia informado em
sua correspondência ao New York Daily Times:
“O Brasil estava preparado para se atirar nos
braços dos Estados Unidos da América do Norte e, provavelmente, sem consultar o
Gabinete de Washington, revelou tal intensão ao Ministro Britânico”.[4]
Afastado
da sua função da Legação ele volta agora para sua única ocupação de Capelão dos
Marinheiros, mas em momento algum perde suas aspirações sociais e missionárias.
Feira Industrial
Em
1853 sua esposa Henriette Fletcher, após o nascimento do segundo filho, fica
muito adoentada e após vários tratamentos infrutíferos eles são aconselhados
pelo médico a se mudarem para um clima mais frio. Apesar de suas dificuldades
financeiras Fletcher consegue embarcar no navio Yankee Blade, de volta aos
Estados Unidos via costa oeste, passando por Valparaíso, Colômbia e Panamá,
onde faz baldeação e toma outro navio até New York (Fletcher e Kildder, p.239).
Pouco
tempo depois estavam morando em Washington. Fletcher encontra a Capital ainda
em efervescência com as noticias daqueles acontecimentos envolvendo a
diplomacia americana e brasileira. Um ano antes havia chegado a Washignton
Francisco Inácio de Carvalho Moreira, conhecido mais tarde por Barão de Penedo,
que assumira como Ministro Plenipotenciário brasileiro. O Ministro diariamente
procurava quaisquer informações escritas sobre o Brasil e imediatamente
respondia junto ao Departamento de Estado americano protestando contra qualquer
insinuação de invasão do Amazonas, incluindo as pseudas expedições que não
tinham outro objetivo a não ser invadir aquela região brasileira.
Em
1854 Fletcher está pronto para retornar ao Brasil e agora vem como o primeiro
agente nomeado pela Sociedade Bíblica Americana para o Brasil. Mas fiel à sua
visão missionária e progressista se propõe a realizar uma exposição industrial
de produtos americanos, no rio de Janeiro. (Fletcher e Kidder p. 239).
Anuncia
nos jornais americanos que levaria para expor no Brasil, sem qualquer custo
para os doadores, artigos que fossem enviados ao seu endereço. Ele diz que
estes artigos seriam posteriormente presenteados ao Imperador D. Pedro II, bem
como as associações literárias e científicas brasileiras. Seu apelo foi bem
sucedido e ele recebeu inúmeros artigos manufaturados para serem usados em sua
Exposição no Rio de Janeiro.
Uma
companhia de navegação de Baltimore lhe forneceu passagem e frete gratuitos e o
então Ministro brasileiro em Washington, Carvalho Moreira, deu-lhe uma apresentação
que liberou sem transtornos alfandegários as mercadorias que seriam expostas no
Brasil. (Fletcher e Kidder p.239-240).
Em
16 de Maio daquele ano a Exposição promovida por Fletcher foi inaugurada no
espaço do Museu Nacional com a presença do próprio Imperador D. Pedro II, e uma
grande comitiva, que examinaram atentamente todos os artigos trazidos. A
exposição industrial ficou aberta para o público por dois dias e foi um grande
sucesso.
Ferrovias
Em
seu esforço em ver o “progresso” brasileiro, Fletcher divulga e informa aos
responsáveis pela nascente estrada de ferro que havia uma locomotiva de
fabricação americana que suportaria aclives íngremes, facilitando assim o
avanço deste fundamental transporte para o desenvolvimento da economia
brasileira. Com necessidade de retornar aos Estados Unidos, procurou de todos
os meios atrair o Barão de Mauá àquele país (Fletcher e Kidder p. 302), mas o
Barão tinha grande ligação com os ingleses. Apesar disto, sem que se possa
precisar se foi de fato o esforço de Fletcher, o então presidente da Estrada de
Ferro Dom Pedro II, convidou o americano Coronel C.F.M. Garnett para assumir a
função de engenheiro chefe daquela linha. Deste modo, a linha tornou-se
inteiramente “americanizada” não apenas pelo pessoal, mas porque o material
rolante era todo de fabricação americana (Bastos – Cartas, p.513; Fletcher e
Kidder p.302).
Agricultura
De uma forma muito interessante
Fletcher trouxe uma enorme contribuição para a agricultura cafeeira brasileira.
Em 1862 conseguiu atrair para o Brasil John H. Lidgerwood, neto do fundador da
Lidgerwood Manufacturing Company de New York, que veio com o objetivo de
solicitar concessões para vender sua máquina de despolpar café. Por intermédio
dele o industrial teve acesso direto ao Imperador Dom Pedro II, que
impressionado pela utilidade da máquina autorizou a concessão, registrando
inclusive em seu diário. Ao menos em seus primeiros anos a máquina de
Lidgerwood foi de grande influência na economia cafeeira do Brasil. Em uma de
várias viagens que Lidgerwood fez pelo pólo cafeeiro das então Províncias do
Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais ele declara a um jornal de língua
inglesa no Rio de Janeiro, que os fazendeiros “tinham haurido tanto benefício
do uso de suas invenções e melhoramentos e lhe tinham demonstrado
reconhecimento pelos serviços que havia prestado ao grande produto do Império”
(The American Mail, Rio, 24 de fevereiro de 1862).
Fletcher
também trouxera nesta sua vinda um grande suprimento de sementes de algodoeiro
das ilhas de Barbados, como também milho de excelente qualidade que era
amplamente cultivado nos estados sulistas americano, doando tudo ao Instituto
Brasileiro de Agricultura. Impressionado pelo esforço de Fletcher o imperador
Dom Pedro II registra este acontecimento em seu diário (Diário do Imperador, p.
166).
Jazidas de Carvão
Um
dos gargalos da recente e progressiva industrialização brasileira era a questão
energética. Havia uma grande carência de grandes depósitos de carvão mineral de
boa qualidade no território nacional. Fletcher havia feito amizade com um
geólogo inglês chamado Nathaniel Plant que desde 1861 estava nas regiões do Rio
Grande do Sul fazendo explorações pelas bacias dos Rios Candiota e Jaguarão.
Este geólogo havia localizado alguns depósitos de carvão que depois de várias
análises haviam demonstrado serem extensos e de boa qualidade. Uma carta do
Professor Agassiz ao geólogo garantia que as amostras de carvão que tinha
examinado podiam tranqüilamente serem comparadas as melhores do mercado
internacional (Fletcher e Kidder, Apêndice D, pp.384-396). Fletcher não perdera
tempo e usando de toda a sua influência palaciana consegue marcar uma audiência
do geólogo Plant com o próprio Imperador e pessoalmente o conduziu ao palácio
(Fletcher e Kidder, ibid., 617-623; Carta de Fletcher a Dom Pedro II, Rio, 13
de Agosto de 1864). Um relatório desta pesquisa de Plant foi publicado na
revista inglesa Quartely Journal of Science, V.II, de abril de 1864.
Resumidamente
essas são algumas das contribuições de missionário presbiteriano estadunidense
em relação ao Brasil que ele escolheu amar e semear a mensagem evangélica da
forma protestante. Lamentavelmente somos obrigados a registrar que apesar de
tão grandes esforços o trabalho de Fletcher ficou fora dos anais da
historiografia presbiteriana e mesmo protestante produzidos no Brasil.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
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Bíblica
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Referências
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Brasil, 2ª. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.
Dados Biográficos
- http://www.famousamericans.net/jamescooleyfletcher/
[1]
Journal of Commerce, New York, 6 de Setembro de 1862.
[2] IHS-CFP, Carta nº 493 (cf. David
Gueiros Vieira, op. Cit. P.63)
[3] “O nome de Fletcher desapareceu
completamente da lista diplomatica da Corte Imperial do ano de 1854”. Almanaque
Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de
Janeiro (Rio: Eduardo e Henrique Laemmert, 1854), p. 193 (cf. Vieira, op. Cit.
p. 64).
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