Um fato facilmente comprovado em
qualquer levantamento feito nos grandes centros acadêmicos brasileiro é de que
até o presente momento não temos uma historiografia de mulheres no
protestantismo brasileiro, em geral, nem do presbiterianismo em particular. Temos
uma pequena produção de pesquisa voltada para a educação onde as mulheres
atuaram com intensidade na esfera protestante nacional e mundial, mas mesmo
aqui acabam afunilando nas figuras ícones da historiografia denominacional, de
maneira que as mulheres no sentindo mais geral e no que tange ao gênero pouco
tem sido pesquisado no campo religioso do protestantismo nacional.
Evidentemente que obras como a do
Dr. Alderi S. Matos “Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil” ampliam o universo
de mulheres que estiveram desde os primórdios da implantação do
presbiterianismo atuando intensamente na propagação evangélica e no
estabelecimento desta denominação em todo o vasto território nacional. Ele
inclusive dá nome e rosto às mulheres “sem nome”, ou seja, às “mulheres dos
pastores e missionários” que igualmente foram fundamentais na semeadura
evangélica protestante. Um exemplo típico disso é a jovem Helen M. Simonton que
morre prematuramente aos trinta anos, após o parto de sua primeira e única
filha, com menos de um ano de sua chegada ao Brasil. Além delas um número
significativo de mulheres caminhou lado a lado com os demais missionários,
enfrentando todas as dificuldades além das que lhes são peculiares, sofrendo
reveses e perdas no transcorrer de sua missão.
As dificuldades para se resgatar o
trabalho desenvolvido por essas mulheres estão no fato de que as informações
mormente estão alocadas em arquivos das respectivas Juntas Missionárias
americanas e denominacionais nos Estados Unidos, de maneira que dificulta muito
a pesquisa e força o estudioso a ocupar-se das fontes secundarias, como tão bem
exclarece o Dr. Alderi:
“Todavia, no que se refere às pioneiras norte-
americanas, esses documentos geralmente só estão disponíveis em arquivos
históricos localizados nos Estados Unidos. Assim sendo, este trabalho baseia-se
acima de tudo em fontes secundárias. Por outro lado, a preocupação maior não é
a de fazer uma análise psicológica, sociológica ou mesmo missiológica das
pessoas contempladas. O objetivo do autor é simplesmente contar a história das
pioneiras presbiterianas, na esperança de que futuros estudos possam fazer
análises mais aprofundadas desse aspecto tão interessante quanto negligenciado
da historiografia protestante no Brasil”.
A partir da obra do Dr. Alderi vamos
conhecer um pouco sobre essas mulheres que com suas vidas cooperaram de forma
singular na implantação e desenvolvimento do protestantismo no Brasil, através
de sua denominação presbiteriana, no final dos oitocentos e inicio dos
novecentos.
Elizabeth Wiggins Simonton
Primeira missionária presbiteriana no Brasil Elizabeth W.
Simonton pertenceu à terceira geração de uma família de escoceses-irlandeses
emigrados para os Estados Unidos. Seu avô, William Simonton, nascera por volta
de 1755 12 em County Antrim, na Irlanda do Norte. Ficando órfão, foi para os
Estados Unidos com cerca de dez anos, mediante o auxílio de um tio, o Rev. John
Simonton, pastor da Igreja Presbiteriana de Great Valley, no Condado de
Chester, na Pensilvânia. William tornou-se médico e casou-se com Jane Wiggins
em 17 de novembro de 1777, sendo a cerimônia oficiada pelo seu tio. Em 1784,
adquiriu a propriedade denominada ― “Antigua”, em West Hanover. Teve oito
filhos, cinco homens e três mulheres, e faleceu em 24 de abril de 1800. Sua
esposa faleceu em 1824.
Seu terceiro filho, também chamado William Simonton
(1788-1846), foi o pai de Elizabeth e do Rev. Ashbel Green Simonton. Ele cursou
a Universidade da Pensilvânia, formando-se em medicina em 1809. Em 1815,
casou-se com Martha Snodgrass (1791-1862), filha do Rev. James Snodgrass,
pastor da Igreja de Hanover, e professou a fé na Igreja Presbiteriana de Derry
no dia 8 de junho de 1817. A fazenda Antigua foi dividida igualmente entre ele
e o irmão John, que faleceu em 1824. O casal Simonton teve onze filhos, nove
dos quais chegaram à idade adulta: Martha Jamison (1816), Jane (1818), William
(1820), Elizabeth Wiggins (1822), Anna Mary (1824), John Wiggins (1826), James
Snodgrass (1829), Thomas Davis (1831) e Ashbel Green (1833).
Elizabeth nasceu no dia 4 de setembro de 1822 em West
Hanover, Condado de Dauphin, na Pensilvânia. Era, portanto, uma irmã mais velha
do futuro Rev. Ashbel Green Simonton, o missionário fundador da Igreja
Presbiteriana do Brasil, e a quarta filha de William Simonton e Martha
Snodgrass Simonton. Elizabeth estudou no Seminário Feminino de Newark, em
Delaware, onde teve marcante experiência de conversão durante um avivamento.
Filiou-se à Igreja Presbiteriana de Derry, na Pensilvânia, no dia 15 de maio de
1842. Tinha o apelido familiar de Lille.
Pouco antes de vir para o Brasil, o Rev. Simonton visitou
o Western Theological Seminary, em Allegheny, oeste da Pensilvânia, para
conhecer o Rev. Alexander Latimer Blackford, que acabara de ser ordenado e
também fora aceito como missionário para o Brasil. Nessa ocasião, provavelmente
surgiu um convite para que Blackford visitasse a família Simonton em
Harrisburg, no mesmo estado, onde a mesma agora residia, e foi assim que ele
conheceu Elizabeth. Casaram-se no dia 8 de março de 1860. Depois de uma
tumultuada e perigosa viagem marítima de três meses, o casal chegou ao Rio de
Janeiro em 25 de julho de 1860.
Após um período inicial no Rio de Janeiro, o casal
Blackford mudou-se para São Paulo em outubro de 1863, dando início à obra presbiteriana
na capital paulista. Em maio do ano seguinte, receberam a visita do sacerdote
José Manoel da Conceição, que retribuía uma visita que Blackford lhe havia
feito. Conceição deixou um belo testemunho acerca de Elizabeth:
“Sua muito nobre
senhora, Mme. Blackford, cuja alma é o santuário do Espírito de Deus, a
primeira palavra que me dirigiu foi um convite para comungar na sua igreja. A
surpresa embaraçou-me por um momento... Três grandes nomes, que farão
eternamente o objeto de minha gratidão, são inseparáveis da minha conversão e
entrada na família cristã. Estes nomes são A. L. Blackford, sua muito nobre
senhora e A. G. Simonton. Eis os dignos instrumentos de que quis Deus servir-se
para me fazer cristão”.
A residência do casal Blackford na Rua Nova de São José,
nº 1 (atual Rua Líbero Badaró), próximo ao Largo de São Bento, foi o berço do
presbiterianismo paulista. Ali se reuniu a igreja por muitos anos; ali
Elizabeth criou a pequenina Helen Simonton, após o falecimento da sua cunhada;
ali faleceu o seu irmão, o pioneiro Ashbel G. Simonton, em 9 de dezembro de
1867. Pouco antes do desenlace, Elizabeth aproveitou um dos últimos momentos de
lucidez de Ashbel e perguntou-lhe se tinha recados para os amigos do Estados
Unidos, para a Junta de Missões e para a Igreja do Rio. Ao ver a sua irmã
tomada de emoção, Simonton afirmou: “Devemos apenas nos recostar nos Braços
Eternos e estar sossegados”.[1]
Com a morte de Simonton, o casal Blackford voltou para o
Rio de Janeiro e esteve por vários anos à frente da igreja local. Em fevereiro
de 1870, a revista The Foreign Missionary publicou um interessante relato de
Elizabeth acerca da escola dominical da Igreja do Rio. Ela foi uma grande
entusiasta da obra missionária no Brasil. Possuía uma mente ágil e observadora
e tinha facilidade de relacionar-se com todos os tipos de pessoas, usando essa
habilidade com fins evangelísticos. Acometida por uma enfermidade nervosa nos
últimos anos de sua vida, sofreu com o clima do Brasil. Foi algumas vezes aos
Estados Unidos em busca de tratamento, uma vez sem o marido, mas logo que
sentia algum alívio regressava ao campo missionário, por causa do desejo que
tinha de viver e trabalhar no Brasil com o seu esposo e do seu grande amor por
este país. Viajou pela última vez à pátria no dia 25 de abril de 1878, a bordo
do navio Mississippi, levando consigo a pequena Helen Simonton.
Elizabeth Simonton Blackford faleceu no dia 23 de março
de 1879, após quase vinte anos dedicados à obra missionária no Brasil. O casal
achava-se de passagem por São Paulo quando Elizabeth foi acometida de uma febre
tifóide. Para ter os melhores cuidados disponíveis, foi levada para a
residência de um médico americano em Campinas (Dr. James M. Gaston?). Apesar da
assistência recebida e do carinho do esposo, ela veio a falecer. Seu corpo foi
levado para São Paulo e sepultado ao lado do de seu irmão no Cemitério dos
Protestantes, conforme o desejo que manifestara muitas vezes. O Rev. John B.
Kolb deu um dos mais significativos testemunhos sobre Elizabeth ao afirmar que
ela “amava com toda a ternura do seu coração o povo brasileiro, chamando-o ‘o meu povo’”. No túmulo da dedicada
missionária estão as palavras de 2 Timóteo 1.12: ―I know whom I have believed‖
(Eu sei em quem tenho crido).
Bibliografia (encontrada no livro
referido):
· Lessa,
Annaes, 175.
·
Ferreira, História da IPB, I:84.
· O
Diário de Simonton, 142s.
·
William Simonton.
Family History, Genealogical, Historical and Biographical of the Simonton and
Related Families. Saint Paul: Webb Publishing Company, 1900.
·
Modesto Carvalhosa,
―Exmª Srª Elisabeth Blackford‖, Imprensa Evangélica (17-04- 1879), 124.
·
George Norcross, The
Centennial Memorial of the Presbytery of Carlisle (Harrisburg: Meyers, 1889),
Vol. II, 453-54.
·
Álvaro Reis, Almanack
Histórico do O Puritano, 40s.
·
Vicente T. Lessa,
Padre José Manoel da Conceição, 2ª ed. (São Paulo: Estabelecimento Gráfico
Cruzeiro do Sul, 1935), 21.
·
Ribeiro,
Protestantismo e Cultura Brasileira, 270s.
Artigos
Relacionados
RESENHA:
Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil (1859-1900)
O
Trabalho Desenvolvido por Ashbel Green Simonton e Seus Companheiros
Protestantismo
no Brasil - Documento: O Primeiro Esboço do Presbiterianismo no Brasil
Primeiro
Curso Teológico Protestante no Brasil
O
Protestantismo na Capital de São Paulo: A Igreja Presbiteriana Jardim das
Oliveiras.
Referências
Bibliográficas
MATOS,
Alderi Souza de. Os pioneiros presbiterianos do Brasil (1859-1900). São
Paulo: Cultura Cristã, 2004.
[1] O dialogo final de Elizabeth e seu
amado irmão: “Elizabeth – Tem algum recado para os amigos dos
Estados Unidos? Ashbel –
Nada de especial. Diga-lhes que os amei até o fim. Elizabeth –
Alguma mensagem para o board de Missões? Ashbel –
Diga-lhes que toquem para frente o trabalho. Elizabeth – E a
igreja do Rio? Que falta vai fazer! Ashbel –
Deus levantará outro para pôr em meu lugar. Ele fará sua própria obra com seus
próprios instrumentos. E, ao perceber que fiquei tomada de grande emoção,
disse-me: Ashbel –
Devemos, apenas, nos recostar nos Braços Eternos e estar sossegados”.
Mulheres viruosas, para você conhecê-las virtualmente.
ResponderExcluirRelato de fato bastante motivador,
ResponderExcluirNos leva a dar seguimento a tarefa que foi colocada em nosso coração...
Que nosso Deus nos abençoe e nos guarde!