Fundador da Igreja Evangélica Brasileira - primeira dissidência da IPB |
Como já referido em outros
artigos, o Protestantismo trás em sua genética uma tendência fragmentaria que
se perpetuou no transcorrer de sua história. Evidentemente que esta facilidade
em se dividir é revestida por uma capa de zelo doutrinário ou teológico em um
esforço em minimizar os efeitos danosos destas intermináveis rupturas, que,
mormente tem muito menos de zelo pelo Evangelho bíblico e muito mais de
personalismo e disputas político- eclesiástico, quando não interesses
econômicos simplesmente. O movimento Religioso que remodelou o cristianismo
ocidental no século XVI nunca foi uníssono, pois já nasceu dividido tanto
teológico, quanto geograficamente. A Reforma proposta por Lutero gerou diversos
movimentos reformistas por toda Europa, sendo que algumas alcançaram uma repercussão
mais abrangente como a efetuada por João Calvino em Genebra, mas houve
inumeráveis reformas com repercussões apenas localizadas. Os interesses destes
movimentos reformistas também variavam, a que ocorre na Inglaterra através do
rei Henrique VIII, denominada por diversos estudiosos como a “Segunda Reforma”,
ocorre unicamente por causa dos interesses pessoais do rei inglês, que apesar
de romper com a Igreja Católica Romana, nunca deixou de ser devoto dos
preceitos e liturgia romana.
Esta genética fragmentaria
transmigrou para os Estados Unidos, onde desenvolveu as diversas subdivisões
gestadas na Igreja Anglicana, como os presbiterianos, congregacionais,
batistas, metodistas e os próprios anglicanos. Cada grupo procura se
estabelecer no novo território, inibindo que outros segmentos pudessem ali
proliferar.
São estas diversas denominações
evangélicas, que foram nutridas pela seiva do nacionalismo expansionista
americano, que a partir do final do século XIX começaram a serem transplantadas
para o Brasil. Uma das primeiras destas denominações que aqui chegaram com um
projeto definido de se estabelecer e expandir foram os presbiterianos.
A Primeira Dissensão no Presbiterianismo – Dr. Miguel
Vieira Ferreira
Os esforços dos missionários
presbiterianos, logo corroborado pelos primeiros pastores nacionais, fez com
que o presbiterianismo em pouco tempo pudesse alcançar resultados
significativos no Brasil.
Todas as conjecturas – uma mensagem definida, um
povo ávido e uma estratégia apropriada - indicavam que a Igreja Presbiteriana
do Brasil continuaria firme e forte em sua expansão no país. Mas a formação de nuvens escuras indicava que
uma tempestade aproximava-se rapidamente, de maneira que, ainda no seu
nascedouro ela vai experimentar o inicio do triste ciclo de pequenas e grandes
divisões eclesiásticas, que marca distintivamente o protestantismo mundial,
desde sua origem na chamada Reforma Protestante do século XVI,[...] (GUEDES,
2013, p. 42).
Ainda em
seus primórdios, antes do chamado grande cisma, o nascente presbiterianismo
brasileiro vai experimentar o gosto amargo de uma dissensão em sua denominação,
nem ainda consolidada. Como coloca Rivera:
Logo
nas primeiras décadas de trabalho missionário entre Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais, as lideranças dessa igreja tiveram que encarar interpretações
heterodoxas de algumas de suas principais tradições. O conflito levou ao êxodo
de um grupo de famílias identificadas com as convicções religiosas de Miguel
Vieira Ferreira, presbítero dessa igreja, que acabou fundando uma nova tradição
religiosa. A nova igreja foi nomeada Igreja Evangélica Brasileira e iniciou
suas atividades em setembro de 1879. (2012, p. 111).
A aproximação de Miguel Vieira
Ferreira com a Igreja Presbiteriana não foi tão súbita como deixa transparecer
o historiador protestante Émile Léonard (1981). A forte ênfase progressista
embrenhado de avanços na área social, especificamente a educação certamente
serviram de campo de atração às propostas evangélicas protestantes propostas
pelos presbiterianos.[1] Em
meados de março de 1873 acompanha o pai, Fernando Luiz Vieira Ferreira com seus
70 anos, a um culto na Igreja Presbiteriana e o pai fica impressionado com a pregação
ouvida conforme relato do Rev. Alexander L. Bleckford: “Quando
eles saíram o velho me disse: Esse discurso exprimiu minha maneira de ver”
(LÉONARD, 1953, apud, RIVERA, 2004, p. 85). A partir de 1874 os contatos entre
Miguel Vieira e os presbiterianos vão se tornando mais frequentes. Parte do
próprio Miguel o convite para que os presbiterianos participem de seu grande
projeto “Escola do povo” (Imprensa Evangélica, 03 de janeiro de 1874), mas
estes preferem apenas observar;[2] mas
quando Miguel se empenha arduamente na luta pela separação plena entre a Igreja
e o Estado,[3]
cujas reuniões eram coordenadas pelo progenitor de Miguel, o tenente Coronel
Fernando Luís Ferreira, os presbiterianos se rendem (Imprensa Evangélica, 07 de
fevereiro e 07 de março de 1874).
No dia 29 de março de 1874 a
Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro inaugura seu novo templo, com capacidade
para mais de 500 pessoas, promovendo uma semana de conferências (Imprensa
Evangélica, 04 de abril de 1874) e Miguel acompanhado do pai e familiares deles
participam.[4]
Desde então a família Vieira Ferreira passam a frequentar as reuniões e cultos
realizados na Igreja Presbiteriana da Barreira no Rio de Janeiro.
A conversão de Miguel foi de uma
forma atípica no presbiterianismo. Durante o culto realizado no dia 22 de abril
de 1874 ele teve acessos extáticos, afirmando que recebia mensagens proféticas
da parte de Deus e que desejava professar sua fé.[5]
O Rev. Blackford esforça-se em dissuadi-lo desse misticismo, como pré-requisito
para que fosse recebido como membro, o que aparentemente ocorre e Miguel,
juntamente com vários outros familiares, tornam-se membros da Primeira Igreja
Presbiteriana no Rio de Janeiro.
O fato de Miguel
Vieira ser uma pessoa eminente na sociedade carioca e brasileira produz grande
repercussão na capital do país e o fez objeto de noticiários nas revistas
missionárias americanas.[6] Tendo
qualidades excepcionais como orador,[7] muito ao
gosto da prática evangelizadora dos missionários protestantes. No dia 7 de
abril, a pouco menos de dois meses de sua conversão e a escassos dois dias de
seu batismo, Vieira Ferreira já era presidente da Sociedade Bíblica Brasileira;[8] rapidamente
galga posição de destaque na igreja local, e ascende à função de presbítero e projeta-se
nacionalmente, pois além de pregar no púlpito da Primeira Igreja no Rio, é
convidado a pregar também nas igrejas em São Paulo e Minas[9] e empenha-se
em diversas traduções de obras de cunho religioso (LÉONARD, 1981, p. 68 – nota 35).
Entretanto
sua ênfase cada vez mais acentuada na necessidade de uma experiência
sobrenatural, decorrente de sua formação iluminista católica e mesclada por um
cientismo liberal positivista, como marca distintiva de uma genuína conversão,
como fora seu caso singular, começa a gerar discrepâncias cada vez maiores
dentro da denominação. Sendo inquirido pela liderança e posteriormente proibido
de continuar a ensinar tais princípios, Miguel Vieira opta por sair da
denominação presbiteriana:
Menos
de cinco anos depois, Miguel Vieira e outros 27 membros foram expulsos por
heresia da Igreja Presbiteriana. O doutor Miguel se recusava a negar a experiência
da revelação que vivera e propagandeava que todo cristão tinha a graça de
experimentá-la. (MAFRA, 2001, p. 21).
Fora da Igreja Presbiteriana, Miguel Vieira juntamente
com alguns outros membros, maioria composta por seus próprios parentes, funda a
Igreja Evangélica Brasileira em 11 de setembro de 1879, com 27 membros
(LÉONARD, 1963, p. 67-70), ratificando a característica de segmentariedade que
só tenderá a crescer no campo protestante evangélico brasileiro. Rivera analisa
assim esta ruptura de Miguel Vieira.
Ferreira
encontra ou pensa encontrar, no protestantismo um espaço social para colocar
tais ideais em prática. Para ele o ideal do progresso era uma força que estava
acima de tudo. Era para ele força extraordinária que dava sentindo à sua
existência e ação. Tratava-se nesse sentindo, de verdadeira religião. Nesta
perspectiva se explica melhor sua entrada no protestantismo e sua posterior
decepção, levando-o a criar um novo espaço de realização de seus ideais
regeneradores, que seria a Igreja Evangélica Brasileira. (2012, p. 123).
E Léonard conclui seu relato
histórico sobre a saída de Miguel Vieira Ferreira da Igreja Presbiteriana
deixando uma questão em aberto:
Basta-nos, aqui, entretanto, constatar esse elemento
de curioso sincretismo apresentado por Miguel Teixeira Vieira, como uma possibilidade de que o protestantismo
não se aproveitou, ou como uma tentação
que ele soube evitar. (1981, p. 70 – grifo meu).
Esta questão levantada pelo
historiador francês é significativa e merece ser mais bem pesquisada e
aprofundada, pois não somente o presbiterianismo, mas todos os segmentos protestantes
históricos não conseguiram encontrar um campo comum para assimilar as
diferentes formas de expressar a fé cristã. O que acarretou ao longo do tempo
um distanciamento cada vez maior entre este tipo de protestantismo e o povo
brasileiro carregado de misticismo. É possível que esta experiência mal
sucedida com Miguel Teixeira Vieira, acaba por inibir totalmente qualquer outra
possibilidade de abertura para formas diferentes de expressão da fé cristã
dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil. E sem entrar em qualquer mérito, parece-me
que os chamados evangélicos neopentecostais, de história mais recente, encontram
esta forma sincrética de envolver outras expressões de fé cristã, o que se
constituiria em uma das vertentes de seu expressivo crescimento no país.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da
Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica
Referências Bibliográficas
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na capital de São Paulo – a Igreja Presbiteriana
Jardim das Oliveiras. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Orientador: Prof. Dr. João Baptista
Borges Pereira.
LÉONARD,
Émile G. O protestantismo brasileiro:
estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro e São
Paulo: JERP/ASTE, 1981.
MAFRA, Clara Cristina Jost. Os
evangélicos; IN: Série Descobrindo o Brasil, ZAHAR, Jorge, ed. Rio de
Janeiro: 2001.
RIVERA, Paulo Barreira. Religião e regeneração social no Maranhão. A Constituição de
mentalidade laica nas elites sociais no Brasil pré-republicano. Porto
Alegre: Ciências Sociais e Religião, ano 6, n. 6, p. 179-200, outubro, 2004.
______, Paulo Barreira. A reinvenção de uma tradição no protestantismo brasileiro – a igreja
evangélica brasileira entre a bíblia e a palavra de Deus. IN: PEREIRA, João
Baptista Borges (org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da
Universidade e São Paulo, 2012.
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[1] O clima familiar em que Miguel cresceu estava fortemente influenciado
pelo ideal encontrado no conceito de regeneração social através da educação,
que surgira no inicio do século XIX na Europa e cujos expoentes eram La Salle,
Lancaster, Pestalozzi entre outros, que traziam inovações na pedagogia e
propunham aperfeiçoamentos na instrução primária, que encontraram ressonância nos
países da América do Sul. (RIVERA,
2004, p. 180-181).
[4] Segundo Barrera: “Uma questão notória na pesquisa sobre a biografia de
Miguel Vieira Ferreira e a ausência de informação sobre qualquer tipo de
prática religiosa, ate o ano de 1874 quando ele entra numa igreja presbiteriana
junto com seu pai” (outubro, 2004, p. 190). Mas Léonard indica que Miguel
apesar de ser racionalista, enquanto acompanhava o pai aos cultos
presbiterianos, também “assistia às reuniões espíritas” (1981, p. 68).
[5] Esta conversão atípica de Miguel Vieira e seus familiares foram
registrados nas paginas do Boletim The Foreign Missionary of the Presbyterian
Church, de julho de 1874, vol. 33 (Léonard, 1981, p. 68). Aqui temos algumas
informações discrepantes, pois segundo Rivera, citando informação de Blackford
que ele não identifica a fonte, “a mística conversão de MVF aconteceu no
domingo 22 de fevereiro de 1874, depois de vários dias de profunda crise
espiritual. No dia 5 de abril desse mesmo ano MVF foi batizado” (RIVERA, 2012, p.
123).
[6] Clara Mafra deixa entender
que o Rev. Blackford é mais condescendente neste caso atípico de conversão pelo
fato de que o Doutor Miguel Vieira Ferreira, por sua projeção social e politica “[...] certamente ajudaria a azeitar as relações dos
presbiterianos com a arredia elite local” (MAFRA, 2001, p. 21 - Itálico
meu). Seu batismo ocorre poucos meses depois em 05 de abril de 1874.
[7] Léonard
registra a impressão inicial que Blackford teve de Vieira Ferreira: “Trata-se
de um homem inteligente, ativo, que possui uma instrução incomparável [...]”
(1953, p. 21, Apud RIVERA, 2012, p. 117). Rivera transcreve trechos de dois dos
discursos proferidos por Vieira Ferreira, demonstrando a afinidade de
pensamento com a proposta evangélica protestante, antes mesmo de sua conversão
(p. 117-122).
[8] “No mês de maio
[1874], discursou sobre os objetivos dessa sociedade, e um de seus argumentos
foi o seguinte: ‘Todas as razões de interesse social estão ligados muito
intimamente à leitura da Bíblia’. Por essa razão, segundo o próprio Ferreira, ‘todos
os brasileiros, religiosos ou não, deviam apoiar essa associação” (Imprensa Evangélica,
6 de junho de 1874, apud RIVERA, 2012, p. 123).
[9] Rivera destaca sua ascensão
muito rápida no protestantismo: “No dia 7 de abril, a menos de dois meses de
sua conversão e a escassos dois dias de seu batismo, Vieira Ferreira já era
presidente da Sociedade Bíblica Brasileira. [...] No mês de outubro, Ferreira
já estava em campanha evangelizadora junto com o reverendo Blackford na cidade
de Campos [RJ]” (2012, p. 123).
Olá Doutor boa noite: venho pesquisando sobre a conversão do Doutor Miguel v. Ferreira ha muito tempo mas não encontrei documentos comprobatório referente a sua conversão do dia 22/de Fevereiro de 1.874 onde afirma os membros da igreja que seu corpo ficou inerte (morto ) por algum tempo. Já li a tese de Doutorado de Rivera mas lá não contas.Por ventura você tem. desde já agradeço e peço se possível me responde abraço A. Palmeira
ResponderExcluirPrezado Doutor, solicito, se possível, pois a um tempo considerado, pesquiso sobre esta conversão, me enviar detalhe da referida conversão, pois terá a dita de completar meus estudos. Desde Já, meus sinceros agradecimentos.(Meu e-mail: danimate757@gmail.com)
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