Quando os
primeiros missionários começaram a chegar ao Brasil, caminhando para o fim do
século XIX, eles tiveram o privilégio de visualizarem e posteriormente
desbravarem um país extraordinariamente belo e enigmático.
Por mais de três séculos
desde que os portugueses o colocaram no Mapa Mundial (22 de abril de 1500)[1],
o Brasil ficou completamente fechado aos demais países europeus.[2]
Portugal manteve até onde pode o imenso país escondido dos olhos cobiçosos dos
demais reinos e impérios que os circundava.[3]
Forçado a um primeiro movimento de povoamento das novas terras brasilianas, já
com a liderança do rei D. João III,[4]
lança-se o projeto das Capitanias Hereditárias, das quais vingaram apenas três:
Pernambuco, São Vicente e Bahia. Estabelece-se então o Regime Colonial, mas é somente
depois das investidas mais contundentes dos franceses (1555 – Rio de Janeiro) e
posteriormente dos holandeses (1624 – Bahia e 1630 - Pernambuco) que Portugal
resolveu assumir a necessidade de estabelecer cidades e povoar as terras do
novo continente.
Se a intenção
inicial de Portugal era “fechar” o
Brasil, depois das experiências invasoras de França e Holanda, qualquer
estrangeiro passou a ser visto como inimigo da coroa. Até mesmo indivíduos eram
observados e acompanhados e qualquer dúvida sobre a conduta deles era
suficiente para extradita-los.[5]
O Brasil ficou incomunicável com o restante do mundo.
Esta situação
somente será alterada por um acontecimento inesperado, causado pela desvairada
empreitada napoleônica de estabelecer na Europa um único Império. Acossado por
Napoleão e seu exército implacável, D. João VI e a família real e uma imensa
corte de aproximadamente 10 a 15 mil pessoas deixam Portugal em direção do Brasil.
Os poucos anos em que a Corte portuguesa permaneceu no país foi suficiente para
mudar totalmente a história brasileira. A começar pelo fato de que depois de
tantos séculos o Brasil abre-se para o mundo e paulatinamente os estrangeiros
vão se achegando e tomando conhecimento da grandeza deste imenso país
continental. Entre estes estrangeiros estão os primeiros missionários
protestantes que inicialmente vem para sondar as possibilidades da implantação
da religião de cunho protestante e posteriormente os primeiros missionários que
aqui desembarcam com o propósito de estabelecerem suas denominações evangélicas
na “Terra Brasilis”.[6]
Estes pioneiros
missionários protestantes normalmente desembarcavam na Baia da Guanabara (RJ)
então principal porto brasileiro e também por ser a cidade carioca sede do
Governo e capital do Brasil. Abaixo transcrevo a descrição feita por João
Maurício Rugendas, desenhista de primeira grandeza, que vindo ao Brasil
acompanhando uma malfadada Expedição Cientifica nos dias do Primeiro Reinado, acabou
por viajar por todo o país às suas próprias custas e produzindo mais de 400
desenhos, dos quais ele ao retornar para a Europa seleciona 100 e o faz
publicar em edição luxuosa, em 1835, em francês e alemão, na litografia de
Engelmann, em Paris.[7]
Sua descrição da Baia da Guanabara, juntamente com seus desenhos, nos arremessa
àqueles primeiros momentos em que os missionários que aqui chegavam ficavam
pasmados e impactados pela beleza e grandeza que se advinham do país que eles
desejavam tanto alcançar com sua mensagem evangélica protestante.
Peguemos uma
carona com Rugendas e vamos adentrar a Baia da Guanabara e à cidade do Rio de
Janeiro como que pela primeira vez, para sentirmos a mesma sensação que tiveram
Daniel P. Kidder (1838)[8],
James Cooley Fletcher (1851)[9]
e sua família, Dr. Rev. Robert Reid Kalley (1855)[10]
e sua esposa Sarah Kalley, o jovem Ashbel Green Simonton[11]
e posteriormente sua esposa Helen Murdoch , Alexander Latimer Bleckford[12]
e sua esposa Elizabeth W. Simonton, Francis Joseph Christopher Schneider,
George Whitehill Chamberlain[13]
e posteriormente sua esposa Mary Ann Annesley, e cada um daqueles que desembarcaram
aqui naquele momento histórico inigualável quando o Brasil está se abrindo
plenamente para a religião evangélica protestante, para nunca mais se fechar.
A baía do Rio de Janeiro é de forma oval e regular, com inúmeros
golfos e promontórios. Seu maior comprimento, de sul a norte, é de cinco léguas
e sua maior largura, de oeste a leste, é de quatro.
Entra-se na baía, vindo do oceano, por um canal mais estreito, ou melhor,
por uma espécie de vestíbulo não menos irregular, cuja saída para a baía tem
mais ou menos uma légua de largura, ao passo que do lado do mar a entrada é de
mil braças. É essa embocadura exterior da baía do Rio de Janeiro que a primeira
prancha deste caderno representa; foi ela desenhada em pleno mar, a pequena
distância da terra.
À esquerda, o olhar se fixa na estranha pirâmide de pedra do Pão de
Açúcar, cuja configuração fica gravada na lembrança de todo marinheiro que
tenha navegado uma única vez que seja ao longo dessa costa. Ao pé do Pão de
Açúcar, distinguem-se, numa faixa de terra avançada, as baterias de São Teodósio
que, desse lado, defendem a entrada. Em face vê-se a fortaleza de Santa Cruz;
finalmente, entre ambas, a pequena Ilha de Lajes, igualmente fortificada, que
divide a embocadura da barra em dois canais dominados inteiramente pelo tiro de
seus canhões. No fundo, entre o forte de São Teodósio e a Ilha de Lajes,
percebe-se a de Villegagnon, coberta também de obras de defesa,
e mais ao longe a Ilha das Cobras. Quanto à cidade, ela se esconde atrás
dessas duas ilhas e do Forte de São Teodósio. Logo depois dessa entrada, a
costa se retira e se afasta de ambos os lados para formar duas enseadas
profundas. A esquerda, que acompanha a costa ocidental, tem o nome de Botafogo;
limita-se, ao norte por uma ponta eriçada de colinas (Morro do Flamengo) para
trás da qual a costa toma uma direção bastante reta para o norte, até um outro
promontório menor e também cheio de rochedos (Morro de Nossa Senhora da
Glória), assim chamado por causa da capela nele construída. Daí por diante a
costa se dirige primeiramente para o norte, em seguida faz uma ligeira curva
para leste, formando, na Ponta do Calabouço, um ângulo agudo; por trás desta
ponta segue, durante um pequeno espaço, a direção de noroeste, até formar um
ângulo obtuso no (Morro de São Bento). Aqui começa a baía propriamente dita,
retirando-se a costa para este.
A costa oriental forma, logo depois da entrada, representada na nossa
primeira prancha, uma enseada profunda e irregular chamada Saco; há em seguida,
uma faixa de terra rochosa e duas pontas. A do sul, chamada Ponta de Nossa
Senhora da Boa Viagem, tem uma capela; a do norte apelida-se Ponta da Gravata.
Este promontório, juntamente com a Ponta do Calabouço, situada bem de frente,
forma a entrada da barra interior, que logo vemos alargar-se de ambos os lados.
A costa da baía é montanhosa, tal qual a deste canal ou vestíbulo anterior, e
não raro os rochedos se estendem até o mar.
Todavia as montanhas da costa oriental são, em geral, menos altas e de
formas menos espantosas e pitorescas que as da costa ocidental, onde sobressai
principalmente a enorme massa de rochedo do Corcovado. Inúmeros rios desembocam
na baía e formam baixios arenosos e pantanosos e, ao longe, erguem-se as pontas
buriladas da Serra dos Órgãos e da Serra da Estrela. Há na baía muitas ilhas,
em sua maioria rochosas e pouco extensas. A maior está próxima da costa ocidental:
chama-se Ilha do Governador. Fortificaram-se algumas à entrada da baía,
destinando-se à defesa da cidade do lado do mar e à proteção dos diversos
ancoradouros. Citaremos, entre estas, a Ilha de Laje, na entrada, a de
Villegagnon e a das Cobras de que já falamos.
A cidade do Rio de Janeiro, está situada na costa ocidental, precisamente
no ângulo que, desse lado, fecha a garganta da baía para o interior. A parte
mais antiga da cidade, e também a maior, está construída sobre uma pequena
planície irregular, encaixada entre duas filas de colinas rochosas e sem
ligação entre si. A fila meridional atinge a Ponta do Calabouço e comporta a
Fortaleza de São Sebastião; a fila setentrional termina no Morro de São Bento.
É entre esses dois pontos que atracam comumente; aí se acham os cais, o paço do
Palácio Imperial e, defronte do Morro de São Bento, a pequena distância a Ilha
das Cobras. A oeste, essa parte da cidade é separada por uma grande praça,
Campo de Santana, do bairro mais moderno de igual nome. O oeste desse arrabalde
alguns riachos, juntamente com um braço de mar ou baixio, formam uma espécie de
pântano, Saco do Alferes, o qual separa essa parte da cidade dos bairros mais
afastados de Mata-Porcos e Catumbi. Atravessa-se Mata-Porcos numa estrada em
forma de dique e passa-se a ponte de São Diogo para chegar ao Castelo Imperial
de S. Cristóvão, meia milha adiante.
Talvez não exista no mundo uma região como a do Rio de Janeiro, com
paisagens e belezas tão variadas, tanto do ponto de vista da forma grandiosa
das montanhas como dos contornos das praias. Em virtude da multidão de enseadas
e promontórios, há uma variedade infinita de panoramas, tanto para o lado da
cidade como para as montanhas, tanto para o lado da baía e
suas ilhas como para o mar alto. Não são menores a riqueza e a variedade da
vegetação. Alguns grupos de árvores dessas florestas primitivas, que cobriam
outrora as colinas e as encostas das montanhas, permaneceram na vizinhança imediata
da cidade. Nos vales mais longínquos e nos flancos menos abruptos dos montes,
esses grupos transformam-se em bosques extensos encimados por rochas nuas. Mais perto da praia, as colinas e os vales
enchem-se de plantações de café e chácaras esparsos, cercados de bosques
deliciosos e floridos de árvores e arbustos dos trópicos.
Enfim, esboçando melhor o panorama da vegetação desse país, observam-se,
cá e lá, alguns grupos de palmeiras esguias e de fetos. Os baixios a oeste da
cidade, do lado do Saco do Alferes, inundam-se no momento da maré e na estação
das chuvas, e o mangue as invade assim como invade o recôncavo da baía e a
embocadura dos rios. Aliás, os terrenos ribeirinhos no Rio de Janeiro são mais
ou menos incultos; apenas se encontram algumas plantações esparsas em frente da
cidade, entre a Ponta da Gravata e o Armazém. Aí se situam as aldeias Praia
Grande, São Domingos e, mais adiante, a Vila de São Lourenço, habitadas pelos
descendentes da população primitiva do país.
A cidade e a baia, vistas do lado da serra. O espectador está colocado
perto do grande aqueduto da Carioca, numa das colinas que vão do Corcovado à
praia.
A cidade vista da plataforma do Convento de Nossa Senhora da Glória.
Uma vista tomada da colina de Nossa Senhora da Glória, mas do lado
oposto, isto é, para o sul, para o bairro do Catete, que passa à esquerda, por
trás do Morro do Flamengo, para atingir a praia do Botafogo. À direita,
ergue-se o Corcovado, embaixo do qual se forma o vale das Laranjeiras. À
esquerda, o Pão de Açúcar põe fim à série de rochedos que cerca o Botafogo.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
DUSSEL, E.D. 1492 – O
Encobrimento do Outro – a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes,
1993.
FORTES, Pedro Henrique Ribas. Olhares
franceses sobre a terra brasilis. Monografia (História) Universidade de Tuiuti
do Paraná, Paraná, 2010. [Orientador: Geraldo Pieroni]. Disponível em: http://www.utp.br/historia/Tcc/Revista4_historia/PDFS/Pedro.pdf.
Acesso em 26/12/2013.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes
do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987
POMBO, Rocha. História do
Brasil. São Paulo: Edições Melhoramentos, 11ª ed., 1963. [Revista e
atualizada por Hélio Vianna].
RUGENDAS, João Maurício. Viagem Pitoresca através do Brasil. [trad. de Sérgio Milliet]. São Paulo: Martins, Ed. da Universidade de São Paulo, 1972.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História
geral do Brasil: antes de sua separação e independência de Portugal (volume
V). Revisão e notas de Rodolfo Garcia. São Paulo: Melhoramentos, 1956.
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[1]
Rocha Pombo, um dos nossos primeiros historiadores, diante da questão se foi Cabral
o primeiro que chegou a esta parte do novo mundo, e se teve o propósito de
descobrir terras neste lado do Atlântico, ele responde: “[...] torna-se já
impertinente a discussão; pois o feito do navegante português é o único que tem
autenticidade histórica”. (1963, p. 23).
[2]
“Estranha e desconhecida, a Terra Brasilis passou em grande parte despercebida
durante os primeiros cinquenta anos da descoberta”. (FORTES, 2010, p. 330).
[3]
“Alguns dias depois, a 1º de maio [1500], repetiu-se a cerimônia [Missa] com
muito aparato em terra firme, no alto de uma colina, onde se levantou uma
grande cruz de madeira, à frente da qual se erigiu um altar, onde foi celebrada
a missa oficial, pregando fr. Henrique de Coimbra. Pela primeira vez, naquelas
paragens que nasciam para a história, salvou a artilharia; enquanto Cabral
tomava posse formal da Terra, em nome do seu soberano [Dom Manuel], dando-lhe o
nome de Ilha da Vera Cruz (1 de maio). [...] E para que o rei não assuste a
Europa levantando logo todo o pano, fala-se ainda de ilha, como sempre se fazia, e como sem dúvida se combinara ao sai
de Lisboa” (POMBO, 1963, p. 22 – grifo do autor). Uma visão mais critica desta
postura portuguesa (Brasil) e espanhola (América) é apresentada e discutida de
forma peculiar por Enrique Dussel em “1492 – O Encobrimento do Outro”;
[4]
“Quando D. João III assumiu o reinado, viu-se uma mudança nos olhares
direcionados ao Brasil” (FORTES, 2010, p. 331).
[5]
O caso do naturalista e geógrafo alemão Alexander von Humboldt que explorava a
região amazônica é ilustrativa desta aversão portuguesa pelos estrangeiros
(HOLANDA, 1987, p. 12). E o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen informa
sobre correspondências dos governadores do Maranhão e da Paraíba alertando para
o perigo dos estrangeiros (p. 82)
[6]
Este é o nome pelo qual o Brasil torna-se conhecido no mapa mundial em seus
primeiros dias.
[7] A
obra foi publicada originalmente em fascículos. Posteriormente foram reunidos
em livro em 1835, com uma edição em alemão e outra em francês.
[8]
Missionário metodista, um dos primeiros colportores de bíblias no país, e autor
de um livro sobre o Brasil, que influenciou muitos outros para virem ao país – “Reminiscências
de viagens e permanência no Brasil”, publicado em 1845.
[9]
O primeiro missionário presbiteriano a desenvolver atividades no país, a partir
do livro de Kidder produziu varias edições em inglês e português do livro “O
Brasil e os Brasileiros” que se tornou um clássico sobre o país.
[10]
Foi o primeiro missionário a estabelecer uma igreja protestante brasileira –
Igreja Congregacional Fluminense. E sua esposa traduziu diversos hinos que
formaram o primeiro e único hinário das igrejas evangélicas no Brasil por
muitos anos.
[11]
Foi o primeiro missionário presbiteriano estabelecer a denominação no país,
começando pelo Rio de Janeiro. Ele e sua esposa morreram muito jovens, ela por
complicações pós-parto e ele acometido de doença tropical. Ambos estão sepultados
em São Paulo, no Cemitério Protestante, na Rua da Consolação.
[12]
Deu prosseguimento ao trabalho inicial de Simonton, estabelecendo a Primeira
Igreja Presbiteriana na cidade de São Paulo, e em diversas cidades do interior
do Estado paulista.
[13]
Ele sua esposa iniciaram uma pequena escola primária em sua casa,
posteriormente tornou-se a Escola Americana, Colégio e veio a se constituir em
uma das maiores Universidades do país – Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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