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domingo, 1 de dezembro de 2013

ABERTURA DOS PORTOS ÀS NAÇÕES AMIGAS - Documento

TEXTO AMPLIADO
Quando uma pequena parte da esquadra portuguesa, escoltada pelos navios de guerra ingleses, que trazia a família Real e praticamente toda a Corte portuguesa ao Brasil, se separou com D. João VI e a rainha mãe D. Maria,  aportando primeiramente na Bahia em 24 de janeiro de 1808, enquanto os demais navios seguiriam o plano de viagem pré-ordenado em direção ao Rio de Janeiro, dava-se o maior e mais significativo divisor de águas da historiografia brasileira.
Ainda que relegado ao ostracismo e ceticismo no que se refere às datas simbólicas brasileiras, este advento demarca o início das mais significativas transformações sociais e econômicas que a até então Colônia brasileira havia experimentado em seus quase trezentos anos de existência. Naquele momento as pessoas envolvidas jamais poderiam prever que os singelos atos promovidos por D. João VI, na Bahia e posteriormente no Rio de Janeiro, haveriam de repercutir tão intensamente na história brasileira e nem nos sonhos (ou pesadelos) mais extravagantes se imaginaria que viesse a desembocar, em apenas doze anos, no movimento que culminaria com a independência do Brasil (1822).
Foi nesta rápida estadia, de aproximadamente trinta dias, na Bahia que D. João assina o primeiro documento oficial no Brasil, denominado de “Carta Regia”, que permitirá de forma inédita que navios outros que não português pudessem aportar em território brasileiro, tornando-se o marco da inserção brasileira nos movimentos econômicos internacionais, obrigando a jovem Colônia a se transformar de abobora em Metrópole, como em um conto de fadas à imaginação tupiniquim.
Entretanto, nada disso ocorre motivado apenas pelos interesses próprios de D. João VI e da Corte portuguesa, mas como cumprimento de um acordo prévio estabelecido com os ingleses que em contrapartida haviam feito a escolta da família real de Portugal ao Brasil, pois eles possuíam naquele momento a única frota capaz de impor respeito diante dos navios franceses de Napoleão que povoavam os mares, e cujo os exércitos simultaneamente estavam desembarcando nos portos portugueses e assumindo simbolicamente o trono lusitano.
O decreto real de Abertura dos Portos, ainda que fosse destinado à todas as nações amigas, beneficiava naquele momento apenas o comércio inglês, que por longo tempo predominara nas relações comerciais brasileiras. No aspecto prático, o documento rompia o chamado “pacto colonial”, que exigia que todos os produtos comercializados com a Colônia pagassem taxas alfandegárias à Portugal.
Este decreto de 1808 (conforme abaixo comentado) simbolicamente haverá de ficar impregnado na mentalidade comercial brasileira, de maneira que os termos “abertura”, “protecionismo” e “competitividade” são avocados invariavelmente pelos mais diversos segmentos da economia brasileira em todos os tempos. Parafraseando um adágio popular: “deixamos de ser colônia, mas o espírito de colônia nunca nos deixou”.
É também por esta pequena incisão legal, primariamente comercial, que se iniciara o processo de implantação dos segmentos cristãos protestantes no Brasil. Inserido no decreto real está a primeira abertura legal para que pudesse haver expressão religiosa não católica no país, rompendo um monopólio religioso de mais de trezentos anos. Os ingleses serão os primeiros a usufruírem deste dispositivo, mas em poucas décadas outros estrangeiros também faram uso desta pequena, mas irreversível liberdade religiosa.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Me. Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com

Outro Blog
Reflexão Bíblica
    http://reflexaoipg.blogspot.com.br/ 




                         Carta Regia de 28 de janeiro de 1808.


Conde da Ponte,[1] de Meu Conselho, Governador e Capitão General da Capitania da Bahia, Amigo. Eu o Príncipe Regente[2] vos Envio muito saudar, como aquele que Amo. Atendendo a representação, que fizeste subir à Minha Real Presença sôbre se achar interrompido, e suspenso o Comércio desta Capitania com grave prejuízo dos Meus Vassalos, e da Minha Real Fazenda[3] em razão das críticas, e públicas circunstancias da Europa[4], e Querendo dar sôbre este importante objeto alguma providência pronta, e capaz de melhorar o progresso de tais danos: Sou Servido Ordenar interina, e provisoriamente, enquanto não Consolido um Sistema geral, que efetivamente regule semelhantes matérias, o seguinte. Primo: Que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil[5] todos e quaisquer Gêneros, Fazendas, e Mercadorias transportadas, ou em Navios Estrangeiros das Potências, que se conservam em Paz, e Harmonia com a Minha Real Coroa, ou em Navios dos Meus Vassalos, pagando por entrada vinte e quatro por cento; a saber: vinte de Direitos grossos, e quatro do Donativo já estabelecido, regulando-se a cobrança destes Direitos pelas Pautas, ou Aforamentos, por que até o presente se regulam cada uma das ditas Alfândegas, ficando, os Vinhos e as Aguardentes, e Azeites doces, que se dominam Molhados, pagando o dobro dos Direitos, que até agora nelas satisfaziam. Segundo: Que não só os Meus Vassalos, mas também os sobretidos Estrangeiros possam exportar para os Portos, que bem lhes parecer a benefício do Comércio,[6] e Agricultura,[7] que tanto Desejo promover, todos e quaisquer Gêneros, e Produções Coloniais, à exceção do Pau-brasil,[8] ou outros notoriamente estancados,[9] pagando por saída os mesmos Direitos já estabelecidos nas respectivas Capitanias, ficando entretanto como em suspense, e sem vigor todas as Leis, Cartas Regias, ou outras Ordens, que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco Comércio, e Navegação entre os Meus Vassalos, e estrangeiros. O que tudo assim fareis executar com zelo e atividade, que de vós Espero, Escrita na Bahia aos 28 de janeiro de 1808. [Grafia da época].        


                      Príncipe — Para o Conde da Ponte.




[1] Seu nome completo era João de Saldanha da Gama Melo Torres Guedes Brito (1773-1809), sexto conde da Ponte, governou a capitania da Bahia entre 1805 e 1809, e foi o responsável pela recepção da família real portuguesa no Brasil em 1808. Tornou-se conhecido pela forma autoritária como tratava os escravos e por defender que, qualquer tipo de união entre os cativos, fosse em quilombos ou em irmandades, poderia levar a rebeliões e deveriam, portanto, ser energicamente reprimidos. Apesar das posições arbitrárias com relação aos cativos, o conde foi também o responsável pela implementação do Teatro de São João em Salvador. A obra foi iniciada em 1806, ainda durante seu governo e o Teatro foi inaugurado em 13 de maio de 1812, portanto, mais de um ano antes da inauguração da mais importante casa de espetáculos da corte, o Real Teatro de São João, aberto em 12 de outubro de 1813.
[2] D. João (1767-1826), segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, de maneira que somente torna-se herdeiro imediato da Coroa com a morte do primogênito d. José em 1788. Ele assumiu a regência do Império português em 1792, no impedimento de sua mãe, considerada louca. Durante seu governo Portugal foi invadido pelos exércitos francês de Napoleão Bonaparte em 1807, levando à transferência da família real e da Corte para o Brasil, tendo partido às pressas em novembro daquele mesmo ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Ainda no Brasil, com a morte de d. Maria I1816, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Para não perder o direito de reinar, em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando no Brasil seu filho Pedro como regente. Mesmo à distância teve uma influência ativa no processo da independência do Brasil (1825) oferecendo orientações ao jovem príncipe que a partir de então assumira o trono brasileiro.
[3] Este órgão governamental foi criado em 1761, durante o reinado de D. José I, resultante de uma profunda reforma econômica efetuada pelo ministro Martinho de Melo e Castro. O objetivo primário era minimizar os poderes do até então todo poderoso Conselho Ultramarino, mas trouxe um forte impacto tanto para Portugal quanto para suas colônias, pois modernizou-se os métodos de contabilidade introduzindo novas formas de elaboração de escrituração e balanços periódicos. Foi introduzida nas colônias as Juntas da Fazenda, que eram órgãos descentralizados e responsáveis pelos custeios militares, civis e eclesiásticos (todos os clérigos eram pagos pela coroa portuguesa), bem como todas e quaisquer despesas extraordinárias.
[4] D. João faz referência às invasões francesas por toda a Europa, onde desde 1799 Napoleão desencadeou guerras com praticamente todas as grandes potências, culminando com o “Bloqueio Continental” em 1806. Todo e qualquer navio não aliado da França deveria ser abatido. D. João VI usa a tática da neutralidade, mas com a aliança França-Espanha (1807), os exércitos franceses marcham para invadir Portugal sob o comando do general Junot (novembro de 1807), obrigando a Família Real embarcar às pressas na calada da noite nos navios que os transportariam para a colônia brasileira, escoltados pelos navios ingleses. Somente em 1811, após sucessivas batalhas entre as tropas francesas e os exércitos anglo-lusitanos, e após a grande vitória na batalha do Buçaco, os franceses se retiraram dos domínios portugueses.
[5] Eram órgãos da administração fazendária ou Fazenda responsável pela arrecadação e fiscalização dos tributos provenientes do comércio de importação e exportação. Com a chegada da Corte portuguesa e a abertura dos portos brasileiros implementou-se muitas e significativas mudanças. Deste modo, todos os gêneros, mercadorias ou fazendas que entrassem no país transportado em navios portugueses ou em navios estrangeiros (que não estivessem em guerra com Portugal) pagariam por direitos de entrada 24%, mas os ingleses haviam conseguido incluir em seu acordo bilateral a diminuição dessa taxa para 15%, o que causou uma revolta enorme nos comerciantes portugueses. Os denominados gêneros molhados deveriam pagar o dobro desse valor. Em relação à exportação, qualquer produto colonial (com exceção dos produtos "estancados", como o pau-brasil ou outros) pagaria nas alfândegas os mesmos impostos cobrados nas demais colônias.
[6] Aqui se rompe um monopólio rígido mantido pelo governo português desde seu controle sobre as fronteiras litorâneas brasileiras. No pacto colonial, que estava sendo desfeito, dava privilégios unicamente à Portugal e aos portugueses. Ainda que na pratica, desde o século XVII inúmeras concessões foram sendo introduzidas, dos quais os ingleses sempre se aproveitaram acintosamente. A posição privilegiada dos ingleses será ampliada com a assinatura em 1810 do Tratado de Navegação e Comércio que perpetuara as vantagens econômicas deles sobre os demais países no comércio com o Brasil e Portugal.
[7] A agricultura brasileira naquele período se caracterizava pelas lavouras monocultoras escravagistas voltadas para exportação. A chegada da Corte portuguesa vai criar a necessidade de uma diversificação agrícola e criação de animais para abastecimento interno. Uma das muitas ações emergenciais efetuadas por D. João VI foi o decreto da formação do primeiro curso de agricultura na Bahia em 1812 e posteriormente em 1814 cria-se uma cadeira acadêmica de botânica e agricultura, no Rio de Janeiro, para o qual foi nomeado o Frei Leandro do Sacramento. São os primeiros passos para se conhecer o potencial da fauna e flora brasileira e a exploração das riquezas naturais de forma cientifica.
[8] Nossa menina dos olhos de ouro, que recebeu o nome científico de Caesalpinia echinata, dada pelo cientista Jean-Baptiste Lamark em 1789, no século XVIII, mas que os índios tupis chamavam de Ibirapitanga. Estas árvores cobriam todo o litoral brasileiro desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Torna-se o primeiro produto de exportação pelas suas qualidades de corante e construção naval e instrumentos musicais, e que permaneceu na pauta exportadora até metade do século XIX. Foi durante séculos o “ouro verde” dos portugueses, por isso a preocupação por parte do governo em manter intacto seu monopólio. 
[9] O termo se refere ao monopólio real quanto a comercialização de determinados produtos. Quando não realizados pela Coroa havia regras rígidas para exportação: quantidade máxima, preços tabelados e autorização régia para comercialização deles. No século XVIII os estancos mais relevantes para Portugal eram o sal, tabaco, ouro e as pedras preciosas, que periodicamente eram taxados com o quinto.




Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
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Referência Bibliográfica

D’Eça, Vicente Almeida. A Abertura dos Portos do Brasil — Ensaio Histórico. Lisboa: Sociedade de Geografia de Lisboa, 1908.

Documento Original - http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/Media/Abertura%20dos%20portos.pdf

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