Henrique VIII e suas esposas http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/ |
Evidentemente que não se
pode imaginar o que seria a Reforma Inglesa sem a figura de Henrique VIII
(1491-1547), filho mais jovem de Henrique VII. Ele estava sendo preparado para
exercer uma função eclesiástica, quando a morte precoce de seu irmão, Arthur
(1502) e posteriormente a de seu pai Henrique VII (1509) mudou totalmente sua
história e da Inglaterra e, por conseguinte, da futura Igreja inglesa.
Mas a biografia de Henrique
VIII instiga intensa defesas e ataques na maioria das vezes antagônicos, como
resumiu Pollard:
Em nosso desejo de reprovar a imoralidade de métodos de
Henry, somos levados a negar o seu sucesso, ou, no nosso apreço pela grandeza
dos fins por ele obtidos, buscamos justificar os meios que ele tomou para
alcançá-los. Tal como acontece com a sua política, portanto, com seu caráter. (POLLARD, 1919).
Mas assumir o trono inglês trouxe-lhe o fardo de assumir o casamento diplomático com Catarina de Aragão, a viúva de Artur seu irmão mais velho, filha de Fernando e Isabel da Espanha. Depois de postergar o máximo possível e tendo a bênção do papa Júlio II, o jovem Henrique, no apogeu de seus 17 anos, casa pela primeira vez.
Deste casamento com Catarina
nasceram diversos filhos, dos quais sobreviveu apenas uma filha, Maria. O rei
sabia das dificuldades históricas de manter a linhagem do trono sem um filho
homem, e as lembranças das terríveis consequências das “Guerras das Rosas” [1] ainda estavam frescas na memória dos ingleses, de maneira que o rei tornou-se
obcecado por um herdeiro masculino.
Surge então a figura
emblemática de Ana Bolena, pela qual Henrique se apaixona, o que para ele não
era muito difícil. Tendo suas próprias ambições Ana resiste às primeiras
investidas reais de maneira que Henrique sente-se pressionado a torna-la
rainha. Entretanto, para isso teria que desvencilhar-se de seu casamento com
Catarina.
Seu pedido inicial de divorcio em maio de 1527 foi colocado em banho-maria, pois o Papa de plantão, Clemente VII, não desejava e nem podia criar atrito com o sobrinho de Catarina, o Imperador Carlos V, que naquele momento se constituía no maior aliado da Igreja romana. (Walker,1981, p. 32). A paciência de Henrique esgotava a cada dia, pois as estrategias do cardeal Wolsey, os canonitas, e os esforços diplomatas nenhum resultado conseguiram, e nem mesmo as ameaças pessoais de Henrique minimizaram os receios do Papa em relação ao Imperador (Haigh, 1987, p. 105).
Seu pedido inicial de divorcio em maio de 1527 foi colocado em banho-maria, pois o Papa de plantão, Clemente VII, não desejava e nem podia criar atrito com o sobrinho de Catarina, o Imperador Carlos V, que naquele momento se constituía no maior aliado da Igreja romana. (Walker,1981, p. 32). A paciência de Henrique esgotava a cada dia, pois as estrategias do cardeal Wolsey, os canonitas, e os esforços diplomatas nenhum resultado conseguiram, e nem mesmo as ameaças pessoais de Henrique minimizaram os receios do Papa em relação ao Imperador (Haigh, 1987, p. 105).
Entra em cena a figura de Thomas Crammer
(1489-1556), então professor na universidade de Cambridge, sugerindo que o
assunto da anulação do casamento real fosse transferido para a esfera das
Universidades, que naquele momento histórico ocupavam uma posição relevante em
relação às questões teológicas (LATOURETTE, 2006, p. 1.084).
Assim que tomou conhecimento
desta proposta, o rei convoca Crammer e o coloca como capelão da família de
Bolena. A questão da anulação do casamento real foi transferida para a esfera
acadêmica e consultas foram feitas às principais universidades católicas, e às
de maior prestígio – Paris, Orleans, Tolosa, Oxford, Cambridge, e até as
italianas e todas elas corroboraram para o desfecho tão ansiado por Henrique,
declarando que seu primeiro casamento com a viúva de seu irmão não era valido,
(GONZALES, 2003, p. 124-125).
Imediatamente as
providências são tomadas para que o rei casasse (14 de Novembro de 1532) com
Bolena, pois a esta altura dos acontecimentos ela se encontrava grávida, e
Henrique queria legitimar a criança, que para sua frustração pessoal veio a ser
mais uma vez uma menina, Elizabete, mas, sem que ele pudesse saber, ela faria
um dos mais extraordinários reinados da história da Inglaterra.
As consequências deste ato
de rebeldia de Henrique também foram imediatas, pois o Papa declarou o casamento
com Bolena nulo, reafirmou a validade do casamento de Catarina (março de 1534)
e em 1538, Paulo III publicou a bula, já redigida a três anos, excomungando o
rei e destituindo-o do trono inglês e desvinculando seus súditos do juramento
de fidelidade. Todavia, na pratica o efeito foi irrisório e a bula nem sequer
foi publicada na França e na Alemanha. Mas Henrique que vinha acelerando o
processo de esvaziamento do poder clerical, iniciado por seu pai, através da
promulgação de sucessivas leis, reagiu de forma contundente, e no dia 3 de
novembro 1534, o Parlamento inglês promulga o Ato de Supremacia em que se
declara: “Que o rei nosso soberano, seus herdeiros e sucessores, reis deste
reino, serão considerados, aceitos e reputados como a única Cabeça suprema da
Igreja da Inglaterra, chamada Igreja Anglicana” (FISHER, 1984, p. 299 - Itálico meu). Todos
os que se recusassem a aceitar com juramento o Ato de Supremacia e reconhecer o
novo casamento do rei como ordem de sucessão ao trono, seria considerado réu de
alta traição e punido com a morte cruel. O rompimento com Roma estava selado.
Mas que não se tenha
qualquer ilusão quanto às intenções de Henrique. O rei inglês tinha que tomar
uma posição e como não via com bons olhos o que estava acontecendo em alguns
países vizinhos que optando pela reforma viram o poder do trono minimizado ele
faz a opção de instituir uma igreja dentro das necessidades dele e das
características do povo inglês. Henrique VIII rompe com a Igreja Romana, mas
não adota o manual dos reformadores, pois ele estabelece a Igreja Inglesa no
mesmo molde da velha igreja católica romana tendo ele mesma como chefe soberano
e não mais o papa. O próprio Matinho Lutero percebe esta força do rei inglês: “Henrique
é o Papa, e o Papa é Henrique na Inglaterra." (HILLERBRAND,
2007, p. 212).
Henrique nunca
deixou de ser católico, e somente adota na Igreja inglesa os pontos de vista
dos reformadores que lhe convinham. “Henrique estava orgulhoso de sua ortodoxia
e era meticuloso em sua frequência diária às missas e em seu uso de um
confessor.” (LATOURETTE, 2006, p. 1.086). Alguns anos antes (1521) havia escrito um
tratado teológico “Assertio septem sacramentorum” refutando o pensamento de
Lutero “De captivitate Babylonica ecclesiae praeludim”, o que lhe havia valido,
por parte do papa Leão X, o título de “Defensor da Fé Católica”, que sempre fez
questão de ostentar até seus últimos dias. (GONZÁLES, 2003, p. 125).
Em 1536 promulga
o chamado Dez Artigos, que em quase nada se diferenciava dos dogmas católicos.
Para deixar ainda mais claro suas opções teológicas, em 1539 faz uma nova
promulgação substituindo a anterior e restringindo-os a Seis Artigos, mais
radicalmente católicos do que os dez anteriores e apelidado por muitos de
“Edito Sangrento”, pois muitos discordantes foram condenados e queimados. O
texto mantinha as posições católicas clássicas como a doutrina da
transubstanciação, a comunhão sob uma só espécie, o celibato e a castidade do
clero, as missas pelos mortos, a confissão auricular, etc. “Até o fim de sua
vida, o rei escapa completamente a influência da Reforma” (CASALIS, 1989, p. 151).
Evidentemente
que muitos súditos ingleses não ficaram contentes e nem passivos diante desta
artimanha real. Os que defendiam o papa e a igreja romana sentiram-se traídos e
os que almejavam uma reforma religiosa ampla e radical também não se sentiram
realizados. Duas questões revelam a profundidade e amplitude deste
descontentamento de ambos os lados: o primeiro é que tanto
católicos quanto reformadores foram presos, condenados e sentenciados a morte
e uma ilustração deste fato é que em 30 de julho de 1540, por ordem direta do
rei “três clérigos de ideias luteranas (Barnes, Garret e Jerome) foram
queimados em Smithfield; e três romanistas foram torturados e decapitados por
negar a supremacia espiritual do rei” (LINDSAY, 1959, p. 279); segundo que somente vinte anos depois, após rápidas
sucessões no trono inglês, é que a rainha Elizabete conseguiu impor um consenso
religioso aos ingleses, chamado pelos historiadores de “Acordo Elisabetano”.
Mas alguns
passos importantes foram tomados em direção a uma Reforma mais substancial,
ainda nos dias de Henrique. Em 1536, Cromwell, como vigário-geral do rei,
determina que uma bíblia em latim e outra em inglês fossem colocadas em cada
igreja para que qualquer pessoa pudesse ler. Com o rei ainda vivo, Cramwell
começou a preparar o que veria a ser o Livro de Oração Comum (Book of Common
Prayer) que foi promulgado somente em 1549, após a morte de Henrique. Durante
sua elaboração Cromwell mantem intensa correspondência com Melanchton, Calvino,
Bucero e Pedro Mártir Vermigli. “Teologicamente o Book of Common Prayer se
distingue radicalmente da doutrina católica: não adota a doutrina da
transubstanciação, ou a reserva da espécie, nem a adoração do Santíssimo Sacramento
e a oração pelos mortos, nem a unção dos recém-nascidos e dos doentes” (CASALIS,
1989, p.152). Este livro litúrgico teve várias revisões sucessivas, porém
superficiais (1552, 1662, 1871, 1872), e ainda continua sendo utilizado nos
cultos da Igreja Anglicana. Entretanto, Henrique VIII morre em 1547, deixando
para seus sucessores a imensa tarefa de concluir a Reforma inglesa.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
Referência Bibliográfica
ARMESTO-FERNÁNDES, Felipe e WILSON, Derek. Reforma: o cristianismo e o mundo 1500-2000. Trad. Celina Cavalcante Falck. Rio deJaneiro: Record, 1997.
AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. Piracicaba; Editora UNIMEP/Exodus, 1996, p.63).
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FISHER, Jorge P. Historia de la reforma Barcelona: Ed. CLIE, 1984.
FISHER, Joachim H. Reforma – renovação da igreja pelo evangelho. São Leopoldo: Ed. Sinodal e EST, 2006.
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LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do cristianismo - volume II: 1500 a 1975 a.D. São Paulo: Editora Hagnos, 2006.
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POLLARD, Albert Frederick. Thomas Cranmer and the and the english reformation (1489-1556). London : G. P. Putnam’s Sons, 1906.
WALKER, Williston. História da Igreja Cristã, ed. JUERP/ASTE, v.2, 3ª ed. Rio de Janeiro, 1981.
Zabriskie, Alexander C. Anglican Evangelicalism. Philadelphia, 1999.
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[1] Guerra das Duas Rosas (1455-1485) – conflito entre os Lancaster e os York, duas famílias nobres que disputavam o trono inglês. A Guerra recebeu esse nome porque o brasão dos Lancaster tinha uma rosa vermelha e o dos York uma rosa branca. Henrique VII, que tinha parentesco com as duas famílias pacificou a Inglaterra e assumiu o trono, dando início à Dinastia Tudor.
Fantástico, muito bom. Grato pelo texto!
ResponderExcluirAbraço fraterno do irmão anglicano.
Gostaria de trocarmos informações. A história do anglicanismo é muito pouco conhecida e se você desejar aqui tem um espaço aberto.
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