A palavra “Mártir” significa literalmente “Testemunha”,
assim, Agostinho de Hipona no ano de 416 d.C., portanto, cem anos após as
últimas perseguições romanas: “O que dizemos testes (testemunha) em
grego, em latim diz martyres (mártir)".
Desta forma em um primeiro momento o significa desta
palavra não necessariamente implicava em morrer por causa do testemunho da fé
cristã, ainda que cedo na história do cristianismo se descobrisse que para
cumprir o mandato de Jesus haveria de se pagar um alto preço. As páginas da
história cristã não foram escritas apenas por palavra, mas também com sangue!
A associação de testemunho e sangue aparecem logo nas
primeiras páginas neotestamentárias do livro de Atos. O recém-eleito diácono
Estevão é o primeiro cristão a enfrentar a morte pro causa de seu testemunho da
mensagem de Cristo (Atos 6 e 7), de onde se formulara ao longo dos séculos o
conceito de mártir cristão: o testemunho auricular confessando Jesus Cristo
como Senhor e Salvador é ratificado com o próprio sangue da testemunha.
Já para o fim do primeiro século o livro do Apocalipse
trás em suas páginas os registros das primeiras grandes perseguições e morte
dos cristãos por parte do Império Romano. A carta de Clemente de Roma, dirigida
à igreja dos Coríntios, escrita logo após a implacável perseguição por parte de
Domiciano, em seu capítulo cinco, refere-se sem dúvida a perseguição anterior
de Nero, cujas vítimas mais famosas foram os Apóstolos Paulo e Pedro, que por
suas mortes ratificaram seu testemunho com a própria vida. Nesta epístola a
palavra “Martírio” já reproduz seu significa pleno “sofrer o martírio” ou
melhor “dar testemunho por meio do martírio”.
No segundo século temos dois documentos essenciais para
compreensão do desenvolvimento do conceito de “mártir” no cristianismo
primitivo: é a morte de Policarpo (155 d.C.) e os atos dos mártires de Lyon
(177 d.C.), sob a perseguição patrocinada por Marco Aurélio. É importante
reproduzirmos aqui as palavras do velho presbítero cristão, discípulo do
Apóstolo João, pronunciadas pouco antes de acenderem o fogo, onde ele seria
queimado vivo:
Oh,
senhor, Deus dos anjos e arcanjos, nossa ressurreição e o preço do nosso
pecado, reitor do todo e abrigo dos justos: Obrigado por me achar digno de
sofrer martírio por vós, assim que receber minha coroa como participante do
martírio de Jesus Cristo na unidade do Espírito Santo; e assim, hoje terminou
meu sacrifício, e posso ver suas promessas cumpridas. Sou como um abençoado e
eternamente exaltado em Jesus Cristo pontífice onipotente e eterno, pois tudo é
realizado nele por meio do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos.
Amém.
A
palavra “confissão” (homologia) será utilizada em todo o Novo Testamento para
preencher e substituir o vazio deixado pelo termo "mártir" para
indicar tormento, morte e sofrimento. Assim, os mártires de Lyon não permitiram
que fossem chamados de mártires ainda quando na prisão, prontos para serem
executados no circo, enquanto eles fazem não selassem seu testemunho através do
seu sangue. E então lemos os minutos que antecedem o martírio deles:
"depois de ter sido elevado à glória e animado um ao outro, após sofrem
muitos gêneros de tormentos, que sabia o que eram bestas e cadeia, que ainda
conserva as feridas de queimaduras e corpos cobertos com cicatrizes; aqueles
homens, portanto não ousaram serem chamados mártires, nem o poderiam ser. Se
alguns de nós, por escrito ou na palavra, se atrevêssemos a chamá-los, eles lhe
reprenderiam duramente. Tal título de mártir só deu a Cristo, testemunha fiel,
primogênito dos mortos e autor da vida divina, que também concedeu este título
para aqueles que tinham morrido na confissão de fé. Eles já estão mártires,
eles disseram, porque Cristo recebeu a sua confissão e selou com seu anel. Nós
somos apenas confessores pobres e humildes. E com lágrimas nos nossos olhos
imploravam ao Senhor que eles também pudessem um dia alcançar tão alto fim”.
Cerca
de vinte anos após os acontecimentos sangrentos em Lyon, aparece já pela
primeira vez o termo grego “mártir” em um trabalho Latino, a famosa
"Exortatio ad Martyres" (exortação aos mártires) de Tertuliano.
No
século III é outro famoso cartaginês: Cipriano, quem é martirizado na
perseguição de Valeriano (253-260 d.C.) onde se distinguem com muita precisão o
termo "mártir" do termo "confessor", o primeiro chama a
atenção para quem tem dado sua vida em martírio e a segunda é que, mesmo
sofrendo o risco de sua integridade física, ou a sua fortuna ou que quer que
seja, não negam a Cristo. No entanto, em outros textos, Cipriano fala de
mártires em relação a pessoas que claramente estão vivas, mas que ainda estão
debaixo de ameaça de morte, mas não negou seu status como cristãos. Assim, para
Cipriano, existem duas categorias de mártires: aqueles que já foram coroados
com a morte por Cristo e aqueles que estão prontos para ser. Ao contrário de um
“simples” confessor.
Pelas
limitações de espaço não ofereço mais textos sobre os mártires. Quando lemos da
fé e coragem de nossos (se podemos chama-los) “predecessores na fé”, temos que
nos perguntar: o que significa de fato ser um cristão? Será que hoje no século
XXI ainda temos a clara compreensão de que cremos e seguimos um homem que o
mundo o rejeitou e o matou?
Que
o nosso Deus nos perdoe e tenha misericórdia da igreja quando ousamos nos
identificarmos como cristãos, sem discernirmos que o verdadeiro cristão segue o
cordeiro que foi morto pelo mundo. Somente pela misericórdia dele
permaneceremos de pé diante de seu tribunal, quando de sua vinda gloriosa.
Amém!
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/
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VERBETE: Mártir – Origem e Significado
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