Qual a razão pela qual um
pequeno e muito antigo documento anônimo, de pouco mais de dez páginas tem
chamado tanta atenção. A resposta é que a Didaquê preenche uma lacuna
documental-histórico do período pós-apostólica (após a destruição de Jerusalém
70 d.C.) e meados do segundo século, um dos períodos mais obscuros e
desconhecidos da história da Igreja. A descoberta deste pequeno documento abriu
muitas possibilidades para se encontrar respostas para algumas das questões
históricas desse período eclesiástico da Igreja.
A Didaquê faz parte permanente
em cada coleção dos Padres Apostólicos, em cada pesquisa sobre o Canon do Novo
Testamento, o conteúdo do ensino, do culto primitivo e da disciplina nas
comunidades cristãs espalhadas rapidamente por todo o Império Romano, bem como
contribui na elaboração de comentários dos evangelhos.
Os estudiosos, desde sua
descoberta, têm se debruçado exaustivamente sobre a discussão sobre a sua
autoria, quando e onde de sua composição, a sua relação com documentos
cognatos, como por exemplo a Epístola de Barnabé, o Pastor Hermas, e o cinturão
literário que se forma ao redor da literatura canônica.
Desde sua descoberta e posteriores edições a
Didaquê têm sido usada por praticamente todas as denominações e seitas cristãs
evangélicas para apoiar essa ou aquela doutrina peculiar de cada uma delas,
entretanto, o valor primário dela está em seu aspecto histórico e por este
prisma o documento deve ser estudado.
A Didaquê está classificada
nos mesmo nível da literatura dos chamados Pais Apostólicos, contribuindo para
a consolidação da Igreja Cristã. Também atesta em grau, gênero e numero a
superioridade inequívoca da literatura neotestamentária em relação a todas as
demais literaturas eclesiásticas posteriormente produzidas. Diante do Sermão da
Montanha, ou do Evangelho Segundo João, ou a Epístola aos Gálatas, ou ainda da Epístola
de Tiago do qual mais se assemelha, a relevância da Didaquê assume seu valor
diminuto.
Em nenhum momento a Didaquê
reivindica uma autoridade apostólica; em seu silêncio reivindicatório assume
ser um extrato, produzido por seu autor desconhecido, do que ele havia
aprendido e agora utiliza para instruir a outros sobre o que ele cria ser
fielmente o ensino dos apóstolos. É um
documento pós apostólico, mas não pseudo-apostólico, podendo desta forma
assumir seu lugar entre os documentos produzidos originalmente pelos chamados
Pais Apostólicos como Clemente de Roma, Policarpo, Inácio, Hermas. Na verdade,
a Didaquê preenche a lacuna entre o período apostólico e dos patrísticos, assim
como a literatura apócrifa do Antigo Testamento ocupa o espaço do chamado período
interbíblico de Malaquias a João Batista.
O
Título
O termo Didaquê (Διδαχή) é derivado de Atos 2.42 onde se registra que os
primeiros cristãos “perseveravam no ensino (doutrina) dos apóstolos, na
comunhão, no partir do pão e nas orações”. É possível compreendê-la também como
uma espécie de “Credo dos Apóstolos”, em seu conteúdo e não em sua forma.
Em nenhum momento o autor tem pretensões apostólicas, mas apenas de
alguém que registra seus ensinos. Não reivindica lugar entre os escritos
inspirados, diferenciando-se de vasta literatura similar, onde o nome de um
apóstolo é introduzido com o propósito de torna-la canônica. Todavia, não se
encontra na Didaquê qualquer fraude literária ou ensinos espúrios.
O manuscrito da Didaquê possui
dois títulos: Um mais curto: "Ensino dos Doze Apóstolos" e um mais
longo: "O ensino do Senhor para as Nações [gentios] através dos Doze
Apóstolos." Neste título mais longo temos a identificação da fonte
original “ensino do Senhor [Jesus]” e os leitores primários “as nações”, ou
seja, os cristãos não judeus que deveriam ser preparados para receberem o
batismo para se constituírem membros das comunidades cristãs, espalhadas pelas
mais diversificadas nações incluídas nos domínios do Império Romano. Nessa
especificação é possível identificar um diferencial entre a inclusão de gentios
e judeus na comunidade cristã, em relação ao batismo, mas não em relação as
demais atribuições eclesiásticas, como poderemos perceber ao abordarmos seu
conteúdo.
Conteúdo
e Propósito
A Didaquê se constitui em Manual Eclesiástico abarcando a síntese do
ensino Apostólico, diretrizes em relação ao culto e à disciplina, como
compreendida pelo autor e certamente exercitada na comunidade da qual ele
participava.
É claramente destinada aos professores e às
lideranças eclesiásticas responsáveis pelas comunidades cristãs. Quanto a esses
objetivos serve plenamente: é ao mesmo tempo didático e prático, e apesar de
ser sucinto é também abrangente, e está convenientemente organizado em quatro
partes.
Por se constituir no manual
mais antigo desse tipo, a Didaquê com toda certeza foi ao longo dos anos
sofrendo diversas modificações, e, evoluindo para manuais mais completos. Ela
está dividida em quatro partes que abrangem a totalidade da vida cristã:
I. A parte doutrinal e catequética,
estabelecendo o dever de todo o cristão. Caps. I-VI
II. A parte litúrgica e
devocional, dando indicações para o culto cristão. Caps. VII-X e XIV.
III. A parte eclesiástica e
disciplinar, exercida pela liderança constituída da Igreja. Caps. XI-XIII e XV.
IV. A parte escatológica ou
esperança do cristão Caps. XVI.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da
Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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