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terça-feira, 6 de setembro de 2016

DIDAQUÊ: Introdução - O Manual Mais Antigo da Igreja Cristã

Qual a razão pela qual um pequeno e muito antigo documento anônimo, de pouco mais de dez páginas tem chamado tanta atenção. A resposta é que a Didaquê preenche uma lacuna documental-histórico do período pós-apostólica (após a destruição de Jerusalém 70 d.C.) e meados do segundo século, um dos períodos mais obscuros e desconhecidos da história da Igreja. A descoberta deste pequeno documento abriu muitas possibilidades para se encontrar respostas para algumas das questões históricas desse período eclesiástico da Igreja.
A Didaquê faz parte permanente em cada coleção dos Padres Apostólicos, em cada pesquisa sobre o Canon do Novo Testamento, o conteúdo do ensino, do culto primitivo e da disciplina nas comunidades cristãs espalhadas rapidamente por todo o Império Romano, bem como contribui na elaboração de comentários dos evangelhos.
Os estudiosos, desde sua descoberta, têm se debruçado exaustivamente sobre a discussão sobre a sua autoria, quando e onde de sua composição, a sua relação com documentos cognatos, como por exemplo a Epístola de Barnabé, o Pastor Hermas, e o cinturão literário que se forma ao redor da literatura canônica.
Desde sua descoberta e posteriores edições a Didaquê têm sido usada por praticamente todas as denominações e seitas cristãs evangélicas para apoiar essa ou aquela doutrina peculiar de cada uma delas, entretanto, o valor primário dela está em seu aspecto histórico e por este prisma o documento deve ser estudado.
A Didaquê está classificada nos mesmo nível da literatura dos chamados Pais Apostólicos, contribuindo para a consolidação da Igreja Cristã. Também atesta em grau, gênero e numero a superioridade inequívoca da literatura neotestamentária em relação a todas as demais literaturas eclesiásticas posteriormente produzidas. Diante do Sermão da Montanha, ou do Evangelho Segundo João, ou a Epístola aos Gálatas, ou ainda da Epístola de Tiago do qual mais se assemelha, a relevância da Didaquê assume seu valor diminuto.
Em nenhum momento a Didaquê reivindica uma autoridade apostólica; em seu silêncio reivindicatório assume ser um extrato, produzido por seu autor desconhecido, do que ele havia aprendido e agora utiliza para instruir a outros sobre o que ele cria ser fielmente o ensino dos apóstolos.  É um documento pós apostólico, mas não pseudo-apostólico, podendo desta forma assumir seu lugar entre os documentos produzidos originalmente pelos chamados Pais Apostólicos como Clemente de Roma, Policarpo, Inácio, Hermas. Na verdade, a Didaquê preenche a lacuna entre o período apostólico e dos patrísticos, assim como a literatura apócrifa do Antigo Testamento ocupa o espaço do chamado período interbíblico de Malaquias a João Batista.

O Título
            O termo Didaquê (Διδαχή) é derivado de Atos 2.42 onde se registra que os primeiros cristãos “perseveravam no ensino (doutrina) dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações”. É possível compreendê-la também como uma espécie de “Credo dos Apóstolos”, em seu conteúdo e não em sua forma.
            Em nenhum momento o autor tem pretensões apostólicas, mas apenas de alguém que registra seus ensinos. Não reivindica lugar entre os escritos inspirados, diferenciando-se de vasta literatura similar, onde o nome de um apóstolo é introduzido com o propósito de torna-la canônica. Todavia, não se encontra na Didaquê qualquer fraude literária ou ensinos espúrios.
O manuscrito da Didaquê possui dois títulos: Um mais curto: "Ensino dos Doze Apóstolos" e um mais longo: "O ensino do Senhor para as Nações [gentios] através dos Doze Apóstolos." Neste título mais longo temos a identificação da fonte original “ensino do Senhor [Jesus]” e os leitores primários “as nações”, ou seja, os cristãos não judeus que deveriam ser preparados para receberem o batismo para se constituírem membros das comunidades cristãs, espalhadas pelas mais diversificadas nações incluídas nos domínios do Império Romano. Nessa especificação é possível identificar um diferencial entre a inclusão de gentios e judeus na comunidade cristã, em relação ao batismo, mas não em relação as demais atribuições eclesiásticas, como poderemos perceber ao abordarmos seu conteúdo.

Conteúdo e Propósito
            A Didaquê se constitui em Manual Eclesiástico abarcando a síntese do ensino Apostólico, diretrizes em relação ao culto e à disciplina, como compreendida pelo autor e certamente exercitada na comunidade da qual ele participava. 
É claramente destinada aos professores e às lideranças eclesiásticas responsáveis pelas comunidades cristãs. Quanto a esses objetivos serve plenamente: é ao mesmo tempo didático e prático, e apesar de ser sucinto é também abrangente, e está convenientemente organizado em quatro partes.
Por se constituir no manual mais antigo desse tipo, a Didaquê com toda certeza foi ao longo dos anos sofrendo diversas modificações, e, evoluindo para manuais mais completos. Ela está dividida em quatro partes que abrangem a totalidade da vida cristã:
I.  A parte doutrinal e catequética, estabelecendo o dever de todo o cristão. Caps. I-VI
II. A parte litúrgica e devocional, dando indicações para o culto cristão. Caps. VII-X e XIV.
III. A parte eclesiástica e disciplinar, exercida pela liderança constituída da Igreja. Caps. XI-XIII e XV.
IV. A parte escatológica ou esperança do cristão Caps. XVI.
          

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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