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terça-feira, 6 de setembro de 2016

CARTA A DIOGNETO: Introdução

           
 Alguns documentos que descrevem o contexto do cristianismo pós apostólicos foram descobertos ao longo dos séculos e devidamente traduzidos nos possibilitam, com certo grau de autenticidade, reconstruir o caminho percorrido pela igreja cristã. Um deles é o material de catecúmenos denominado “Didaquê”, que já abordamos e cujo texto integral está nesse blog. Agora vamos apresentar outro documento relevante que foi preservado da corrosão temporal e que abre uma janela interessante para sabermos como os cristãos viviam neste período histórico tão carente de informação – a Carta a Diogneto (ver documento).

Autoria
            Quem produziu esse documento? Ainda que muitos tenham se debruçado e discutido e apontado possibilidades, a única coisa certa é que não sabemos quem é o autor original. Apesar de se indicar Justino Mártir, um dos Pais da Igreja, desde o século XVII sua autoria foi descartada. Uma gama de nomes foi indicada: Apoio, discípulo de Paulo; Clemente de Roma; Aristides; Hipólito de Roma. Essa incerteza da autoria leva muitos estudiosos a questionarem a veracidade do documento, sugerindo que se trata de um escrito falso, uma ficção literária produzida nos séculos posteriores XII ou XIII, ou ainda uma criação do seu primeiro editor Henrique Stephanus, do século XVI. [cf. abaixo].
            Os nomes acima mencionados foram descartados pelo fato de que a se comparar os estilos, o contexto histórico e os posicionamentos estabelecidos, encontra-se diferenças substanciais entre o documento e os escritos conhecidos dos autores propostos. Desta forma tem se aceitado o fato de que sua autoria continua sendo desconhecida. O padre Casamassa conclui:
“Das tentativas que se fizeram para identificá-lo com algum escritor do século II, algumas são, certamente errôneas, por apoiar-se em motivos falsos, por exemplo, as de Bunsen e Dräseke, que vêem na carta reflexos do gnosticismo; outras não passam de hipóteses mais ou menos sedutoras” (1944, p. 31-48).
            Uma hipótese mais recente e que tem recebido bastante aceitação foi proposta por Paul Andriessen. Segundo ele eliminando-se muitos nomes propostos permanece o de Quadrato,[1] um dos primeiros apologistas cristão, que apresenta ao imperador Adriano uma defesa do cristianismo, conforme testemunho de Eusébio, em sua obra História Eclesiástica IV, 1-2. Com base em suas pesquisas Andriessen conclui que a obra apologética de Quadrato, que se perdeu, é consoante à Carta a Diogneto:
“Por outra parte, o que sabemos de Quadrato por Eusébio, Jerônimo, Fócio, pelo martirológio de Beda e pela carta apócrifa de S. Tiago, dirigidos ele, concorda com o conteúdo da carta a Diogneto. A impressão que se tira acerca do autor da leitura da carta coincide com o que sabemos do apologista Quadrato pela tradição, ou seja: que foi discípulo dos apóstolos que escreveu em estilo clássico e que não somente lutou contra o paganismo, mas também contra o judaísmo” (1946, p. 121-156).
            Por falta de uma outra proposta mais consistente, podemos acatar a posição de Andriessen, para efeito de exercício acadêmico.

Destinatário
            O documento indica o destinatário nominando “Diogneto”, a quem se refere também como sendo "excelentíssimo", assim como Lucas se referiu à Teófilo, a quem dedica os dosi volumes Luca/Atos. Além de ser um nome próprio "Diogneto" também se constitui em um título honorífico para se referir à príncipes. Se acatarmos a hipótese anterior da autoria de Quadrato, a questão estaria resolvida, pois segundo Eusébio ele havia dirigido uma apologia cristã ao Imperador Adriano, que em outro documento é referido pelo título “Adriano de Diogneto” por Marco Aurélio:
Sabemos, ainda por Eusébio, que Quadrato dirigiu sua Apologia a Adriano, e os dados que nos proporciona a obra sobre seu destinatário, Diogneto, conviriam perfeitamente a este imperador’ (QUASTEN, 1968, p. 246).
            Desta forma, por diversas inferências é possível aceitarmos que o destinatário da Carta/Apologia a Diogneto seja mesmo o imperador Adriano.

Data e Local da Composição
            Partindo uma vez mais da hipótese de Paul Andriessen sobre a autoria e destinatário, o nosso documento deve ter sido redigido em torno do ano 120 d.C., provavelmente na cidade de Atenas. Alguns estudiosos que defendem outras possibilidades propõem próximo aos anos 70 d.C. ou 190-200 d.C., em Alexandria.

O Texto
            Apesar da antiguidade o texto foi somente descoberto em 1436, juntamente com outros manuscritos de cunho apologético em um total de 22 documentos. Destes cinco estavam catalogados sob o nome de Justino e associado ao seu Discurso aos gregos estava um outro manuscrito com a inscrição: “Do mesmo... a Diogneto”.
            Após sua descoberta o manuscrito grego, sem cópia, foi levado à Biblioteca municipal de Estrarsburgo, mas em 1870, durante a guerra franco-prussiana, em agosto de 1870, durante um ataque houve um incêndio que destruiu totalmente a Biblioteca e todo o seu acervo. Todavia, em 1592, Henricus Stephanus havia editado o documento com o título com o qual é conhecido – Carta a Diogneto, preservando-o de um total ostracismo.

Conteúdo
            Ainda que breve, possui importantes informações das preocupações doutrinárias e espirituais dos cristãos pós apostólicos do segundo século. É um texto bem elaborado, em tom moderado, evitando ataques mais contundentes às praticas religiosas e sociais pagãs, diferente de seus possíveis contemporâneos Hermas e Taciano. Sua intenção maior é de demonstrar a bondade amorosa que permeia toda a prática da fé cristã. De forma simples ele pode ser dividido em quatro partes, mais ou menos equivalentes.
            Inicia com um breve exórdio contendo alguns questionamentos levantados provavelmente pelo Diogneto-Adriano sobre os cristãos e suas práticas religiosas. Estas questões serão respondidas no transcorrer do documento.
            Na primeira parte o autor refuta tanto a idolatria vigente quanto os ritos judaicos. Deste modo acentua a superioridade do cristianismo em relação às antigas religiões pagãs e o judaísmo e a razão pela qual os cristãos não adoram os “deuses” e nem se submetem aos ritos judaicos.
            No bloco seguinte ele apresenta o cristianismo de forma positiva. Descreve de forma simples e bela o vivencial cristão, o exercício do amor (ágape) altruísta, o papel desempenhado por eles no mundo, suas reações às perseguições. O centro é ilustração que faz, de que assim como a alma é sustentação do corpo, o cristão o é para o mundo, ou seja, a mensagem cristã é a alma do mundo.
            Na terceira parte ensina a origem divina da fé cristã, a transcendência da revelação, o processo da salvação centrada na encarnação do Verbo e de sua morte expiatória-retentiva. Um minicurso de catecúmenos e onde conclui apelando ao leitor para que venha a crer também, indicando-lhe como deve proceder e quais os resultados desta decisão.
            Concluindo retorna ao ensino sobre o Verbo e como tornar-se seu discípulo, adquirindo assim a genuína ciência/conhecimento (gnose), e realçando uma vez mais os benefícios presentes e futuros desta nova vida.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/

Notas
[1] Os que examinam a língua e o estilo acabam concordando que se trata de um documento do segundo século cristão. Entretanto, somente esse argumento não autoriza uma confirmação indiscutível da autoria de Quadrato. 
           
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Referências Bibliográficas
ANDRIESSEN, Paul. L’Épilogue de L’Épître à Diognète. Recherces de Théologie
Ancienne et Médiévale 13, 1946.
ARZANI, Alessandro e VENTURINI, Renata L. B. Os gêneros dos escritos apologéticos cristãos antigos. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2011/pdf/comun/03006.pdf. Acesso: 06/09/2016.
CASAMASSA, A. Gli apologistici greci. Roma: 1944.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia, v. 2. São Paulo: Hagnos, 2006.
GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. tradução de Reginaldo Gomes de Araujo. Santo André, SP: Ed. Academia Cristã Ltda, 2005. 
QUASTEN, J. Patrologia I, BAC, 1968.


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