Autoria
Quem produziu esse documento? Ainda que muitos tenham se
debruçado e discutido e apontado possibilidades, a única coisa certa é que não
sabemos quem é o autor original. Apesar de se indicar Justino Mártir, um dos
Pais da Igreja, desde o século XVII sua autoria foi descartada. Uma gama de
nomes foi indicada: Apoio, discípulo de Paulo; Clemente de Roma; Aristides;
Hipólito de Roma. Essa incerteza da autoria leva muitos estudiosos a
questionarem a veracidade do documento, sugerindo que se trata de um escrito
falso, uma ficção literária produzida nos séculos posteriores XII ou XIII, ou
ainda uma criação do seu primeiro editor Henrique Stephanus, do século XVI.
[cf. abaixo].
Os nomes acima mencionados foram descartados pelo fato de
que a se comparar os estilos, o contexto histórico e os posicionamentos
estabelecidos, encontra-se diferenças substanciais entre o documento e os
escritos conhecidos dos autores propostos. Desta forma tem se aceitado o fato
de que sua autoria continua sendo desconhecida. O padre Casamassa conclui:
“Das tentativas que se fizeram para identificá-lo com algum
escritor do século II, algumas são, certamente errôneas, por apoiar-se em
motivos falsos, por exemplo, as de Bunsen e Dräseke, que vêem na carta reflexos
do gnosticismo; outras não passam de hipóteses mais ou menos sedutoras” (1944,
p. 31-48).
Uma hipótese mais recente e que tem recebido bastante
aceitação foi proposta por Paul Andriessen. Segundo ele eliminando-se muitos
nomes propostos permanece o de Quadrato,[1] um dos primeiros apologistas cristão,
que apresenta ao imperador Adriano uma defesa do cristianismo, conforme
testemunho de Eusébio, em sua obra História Eclesiástica IV, 1-2. Com base em
suas pesquisas Andriessen conclui que a obra apologética de Quadrato, que se
perdeu, é consoante à Carta a Diogneto:
“Por outra parte, o que sabemos de Quadrato por Eusébio,
Jerônimo, Fócio, pelo martirológio de Beda e pela carta apócrifa de S. Tiago,
dirigidos ele, concorda com o conteúdo da carta a Diogneto. A impressão que se
tira acerca do autor da leitura da carta coincide com o que sabemos do
apologista Quadrato pela tradição, ou seja: que foi discípulo dos apóstolos que
escreveu em estilo clássico e que não somente lutou contra o paganismo, mas
também contra o judaísmo” (1946, p. 121-156).
Por
falta de uma outra proposta mais consistente, podemos acatar a posição de
Andriessen, para efeito de exercício acadêmico.
Destinatário
O documento indica o destinatário nominando “Diogneto”, a quem se refere também como sendo "excelentíssimo", assim como Lucas se referiu à Teófilo, a quem dedica os dosi volumes Luca/Atos.
Além de ser um nome próprio "Diogneto" também se constitui em um título
honorífico para se referir à príncipes. Se acatarmos a hipótese anterior da
autoria de Quadrato, a questão estaria resolvida, pois segundo Eusébio ele
havia dirigido uma apologia cristã ao Imperador Adriano, que em outro documento é referido pelo
título “Adriano de Diogneto” por Marco Aurélio:
Sabemos, ainda por Eusébio, que Quadrato dirigiu sua
Apologia a Adriano, e os dados que nos proporciona a obra sobre seu destinatário,
Diogneto, conviriam perfeitamente a este imperador’ (QUASTEN, 1968, p. 246).
Desta forma, por diversas inferências é possível
aceitarmos que o destinatário da Carta/Apologia a Diogneto seja mesmo o
imperador Adriano.
Data e Local da Composição
Partindo uma vez mais da hipótese de Paul Andriessen
sobre a autoria e destinatário, o nosso documento deve ter sido redigido em
torno do ano 120 d.C., provavelmente na cidade de Atenas. Alguns estudiosos que
defendem outras possibilidades propõem próximo aos anos 70 d.C. ou 190-200
d.C., em Alexandria.
O Texto
Apesar da antiguidade o texto foi somente descoberto em
1436, juntamente com outros manuscritos de cunho apologético em um total de 22
documentos. Destes cinco estavam catalogados sob o nome de Justino e associado
ao seu Discurso aos gregos estava um outro manuscrito com a inscrição: “Do
mesmo... a Diogneto”.
Após sua descoberta o manuscrito grego, sem cópia, foi
levado à Biblioteca municipal de Estrarsburgo, mas em 1870, durante a guerra
franco-prussiana, em agosto de 1870, durante um ataque houve um incêndio que
destruiu totalmente a Biblioteca e todo o seu acervo. Todavia, em 1592,
Henricus Stephanus havia editado o documento com o título com o qual é conhecido
– Carta a Diogneto, preservando-o de um total ostracismo.
Conteúdo
Ainda que breve, possui importantes informações das
preocupações doutrinárias e espirituais dos cristãos pós apostólicos do segundo
século. É um texto bem elaborado, em tom moderado, evitando ataques mais contundentes às praticas religiosas e sociais pagãs, diferente de seus possíveis contemporâneos Hermas e Taciano. Sua intenção maior é de demonstrar a bondade amorosa que permeia toda a prática da fé cristã. De forma simples ele pode ser dividido em quatro partes, mais ou menos
equivalentes.
Inicia com um breve exórdio contendo alguns
questionamentos levantados provavelmente pelo Diogneto-Adriano sobre os
cristãos e suas práticas religiosas. Estas questões serão respondidas no
transcorrer do documento.
Na primeira parte o autor refuta tanto a idolatria
vigente quanto os ritos judaicos. Deste modo acentua a superioridade do
cristianismo em relação às antigas religiões pagãs e o judaísmo e a razão pela
qual os cristãos não adoram os “deuses” e nem se submetem aos ritos judaicos.
No bloco seguinte ele apresenta o cristianismo de forma
positiva. Descreve de forma simples e bela o vivencial cristão, o exercício do
amor (ágape) altruísta, o papel desempenhado por eles no mundo, suas reações às
perseguições. O centro é ilustração que faz, de que assim como a alma é sustentação
do corpo, o cristão o é para o mundo, ou seja, a mensagem cristã é a alma do
mundo.
Na terceira parte ensina a origem divina da fé cristã, a
transcendência da revelação, o processo da salvação centrada na encarnação do
Verbo e de sua morte expiatória-retentiva. Um minicurso de catecúmenos e onde
conclui apelando ao leitor para que venha a crer também, indicando-lhe como
deve proceder e quais os resultados desta decisão.
Concluindo retorna ao ensino sobre o Verbo e como
tornar-se seu discípulo, adquirindo assim a genuína ciência/conhecimento
(gnose), e realçando uma vez mais os benefícios presentes e futuros desta nova
vida.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/
Notas
[1] Os que examinam a língua e o estilo acabam concordando que se trata de um documento do segundo século cristão. Entretanto, somente esse argumento não autoriza uma confirmação indiscutível da autoria de Quadrato.
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Discordante
Referências
Bibliográficas
ANDRIESSEN, Paul. L’Épilogue de L’Épître à Diognète. Recherces de Théologie
Ancienne et Médiévale
13, 1946.
ARZANI, Alessandro e VENTURINI, Renata L. B. Os gêneros dos escritos apologéticos
cristãos antigos. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2011/pdf/comun/03006.pdf.
Acesso: 06/09/2016.
CASAMASSA, A. Gli apologistici greci. Roma: 1944.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia, v. 2. São Paulo: Hagnos, 2006.
GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. tradução de Reginaldo Gomes de Araujo. Santo André, SP: Ed. Academia Cristã Ltda, 2005.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia, v. 2. São Paulo: Hagnos, 2006.
GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. tradução de Reginaldo Gomes de Araujo. Santo André, SP: Ed. Academia Cristã Ltda, 2005.
QUASTEN, J. Patrologia I, BAC, 1968.
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