Luiz ou Luigi Bemini, 40 anos, está a bordo do “Rio Pardo”, cruza o
Atlântico e chega a Santos, em companhia da esposa, Anjola (Ângela), e os filhos
Arnaldo, Armando e Chencia, adolescentes. A família desembarca em Santos e,
após breve permanência na Hospedaria dos Imigrantes, rumou para a capital, onde
se estabeleceu na Rua 24 de Maio. Ao contrário de muitos de seus compatriotas,
que permaneciam na Hospedaria muitos dias, até serem recrutados para fazendas
de café no interior de São Paulo. Pelo jeito, Bernini tinha rumo e atividades
certas, embora sua ficha de imigrante fosse de “trabalhador”. Esse italiano
pertencia à Igreja Valdense da Itália. Descendia do grande arquiteto e escultor
Gian Lorenzo Bemini, autor de obras arquitetônicas em arte, trabalhou para oito
papas na elaboração de obras no entorno da Basílica de São Pedro, e como autor
de outras espalhadas em Roma, entre as quais várias fontes. Chegado a São
Paulo, logo se filiou à Igreja Presbiteriana juntamente com a esposa e os
filhos, todos batizados pelo Rev. George Chamberlain. Como não portava
documento de sua filiação à Igreja Valdense, Bemini professou a fé e foi
batizado por Chamberlain no dia 13 de março de 1881.
Há um episódio grave, registrado por Themudo Lessa, nas págs. 233- 234,
sobre um padre de São Bernardo do Campo a quem Luigi foi pedir permissão para
sepultar um filhinho. O padre naquele tempo era a autoridade que concedia
permissão para se enterrar pessoas no cemitério. Mesmo com a alegação de que o
menino era batizado e que a lei reservava lugar para não católicos nos
cemitérios, o vigário disse que a autoridade máxima era a da sua igreja. “Aonde
vou então enterrar meu filho?”, indagou Luigi. “No mato”, respondeu o padre.
Sendo assim, o enlutado italiano levou, num cesto, o corpinho do filho e o
sepultou em São Paulo. É de notar como a colônia italiana demorou a aderir ao
presbiterianismo. Fundada em 1865, a Igreja Presbiteriana de São Paulo, em 1867
aderiu a ela Bartholomeu Revíglio, o primeiro italiano. Conforme Lessa, na pág.
197, a família Bemini é a segunda turma. Em 1900, a Igreja Unida de São Paulo
designou o então licenciado Júlio Sanguinetti para trabalhar com um grupo de
crentes italianos e, ao mesmo tempo, evangelizar outros.
A igreja nasceu na casa do italiano
Luigi Bemini e a família estão agora no município de Tietê. Após vinte e
dois anos como membro da igreja em São Paulo, os Bemini foram recebidos por
jurisdição na Igreja Presbiteriana de Tietê, na data de 30 de outubro de 1904.
Adquiriu um sítio, naquela época uma verdadeira fazenda. O Rev. João Ribeiro de
Carvalho Braga pastoreava naquele ano a igreja de Tietê. Luigi Bemini, assim
como Bartolomeu Revíglio, seu compatriota, tinha sido colportor e gostava de
evangelizar. Tinha lá no sítio uns empregados e vizinhos, a quem costumava
falar do evangelho e convidar para reuniões em sua casa. Aliás, casarão. Ali
começou um ponto de pregação e em pouco tempo foi considerada congregação
autônoma. Chegou, em agosto de 1905, o Rev. Júlio Sanguinetti, como pastor da
igreja de Tietê. A vinda desse seu patrício parece ter aumentado o alento de
Luigi. Um ano e três meses depois de recebido como membro, Luigi fundou a
igreja no chamado casarão onde morava, e no dia 6 de janeiro de 1906 é
organizada igreja, pelo Rev. Júlio Sanguinetti, que começou a pastorear as
duas. Passou a chamar- se em alusão ao nome do lugar, “Igreja Presbiteriana de
Cruz das Almas”. Constam como fundadores os nomes de Luigi Bemini; sua segunda
esposa, Elíza Pereira Bemini; Chencia Bemini e Armando Bemini, filhos de Luigi;
Benedicto João de Campos; Joaquim J. de Campos; Joaquim Manoel de Campos;
Amélio de Souza Lara; Izabelina de Campos Lara; Ignácio Soares remandes; Manoel
Soares Fernandes; Isabel Maria de Lima; Anna Mana ie Moraes; Salvador Alves
Ribeiro; Maria Eugênia de Camargo; e Ürsula Leopoldina do Amaral. A grande
maioria era de irmãos transferidos da igreja ie Tietê na mesma data da
inauguração da igreja de Cruz das Almas.
A igreja cresceu e os irmãos sentiram a necessidade de construírem seu
primeiro templo, e isso foi possível com a doação do terreno por um dos
fundadores, Benedito João de Campos, sete anos depois de organizada a igreja,
em 1913. A propriedade situava-se perto do município de Porto Feliz, a
dezesseis quilômetros do centro de Tiete. A construção foi concluída em
1927. De maneira que, por muitos anos,
a propriedade dos Bemini abrigou a igreja. A primeira esposa de Luigi faleceu
em 1884, e do segundo casamento com Elisa Pereira nasceram outros filhos. Em
1926, Luigi Bemini faleceu e foi sepultado logo na entrada do Cemitério do
Redentor, na Avenida Doutor Arnaldo esquina com a Rua Cardeal Arcoverde, em São
Paulo. Elisa faleceu em Tietê, em 1935.
Pastores nas lutas e vitórias
Aconteceu o que é comum à história de outras igrejas. Como diz o ditado
popular, “nem tudo são flores”. O caminho da igreja é muitas vezes pontilhado
de espinhos. Há muita luta para se cumprir a missão. Problemas de toda a sorte
aparecem. Escassez de recursos, de gente para trabalhar, de liderança, muito
tempo sem oficiais, sem Conselho, falta de fidelidade. Esses os mais comuns
problemas. Não foi diferente com a igreja de Cruz das Almas. Porém há também
flores pelo caminho, e a igreja conta vitórias após lutas. Luiz Bemini, com
visão, abriu um curso de alfabetização para os moradores da região. Vários
descendentes seus tocaram a obra. Um dos descendentes é o pastor Marcos Bemini.
Outros reforços chegaram, entre os quais os da família Almeida. Leonor, uma das
filhas de Luiz, casou-se com João Pedro de Almeida, pai do Rev. João de
Almeida, por muitos anos pastor da igreja de Itapeva e das igrejas de Itapetininga
e de Torre Pedra; e avô dos presbíteros Heber José de Almeida e João de Almeida
Junior. O Rev Edson Fernando de Almeida descende dessa mesma família Almeida.
João Pedro de Almeida tomou-se presbítero, um dos sustentáculos da igreja. Certa
ocasião teve de enfrentar um invasor do templo em plena escola dominical. Tão
estranho senhor, provavelmente por conta própria, entrou armado e ordenou que
todos se encolhessem num canto e ficassem quietinhos, enquanto ameaçava de
morte o presbítero, caso não encerrasse definitivamente as reuniões da igreja.
Os irmãos estão contidos, mas oravam e
pediam por livramento, enquanto o refém administrava a crise com sabedoria,
paciência e palavras de consolo e esperança. Ate que aquela criatura desistiu
de seu intento. Parece que era meio louco.
A igreja desenvolveu, ao longo do tempo, ministérios diversos, e um
deles parece ter gerado simpatia nas autoridades: evangelização e cuidado de
crianças no Jardim Santa Cruz. Em 1989, Wilma Pantojo de Souza e Maria Luiza
Moreira Camargo iniciaram esse trabalho na residência de Olinda Camargo
Jacinto, e depois numa sala da Escola “Professora Lyria de Toledo Pasquale”.
Era a classe “Boas Novas”. Esse trabalho prosperou de tal maneira que a igreja
decidiu comprar um terreno no bairro, e foi para lá que se mudou, depois da
construção do templo, em 1993 A propriedade antiga funciona, desde então, como
acampamento. As entidades internas são a UMP, desde 1969; a SAF, desde 1974; e
a UPH, desde 2001. Nesses cento e três anos a igreja tem sido pastoreada pelos
Revs. Júlio Sanginetti, João Ribeiro de Carvalho Braga, james Porter Smith,
William Cleary Kerr, Uriel Antunes de Moura, Manoel Alves de Brito, Waldemar W.
Wey, Pedro Albero Rodrigues, Renato Fiúza Teles, Lázaro M. Camargo, José
Constantino Ramos, Lázaro Lopes de Arruda, Felipe Manoel de Campos, Jackson
Macedo de Souza, Paulo Edson Petreca, Cézar Palmeira, Antônio Francisco de
Souza, Ezequiel Fernandes de Camargo, Joel Rodrigues Cavalcanti, Antônio Jorge
de Souza, Roberto Pontes Oliveira, José Correa Cardoso, Joani Correa Prestes,
Leocádio Carpiné, Osvandi Pedroso e Airton Williams Vasconcelos Barbosa e
Amauri Bella Rodrigues.
Utilização livre desde que citando a fonte
Professor Caleb Soares
Historiador
Mestre em Letras
Mestrando em Teologia
Fundador e Presidente do
Instituto de Pedagogia Cristã (IPC)
Referência
Bibliográfica
SOARES,
Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos
(SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.
Artigos
Relacionados
Protestantismo
Presbiteriano no Interior São Paulo: Brotas
Resenha: 150
Anos de Paixão Missionária – O presbiterianismo no Brasil https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2019/03/resenha-150-anos-de-paixao-missionaria.html
O
Protestantismo na Capital de São Paulo: A Igreja Presbiteriana Jardim das
Oliveiras.
Resenha: Do
Baú do Enos Pai (compartilhando a História do Protestantismo Brasileiro)
Resenha: Os
Pioneiros Presbiterianos do Brasil (1859-1900)
Resenha:
Léonard, É.-G. O Protestantismo brasileiro
O
Protestantismo na América Latina: Implantação
O Brasil pelo
Prisma Protestante (J. C. Fletcher)
DOCUMENTO: O
Primeiro Esboço do Presbiterianismo no Brasil
Primeiro
Curso Teológico Protestante no Brasil
Gostei bastante do texto. Pontuaria somente algumas coisas. A primeira vinda de meu trisavô se deu em torno de seus 30 anos, vindo somentente com o filho Arnaldo (italiano - nascido em 1875) e Bethlem (italiano - nascido em 1876). Este último faleceu na viagem. Seu corpo teve de ser lançado ao mar por conta do tempo de viagem e falta de condições de preservação nos navios antigos.
ResponderExcluirA primeira esposa, Angela Truzzi, faleceu pouco antes do episódio grave apontado no texto. Ele teve vários filhos no Brasil que faleceram. Neste episódio relatado, a criança chamava-se David Bernini. Quando meu trisavô trouxe o corpo de David para ser enterrado no cemitério protestante em São Paulo, sua filha faleceu no dia seguinte ao óbito de seu irmão (David). O nome dela é Adélia e ambas crianças foram sepultadas no cemitério protestante.
Com Angela, ele teve um filho chamado David Bernini, nascido em 1881 e falecido em 1882. Em 1882 nasceram 3 crianças e morreram 15 minutos depois do nascimento. Como era comum na época, não tiveram nomes registrados.
Em 1881 foi o caso relatado acima no texto, David e Adélia Bernini morreram com 6 meses de idade. Neste momento, Angela já era falecida.
Já com Elisa (2ª esposa), nasceram Colombo, Ítalo (1887-1889), Italo (1889), Leonora, Giglio e Luiza. Esta última filha não tenho muitas informações. Ela faleceu com 12 anos, mais ou menos. Teve um acidente doméstico, onde caiu quando descia a escada do casarão, vindo a falecer.
Um relato de minha prima, Nimpha, dá conta de uma passagem na vida de meu trisavô, como segue:
ResponderExcluir"Lembrei-me de algumas passagens sobre nosso avô Bernini, que minha mãe e irmão mais velho contavam : No velho "Sobradão" como era chamada a morada deles, fazia -se o culto e ensino da palavra. Interessante notar, é que ele fazia questão de alfabetizar as pessoas. Um acontecimento engraçado é que os vizinhos vinham pedir frutas e verduras . Como ele plantava tudo a turma pedia . Olhe só a resposta: " tu levas as frutas mas também as sementes, porque tu não moras em cima de pedra". Que moral heim!!!! Dizia minha mãe que a turma saia resmungando: "nhô Luiz é bravo".
Grato pelas preciosas informações.
ResponderExcluir