Digno
de nota é o esforço empreendido por missionários metodistas americanos que
entre os anos de 1835 e 1841, além dos estrangeiros residentes, também
alcançaram muitos cidadãos brasileiros com sua mensagem protestante. (REILY,
1984, pp. 92-93; COSTA, 2003, pp. 2-5).
Mas
o primeiro missionário a estabelecer uma denominação protestante com
brasileiros e para brasileiros foi o Dr. Rev. Robert Reid Kalley (1855) que
fora fortemente influenciado pelos livros de Kidder e Fletcher e persuadido por
correspondência por este último a se estabelecer no Brasil (VIERIA, 1980, p. 66).
Em 11 de junho de 1858
Kalley batiza o primeiro brasileiro marcando assim a data de fundação da Igreja
Evangélica, posteriormente denominada Fluminense. Em 1868 um dos diáconos,
Manoel José da Silva Viana, estabelece-se em Recife e em 1873 com a presença de
Kalley 12 pessoas são batizadas e organiza-se a Igreja Evangélica Pernambucana.
(LÉONARD, 1981, pp. 49-50; VIEIRA, 1980, 116-119; SOARES, 2009, p. 41).
O
Imperador D. Pedro II com seu perfil desenvolvimentista e liberal manteve
contatos tanto com Fletcher quanto com Kalley e apreciava e incentivava o
espírito progressista do protestantismo americano e europeu o que certamente
facilitou em muito a inserção destes no país (VIEIRA, 1980, pp. 64-65 e
121-122; LÉONARD, 1981, pp.47-48).
Mudanças Econômicas e Sociais
Outro
aspecto importante, pré Simonton, é que o país esta em frenética ebulição,
saindo de um sistema estritamente agrário-rural e iniciando seu processo de
industrialização e urbanização, alterando substancialmente as estruturas
sociais e políticas brasileiras.
Os
dados estatísticos fornecidos por Prado Junior (2004, p. 192) revelam a pujança
desta mudança de eixo econômico-social que se revelaria irreversível. E
conforme Rocha o “... país estava num decênio de importantes reformas e
melhoramentos”, o qual ele destaca alguns exemplos: introdução dos vapores
marítimos; a Companhia de Gás na Capital; a estrada de ferro Petrópolis-Mauá; o
projeto da Estrada de Ferro D. Pedro II; o aumento da propaganda antiescravista;
o destaque dado aos Estados Unidos como país que mais atraia imigrantes por
causa de sua tolerância e liberdade de culto e consciência em contra partida ao
cerceamento constitucional de fundo católico romano no Brasil; a melhoria e
ampliação do sistema educacional (1941, p. 24).
Apesar
desta efervescência econômico-social o país vivia um período político calmo,
onde os dois partidos, o conservador (governista) e o progressista
(oposicionista), tinham estabelecido uma aliança sob a liderança do Marquês de
Paraná (KIDDER e FLETCHER, 1941, p. 205).
A
Igreja Católica Romana por sua vez estava fragilizada, tanto pelo sistema
regalista[1],
quanto por sua crise interna entre os jansenistas[2]
e galicanistas[3],
de ideias liberais, que almejavam uma Igreja Católica brasileira, autônoma de
Roma, e os ultramontanistas[4],
de cunho conservador, cujo projeto de recristianização tinha por objetivo
confirmar e reafirmar a “divindade do papa” e o poder espiritual da Igreja
sobre o mundo. (RIBEIRO, 1973, captos 2 e 3; CLARK, 2005, p. 82-93 ).
Consulta Jurídica Sobre a Tolerância e Liberdade Religiosa no Brasil
Uma
última questão, de extrema importância, antecede apenas alguns meses da chegada de
Simonton, mas vai ser fundamental para as suas atividades missionárias e
denominacional, é a consulta jurídica proposta pelo Dr. Rev. Kalley sobre a
tolerância e liberdade religiosa no Brasil.
Kalley
estava sendo coagido de várias formas a parar suas atividades religiosas
proselitista, pois havia batizado e recebido como membros de sua denominação
duas senhoras da alta sociedade. Então faz uma consulta a três dos mais
eminentes juristas do Império: Dr. José Nabuco Tomáz de Araujo, então Ministro
da Justiça, Dr. Urbano Sabino Pessoa Mello, magistrado e político e Dr. Caetano
Alberto Soares, ex-sacerdote católico romano, magistrado e político,
solicitando seus pareceres legais e por escrito, conforme um questionário
contendo onze pontos relacionados à questão religiosa no país.
Os
pareceres dos juristas foram amplamente favoráveis à causa de Kelley e lhe
deram fundamentação legal e constitucional para que continuasse a desenvolver
suas atividades religiosas. Encaminha ao Governo Imperial suas documentações e
os pareceres que são acolhidos pelo então Ministro do Interior, Conselheiro J.
N. da Silva Paranhos, que fica satisfeito com as explicações de Kalley e lhe
assegura os direitos constitucionais. A resolução oficial do Governo chega às
suas mãos em 13 de agosto de 1859, portanto, um dia após o desembarque de
Simonton no Brasil. (ROCHA, 1941, p. 95; VIEIRA, 1980, p. 114).
E Pinto sublinha muito bem a
importância deste ponto para a inserção permanente do protestantismo no Brasil,
em sua dissertação sobre Kalley e a ampliação da liberdade religiosa:
Os pareceres dos juristas e a resolução governamental
foram a jurisprudência necessária para que se tornasse mais efetiva a
implantação permanente do protestantismo no Brasil, servindo de referência aos
demais grupos que começaram a chegar ao país. [...] Kalley saiu tremendamente
fortalecido do episódio, projetando-se nos meios acatólicos e também na elite
da sociedade brasileira. Um missionário por conta própria, desvinculado de qualquer
denominação, que não representava nenhuma igreja ou sociedade missionária
estabelecida no exterior, obteve o parecer importante de que o cidadão tinha o
direito de seguir a religião que quisesse, segundo o prescrevia a Constituição
de 1824. (2005, p. 111 - Itálico meu).
Portanto,
quando Simonton desembarca no porto do Rio de Janeiro, no dia 12 de agosto de 1859
encontra um Brasil, político, social, econômico e religiosamente favorável e maturado
para a implantação e desenvolvimento de sua denominação presbiteriana. O que os
anos anteriores indicavam apenas possibilidades, os anos posteriores demonstrariam
ser uma realidade.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em
Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
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Companheiros
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Guanabara no RJ: O Brasil dos primeiros missionários protestantes http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2013/12/protestantismo-em-imagens-baia-da.html
James Cool
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Primeiros Contatos - Invasões Francesa e Holandesa
As Primeiras Aberturas ao Protestantismo
A Transferência da Família Real Portuguesa
Independência e a Primeira Constituição Brasileira
Referências Bibliográficas
CLARK, Jorge
Uilson. Presbiterianismo do Sul em Campinas: primórdio da educação liberal. Tese
(Doutorado) Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Educação:
Campinas, 2005. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000351752&opt=4.
Acesso em: 21/05/2013.
COSTA, Herminsten Maia Pereira, in A origem da escola dominical no Brasil:
Esboço histórico. Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/EST/DIRETOR/Introducao_a_Educacao_Crista__15__-_Final.pdf. Acesso em 20/04/2013.
KIDDER, Daniel P. e FLETCHER, James C. O Brasil e os brasileiros (esboço
histórico e descritivo). São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1941.
LÉONARD, Émile G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social.
2ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JERP/ASTE, 1981.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira – perspectivas sobre a missão da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
PINTO, Márcio da Silva. Robert Reid Kalley: a ampliação da liberdade religiosa e a inserção
permanente do protestantismo no Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciências
da Religião) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005.
PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 46ª
reimpressão, 2004.
REILY, Duncan Alexander. História documental do protestantismo no Brasil. 2ª impr. rev. São Paulo; ASTE, 1984.
RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo no Brasil monárquico (1822-1888): aspectos culturais da aceitação do protestantismo no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1973.
ROCHA, João Gomes. Lembranças do passado – Ensaio histórico do inicio do trabalho
evangélico no Brasil, do qual resultou a fundação da Igreja Evangélica Fluminense
pelo Dr. Robert Reid Kalley. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de
Publicidade Ltda, vol. 1, 1941.
SOARES,
Caleb. 150 Anos de paixão missionária – o presbiterianismo
no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.
TAVARES, Mauro Dillmann. Progresso e
civilização à luz ultramontana - jornais católicos no sul do Brasil - Porto
Alegre, século XIX. Disponível em: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao12/materia03/texto03.pdf
Acessado em 11/03/2013.
VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980.
[1] Este sistema
passou a funcionar a partir do século quinto século em diversas modalidades,
até que no século dezesseis passou a ser a autorização, normalmente negociada,
da Santa Sé (Papa) para que o rei pudesse exercer autoridade sobre a igreja
estabelecida em seus domínios. Os reis de Portugal
e Espanha receberam o direito de padroado (outorgados por Leão X em 1514, e por
Júlio II em 1550), portanto, tinham direito de recolher os dízimos e nomear
bispos, o que na prática proporcionava uma ampla liberdade em relação ao poder
papal romano. Em Portugal e posteriormente no Brasil este sistema foi levado ao
extremo pelo Marquês de Pombal, aplicando os conceitos galicanistas do poder do
Estado sobre a Igreja. D. Pedro II, ainda que não tivesse interesse pessoal em
religião ou na igreja, preocupado com as pressões dos ultramontanos,
utilizou-se de todos os instrumentos legais do padroado para manter um controle
eficaz. Entretanto, na década de 1870 eclode a chamada “Questão Religiosa” que
acabara sendo o marco da vitória ultramontana, bem como a queda de D. Pedro II
e a proclamação da República. (VIEIRA, 1980, p. 28; MATOS, p. 123-126)
[2] Foi um
movimento avivalista dentro do catolicismo, baseada nos conceitos de Fleming
Cornelius Otto Jansen, no século XVII
na
França. Eles se opunham vigorosamente aos jesuítas com seu sistema escolástico.
O jansenismo chega ao Brasil através dos padres e prelados que eram preparados
na Universidade de Coimbra, que adotara os conceitos deste movimento. O
professor Léonard destaca três importantes contribuições dos jansenismo para a
entrada e expansão do protestantismo no Brasil: um zelo pela piedade, a leitura
da Bíblia como exercício devocional e a autonomia em relação à Roma. (1981, p.
36-39; VIEIRA, 1980, p. 29-32)
[3] Surgiu na França onde tanto a Igreja Católica francesa quanto o Estado
defendiam uma autonomia em relação a Roma e ao Papa. Em 1682 na chamada
“Declaração do Clero Francês” ficou estabelecido que o poder temporal dos reis
era independente do papado e que a autoridade do ensino infalível da Igreja
pertencia tanto aos bispos quanto ao papa conjuntamente. (VIEIRA, 1980, p. 28)
[4] Este termo, que
significa “além dos montes” pois Roma ficava além dos Alpes, foi empregado desde o
século XI para denominar os
cristãos que reivindicavam a autoridade absoluta do papa em matéria de doutrinas e
governo da igreja,
sendo utilizado também a partir do século XVI para se mostrar
contrário ao Galicanismo. Entre os principais expositores deste movimento no
Brasil, temos inicialmente o bispo de Mariana, D. Viçoso, e D. Antônio Joaquim
de Melo, bispo de São Paulo e na década de 1870, surgem dois outros nomes de
destaque: o bispo do Pará, D. Macedo Costa e D. Vital, bispo de Pernambuco.
Segundo Vieira: “Pode-se dizer que o
ultramontanismo do e século XIX se
colocou, não apenas numa posição a favor de uma maior concentração do poder
eclesiástico nas mãos do papado, mas também contra uma série de coisas que eram
consideradas erradas e perigosas para a Igreja. Entre esses “perigos” estavam o
galicanismo, o jansenismo, todos os tipos de liberalismo, o protestantismo, a
maçonaria, o deísmo, o racionalismo, o socialismo e certas medidas liberais
propostas pelo estado civil, tais como a liberdade de religião, o casamento
civil, a liberdade de imprensa e outras mais”. (VIEIRA, 1980, p. 32-33, 38).
Para entender a reação ultramontana ver também o bom trabalho de Mauro Dillmann
Tavares: “Progresso e civilização à luz
ultramontana: jornais católicos no
sul do Brasil - Porto Alegre, século XIX”.
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