O Trabalho Desenvolvido por Ashbel Green Simonton e Seus Companheiros
Como vimos no artigo anterior quando Ashbel Green Simonton desceu do navio no porto do Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1859, ele recebe de presente um Brasil pronto para assimilar a mensagem evangélica protestante.
Entretanto ele e seus companheiros que em breve desembarcaram também no país trazem em seu bojo o conceito teológico do Pacto e o conceito eclesiástico denominacional,
com toda sua bagagem “marcantemente individualista, com forte ênfase na
experiência subjetiva de conversão e na santificação, entendida como um radical
distanciamento do mundo e dos assuntos a ele relacionados” (BONINO, 2003, p.
41). Portanto, não é de estranhar as razões que o levam a manter-se sempre arredio
a qualquer movimento mais ecumênico até mesmo com seus congêneres protestantes
e que o torna extremamente belicoso em relação ao catolicismo romano brasileiro
e totalmente irreconciliável com qualquer outra expressão religiosa, bem como a equidistância das questões politicas brasileira, o que infelizmente se tornara uma regra canônica do presbiterianismo nacional em toda sua trajetória histórica, produzindo momentos lamentáveis como os ocorridos no período do militarismo pós 1964.
Até mesmo em seu método de
trabalho missionário Simonton se mostra restrito, uma vez que descarta quase
que por completo o trabalho realizado por vários anos pelo Rev. James Cooley Fletcher
(1823-1901), que o antecedeu no esforço de implantar o protestantismo no
Brasil, o qual tudo indica não compartilhava de um evangelismo desconectado da
relação indivíduo-sociedade, pois todo seu esforço fora sempre o de promover
através da mensagem evangélica protestante uma transformação estrutural da
sociedade brasileira, de maneira que atua em todas as áreas e setores da
sociedade brasileira como a política, econômica e social, extrapolando em muito as
fronteiras rígidas do protestantismo de missão tão bem estabelecido e efetivado por Simonton e seus companheiros. (VIEIRA, 1980, capto 3 e 4).
Simonton realiza um trabalho intenso, como que prevendo a brevidade de suas atividades
missionárias que seria tolhida por sua morte precoce aos 34 anos. Mas em tão
pouco tempo, oito anos e quatro meses, ele conseguiu deixar uma herança de
valor incalculável para a futura Igreja Presbiteriana brasileira.
Inicia
seu trabalho, no Rio de janeiro, de forma simples à semelhança de seus
predecessores, atuando como um capelão entre os de língua inglesa, tanto em navios
quanto no bairro da Saúde (RJ), dando assistência a uma Escola Dominical a um grupo
de operários atendidos anteriormente por Fletcher em 1855, eram ingleses,
escoceses e irlandeses; ele também viaja a outras cidades. Já tendo a companhia
de seu cunhado e missionário Alexander L. Blackford, que organizaria as Igrejas
de São Paulo (março de 1865) e Brotas (novembro de 1865), ele empreende uma
longa viagem pela província de São Paulo, ao final de 1860 e inicio de 1861,
visitando as colônias de anglo-saxões e alemães, bem como fazendo colportagem
de Bíblias e outros materiais evangélicos.
Retornando ao Rio em maio de
1861 começa a fazer as primeiras pregações em português, em uma pequena sala no
centro do Rio de Janeiro. Somente depois de dois anos e meio, ele realiza seus primeiros
batizados, em 12 de janeiro de 1862, demarcando a fundação oficial da primeira
Igreja Presbiteriana no Brasil. Ele registra este momento em seu diário no dia
14 de janeiro:
[...]. No Domingo,
12, celebramos a ceia do senhor, recebendo por profissão de fé Henry E. Milford
e Cadoso Camilo de Jesus. Assim, organizamo-nos Igrejas de Jesus Cristo no Brasil.
Foi uma ocasião de alegria e prazer. Muito antes que minha pequena fé esperava.
Deus permitiu-nos ver a colheita dos primeiros frutos de nossa missão. Sinto-me
agradecido, de certa maneira, mas não tanto como deveria sentir-me. A comunhão
foi ministrada pelo Sr. Schneider e eu, em inglês e português. O Sr. Cadoso, a
seu próprio pedido e de acordo com o que nos também julgamos melhor, depois de
muito pensar e hesitar, foi batizado. Seu exame foi bastante satisfatório para
o Sr. Schneider e para mim, e não deixou dúvida quanto à realidade de sua
conversão. Graças a Deus nossa débil fé foi confirmada ao vermos que não
pregamos o evangelho em vão. (RIZZO, 1962, p.82).
De
acordo com a Ata da Igreja de 15 de maio de 1863, faz se o registro da
organização da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, por meio da Missão do
Norte, para fins legais,[1] conforme menciona Simonton
em seu relatório de 10 de julho de 1866:
A 15 de maio de 1863 vem a ponto esclarecer, reuniram-se
pela primeira vez em Assembléia Geral os membros da Igreja Evangélica
Presbiteriana do Rio de Janeiro ( este o seu nome primitivo a partir de sua
fundação, a 12 de janeiro de 1862), não dá para se constituir em Igreja,
entidade coletiva já existente, e, sim, diz Simonton em seu relatório de 10 de
julho de 1866 textualmente: “para formular e assinar certidões declarativas de
serem Alexander L. Blackford, A.G. Simonton, e F. J. Schneider pastores da
Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. A vista destas certidões, os títulos
dos mesmos pastores foram registrados pelo Governo e seus atos, feitos de
conformidade com a lei civil, garantidos principalmente em relação ao casamento
de pessoas que não professassem a religião do Estado.(RIBEIRO, 1940, p.13 e 14,
Apud, CLARK, 2005, p. 101 – grafia da época).
Contando com seus outros
dois grandes colaboradores Francis J. C. Schneider, que trabalhava entre os
imigrantes alemães em Rio Claro, lecionaria no futuro Seminário do Rio e seria
missionário na Bahia e George W. Chamberlain, grande evangelista e operoso
pastor da futura Igreja de São Paulo, Simonton empreende suas maiores realizações: fundou
o primeiro periódico evangélico do país (Imprensa Evangélica, 1864), que
subsistiu por 28 anos; criou o primeiro Presbitério (1865)[2],
na rua São José onde estava funcionando a então primeira igreja da capital
paulista, composto pelas Igrejas do Rio
de Janeiro, São Paulo e Brotas; coube a ele também o privilégio de organizar o
primeiro Seminário, chamado de “Seminário Primitivo” (1867), o qual formaria os
primeiros pastores presbiterianos[3]
e ainda deixou funcionando uma escola paroquial que se constituía em um
instrumento fundamental na estratégia missionária americana.[4]
Mas sem dúvida alguma, sua maior alegria e realização foram participar da
ordenação de José Manoel da Conceição, o primeiro pastor presbiteriano
brasileiro (1865).[5]
Ainda fortemente abalado
pelo falecimento de sua amada esposa, Helen Murdoch (1864), em decorrência do
parto de sua única filha - Helen Murdoch Simonton - o Rev. Ashbel Green
Simonton morre vitimado pela febre amarela, em 1867, aos 34 anos, e apesar da
brevidade de seu ministério contribuiu de forma impar no desenvolvimento do
presbiterianismo brasileiro e na implantação da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Dois dias antes de sua morte, sua irmã perguntou se tinha alguma palavra à sua
igreja no Rio. Simonton replicou: “Deus
levantará alguém para tomar o meu lugar. Ele usará os seus instrumentos para o
Seu trabalho”.
O corpo do jovem missionário após ser velado é conduzido em cortejo fúnebre partindo da esquina do Largo de São
Bento com Rua São José, n° 1, hoje Líbero Badaró, descendo a Cásper Líbero, subindo a São João, entrando na Avenida Ipiranga e finalmente subindo a Consolação, para ser sepultado no Cemitério dos Protestantes, ao lado de sua jovem esposa Helen Murdoch que havia sido sepultada três anos antes. (Apud, SOARES, 2009, p. 187).
O jovem missionário americano, que por tão breve tempo esteve desenvolvendo suas atividades no Brasil, conseguiu cativar e impactar até mesmo aqueles que o viam como um herege e um perigo para a religião majoritária O jornal católico "O Apóstolo", que por tantas vezes se opôs de forma contundente às atividades dos missionários protestantes capitaneados na pessoa de Simonton, coloca uma nota sobre a morte precoce deste valoroso protestante: "... sempre mantivemos o devido respeito por nosso ilustre adversário, e é de coração nossa triste pela morte do ilustre editor da Imprensa Evangélica" (FERREIRA, 1992, V. 1, p. 89).
O jovem missionário americano, que por tão breve tempo esteve desenvolvendo suas atividades no Brasil, conseguiu cativar e impactar até mesmo aqueles que o viam como um herege e um perigo para a religião majoritária O jornal católico "O Apóstolo", que por tantas vezes se opôs de forma contundente às atividades dos missionários protestantes capitaneados na pessoa de Simonton, coloca uma nota sobre a morte precoce deste valoroso protestante: "... sempre mantivemos o devido respeito por nosso ilustre adversário, e é de coração nossa triste pela morte do ilustre editor da Imprensa Evangélica" (FERREIRA, 1992, V. 1, p. 89).
Referências Bibliográficas
BONINO, José Míguez, Rosto do protestantismo latino-americano. São Leopoldo: Ed.
Sinodal, 2003.
CLARK, Jorge
Uilson. Presbiterianismo do Sul em Campinas: primórdio da educação liberal. Tese
(Doutorado) Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Educação:
Campinas, 2005. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000351752&opt=4.
Acesso em: 21/05/2013.
FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil, vol. 1 e 2, 2ª ed. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
LESSA, Vicente Themudo. Annaes da Primeira Egreja Presbyteriana de São Paulo – Subsídios para a
História do Presbiterianismo Brasileiro. São Paulo: Ed. Primeira Igreja
Presbiteriana Independente de São Paulo, 1938.
RIBEIRO, Domingos. História da Igreja
Presbiteriana do Brasil. 1940: Apollo
RIZZO, Maria Amélia. Simonton – inspirações de uma existência. São Paulo: Editora Rizzo,
1962.
SOARES, Caleb. 150 Anos de paixão missionária – o presbiterianismo
no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.
[1] Para que os
atos civis dos Missionários e pastores pudessem ter valor legal era preciso
fazer o registro deles na Secretaria do Império, conforme Artigo nº 52, do Decreto
nº3069 de 17 de abril de 1863 do Governo Brasileiro.
[2] Ferreira registra este ato constitutivo: “Nós, Ashel G. Simonton, do
Presbitério de Charlisle; Alexandre L. Blackford, do Presbitério de Washington;
e Francisco J. C. Schineider, do Presbitério de Ohio, querendo melhor promover
a glória e o reino de nosso Senhor Jesus Cristo no Império do Brasil, julgamos
útil e conveniente exercer o direito que nos confere a Constituição de nossa
Igreja, constituindo um Presbitério sob o governo e direção da Assembléia Geral
da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América do Norte. Portanto, de
conformidade com a referida Igreja, de fato nos constituímos em um Presbitério
que será chamado pelo título de Presbitério do Rio de Janeiro, o qual deverá
estar anexo ao Sínodo de Baltimore. (1992, v. 1, 2ª ed., p.59)
[3] Após a
formação do primeiro Presbitério (1865) o passo seguinte era criar o primeiro
Seminário Presbiteriano para formação de pastores nacionais que haveriam de
substituir os missionários que voltassem para seu país de origem. Este
Seminário vai surgir e funcionar inicialmente no Rio de Janeiro, no Campo de
Sant’ana, nº 49, e será chamado carinhosamente de “Seminário Primitivo” e Simonton registra em seu diário: “Aluguei uma casa com sala
ampla, boa para pregações; outra para imprensa e alojamento para os nossos
estudantes e para as famílias de dois impressores. Tudo por 150 mil réis por mês. É muito
razoável. Pelo menos trinta pessoas a mais poderão
estar assentadas.
Tal mudança se faz necessária pelo aumento animador dos auditórios. Quando tivermos de mudar outra
vez, espero que seja para lugar definitivo”.
(SIMONTON, 1867, In: RIZZO, 1962, p. 163). Clark trata em detalhes o
funcionamento deste primeiro Seminário Presbiteriano (2005, p. 113-117).
[4] O binômio
“evangelizar e educar” caracteriza a estratégia missionária dos protestantes
que se instalaram no Brasil durante o século XIX. Em relação às escolas havia
três tipos conforme Mesquida: as escolas paroquiais; as
escolas dominicais; e os colégios. As primeiras alcançavam os grupos médios e periféricos da sociedade;
as segundas dedicavam-se à instrução religiosa nas igrejas; os terceiros alcançavam as
elites (1994, p. 138-139). A primeira ação de Simonton foi formar a escola
dominical e em seguida iniciou uma escola paroquial. O colégio veio
posteriormente com um de seus colaboradores, o Rev. Chamberlain e sua esposa
Mary Ann, em São Paulo. O comentário de Clark sobre a repercussão desta
pioneira escola paroquial de Simonton é interessante: “Simonton, ao criar sua
escola, não tinha ideia de que a mesma atrairia a atenção de tantos brasileiros
católicos. Embora a escola tivesse fins religiosos e dogmas diferentes do catolicismo, muitos pais
solicitaram a permissão para que seus filhos pudessem frequenta-la e ali receber
instrução” (CLARK, 2005,p.98).
[5] Lessa registra
este momento ímpar do presbiterianismo brasileiro: “Em 16 de dezembro de 1865 constitui-se,
em S. Paulo, o Presbyterio do Rio de Janeiro, do qual faziam parte os
reverendos Simonton, Blackford e Schneider. No dia seguinte, 17 de dezembro, o
antigo vigario era solennemente ordenado pela imposição das mãos do Presbyterio
organizado na vespera.. Estava realizada a grande aspiração do reverendo
Conceição, que foi contado como primícias do ministerio evangelico nacional”. (1938, p.28 – grafia da
época).
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