A vida e obra de John Bunyan esta
inserida no contexto histórico da Inglaterra dos dias da rainha Elisabete I e
sua complexa e extremamente conturbada questão religiosa. Ela havia herdado uma
nação em convulsão religiosa e depois de muitos embates internos, e mortes,
conseguiu impor um sistema híbrido entre calvinismo e catolicismo.
Evidentemente que ela não agradou a nenhum dos dois lados da questão, mas ao
menos pacificou o reino. Dentro deste quadro religioso surge um movimento
denominado de puritanismo, pois eles procuravam por todos os meios impor uma
reforma mais profunda e abrangente dentro da perspectiva da Reforma realizada
por João Calvino em Genebra na Suíça.
John Bunyan está associado ao movimento Puritano que frequentemente tem
sido mal compreendido e até mesmo hostilizado e ridicularizado. Os Puritanos
são na maioria das vezes retratados com seus chapéus e roupas negras e pessoas
totalmente avessos aos prazeres da vida e a quaisquer outros temas que não
fossem religiosos – seriam os beatos ou fanáticos religiosos da época. Mas o
puritanismo nunca foi um movimento uniforme e rígido em seus conceitos. Esse
movimento surge sem um personagem e data fundante. O movimento se desenvolve na
esteira do espírito das reformas que estão sendo produzidas por toda Europa e
principalmente através da ferramenta mais eficaz naquele momento – a literatura
– da qual sem dúvida alguma a obra “The Pilgrim’s Progress” (O Progresso do
Peregrino) escrito por Bunyan ajudou a moldar muitos dos conceitos do
puritanismo inglês.
Somente a partir da década de 1560 o
puritanismo tornou-se reconhecidamente um movimento organizado. Se buscarmos
seus antecedentes históricos haveremos de retroceder até o maior e mais
frutífero movimento pré-reforma inglês liderado por John Wycliffe e seus
Lollards que foram instruídos e depois enviados por todas as cidades e
vilarejos ingleses no final dos séculos XIV e XV. Evidentemente que o movimento
bebeu das águas que emanaram do manancial reformado genebrino conduzido por
João Calvino, bem como nos demais movimentos reformistas produzidos a partir de
Lutero na Alemanha.
O puritanismo inglês somente assumiu a forma de um
movimento organizado na década de 1560, durante o reinado da rainha Elizabete
I. Pragmaticamente torna-se um movimento político e teologicamente
fundamenta-se na teologia calvinista: a depravação do homem, a soberania de
Deus, a salvação pela fé em Cristo, a eleição de Deus de indivíduos para a
salvação, a irresistibilidade da graça de Deus e a centralidade da Bíblia como
única regra de fé e prática. O Propósito deles era uma reforma interna da
igreja Anglicana, principalmente no que se relacionava com suas cerimônias ritualísticas
(liturgia) e estrutura eclesiástica de episcopal para presbiteriano e/ou
congregacional. No transcorrer do século XVII os diversos grupos puritanos
vieram a se constituir em grupos conhecidos como separatistas ou não
conformistas.
Ao contrário do sentido pejorativo em que os puritanos
são vistos com frequência, a teologia puritana não foi uma camisa de força ou
um estilo de vida monástico de negativismo, abstinência ou ascetismo. Apesar de
que eles viveram uma prática de fé de intensidade poucas vezes vista em uma
sociedade cristã, eles não se desconectaram dos aspectos positivos e prazerosos
da vida cotidiana. Para eles as atividades e prazeres moralmente harmonizados
com as Escrituras deviam ser praticados e incentivados, pois contribuíam para
uma mente e um corpo sadio, mas repudiavam ardorosamente toda sorte de
atividades libertinas e ilegais. Comer, beber, cantar e dançar fazem parte da
narrativa de “The Pilgrim's Progress” e tais prazeres não contrariavam a
Palavra de Deus. Todavia, mantiveram um apresso especial pelo domingo, que era
separado (consagrado) para o exercício religioso - o dia deveria ser gasto em
descanso e adoração. Nas palavras de Richard Baxter, um autor puritano, o
domingo deveria ouvir a Palavra de Deus e assim aprender a fazer Sua vontade e
para isso a pregação e o Culto era os pilares dos puritanos. Dentro desta
conjuntura não havia dicotomia entre usufruir das coisas boas da vida e buscar
uma vida de santidade e pureza. Para eles todas as esferas da vida deveriam ser
permeadas por um cristianismo dinâmico. Para isso a autodisciplina precedida por
um autoexame era extremamente importante, pois uma vida relaxada e desregrada não
era condizente com a vontade de Deus estabelecida nas Escrituras. Para os Puritanos
a vida tinha um propósito: Deus deu a cada indivíduo um chamado e os talentos
ou dons para segui-lo e honra-lo (tudo para a glória de Deus). Eles não tinham
uma visão fragmentada da vida: não havia sagrado e secular, apenas obediência e
desobediência, e todas as vocações eram sagradas.
De igual modo os puritanos valorizavam as atividades
intelectuais. Eles entendiam que o desenvolvimento da ciência no século XVII e
suas teses, bem como as demais áreas do saber humano deveriam ser explorados e
examinados. A própria natureza com sua beleza e plasticidade deveriam ser
apreciada, em muitos dos seus sermões Bunyan se referia com entusiasmo às atividades
da aranha, a organização de uma colmeia, à beleza do sol, da lua e das estrelas,
ao canto dos pássaros, aos encantos de um jardim inglês bem cuidado. Para
Bunyan negligenciar a beleza da criação era ignorar as manifestações do próprio
Deus.
Apesar de ele viver o epicentro do movimento Puritano
inglês e de ser comumente referido como sendo um puritano, ele nunca esteve engajado
nas questões eminentemente eclesiásticas daqueles que desejavam a todo custo
mudar o sistema da Igreja Anglicana ou a Igreja Estabelecida. Sua preferência
pessoal recaia sobre forma simples de adoração, com ênfase na centralidade do Bíblia,
em vez de forma litúrgica anglicana, mais ao estilo católico romano. Em vários
de seus escritos, Bunyan faz duras críticas àqueles que gastavam precioso tempo
da pregação em discussões intermináveis sobre picuinhas doutrinárias, do que
proclamando a graça que pode levar indivíduos a Deus. As divisões e subdivisões
do movimento puritano entre presbiterianos, congregacionais, metodistas,
batistas entre outros, a ponto de não mais poderem ter comunhão uns com os
outros, sempre foi motivo de tristeza para o coração de Bunyan.
Mas isso não significa que Bunyan não tinha disposição
para polemizar com quem quer que fosse sobre questões que envolvessem as
verdades do Evangelho. Sua polêmica com Edward Burrough um líder Quakers foi
longa e dura; a questão estava no ensino deles de que a conversão era um ato
interior da alma e independente de uma profissão de fé externa e de que além
das Escrituras Deus continuava falando e revelando Sua vontade. Bunyan enfatizava
que a única experiência pessoal válida era aquela abalizada e fundamenta no
ensino das Escrituras. Em seu julgamento, a doutrina quaker da 'luz interior'
carecia do caráter objetivo da revelação especial.
As lutas políticas e religiosas de
sua época foram acentuadas e amargas e muitos morreram, mas Bunyan jamais foi omisso
ou permaneceu “equidistante” – seu posicionamento sempre foi a de Lutero e
jamais a de Erasmus. Nunca temeu em tomar um posicionamento firme e contundente
contra o mal e a injustiça. Ele jamais se escondeu atrás de púlpitos e sistemas
eclesiásticos; ele não passava os dias distante dos interesses públicos e
disputas ao seu redor, ao contrário, mergulhou neles e lutou e sofreu as consequências,
inclusive passando longo período de doze anos preso, por causa de seus
posicionamentos. Bunyan não apenas assistiu a história de seu país e seu povo,
mas participou efetivamente dela.
Mas como na história bíblica de José
o aprisionamento prolongado de Bunyan se transformou em bênção para ele e
milhões de leitores em todo o mundo e épocas. Enquanto livre suas energias
foram canalizadas para suas múltiplas tarefas de pregador e polemista, de
maneira que pouco tempo lhe sobrava para outro tipo de literatura. Mas dentro
da providencia de Deus e moldado pelas circunstâncias adversas o seu
aprisionamento lhe proporcionou a oportunidade de escrever sua maior obra
literária, que tem sido colocada lado a lado de expoentes como John Milton o
indiscutível poeta inglês e o dramaturgo William Shakespeare seus
contemporâneos.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Protestantismo
Evangelho
Referências Bibliográficas
Brown, John. John
Bunyan, His Life, Times and Works. Ed. Frank Mott Harrison. London:
The Banner of Truth Trust, 1964.
BUNYAN, John. O
peregrino: com notas de estudo e ilustrações. Trad. Hope Gordon Silva.
São Paulo: Editora Fiel, 2005.
_____________. Grace
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<http://acacia.pair.com/Acacia.John.Bunyan/Sermons.Allegories/Grace.Abounding/Account.Ministry.html>.
Acesso em abril de 2017.
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MARGUTTI, Vivian
Bernardes. Peregrinos em busca: alegoria, utopia e distopia em Paul
Auster, Nathaniel Hawthorne e John Bunyan. Belo Horizonte: Faculdade de
Letras da UFMG, 2010. (Tese Doutorado em Letras: Estudos Literários,
Orientador: Prof. Dr. Luis Alberto Ferreira Brandão Santos.
SANTOS, Tiago. A
Peregrinação cristã: sofrimento e vida de John Bunyan. http://voltemosaoevangelho.com/blog/2014/03/a-peregrinacao-crista-sofrimento-e-vida-de-john-bunyan-tiago-santos/
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