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segunda-feira, 16 de março de 2020

História da Igreja: Galeria Patrística



            Dois termos semelhantes, mas distintos: Patrologia: Estudo biográfico, crítico e exegético dos líderes da Igreja Cristã após o período apostólico (1º século); Patrística: Estudo do conjunto de escritos primitivos da era cristã, registrando suas experiências, seus ensinamentos, seus rituais e a vida eclesial. Portanto, a nossa Galeria será composta por aqueles líderes que sucederam os apóstolos a partir do final do primeiro século e mais especificamente a partir do segundo século da era cristã.

            O período apostólico encerra-se com a morte do apóstolo João no final dos anos oitenta e inicio dos anos noventa do primeiro século, provavelmente na cidade de Éfeso. Mas o Espírito Santo continuou capacitando novas lideranças para cuidar de sua Igreja. Alguns desses novos líderes começaram a ser denominados carinhosamente de “Pai” em deferência ao amor e zelo que tinham pela igreja e muitos deles vieram a ser martirizados por causa de sua fé cristã.
Não há nenhum problema em se referir a alguém como nosso “pai”, se isso for feito da maneira correta. Aliás, é exatamente isso que Paulo fez em 1Coríntios 4.15, quando disse: “Porque ainda que tenhais dez mil instrutores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais. Pois pelo evangelho eu mesmo vos gerei em Cristo Jesus”. Tanto Paulo quanto João se referiam com frequência a seus convertidos como seus filhos (LITFIN, 2015, p. 21).
            Foi colocada sobre os ombros dessa nova liderança a responsabilidade de preservar e dar continuidade ao ensino deixado pelos apóstolos (2Tm 2.2). Ainda nos dias de Paulo e seus companheiros houve diversas tentativas de se deturpar o ensino evangélico e descaracterizar a igreja cristã, o que podemos apreender da leitura e estudo das epístolas neotestamentárias.            Mas com a expansão do cristianismo por todo o Império Romano e a multiplicação de comunidades torna-se premente que se mantivesse a integridade do ensino evangélico e da própria igreja cristã. Aqui esta a relevância da vida e obra destes líderes que vivenciaram não apenas o desafio das perseguições externas, por parte das autoridades romanas, mas principalmente os embates internos provocados por toda sorte de pseudos ensinos que tentaram se estabelecer nas comunidades cristãs a partir do segundo século.
Os pais da igreja frequentemente são tratados como ancestrais amados no passado, mas esquecidos em nossos dias. Seu mundo é somente uma vaga lembrança; temos consciência da presença deles apenas de modo superficial. Sabemos que houve cristãos famosos que viveram “lá no passado”, mas não conseguimos identificar exatamente quem foram ou o que fizeram. Eles têm alguma relação com ser atirado aos leões, os romanos e todas essas coisas, certo? Mas apesar de nossa indiferença com o mundo deles, estamos inseparavelmente ligados aos pais da igreja. Mal ou bem, são nossos antepassados espirituais. Como ocorre com a árvore genealógica que herdamos, somos descendentes deles, quer gostemos, quer não (LITFIN, 2015, p. 17).
            Apenas como forma didática podemos nominar e classificar a Patrística em quatro grandes períodos: Apostólico (ou subapostólico); Apologistas, Polemistas e Pós-Nicenos. O professor Johannes Quasten, em sua exaustiva obra “Patrology” em quatro volumes estabelece uma cronologia geral “como os autores cristãos desde a época do NT até Isidoro de Sevilha (636 d.C.), no mundo latino, e João Damasceno (749 d.C.), no mundo grego” (1950, v.1, p. 1).
            O estudo e relevância da biblioteca produzida no período patrístico foi redescoberto pelos Reformadores no século XVI que buscaram neles a referência para corroboração de suas teses e exegeses bíblicas e eclesiológicas. Depois somente a partir da década de quarenta do século XX teremos novamente uma renovada busca pela vida e escritos do período patrístico. Mas precisamos evitar o equivoco de que o objetivo deles foi estabelecer uma espécie de teologia sistemática da fé cristã, longe disso, pois cada um deles tinha como propósito propagar a mensagem evangélica de Cristo e através dessa mensagem transformar a vida das pessoas, como tão bem coloca Robert Wilken: “O esforço intelectual da igreja primitiva estava a serviço de um objetivo muito mais nobre do que dar forma conceitual à fé cristã. Sua missão era conquistar o coração e a mente de homens e mulheres e transformar a vida deles” (2003, p. xiv).
            A nossa Galeria não tem nem a pretensão de ser exaustiva e nem abrangente no que tange à referência de todo material produzido por eles, mas creio que possibilitara uma visão consistente da significância destes homens e seus escritos, aos quais somos eternamente devedores.
 Período Pós Apostólico
Foram os mais antigos escritores cristãos. Eles tiveram relação mais ou menos direta com os apóstolos e o material por eles produzido é do final do primeiro e inicio do segundo século. 
Aqueles eram tempos de heroísmo, não de palavras; uma era, não de escritores, mas de soldados; não de quem fala, mas de quem sofre. 
 Clemente de Roma (30-100 D.C.). Um testemunho relevante sobre ele é dado por Irineu de Lyon (202), que declara que Clemente “havia visto os Apóstolos”, ‘”havia se relacionado com eles” e “tinha ouvidos suas pregações” (Adversus haereses, III, 3, 3). Eusébio de Cesaréia, o primeiro historiador da igreja cristã, seguindo o testemunho de Orígenes (cf. In Ioan. 6,36; De Principiis 2,3,3.) o identifica como sendo um cooperador de Paulo: “(...) Anacleto, tinha sido bispo da Igreja dos romanos durante doze anos, foi substituído por Clemente que o Apóstolo [Paulo], em sua carta aos Filipenses [4.3], declara ter sido seu colaborador (…)” (HE, III,15). E o próprio Eusébio de Cesárea, refere-se à carta escrita por Clemente e dirigida à igreja de Corinto, com estas palavras: "Recebemos uma carta de Clemente reconhecida como autêntica, grande e admirável. Foi escrito por ele, em nome da Igreja de Roma, para a Igreja de Corinto... Sabemos que ela é lida há muito tempo e ainda é lida publicamente durante a assembleia dos fiéis" (Hist. Eccl. 3.16). Alguns chegaram a propor a canonicidade desta epístola de Clemente, mas no final acabou ficando fora do Cânon bíblico.

Pelo inicio da correspondência (1.1) é possível data-la durante o período final das perseguições do imperador Domiciano ou imediato à morte deste imperador, em torno do ano 95-96 ou 97-98 D.C. O objetivo da correspondência era minimizar as divergências dentro da igreja de Corinto: “para reconciliá-los em paz, renovar sua fé e anunciar-lhes a tradição que ela recebeu recentemente de Apóstolos "(Adversus haereses, III, 3, 3). Para isso Clemente retoma grande parte do ensino e orientações ministradas pelo apostolo Paulo anteriormente. Uma vez mais temos que apelarmos para o testemunho de Eusébio: “Nesta carta, expõe muitas ideias (tiradas) da carta aos Hebreus e emprega com fórmulas próprias que dela toma” (HE, III, 37-38,1). Portanto, Clemente não tem nenhuma pretensão de originalidade, mas a dê pastoralmente trazer os cristãos de Corinto ao genuíno e único Evangelho, anteriormente anunciado por Paulo e demais apóstolos.
Por causa dessa relação e afinidade com a carta aos Hebreus, que revela um conhecimento amplo do Primeiro Testamento, conclui-se que Clemente seria de origem judaica e muitos estudiosos advogam que seja ele o autor da epístola aos Hebreus.
Estrutura da Carta: pode ser dividida em quatro partes: apresentação, os males da inveja e o bem da humildade, a necessidade de preservar a unidade, uma recapitulação.
Também é atribuído a Clemente um segundo documento conhecido como “Segundo Clemente”, mas que tudo indica não foi escrito por ele. Eusébio (Hist. Eccl., Iii. 38) faz referência a ela, porém sem muito entusiasmo: “Devemos saber que também existe uma segunda Epístola de Clemente. Mas não consideramos que seja igualmente notável como o primeiro, uma vez que não conhecemos nenhum dos antigos que o fizeram”.  Ela foi associada com Clemente pelo fato de estar arrolada no catálogo de manuscritos alexandrino, é encontrada em dois manuscritos gregos e no manuscrito siríaco da Primeira carta, mas não está nas versões latina ou copta (LK). O estilo, tom e pensamento estão em total contraste com a (autêntica) Primeira e que somado à falta de evidências externas temos uma indicação clara de autores distintos.
A datação deste segundo documento estende-se até o inicio do século V, mas não é propriamente uma carta e sim uma homilia (sermão), pois o escritor afirma distintamente (cf. Cap. XIX) que está lendo em voz alta, e implica que o faz em uma reunião de culto religioso, caracterizando o documento mais para uma homilia do que uma carta.
Seus temas principais são a ênfase na cristologia, na vida pura e na fé quanto à ressurreição do corpo. Sua grande preocupação é alertar o leitor contra os falsos mestres, especificamente aqueles que negam a realidade da humanidade de Cristo (cf. 1 João 4: 1–3). Esses falsos mestres estavam levando muitos cristãos a se desviarem, colocando em risco sua salvação; adverte sobre a perseguição e serve como um lembrete para resistir à apostasia.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/

Primeira Carta de Clemente aos Coríntios

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Referencias Bibliográficas
GEBHARDT, Oscar de, HARNACK, Adolfus and ZAHN, Theodorus. Patrum Apostolicorum Opera. Lipsiae: J.C. Hinrichs, 1877.
HALL, Christopher A. Lendo as Escrituras com os pais da igreja, 2. ed., tradução de Rubens Castilho; Meire Santos. Viçosa: Ultimato, 2007.
LIGHTFOOT, J.B. The Apostolic Fathers. 5 vols. London: Macmillan, 1893. Updated by Holmes, Michael, The Apostolic Fathers: Greek Texts and English Translations. 3d rev. ed. Grand Rapids: Baker, 2007.
LITFIN, Bryan M. Conhecendo os Pais da Igreja - uma introdução evangélica. Tradução de Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2015.
QUASTEN, Johannes. Patrology. vol. 1. Westminster: Newman, 1950.
RAMSEY, Boniface. Beginning to read the fathers. Mahwah: Paulist, 1985), p. 4-7
WILKEN, Robert Louis. The spirit of early Christian thought: seeking the face o f God. New Haven: Yale, 2003.

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