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quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

História da Igreja: Renascimento do Santo Império Romano e Expansão do Poder da Igreja

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          O antigo Império Romano havia desaparecido, primeiramente no Ocidente e posteriormente no Oriente e neste vácuo a Igreja Romana prosperou e se fortaleceu. Reacende com mais força o velho e acalentado anseio de se constituir em primado sobre todo o cristianismo.

Patrimônio de São Pedro

Muitos nobres, antes de morrer ou de se recolher a um entre as centenas de mosteiros espalhados por todo Ocidente, deixavam em testamento seus bens e territórios ao Bispo/Igreja de Roma, que veio a se constituir no chamado “Patrimônio de São Pedro”, que constava de terras na Itália e nas ilhas adjacentes. Esses bens, de extensão cada vez maior, permitiam ao Papa assumir posição de certa independência diante do Imperador bizantino e do representante deste em Ravena: o Pontífice tinha sob a sua jurisdição civil grande número de cidadãos, que trabalhavam sob a tutela papal ou eram socorridos por esta nos hospitais, asilos e orfanatos pontifícios.

Tabuleiro Político Religioso

Naqueles dias jogava-se no mesmo tabuleiro todas as peças ao mesmo tempo. Os movimentos políticos eram religiosos e os religiosos eram políticos.

§  Desde a conversão de Clóvis ao cristianismo ortodoxo (496), em que os francos renunciaram sua fé cristã ariana, cria-se ligações umbilicais entre o Estado e a Igreja. Todavia, a dinastia merovíngia foi muito inepta e fraca. Gregório I tentou impor reformas eclesiásticas na França, mas os resultados foram mínimos.

§  Apesar dos reis serem merovíngios[1], quem de fato controlava o poder era os denominados “prefeitos do paço”. Quando Carlos Martelo (715-741) assumiu os poderes da casa real, após conter o avanço maometano na Europa ocidental, apoia os esforços missionários na Alemanha ocidental e nos Países Baixos (Holanda), pois ambicionava a extensão de seu poder político. Está bem-sucedida cooperação vai render frutos no futuro.

§    Winfrid ou Bonifácio (680-754). De origem anglo-saxão e depois de vários trabalhos missionários ele foi conduzido pelo Papa Gregório II (715-731) para trabalhar na Alemanha. Era profundamente comprometido com a lealdade papal. Depois de alcançar ótimos resultados foi nomeado pelo Papa Gregório III (731-741) arcebispo em 732. Organiza a Igreja da Baviera (John Huss) e de Turíngia. Em 744 ajuda a fundar o mosteiro beneditino de Fulda, que veio a se constituir em centro de erudição e educação para o sacerdócio em toda aquela região centro-oriental da Alemanha. Muito zeloso fortaleceu a ordem e a disciplina nas igrejas sob sua jurisdição, fortalecendo a autoridade papal na região.

§  Desde a crise das imagens (731) onde o Papa de Roma recusa-se a retirá-las de suas igrejas, o Imperador retira a jurisdição do Sul da Itália e a Sicília e as subordina à sé de Constantinopla. Em diversas ocasiões Roma tenta se livrar da pressão dos lombardos apoiados pelo Império. Quando Pepino, o Breve, assume a prefeitura do paço, ele almeja o título de rei na França, mas para depor o último rei da linhagem merovíngia, Quilderico III[2], e ser coroado ele necessita tanto do reconhecimento precisava da aprovação da nobreza francesa e da sanção moral da Igreja. Apela ao Papa Zacarias (741-752), que o apoia prontamente e antes de terminar o ano 751 Pepino está ungido e coroado. Esse movimento vai mudar totalmente a configuração do tabuleiro de poder no Ocidente.

§  Posteriormente o Papa Estevão (752-757) vai até a França e faz nova coroação de Pepino e seus filhos na Igreja de São Dionísio em Paris. Ambos firmam um pacto onde Pepino reconhece validade do documento “Doação de Constantino” e o rei recebe da Igreja o título de “Patrício dos Romanos”, onde se compromete a dar integral proteção ao papado. O historiador W. Walker resume muito bem a repercussão histórica desse acontecimento:

Essa transação, que na época parece ter sido muito simples, estava prenhe de consequências importantíssimas. Dela poderia inferir-se que o papa tinha poder de conceder ou retirar poderes reais. Implícitos nela estavam o restabelecimento do império no Ocidente, o Sacro Império Romano, e a inter-relação entre o papado e império que ocupa lugar tão relevante na história da Idade Média. Desse ponto de vista, foi o acontecimento mais importante da história medieval (1967, p. 266 – Itálico meu).

§  Carlos Magno: Com a morte de Pepino sucederam-no seus dois filhos Carlos (Magno) e Carlomano (771). A morte prematura do segundo faz de Carlos o único soberano. De personalidade forte e até violento, amenizava com suas ações positivas. A dobradinha Carlos e o Papa Adriano I (772) foi de grande relevância para o Império e para a Igreja.

Após derrotar definitivamente os lombardos Carlos assumiu oficialmente o título, de “Rei dos francos e dos lombardos e Patrício dos Romanos”.

Em 781 os últimos vestígios de dominação bizantina (Império do Oriente) foram rompidos. A relação do rei e do papado é tenso, mas equilibrado. O Papa não era vassalo do rei, mas havia um pacto de aliança entre iguais.  O título de “Patrício” dava a Carlos Magno a liberdade para ingerir nas eleições de bispos, protestar através de representantes em matéria de administração temporal e no tocante ao governo interno da Igreja.

Com a morte do Papa Adriano I, seu sucessor foi Leão III que precisou muito do respaldo do rei Carlos Magno, que passou a ingerir muito mais na vida da Igreja.

§  Carlos Magno Imperador: Na noite de Natal de 800, após participar da celebração natalina, o papa Leão III coloca sobre a cabeça de Carlos Magno uma preciosa coroa, enquanto era aclamado pela multidão: “A Carlos Augusto, coroado por vontade de Deus, grande e pacífico Imperador Romano, vida e vitória!” Tudo, porém, havia sido preparado minuciosamente com antecedência.

§  Este evento significava a reedificação do Império Romano Ocidental, que havia desaparecido em 476, mas agora com um sentido distinto: o “Patrício Romano” se tornava Imperador Romano no Sacro Império Romano, desta maneira, a Itália e o Papado ficavam definitivamente fora da jurisdição de Constantinopla. O novo título implicava, para Carlos, um aumento de autoridade sobre os demais soberanos do Ocidente e uma dignidade religiosa que o confirmava na função de proteger a Igreja. A coroação de Carlos tornou possível uma identidade comum à toda a Europa.

§  Para assegurar a subserviência de seus súditos, principalmente os nomeados para funções públicas, utilizou-se de bispos e outros religiosos que espalhados por todo o império eram seus olhos e ouvidos ou ficais dos fiscais.

§  Com Carlos Magno a espada tornou-se o maior instrumento de conversão. A cada conquista agrega-se mais território e o império ganhava mais vassalos e a Igreja mais cristãos.

  

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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Reflexão Bíblica

 

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Referências Bibliográficas

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BURNS, E. M. História da Civilização Ocidental. Vol. 1. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005.

CAIRNS, E. E. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 2008.

GONZÁLEZ, J. L. Uma história do pensamento cristão, v. 1. Tradução Paulo Arantes, Vanuza Helena Freire de Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

______________. Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. Tradução Reginaldo Gomes de Araujo. Santo André (SP): Editora Academia Cristã Ltda., 2005.

______________. História ilustrada do cristianismo. A era dos mártires até a era dos sonhos frustrados. 2. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2011.

LATOURETTE, K. S. Uma história do cristianismo. São Paulo: Hagnos, 2007.

WALKER, W. História da Igreja Cristã. v. 1. Tradução D. Glênio Vergara dos Santos e N. Duval da Silva. São Paulo: ASTE, 1967.



[1] O Império ou Reino Merovíngio perdurou entre os anos de 481 a 751, descendentes de Meroveu (impôs sua hegemonia na Gália), os primeiros reis francos (constituíram o mais poderoso reino da Europa Ocidental) dessa dinastia passaram a ser chamados de Merovíngios.

[2] Quilderico III (714 — 754), chamado o Idiota ou o Rei Fantasma, foi o décimo-quarto e último rei de todos os francos da dinastia merovíngia.