Perceba
o leitor a importância estratégica para uma ação evangelizadora dessa cidade
sulmineira. Como dá a entender Almir Reis Ferreira Lopes, em sua monografia Os protestantes entre nós, Três Corações,
2004, pág. 6, havia tensão constante, antiga, entre correntes católicas,
protestantes, Maçonaria, com assuntos tais como progresso, liberalismo e
modernidade. Ademais, o Jesuitismo havia sido afastado e dominava, no
catolicismo, o Ultramontanismo centralizador, fechado, monolítico, dominador e
perseguidor. Mas havia boa aproximação entre católicos da Maçonaria e protestantes
por causa da questão republicana, cujos adeptos, entre outras coisas,
postulavam a separação entre Igreja e Estado bem como a instituição do
casamento e do registro civil. Ademais, Campanha ia tornando-se Diocese e
futura sede do Bispado. Em traços autobiográficos, Vital Brazil revela parentesco com o Mártir da Independência. Diz
que sua bisavó era Xavier, prima de Tiradentes “pois sempre que se referia ao mártir dizia ‘o primo Joaquim Xavier’ ”.
Informações
importantes ele dá sobre a vida em Caldas, principalmente sobre sua presença em
três escolas das primeiras letras, ele com 7 anos. Dá para imaginar, pela
riqueza de detalhes, as cenas da primeira escola, a do João Mestre. Diz ter
sido na cidade de Caldas que recebeu as primeiras influências formadoras de sua
mentalidade e de seu caráter. Uma delas veio em forma de um espírito forte e
enérgico, João Mestre, dono de escola em que se ensinava à moda portuguesa, isto
é, debaixo de palmatória. “Meu pai
recomendou que não me batessem, mas, mesmo assim, não pude escapar a uns
‘bolos’ por causa da tabuada”, diz Vital. Refere-se Vital agora à escola de
Miguel Torres e à pessoa do pastor. Sabe-se que ele frequentou outra escola,
depois da de João Mestre,
Da escola do Sr. José Eugênio passei para a escola de seu
Miguel, que representava a última palavra em matéria de ensino, pois o Rev. Miguel
Torres, pastor protestante, trazia os métodos americanos de ensino, pelos quais
aprendera. O nosso livro de leitura era a História da Bíblia, de Barth, o qual
ele comentava, trazendo belas lições de moral e nos dando sugestões para
composições sobre este livro admirável. Senti por este mestre grande afeição,
chegando a invejar a sorte de um menino, que morava em sua companhia. A esse
menino, encontrei muitos anos depois como açougueiro em Poços de Caldas, e
levei-o como meu empregado para o Butantã.
Por
meio do depoimento de Vital Brazil percebe-se que tornou a Caldas e lecionou
por cerca de um ano na escola de João Mestre, principalmente para preparar o
filho do antigo homem da palmatória. Deve ter frequentado a igreja pastoreada
por Miguel Torres, nessa segunda vez em que esteve em Caldas com 13 anos, em
1878. Em sua volta a Calcas, conforme seu texto, Vital alega ter voltado por
faltarem-lhe recursos para cursar Medicina no Rio de Janeiro. Pelas informações
no texto, dá rara concluir que Vital tinha muita afeição por Caldas. Em nenhum
trecho ele informa se voltou à sua cidade natal, Campanha. Porém Caldas é muito
citada. Num deles, em que descreve vários tipos de pessoa com quem teve
relacionamento e amizade em Caldas, a partir da pág. 4, lembra da família
Nogueira: “Logo na saída de Caldas, havia
uma família humilde onde trabalhava um trançador (aquele que faz tranças de
crina), o velho Nogueira, sendo acompanhado por um de seus filhos, o
‘Caetaninho’ Nogueira, que estudou com o Rev. Miguel para ministro, sendo mais
tarde ministro do evangelho”. Esse ‘Caetaninho’”, diz Vital, “foi meu professor”. E revela: “a mulher do velho Caetano Nogueira não
acompanhou o marido em suas novas crenças religiosas. Pelo contrário, fez-lhe
tremenda oposição, sendo nisto acompanhada por outro filho do casal. Aos
sábados íamos, frequentemente, com o ‘Caetaninho’ e o Nhô Pinto à caça e pesca”.
Na
capital paulista, desde a primeira vez em que esteve por lá com a família,
Vital foi sempre ligado aos crentes, e consta sua ficha como membro da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo.
Diz Vital, na pág. 5, que foram residir de favor na casa de um amigo do pai
dele, de nome Eduardo Pereira, que morava às margens do Rio Tietê. Não se sabe
se a referência é ao futuro pastor da Primeira Igreja de São Paulo, Eduardo
Carlos Pereira, que nesse tempo descrito por Vital estava com 25 anos, em 1880.
Vital estava com 15, e por alguns meses foi condutor de bondes da Companhia de
Carris Urbanos da capital. As aventuras do futuro cientista continuaram cheias
de peripécias. Fala agora do Colégio
Morton, estabelecimento modelo onde estudaram intelectuais como Rangel
Pestana, Júlio de Mesquita e tantos outros. George Morton, o companheiro em
Campinas do Rev. Edward Lane, era proprietário e dirigia esse colégio, ao lado
da Igreja Católica Romana da Avenida Consolação. Conta Vital:
Meu pai, vigilante do Colégio Morton, obteve do gerente
que me mandassem um prato da comida que eu devorava, em um beco onde não havia
trânsito, paralelo à Rua do Ipiranga. Desse modo, passaram-se os tempos. Até
que meu pai arranjou para eu estudar para ministro protestante. ... Como todo
estudante fosse obrigado a prestar serviços à missão, eu fui incumbido da
limpeza do colégio. Era assim que, vassoura em punho, logo pela manhã, antes de
começarem as aulas, tinha de varrer todo o colégio. Mais tarde meu serviço foi
o de incumbido de um jornal protestante denominado Imprensa Evangélica. Era eu
quem corrigia as provas, quem tomava nota dos assinantes e que, depois, de saco
às costas, ia levar os jornais ao Correio. Não sentindo vocação para o exercício
de missionário protestante, resolvi fazer os preparatórios. Tendo feito alguns
desses preparatórios, e com necessidade de continuar a estudar outros, fui
procurar o Sr. Morton, propondo-me a lecionar gratuitamente no curso primário
para ter o direito de frequentar as aulas no curso secundário. Nesse colégio
foram meus contemporâneos o Dr. Carlos de Campos, futuro Presidente do Estado,
e o Dr. Franco da Rocha. Um e outro já nos últimos anos de curso.
Fez
de tudo para realizar não apenas um sonho, mas uma vocação irresistível de ser
médico e cientista, para mitigar os sofrimentos da gente adoentada do Brasil.
Formou-se em Medicina.
Após
algum tempo, é encontrado na cidade paulista de Botucatu, onde fica por alguns
anos intrigado com ocorrências constantes de pessoas picadas por cobras e
outros bichos. Debruça-se em pesquisas. Precisa conseguir algum antídoto para
veneno de cobras. Na verdade, foi para Botucatu em 1895, a convite de crentes
presbiterianos para prestar serviços médicos a famílias do centro, dos bairros
e das fazendas de café. Seu filho, Lael Vital Brazil, escreveu a genealogia da
família, dos troncos paterno e materno de seu pai. Trata-se de alentado volume:
Vital Brazil Mineiro de Campanha - Uma
genealogia brasileira, Rio de Janeiro, 1996, publicado na Internet. Ele é
quem comenta, na pág. 251, que Vital Brazil (ele mantém a grafia do nome com z)
foi para Botucatu para servir a protestantes. “Cidade dividida entre católicos e protestantes, que chamavam
professores e médicos, foi para servir a seus irmãos que Vital Brazil foi para
lá.”
A
certa altura teve de interromper sua clínica em Botucatu, ao chegar-lhe às mãos
texto de experiência do cientista Calmette, na Indochina. A leitura desse
trabalho acendeu-lhe uma luz intensa e o fez mudar o foco das pesquisas.
Concluiu que experiências de imunologia e de soroterapia em Botucatu quase não
tinham futuro, e decidiu regressar a São Paulo, onde foi apoiado por amigos e
principalmente pelo cientista Adolfo Lutz, no Instituto de Bacteriologia.
Suas
descobertas revelaram, primeiramente, não ser aplicável a cobras brasileiras o
soro de Calmette. Conseguiu, em laboratório, imunizar animais com os venenos de
serpentes brasileiras. Passou então a elaborar dois tipos de soro: um bem
específico para o veneno da cascavel e outro contra ofídios de outras espécies.
Na pág. 254, Lael Vital Brazil diz que “a
especificidade dos soros antipeçonhentos passou a ser realidade científica”.
Daí para frente, Vital Brazil foi o consagrado cientista que se ombreou com
outros contemporâneos do porte de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Adolfo Lutz,
tendo suplantado alguns em certos aspectos. A comunidade científica do mundo
inteiro, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, em congressos e em
livros, rendem as maiores homenagens ao mineiro de Campanha.
Informe
interessante é que o ministro presbiteriano Erasmo Braga, que deve tê-lo
conhecido em Botucatu, foi um dos maiores incentivadores a que Vital Brazil
descobrisse o soro antiofídico. Enfim, a biografia desse moço de Campanha é
vastíssima. Aparecem traços na presente obra por suas ligações com o
presbiterianismo, embora em certa altura de sua vida tenha deixado a igreja por
motivos ainda não muito bem explicados. Por fim, lembra-se que Vital Brazil foi
praticamente o criador e fundador do Instituto Butantã, e seu diretor por
muitos anos, sempre proclamava as virtudes do evangelho presentes em sua vida.
Um dos mais laureados cientistas do mundo. Imaginem! Quem diria? Aquele menino
que aos sete anos, em Caldas, vez por outra levava bordoadas de palmatória por
se atrapalhar na hora de responder sobre tabuada, correu para a escolinha do
Rev. Miguel Torres, de quem recebeu boa dose de benéfica influência para a vida
inteira.
Utilização livre desde que citando a fonte
Professor Caleb Soares
Historiador
Mestre em Letras
Mestrando em Teologia
Fundador e Presidente do
Instituto de Pedagogia Cristã (IPC)
Referência
Bibliográfica
SOARES,
Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos
(SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.
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