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quarta-feira, 8 de maio de 2019

Protestantismo no Brasil: Vital Brazil Mineiro de Campanha e a Influência Presbiteriana



Perceba o leitor a importância estratégica para uma ação evangelizadora dessa cidade sulmineira. Como dá a entender Almir Reis Ferreira Lopes, em sua monografia Os protestantes entre nós, Três Corações, 2004, pág. 6, havia tensão constante, antiga, entre correntes católicas, protestantes, Maçonaria, com assuntos tais como progresso, liberalismo e modernidade. Ademais, o Jesuitismo havia sido afastado e dominava, no catolicismo, o Ultramontanismo centralizador, fechado, monolítico, dominador e perseguidor. Mas havia boa aproximação entre católicos da Maçonaria e protestantes por causa da questão republicana, cujos adeptos, entre outras coisas, postulavam a separação entre Igreja e Estado bem como a instituição do casamento e do registro civil. Ademais, Campanha ia tornando-se Diocese e futura sede do Bispado. Em traços autobiográficos, Vital Brazil revela parentesco com o Mártir da Independência. Diz que sua bisavó era Xavier, prima de Tiradentes “pois sempre que se referia ao mártir dizia ‘o primo Joaquim Xavier’ ”.
Informações importantes ele dá sobre a vida em Caldas, principalmente sobre sua presença em três escolas das primeiras letras, ele com 7 anos. Dá para imaginar, pela riqueza de detalhes, as cenas da primeira escola, a do João Mestre. Diz ter sido na cidade de Caldas que recebeu as primeiras influências formadoras de sua mentalidade e de seu caráter. Uma delas veio em forma de um espírito forte e enérgico, João Mestre, dono de escola em que se ensinava à moda portuguesa, isto é, debaixo de palmatória. “Meu pai recomendou que não me batessem, mas, mesmo assim, não pude escapar a uns ‘bolos’ por causa da tabuada”, diz Vital. Refere-se Vital agora à escola de Miguel Torres e à pessoa do pastor. Sabe-se que ele frequentou outra escola, depois da de João Mestre,
Da escola do Sr. José Eugênio passei para a escola de seu Miguel, que representava a última palavra em matéria de ensino, pois o Rev. Miguel Torres, pastor protestante, trazia os métodos americanos de ensino, pelos quais aprendera. O nosso livro de leitura era a História da Bíblia, de Barth, o qual ele comentava, trazendo belas lições de moral e nos dando sugestões para composições sobre este livro admirável. Senti por este mestre grande afeição, chegando a invejar a sorte de um menino, que morava em sua companhia. A esse menino, encontrei muitos anos depois como açougueiro em Poços de Caldas, e levei-o como meu empregado para o Butantã.
Por meio do depoimento de Vital Brazil percebe-se que tornou a Caldas e lecionou por cerca de um ano na escola de João Mestre, principalmente para preparar o filho do antigo homem da palmatória. Deve ter frequentado a igreja pastoreada por Miguel Torres, nessa segunda vez em que esteve em Caldas com 13 anos, em 1878. Em sua volta a Calcas, conforme seu texto, Vital alega ter voltado por faltarem-lhe recursos para cursar Medicina no Rio de Janeiro. Pelas informações no texto, dá rara concluir que Vital tinha muita afeição por Caldas. Em nenhum trecho ele informa se voltou à sua cidade natal, Campanha. Porém Caldas é muito citada. Num deles, em que descreve vários tipos de pessoa com quem teve relacionamento e amizade em Caldas, a partir da pág. 4, lembra da família Nogueira: “Logo na saída de Caldas, havia uma família humilde onde trabalhava um trançador (aquele que faz tranças de crina), o velho Nogueira, sendo acompanhado por um de seus filhos, o ‘Caetaninho’ Nogueira, que estudou com o Rev. Miguel para ministro, sendo mais tarde ministro do evangelho”. Esse ‘Caetaninho’”, diz Vital, “foi meu professor”. E revela: “a mulher do velho Caetano Nogueira não acompanhou o marido em suas novas crenças religiosas. Pelo contrário, fez-lhe tremenda oposição, sendo nisto acompanhada por outro filho do casal. Aos sábados íamos, frequentemente, com o ‘Caetaninho’ e o Nhô Pinto à caça e pesca”.
Na capital paulista, desde a primeira vez em que esteve por lá com a família, Vital foi sempre ligado aos crentes, e consta sua ficha como membro da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo. Diz Vital, na pág. 5, que foram residir de favor na casa de um amigo do pai dele, de nome Eduardo Pereira, que morava às margens do Rio Tietê. Não se sabe se a referência é ao futuro pastor da Primeira Igreja de São Paulo, Eduardo Carlos Pereira, que nesse tempo descrito por Vital estava com 25 anos, em 1880. Vital estava com 15, e por alguns meses foi condutor de bondes da Companhia de Carris Urbanos da capital. As aventuras do futuro cientista continuaram cheias de peripécias. Fala agora do Colégio Morton, estabelecimento modelo onde estudaram intelectuais como Rangel Pestana, Júlio de Mesquita e tantos outros. George Morton, o companheiro em Campinas do Rev. Edward Lane, era proprietário e dirigia esse colégio, ao lado da Igreja Católica Romana da Avenida Consolação. Conta Vital:
Meu pai, vigilante do Colégio Morton, obteve do gerente que me mandassem um prato da comida que eu devorava, em um beco onde não havia trânsito, paralelo à Rua do Ipiranga. Desse modo, passaram-se os tempos. Até que meu pai arranjou para eu estudar para ministro protestante. ... Como todo estudante fosse obrigado a prestar serviços à missão, eu fui incumbido da limpeza do colégio. Era assim que, vassoura em punho, logo pela manhã, antes de começarem as aulas, tinha de varrer todo o colégio. Mais tarde meu serviço foi o de incumbido de um jornal protestante denominado Imprensa Evangélica. Era eu quem corrigia as provas, quem tomava nota dos assinantes e que, depois, de saco às costas, ia levar os jornais ao Correio. Não sentindo vocação para o exercício de missionário protestante, resolvi fazer os preparatórios. Tendo feito alguns desses preparatórios, e com necessidade de continuar a estudar outros, fui procurar o Sr. Morton, propondo-me a lecionar gratuitamente no curso primário para ter o direito de frequentar as aulas no curso secundário. Nesse colégio foram meus contemporâneos o Dr. Carlos de Campos, futuro Presidente do Estado, e o Dr. Franco da Rocha. Um e outro já nos últimos anos de curso.
Fez de tudo para realizar não apenas um sonho, mas uma vocação irresistível de ser médico e cientista, para mitigar os sofrimentos da gente adoentada do Brasil. Formou-se em Medicina.
Após algum tempo, é encontrado na cidade paulista de Botucatu, onde fica por alguns anos intrigado com ocorrências constantes de pessoas picadas por cobras e outros bichos. Debruça-se em pesquisas. Precisa conseguir algum antídoto para veneno de cobras. Na verdade, foi para Botucatu em 1895, a convite de crentes presbiterianos para prestar serviços médicos a famílias do centro, dos bairros e das fazendas de café. Seu filho, Lael Vital Brazil, escreveu a genealogia da família, dos troncos paterno e materno de seu pai. Trata-se de alentado volume: Vital Brazil Mineiro de Campanha - Uma genealogia brasileira, Rio de Janeiro, 1996, publicado na Internet. Ele é quem comenta, na pág. 251, que Vital Brazil (ele mantém a grafia do nome com z) foi para Botucatu para servir a protestantes. “Cidade dividida entre católicos e protestantes, que chamavam professores e médicos, foi para servir a seus irmãos que Vital Brazil foi para lá.
A certa altura teve de interromper sua clínica em Botucatu, ao chegar-lhe às mãos texto de experiência do cientista Calmette, na Indochina. A leitura desse trabalho acendeu-lhe uma luz intensa e o fez mudar o foco das pesquisas. Concluiu que experiências de imunologia e de soroterapia em Botucatu quase não tinham futuro, e decidiu regressar a São Paulo, onde foi apoiado por amigos e principalmente pelo cientista Adolfo Lutz, no Instituto de Bacteriologia.
Suas descobertas revelaram, primeiramente, não ser aplicável a cobras brasileiras o soro de Calmette. Conseguiu, em laboratório, imunizar animais com os venenos de serpentes brasileiras. Passou então a elaborar dois tipos de soro: um bem específico para o veneno da cascavel e outro contra ofídios de outras espécies. Na pág. 254, Lael Vital Brazil diz que “a especificidade dos soros antipeçonhentos passou a ser realidade científica”. Daí para frente, Vital Brazil foi o consagrado cientista que se ombreou com outros contemporâneos do porte de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Adolfo Lutz, tendo suplantado alguns em certos aspectos. A comunidade científica do mundo inteiro, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, em congressos e em livros, rendem as maiores homenagens ao mineiro de Campanha.
Informe interessante é que o ministro presbiteriano Erasmo Braga, que deve tê-lo conhecido em Botucatu, foi um dos maiores incentivadores a que Vital Brazil descobrisse o soro antiofídico. Enfim, a biografia desse moço de Campanha é vastíssima. Aparecem traços na presente obra por suas ligações com o presbiterianismo, embora em certa altura de sua vida tenha deixado a igreja por motivos ainda não muito bem explicados. Por fim, lembra-se que Vital Brazil foi praticamente o criador e fundador do Instituto Butantã, e seu diretor por muitos anos, sempre proclamava as virtudes do evangelho presentes em sua vida. Um dos mais laureados cientistas do mundo. Imaginem! Quem diria? Aquele menino que aos sete anos, em Caldas, vez por outra levava bordoadas de palmatória por se atrapalhar na hora de responder sobre tabuada, correu para a escolinha do Rev. Miguel Torres, de quem recebeu boa dose de benéfica influência para a vida inteira.

Utilização livre desde que citando a fonte
Professor Caleb Soares
Historiador
Mestre em Letras
Mestrando em Teologia
Fundador e Presidente do
Instituto de Pedagogia Cristã (IPC)


Referência Bibliográfica
SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.

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