Qual a influência e/ou impacto da formação acadêmica na
história de uma criança? Evidentemente que há respostas das mais controvérsias
para esta questão indo das mais extravagantes às mais minimizadoras. Mas creio
que nenhuma resposta haverá de negar o papel que a formação acadêmica exerce
sobre a vida de uma pessoa.
O Rev. José Borges dos Santos Jr é uma das figuras mais
controvérsias na história do protestantismo presbiteriano. Desde os primeiros
anos de seu ministério pastoral ele foi intensamente ativo e propositivo e
rapidamente ocupa um espaço de liderança dentro da denominação. Toda sua vida
foi gasta a serviço denominacional não apenas no pastoreio das igrejas pelas
quais passou, mas também no espaço mais amplo da politica eclesiástica regional
e nacional. Poucos pastores exerceram com tanta grandeza as funções mais
relevantes da denominação presbiteriana e sua atuação extrapolou as fronteiras
brasileiras, pois tinha uma visão ampla da relevância e influência que sua
denominação poderia exercer na América Latina e até mesmo em Portugal e outros
países. Ganhou o respeito dos missionários e suas respectivas Juntas
Missionárias tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde representou e
defendeu com veemência os interesses da Igreja Presbiteriana do Brasil. Mas
apesar de uma biografia tão rica e expressiva, lamentavelmente foi lançado no
limbo da historiografia presbiteriana brasileira. Ele não foi o primeiro e nem
será o último a sofrer uma atitude tão mesquinha por parte dos seus pares
politicamente divergentes. A história denominacional é escrita por alguns
detentores do poder eclesiástico que se utiliza de critérios políticos para
definir que ou quais personagens “merecem” serem preservados em suas páginas.
O menino, adolescente e jovem José Borges foi um
privilegiado no que concerne à sua formação acadêmica e ele soube como poucos
aproveitar tudo quanto lhe foi oferecido, como se pode perceber com facilidade
em sua biografia. Seus dotes naturais bem como seu espírito de liderança foram
enriquecidos no transcorrer de sua carreira acadêmica, sendo influenciado por
figuras da maior grandeza acadêmica e denominacional como veremos abaixo[1].
Fez
seu curso ginasial no Ateneu Valenciano, cuja propriedade pertencia desde 1908
ao Comendador Antonio Jannuzzi,[2]
que mais tarde o doou a Igreja Presbiteriana de Valença, que lá criou o Colégio
Atheneu Valenciano[3].
Aqui
Borges fará duas amizades que haverão de perdurar por toda sua vida, Antônio
Marques da Fonseca Junior e Renato Ribeiro dos Santos. Como Borges ambos vieram
a serem pastores presbiterianos; o primeiro ao longo dos anos postulou algumas
ideias comuns quanto ao ecumenismo e depois também se opuseram aos rumos
políticos da IPB na década de sessenta; o segundo foi pastor auxiliar do Rev.
Miguel Rizzo Jr. na Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo no período de
1934-38, pouco antes da chegada de Borges àquela igreja.
Um
aspecto importante neste momento inicial da formação do jovem Borges é o fato
de que o educador que dirigia o Colégio era o Rev. Constâncio Homero Omega
(1877-1927), ex-secretário do frade salesiano Celestino de Pedávoli, excelente
educador e exímio musicista e que foi encaminhado ao ministério presbiteriano
pelo Rev. Antônio Bandeira Trajano um dos pastores pioneiros; ele vai exercer
seu ministério junto ao Rev. Álvaro Reis, que ocupa um lugar proeminente na
restrita constelação dos grandes pastores presbiterianos, o primeiro moderador
da Assembleia Geral da IPB e cuja visão social e educacional sempre foi muito
além dos seus contemporâneos, era autodidata, um grande evangelista e de
refinada oratória, polemizava com grandeza e dignidade sem nunca ofender seus
ouvintes. (MATOS, 2004, pp. 370-71). Com certeza o garoto Borges respirou a
atmosfera intensa dos pioneiros e não somente foi impactado por estas esferas
de influencia, como também se sentiu estimulado e desafiado a explorar ao
máximo suas capacidades e habilidades acadêmicas e futuramente docentes.
Outro
aspecto fundamental desta fase formativa do jovem Borges é que se sentia
chamado para o exercício ministerial, entretanto ao se apresentar à Igreja
Metodista, da qual era membro, pleiteando sua candidatura, ele foi
sistematicamente recusado com a argumentação de que era frágil fisicamente e
por isso receava-se por sua saúde. Após insistir diversas vezes junto àquela
igreja, o jovem apresenta-se ao Presbitério do Rio de Janeiro [Presbiteriano]
que o encaminha ao Ateneu Valenciano de onde sai bacharel em Ciências. Uma
pessoa importante neste momento foi D. Ana Januzzi, esposa do Comendador, que
fica impressionada com a inteligência do menino e passa a financiar seus
estudos ginasiais, possibilitando a continuidade de seus estudos teológicos.
(FERREIRA, p. 01).
Concluído
seus estudos ginasiais o jovem Borges é encaminhado para seus estudos
teológicos no Seminário Presbiteriano de Campinas. Luiz Alberto de Castro, em
seu excelente trabalho acadêmico sobre Borges, atesta que as informações sobre
este período são escassas, mesmo pesquisando nos registros acadêmicos pouco se
apura. Ele infere que durante o curso pré-teológico Borges tenha sido aluno de Erasmo
Braga (2011, p.16), o que ocorrido certamente impregnou o jovem seminarista das
ideias e conceitos teológicos mais avançados da época.
O
Rev. Erasmo de Carvalho Braga foi uma das figuras mais proeminentes, nacional e
internacionalmente, do presbiterianismo brasileiro. O historiador Alderi Matos
ao escrever sua obra sobre Erasmo Braga preencheu uma lacuna inaceitável na
historiografia biográfica do presbiterianismo nacional (2008). Braga foi
impactado pelo Congresso do Panamá,[4]
que originalmente recebera o nome de ― Congresso da Obra Cristã na América
Latina e tornou-se um entusiasta do ecumenismo evangélico, pois entendia que
somente unindo forças o Evangelho poderia de fato transformar a sociedade
brasileira.
O
Rev. Braga ficou encarregado de publicar um resumo do pensamento oficial do
Congresso e o fez na sua obra ― Pan-Americanismo, Aspecto Religioso: Una
Relacion e Interpretacion del Congreso de Accion Cristiana en la America Latina
Celebrado en Panama conjuntamente com Eduardo Monteverde, outro
representante do protestantismo latino americano, que foi publicado em Nova
York (1916) e traduzido para o português e espanhol. Ele participa de vários
organismos que trabalham arduamente para alcançar este propósito, sendo um dos
mais importantes o ― Committee of Cooperation for Latin America.
Seus
esforços foram tremendos, visto que seus companheiros sempre se mantiveram
desconfiados quanto aos resultados desta empreitada, mas ele até seus últimos
dias de sua vida jamais desistiu. Liderou a ― Comissão Brasileira de
Cooperação, que tinha objetivos ambiciosos entre os quais a criação de uma
universidade Protestante e de seu esforço criou-se o Seminário Unido
(1918-1933) que fechou um ano após seu falecimento. Mas seu sonho mais
acalentado somente foi tornado realidade dois anos após sua morte, a Confederação
Evangélica do Brasil em 1934. Mas toda esta sua dedicação e empenho
tornaram-se a sementeira do forte movimento ecumênico que eclodiu dentro da IPB
nas décadas posteriores de 50 e 60, que haveria de produzir um dos abalos
sísmico mais violento já registrado nos arraiais presbiteriano brasileiro em
toda sua história.
O
jovem seminarista Borges com certeza foi impactado e teve suas fronteiras
teológicas alargadas pela efervescência transbordante dos conceitos e ideais
ecumênicas [evangélicas] de Erasmo Braga, o que pode ser constatados nos fatos
posteriores de sua história eclesiástica. E ainda que [Borges] não tenha
convivido pessoalmente com Braga, como infere Castro, conforme acima
mencionado, teve como mentor desde seus estudos teológicos e primeiros anos de
ministério um dos mais destacados aluno de Braga que foi Miguel Rizzo Jr, que
deu continuidade a obra do grande mestre, principalmente neste entusiasmo de
cooperação ecumênica evangélica.
Idealizador
do Instituto de Cultura Religiosa, o qual serviu para reunir um grupo heterogêneo
de pensadores cujo propósito primário era expressar com inteligência o pensamento
evangélico brasileiro, tendo como alvo alcançar um público avesso à frequentar
igrejas, fosse através de uma literatura de alto nível ou realizando grandes
conferências em teatros, cinemas e outros espaços possíveis. Através do
Instituto Rizzo Jr produziu uma gama de literatura de boa qualidade onde se
destaca entre outras a revista Fé e Vida, posteriormente Unitas que permaneceu
em circulação de 1939 a 1962. Rizzo Jr foi também um pioneiro na utilização do
rádio para comunicação da mensagem evangélica. Todo o esforço de sua vida produziu
uma significativa penetração no circulo intelectual acadêmico brasileiro, mas
que não teve o necessário apoio de seus próprios pares eclesiásticos que em
muitos casos até mesmo lhe impuseram empecilhos e desabonos.
A
influência de Rizzo Jr sobre o jovem estudante em formação foi notório em sua
trajetória, visto que em duas ocasiões Borges foi pastor auxiliar e
posteriormente assumiu a titularidade no lugar de Rizzo tanto na IPB em
Campinas como posteriormente na IPB Unida de São Paulo. A visão ecumênica evangélica
que Rizzo herdara de seu mentor Erasmo Braga impregnou toda a filosofia
ministerial e eclesiástica de Borges que durante toda sua vida buscou incansavelmente
ampliar a cooperação interdenominacional, incentivou, apoiou e participou
ativamente de diversas instituições paraeclesiásticas no Brasil e fora do país,
sempre no esforço contínuo de introduzir e influenciar o maior número de
pessoas e camadas sociais possíveis, mas como seus antecessores e mentores viu
seus esforços serem minimizado e até mesmo hostilizado.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão
Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
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Presbiterianismo na Cidade
de São Paulo - Pioneiro do Radialismo Evangélico
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2014/02/presbiterianismo-na-cidade-de-sao-paulo.html
Referências Bibliográficas
CASTRO, Luís Alberto de. A Trajetória do “Velho Mestre: Uma
Biografia do Rev. José Borges dos Santos Júnior – um recorte historiográfico da
Igreja Presbiteriana do Brasil. Dissertação (Mestre em Divindade) – Centro
Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo, 2011.
GARCEZ, Robson do Boa Morte. Origem
da Igreja Cristã de São Paulo e a contribuição de alguns membros para a
formação da FFLCH/USP – uma expressão da liberdade religiosa. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São
Paulo, 2007.
GUEDES, Ivan Pereira. O
protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e
desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições
Acadêmicas, 2013.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo
Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira – perspectivas sobre a missão
da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
MENDONÇA, Antonio G. Jesus e os últimos liberais: um estudo
sobre John Mackay, Harry E. Fosdick e Miguel Rizzo (Extrema se tangunt). In
Numen- Revista de Estudos e Pesquisa de Religião, vol. 4, no. 1. Juiz de Fora,
Universidade Federal de Juiz de Fora, Editora UFJF, jan-jun/2001.
PEREIRA- João Baptista
Borge. "Identidade protestante no Brasil ontem e hoje". In
BIANCO. Gloecir: NICOLINI. Marcos (orgs.). Religare: identidade,
sociedade e espiritualidade. São Paulo: Ali Print Editora. 2005.
[1] O texto abaixo é uma compilação de
minha dissertação de Mestrado onde a figura de Borges ocupa um espaço relevante
(cf. referência bibliográfica – GUEDES, 2013).
[2] Antônio Jannuzzi (1855-1949) Natural
da Itália, grande empresário e construtor no Rio de Janeiro, edificador de
templos, benemérito de muitas instituições (Hospital Evangélico, Ateneu
Valenciano, Orfanato Presbiteriano). Alderi Souza de Matos (Pioneiros
Presbiterianos no Brasil - Galeria de Leigos)
http://www.mackenzie.br/7159.98.html. Foi membro da IPB do Rio de Janeiro,
pastoreado pelo Rev. Álvaro Reis do qual se tornou amigo.
[3] Em 1924 o coronel Cardoso o adquire
da Igreja Presbiteriana e o doa para a mitra diocesana com uma clausula de no
prazo de dois anos ali se instalar um estabelecimento de ensino secundário.
[4] É nesta Conferência que o Brasil e a
América Latina entram definitivamente no mapa do movimento missionário mundial.
Entre os delegados oficiais estavam os Revs. Erasmo Braga, Álvaro Reis e os
Missionários Samuel R. Gammon e William A. Waddell (IPB), o Rev. Eduardo Carlos
Pereira (IPI) e o Missionário Hugh C. Tucker (Metodista). (MATOS, 2008, p. 217
e Nota n° 88). Braga vai escrever suas observações e opiniões e publica-las
―Pan-Americanismo: Aspecto Religioso‖. Para compreender a importância desta
Conferência e suas implicações no Brasil e na AL, é necessário ler o trabalho
de Arturo Piedra, onde ele disseca todo este movimento missionário e suas
Conferências mundiais, mais particularmente a de 1910 (Edimburgo) ―A
Conferência de Edimburgo de 1910 e Sua Conexão com o Protestantismo na América
Latina‖, onde se deu a origem do ―Comitê de Cooperação na America Latina‖
(CCLA) e a do Panamá (1916), ―O Congresso do Panamá: Início de um Grande
Movimento Protestante‖, onde a AL deixará de ser um ―Continente Abandonado‖
para se tornar um ―Continente das Oportunidades‖ (PIEDRA, 2006).
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