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quarta-feira, 4 de julho de 2018

Protestantismo - Boêmia a Terra Fecundadora das Reformas



            A história da igreja cristã pode ser tudo menos monótona. Ao longo de praticamente dois milênios de história haveremos de encontrar inúmeros personagens que demarcaram essa história da cristandade. Mas o personagem histórico não precisa ser necessariamente uma pessoa, pode ser também um lugar e/ou região. A Boêmia certamente é um dos personagens mais extraordinários no processo histórico que culminara na chamada Reforma Protestante do século XVI. É nesta região que proliferara ininterruptamente centelhas reformistas que paulatinamente se espalham para muito além de suas fronteiras geográficas.
Atualmente, a Boêmia corresponde, junto com a Morávia, ao que é, geograficamente, a República Tcheca. Por sua vez os tchecos se originam dos povos eslavos que migraram para essa região entre o século V e o século VII da Era Cristã, tendo sido cristianizados no século X.
O Reino da Boemia foi estabelecido no século XIII e era formado pela Boemia e Moravia e pertencia ao Sacro Império Romano germânico. Sua relevância está no fato de que no apogeu do reinado de Carlos V (1345-1378) ele foi eleito imperador do Sacro Império.[1] Posteriormente seu filho Wenceslau IV (1378-1419) também foi eleito imperador; no entanto, seu reinado foi assolado por revoltas e uma grande crise política, terminando quando os príncipes eleitorais o forçaram a renunciar ao seu título de imperador em 1400.[2] Uma sucessão de epidemias também abalou o reino. A peste negra, a “grande peste” de 1380, registrada na história, aniquilou quase 10% da população. O pânico era tal que as pessoas achavam que o fim do mundo estava chegando.
            Desde 862 a igreja cristã havia se estabelecido na Boêmia através da Igreja Ortodoxa e/ou Igreja do Oriente. Dois missionários gregos, Cirilo e Metódio, vieram de Constantinopla (Istambul) no ano de 863 para a Boêmia e fizeram dessa terra seu campo de trabalho. Mas com o Grande Cisma em 1054, o rei Wenceslau adotou o cristianismo na forma do catolicismo romano. Evidentemente que esses fatos históricos não ocorreram sem grandes e nefastas guerras e revoltas. A Boêmia viveu na própria pele toda essa violência eclesiástica produzida pelos mais diversos interesses de seus líderes e mandatários de plantão.
No século XIV, a Boêmia havia se constituído em um dos centros comerciais e culturais da Europa mais importantes. Por muito tempo, a prata produzida na região forneceu a base da moeda corrente do continente. A Boêmia sempre girou na órbita política e econômica do Sacro Império Romano-Germano. Ainda que a maioria da população fosse eslava, havia também uma minoria de origem checa, mas os verdadeiros mandatários do poder eram os germânicos, que exerciam o controle das principais fronteiras ao Norte.[3]
A Igreja, agora católica romana, tornou-se uma das instituições mais ricas e poderosas, mas também uma das mais corruptas em toda Boêmia e Europa. As ordens religiosas detinham poder sobre mais da metade das terras produtivas, de maneira que seus bispos e abades extravasavam toda luxúria que este poder lhes possibilitava. Na organização eclesiástica manifestava-se a dicotomia social do país, onde os bispos e abades e demais lideranças do chamado alto clero eram alemães e os padres e demais denominados do baixo clero eram de origem eslava. A total falta de sintonia entre as lideranças e os liderados começavam pela diferença linguística, perpassava pela total desprezo da cúpula pela situação caótica da população, culminando com a depravação generalizada do alto clero.
            Por sua importância estratégica econômica a Boêmia se constituía em uma das bases do Império e por esta razão torna-se pivô das intrigas entre o imperador e o papa de plantão. Em decorrência dessas disputas entre os poderes o rei Wenceslau IV foi deposto. Ele era filho do imperador Carlos IV e mantiveram por muitos anos uma politica de liberdade religiosa e com fortes tons antipapas na região da Boêmia. A terrível e temida Inquisição católica romana que fazia estremecer todos e quaisquer esforços de reformas religiosas na Europa, foi mantida fora do país, de maneira que a Boêmia veio a se constituir em um oásis para refugiados cristãos dissidentes no meio do deserto do catolicismo romano.
            O rei Wenceslau IV estabeleceu uma igreja (capela) na cidade de Praga,[4] sustentada unicamente por ele, portanto independente de qualquer autoridade eclesiástica. Logo se tornou popular para onde afluíam pequenas multidões para ouvirem os mais diversos pregadores, incluindo reformista, que pregavam em checo e em latim. Grande parte destes sermões se tornavam protestos e vindicações de denúncias da situação deplorável da Igreja Católica Romana, seus papas, nepotismo, simonia e luxúria do clero em geral.
            Paulatinamente a Boêmia vai se tornando um grande refugio para todos aqueles que rejeitam o estado lastimável com que se encontra a Igreja Católica Romana. Para ali se dirigem, por exemplo, um grande número de seguidores do pároco e professor John Wycliffe[5] (1330-1384), que havia iniciado um movimento reformista na Inglaterra, a partir da sua Universidade, mas que tinha sido “amordaçado” pelo poder político eclesiástico romano. Todavia seus adeptos, conhecidos como Lolardos, armados com a tradução do Novo Testamento coordenada por Wycliffe, se espalham por toda Europa disseminando os princípios evangélicos por ele elaborados e que confrontam implacavelmente as distorções produzidas pela Igreja Romana, que tem na figura papal seu expoente máximo[6]
            Apesar da grande projeção de John Huss podemos destacar ao menos três personagens que se destacam como precursores de manifestações reformistas na Boêmia, mas que são raramente citados. Eram na maioria sacerdotes que haviam levantado suas vozes contra a apostasia em sua igreja. Eles sentiram que a Igreja Católica não fazia nada para resgatar a moralidade do povo e menos ainda para ajudá-los espiritualmente. 
O primeiro deles, Conrad von Waldhausen, era de origem austríaca (alemã) morreu em 1369. Exerceu a função de cônego e cuidou pastoralmente de uma paróquia nas cercanias da cidade. Ele se manteve sempre dentro dos parâmetros da ortodoxia teológica de seus dias. Sua indignação era dirigida contra as corrupções praticadas pelo alto e baixo clero; o caráter mecânico das devoções habituais; os abusos das indulgências e relíquias.
Combateu sistematicamente toda sorte de simonia, assim como o bom uso do dinheiro, que deveria ser utilizado para minimizar a pobreza e miséria da população empobrecida (os evangélicos brasileiros até hoje não entenderam essa verdade). Por outro lado ele critica duramente os frades mendicantes e seu sistema, chegando a oferecer uma quantia em dinheiro (sessenta grumos) a quem lhe provasse no Evangelho um único texto em que Jesus sancionava a vida mendicante.
Outras práticas ao qual se opôs com veemência era a de dedicar jovens ao claustro - às vezes ainda sendo gerados - sem lhes permitir o poder de escolha. Em relação aos que cobravam juros extorsivos ele exigia que devolvessem os juros cobrados a mais, enquanto os frades simplesmente ensinavam que o dinheiro extorquido poderia ser “santificado” com doações para a igreja (qualquer semelhança com o evangelicalismo brasileiro não é mera coincidência). Ainda que ele fosse implacável com as corrupções produzidas no monaquismo (monastério), reconhecia o valor de uma vida monástica espontânea.
Sua oratória e entusiasmo, aliada ao seu conhecimento bíblico-teológico, tornava-o um pregador extraordinário. Muitas vezes tinha que pregar em espaços públicos, como o mercado da cidade, pois nenhuma igreja era suficiente para conter as multidões que desejavam ouvi-lo. Contando com o favorecimento do imperador Carlos IV, mesmo exercendo o bispado de Praga, ele não foi proibido e nem perseguido até sua morte em 1369. Sua influência extrapolou as fronteiras da Boêmia e influenciou profundamente muitos alemães, visto sua origem austríaca.
Um segundo personagem e contemporâneo foi John Militz von Kremsier (1374), um nativo da Morávia. Militz tinha atingido a dignidade do Arquidiácono[7] de Praga, e, além de outros benefícios, possuía algumas propriedades fundiárias; tinha uma boa relação e consideração do imperador Carlos IV, pois tinha um caráter irrepreensível. Mas o desejo crescente de uma vida religiosa mais profunda o levou a renunciar, em dezembro de 1363, a todas as suas nomeações e a todos os seus bens e retirou-se para a obscuridade da vida de um pároco em uma pequena vila[8].
Retorna a cidade de Praga e além da língua alemã, pregava aos eruditos em latim (uma novidade na época) e à população na língua vernácula do povo comum. Suas pregações assumiram tamanha proporção que precisava pregar quatro ou cinco vezes em um mesmo dia, para poder atender todos os seus entusiastas ouvintes e como seu contemporâneo tinha que pregar em espaços públicos. Ele é considerado por alguns como o fundador da reforma boêmia.
Suas pregações exerciam forte poder sobre seus ouvintes a ponto de muitos agiotas abandonarem sua ganância; as mulheres espontaneamente renunciarem às suas vaidades (coisa impensável no meio evangélico brasileiro). Em um bairro ele adquire cerca de vinte e nove imóveis afamado por seu meretrício, conhecido como Pequena Veneza, após suas pregações evangélicas passou a ser chamada de Pequena Jerusalém. Semelhantemente ao seu contemporâneo ele também atacou o sistema mendicante.
Um ansioso estudante da Bíblia, ele estava especialmente interessado nos livros de Daniel e Apocalipse. A vinda do Anticristo tornou-se o fardo de seus sermões, e ele não poupou os sacerdotes, bispos e outros nas intermináveis hierarquias eclesiásticas. No transcorrer de seus estudos apocalípticos ele conclui que o anticristo já havia chegado e era nada menos do que a própria igreja medieval corrompida, de maneira que o juízo de Deus era eminente sobre ela. Assim, elabora uma reforma religiosa para que a igreja se preparasse para o segundo advento de Cristo, que segundo seus cálculos ocorreria entre 1365 e 1367.
A vinda do Anticristo tornou-se o centro de seus sermões, e ele não poupou os sacerdotes, bispos e outras autoridades. Ele compartilha isso com o próprio imperador Carlos IV e se sente compelido a expor suas conclusões para o papa Urbano V, que estava prestes a se retirar para Roma. Ele chegou lá antes do papa e afixou no portão de São Pedro um cartaz anunciando seu sermão sobre o Anticristo, mas antes que ele pudesse pregá-lo foi aprisionado por ordem dos Cardeais e Bispos da cidade. Enquanto na prisão ele escreveu um livreto sobre o assunto, e mais tarde, os cardeais e bispos permitiram que ele apresentasse seus pontos de vista, mas apenas ao clero. Os historiadores afirmam que "as portas da igreja foram fechadas durante o sermão". Após ouvi-lo o papa Urbano V, que havia chegado de Avinhão e sendo Militz protegido do imperador Carlos IV, ordenou a sua libertação, após o que ele retornou a Praga, e de 1369 a 1372 pregou diariamente na Igreja Týn.
Ao retornar deixa de lado suas concepções apocalípticas e retoma incansavelmente suas atividades pastorais. Ele estabelece uma escola para pregadores leigos, na qual 200 ou 300 estudantes foram treinados sob o mesmo teto, mas sem qualquer voto ou regra monástica. Ele copiou os livros que estudariam e deu-lhes livros devocionais para serem copiados e assim multiplicá-los (lembrando que não havia ainda a imprensa).
Posteriormente (1374) o clero da arquidiocese local elaborou doze acusações contra ele apresentadas perante Gregório XI, dentre as quais que ele depreciou o clero do papa para baixo; que denunciou a riqueza da igreja; que ele negou a força da excomunhão; e que ele insistiu na comunhão diária (ceia). Para se defender de tais acusações, Militz foi para Avinhão (Avignon), mas enquanto seu caso estava pendente, ele morreu lá em 1374, não muito tempo depois de ser declarado inocente das acusações que lhe foram feitas.
Um terceiro boêmio proeminente foi Matthias von Janow († 30 de novembro de 1393), que havia sido um dos alunos de Militz, e que veio a ser um sacerdote, escritor, filósofo e reformador. Ele não era um excelente orador, como os dois contemporâneos anteriores, mas sobrepujou a ambos como escritor prolífico de muitos livros e panfletos. Após seis anos estudando em Paris passou a ser chamado de “Magister Parisiensis”. Em 1381 torna-se cônego de Praga e confessor nada menos do que o próprio Imperador Carlos IV.
Como os dois antecessores Janow combate os frades mendicantes e escreve um tratado “sobre a proliferação da desolação” denunciando seus erros e excessos, obra que às vezes é referido como sendo de John Huss e outras vezes até mesmo a Wycliffe. Mas sua obra mais importante foi “Das Regras do Antigo e do Novo Testamento”, onde faz uma profunda investigação sobre o verdadeiro e falso cristianismo. Ele retrata a corrupção total da Igreja em todas as suas partes e se esforça em explica as causas dela. Resgatando o veio da pregação de Wycliffe, ele demonstra que nem as tradições da igreja e nem os decretos papais podem igualar ou suplantar a autoridade suprema da Palavra divina (Bíblia). Utilizando como filtro somente a literatura bíblica Janow denuncia contundentemente a corrupção e depravação dos bispos e sacerdotes.
Ele ensina que o anticristo já chegou e que não é uma pessoa de fora ou perseguidor dos cristãos, mas de dentro da própria Igreja. É alguém que se opõem à verdade cristã; e que assume a mais alta posição eclesiástica e astuta o suficiente para atrair os ricos e sábios para seus próprios fins; esse anticristo se apropriara do bem maior da igreja, as Escrituras, bem como os sacramentos e tudo que concerne à fé cristã, subvertendo e pervertendo todas as coisas espirituais com o único propósito de desviar os verdadeiros cristãos da verdade e da submissão a Cristo (se ele viesse ao Brasil hoje ficaria horrorizado pelo numero de anticristo que encontraria dentro do evangelicalismo nacional).
Ele avança um pouco além de uma reforma moral e doutrinária proposta pelos seus contemporâneos Waldhausen e Militz, pois ele entende que todo o sistema latino (romano) precisa ser reestruturado. Ele defende que os sacerdotes e leigos são iguais perante Deus, de maneira que ambos devem participar igualmente do pão e do cálice da comunhão (sacerdócio universal de todos os crentes); que não somente o papa, mas todos os bispos deveriam governar a Igreja. Essas e muitas outras propostas de reforma fizeram de Janow o “Wycliffe” da Boêmia. Alguns afirmam que ele foi além das reformas propostas pelo próprio John Huss que viria subsequentemente e que acabou por ficar mais em evidência na História da Igreja Cristã e sendo, mormente associado a Wycliffe reformador na Inglaterra. 
Evidente que nos dias de Janow o poder papal e da hierarquia da igreja ainda eram poderosos o suficiente para silenciá-lo. Apesar de não ter sido condenado por heresia ele foi obrigado a deixar a cidade de Praga. Alguns afirmam que ele se retratou antes do Sínodo de Praga, que o denunciou e condenou seus escritos e suas opiniões. Todavia, não há qualquer documento que possa abalizar essa afirmação, entretanto, o contrário parece ser o mais provável, pois uma de suas últimas declarações antes de morrer (1410) foi “Tudo o que resta para nós é desejar um reforma pela derrubada do próprio anticristo para levantar nossas cabeças e ver nossa redenção próxima”. Dezesseis anos após sua morte, seus escritos, foram lançados às chamas, junto com os escritos de Wycliffe e ambos foram considerados hereges pela Igreja Católica Romana.
Ainda que nos compêndios históricos a figura de John Huss se sobressai, esses três pregadores e escritores boêmios que o antecederam pavimentaram em certo sentido o caminho para sua atividade reformadora. O que não é demérito algum e nem minimiza o papel relevante de Huss como um dos maiores afluentes do grande rio que vai se tornar a reforma religiosa do século XVI. Esse quarteto compôs as mais belas e extraordinárias peças critico-teológico que serão inseridas na grande partitura entoada pela Reforma Protestante doséculo XVI, juntamente com as demais composições de Lutero, Zwinglio, Calvino e tantos outros que ao preço da própria vida, como Huss, produziram a maior e mais abrangente reforma da igreja cristã em todo o Ocidente e que ainda hoje podem ser ouvidas suas melodias e cantadas suas letras.
John Huss nasceu em 1373, na parte sul da Boêmia (atual Checoslováquia) na aldeia de Husinec, por isso seu sobrenome “Hus”.[9] Uma distinção dele com os contemporâneos acima mencionados é que Huss vem de uma família de camponeses pobre e, portanto ele sofre na carne toda opressão advinda tanto dos senhores e príncipes, quanto da própria elite eclesiástica que sugavam tudo do povo através da Igreja. Também é importante realçar que John Huss viveu, durante 37 anos de sua vida, todas as consequências do cisma do cristianismo Ocidental e, portanto ele é fruto desse mesmo cisma. Mas acima de tudo Huss é um filho da Boêmia, apaixonado por seu país e por seu povo. Sua posterior tradução da oração ensinada por Jesus como modelo o “Pai-Nosso” para a língua tcheca é uma prova contundente de seu esforço em fixar a ortografia e reformar a língua literária tcheca[10] (assim como Lutero o fará com a tradução NT para o alemão). 
Qual alternativa havia para um garoto pobre da Boemia – mergulhar na miséria e sua consequente depravação ou estudar – seus pais fizeram todo o esforço para que Huss pudesse estudar. Qual a carreira que um garoto pobre poderia aspirar? A carreira eclesiástica era uma da poucas alternativas ao seu alcance (hoje no Brasil é ainda mais fácil, pois não precisa nem mesmo estudar, basta alugar um salão e colocar uma placa – está montada uma igreja e a pessoa se autodenomina pastor, missionário, bispo, apóstolo). Embora Huss tenha se tornado uma pessoa altamente instruída, sua origem camponesa permaneceu com ele a vida toda, e seus inimigos faziam questão de realçar esse fato para o insultarem e depreciar seu trabalho e sua pregação.
Sem que houvesse planejado ele foi nomeado reitor da Universidade de Praga[11] e pregador na Capela dos Santos Infantes de Belém, ali na cidade. Eram duas das posições mais estratégicas de toda Boêmia. A cidade de Praga era um fogo reformista incontido e alimentado por pregadores notáveis, como os acima mencionados, dos quais Huss se tornou herdeiro e a qual honrou com sua própria vida. O coração nevrálgico da cidade era a Universidade de Praga, local de fermentação, à medida que novas ideias e programas para a igreja eram constantemente discutidos, bem como uma espécie de caixa de ressonância de toda sorte de críticas eclesiásticas. A própria capela a qual Huss foi nomeado havia sido construída em 1391 por um comerciante rico como centro de pregação reformista.
             Ainda que houvesse escolhido a carreira eclesiástica para fugir da pobreza, no transcorrer de seus estudos e principalmente quando iniciou suas pregações Huss experimenta uma conversão, o qual pouco se sabe. Tomado agora por uma consciência da grande responsabilidade de pregar o evangelho de Cristo, ele se coloca como instrumento de Deus para salvação de seus ouvintes.
            Os acontecimentos continuam impulsionando John Huss para seu protagonismo nas reformas que haveriam de vir não apenas na Boêmia, mas em todo Ocidente. O casamento do rei Ricardo II com a irmã do rei da Boêmia, Ana da Boêmia, abriu um importante intercambio cultural entre as duas nações. Um eminente acadêmico, Jerônimo de Praga, vai conhecer e conviver na Universidade de Oxford, onde leciona nada menos do que John Wycliffe, que esta dedicando todos seus esforços para uma reforma na igreja inglesa, defendendo até mesmo uma independência de Roma.[12] Ao retornar para seu país Jerônimo de Praga está totalmente contaminado pelos ensinamentos de Wycliffe e começa a divulgar seus escritos e princípios a partir da Universidade e por toda a cidade.
            Como vozes que clamaram no deserto por anos a fio, os antecessores boêmios de John Huss haviam preparado o coração do povo para o desejo de mudanças que precisavam acontecer na Igreja. Agora com a disseminação do material produzido pelo reformista inglês, estabelece-se uma base ainda mais solida. 
John Huss se familiariza com o pensamento de Wycliffe e, convicto de que as suas argumentações eram biblicamente verdadeiras, passou a ensiná-las na Universidade de Praga e pregá-las nos púlpitos da cidade. Enquanto as críticas centravam-se nas questões morais até mesmo partes dos clérigos romanos incentivavam, mas quando as mensagens de Huss começaram a se aproximar do centro nevrálgico do poder eclesiástico, a fúria romana se acendeu violentamente contra o portador dessas mensagens.
            Logo começaram a catalogar todos os ensinos e frases pronunciadas e escritas por Huss com o fim de leva-lo a julgamento por heresia. Huss começa a perder o apoio dos clérigos, políticos e dos que tinham autoridade, restando-lhe apenas seus alunos e o povo comum que amavam suas pregações e endossavam suas críticas à situação caótica da Igreja e da própria sociedade.
            Tem inicio o movimento para calar a boca de Huss. Seus ensinos, catalogados, foram condenados e ele ficou proibido de pregar em todas as capelas. Como continuou a pregar foi excomungado pelo arcebispo responsável pela região de Praga. O passo seguinte foi sua convocação para ser julgado em Roma (Bolonha), que ele recusou sabendo que de lá não sairia vivo, de maneira que foi excomungado pelo próprio papa. O rei Wenceslau IV declarou: Se alguém quiser acusar Huss de qualquer acusação, faça-o aqui em nosso reino. Não parece certo desistir desse pregador útil para a satisfação de seus inimigos”.[13]
Mas a pressão continua e toda a cidade de Praga é coloca sob o interdito de maneira que nenhum serviço religioso (casar, enterrar, abençoar, pregar, administrar a comunhão) podia ser realizado em qualquer ponto da cidade. Diante da penalização da população Huss decide sair da cidade e retornar à sua cidade natal na zona rural, em uma espécie de autoexílio em 15 de outubro de 1412, e por dois anos ele trabalhou nas aldeias do sul da Boêmia. Ali acercado de pessoas que o amava e o respeitava teve um mínimo de tranquilidade para poder sistematizar seus ensinos e alinhavar seus princípios e teses, pregando ininterruptamente em celeiros, campos, cidades e florestas. Em pouco tempo sua residência transforma-se em centro irradiador de seus ensinos e pregações, é a partir desta zona rural que suas ideias extrapolaram as fronteiras e se espalham como fogo na palha seca por toda a Boêmia e adjacências.
            A popularização dos ensinos de Huss não podia mais ser tolerada, pois a Igreja subdivida em três devido ao cisma papal no Ocidente, naquele momento havia três papas postulantes ao cargo maior da cristandade, de maneira que a Igreja estava dia-a-dia perdendo o controle sobre as nações que davam sustentação a um dos três papas “legítimos”.
            Um Concílio geral convocado pelo papa João XXIII (o 16º Concílio Ecumênico de Constância, 1414-1418)[14] tem na pauta resolver a questão do cisma papal e tratar das questões de heresias e Huss foi convocado para resolver suas questões com a Igreja. Com a promessa do imperador Sigismundo (1411-1437), meio irmão do Wenceslau IV, de um salvo-conduto para que ele comparecesse em Constança e que lhe garantia seu retorno independentemente do resultado de seu processo ele toma a decisão de comparecer ao Concílio. Permanecendo em sua cidade natal estaria seguro, mas entre a segurança pessoal e a possibilidade de ser uma fiel testemunha do Senhor Jesus, opta com toda convicção pela segunda. Se naquele momento para muitos era loucura a decisão de Huss, imagina hoje no meio deste evangelicalismo abrasileirado corrupto e hedonista. O que importa ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?
            Ele partiu para Constança no dia 11 de outubro (1414), chegando ao seu destino no dia 3 de novembro. Quando diante de seus acusadores que tentavam intimida-lo ele declara que estava ali por livre e espontânea vontade e de que nem um rei de perto (Wenzel) ou de longe (Sigismundo) seria capaz de força-lo a comparecer ali, pois eram grandes e poderosos os nobres boêmios que o amavam e em cujos castelos ele poderia permanecer escondido.
            Por curto período Huss pôde circular livremente pela cidade e se alojou na casa de uma viúva que ele apelidou de “viúva de Sarepta”. Estava otimista e fazendo um trocadilho com seu próprio nome escreve a um de seus amigos: “o ganso ainda não está cozido e não tem medo de ser cozido”. Mas logo falsas acusações foram forjadas nas bigornas da vaidade e da corrupção e ele foi preso sob a acusação de que tentara fugir à noite da cidade.
            Permanecesse preso por três meses em um convento dominicano em uma cela escura e úmida ao lado das latrinas, com um fedor horrível, de maneira que sua saúde debilitou precipitadamente. Dali foi transferido para um castelo em Gottelieven (24 de março de 1414). Durante o dia podia andar acorrentado, mas à noite era algemado e acorrentado a uma parede.  Após 73 dias uma vez mais foi transferido, agora para um convento franciscano, onde ocorreriam suas audiências.
Toda sorte de crueldade lhe fora imposta com o objetivo de quebra-lo e fazê-lo retrata-se. Em nenhum momento lhe foi permitido ter acesso a quaisquer livros seus ou de outrem e nem mesma a bíblia. Sofreu fome, hemorragia, dores de cabeça, vômitos e desmaios.  Diante do tribunal que o condenaria, não lhe foi permitido abrir a boca, de maneira que seu único testemunho foi o martírio. Uma última vez ele foi chamado para se retratar, mas Huss apenas repetiu seus protestos anteriores de inocência quanto a suas acusações de heresias, apelou para a promessa de um salvo-conduto o que fez Sigismundo estremecer e corar e, ajoelhando-se, orou a Deus por seus inimigos e juízes injustos.
Todo o processo, assim como o fora o de Jesus seu mestre, foi a mais pura e desavergonhada violação das normas canônicas e legais. E como o próprio Jesus, o pregador boêmio foi durante todo o julgamento humilhado, escarnecido e tratado das formas mais cruéis possíveis e finalmente foi despido totalmente de suas vestes clericais e publicamente expulso – uma clara reedição das narrativas evangélicas da paixão de Jesus Cristo. E podemos ouvir o ecoar das palavras do Mestre “E se perseguiram a mim, igualmente perseguireis a vós também” e não tenham ilusões, “pois se mataram a mim também haverão de matar vocês”.
No último julgamento, em 8 de junho de 1415, leram-lhe trinta e nove sentenças, vinte e seis das quais haviam sido extraídas de seu livro sobre a Igreja, sete de seu tratado contra Palecz e seis do tratado contra Stanislaus (dois de seus mais ferrenhos adversários). Quase todos os seus artigos podiam ser rastreados até Wycliffe. Após o julgamento em 8 de junho, várias outras tentativas foram feitas para induzi-lo a se retratar, mas ele resistiu a todos elas.
Finalmente a sua sentença foi promulgada – morte pelo fogo – destinada a todos os hereges. Falou ao seu amigo Jan de Chlum que preferia ser queimado publicamente em vez de silenciado em particular "a fim de que toda a cristandade pudesse saber o que eu disse no final".
A condenação ocorreu em 6 de julho de 1415, na presença da Assembléia solene do conselho na catedral. Após a realização de alta missa e liturgia, Huss foi levado para a igreja. Um prelado italiano pronunciou a sentença de condenação contra Huss e seus escritos. Novamente ele protestou em voz alta, dizendo que, mesmo naquela hora, ele não desejava nada além de ser convencido pela Sagrada Escritura. Ele caiu de joelhos e pediu a Deus em voz baixa que perdoasse todos os seus inimigos.  Mas os “santos clérigos” acovardados pela possível reação popular, entregou para as autoridades civis da cidade o papel de carrasco. Huss foi coroado com uma mitra de papel sobre a qual estava o desenho de três demônios e a inscrição: tu és um Heresiarca. Assim, Huss foi levado para a fogueira sob uma forte guarda de homens armados. Acompanhado por uma multidão, Huss foi empurrado pelas ruas de Constança até o local da morte e ali ele se ajoelhou, estendeu as mãos e orou em voz alta.
Os carrascos despiram-no e amarraram-lhes as mãos atrás das costas com cordas, e o pescoço, com uma corrente, numa estaca em torno da qual havia empilhado madeira e palha, que o cobriam até o pescoço. Uma última vez lhe foi dado oportunidade de retratar-se, mas Huss declarou: “Deus é minha testemunha de que a principal intenção de minha pregação e de todos os meus outros atos ou escritos era unicamente para que eu pudesse afastar os homens do pecado. E nessa verdade do Evangelho que escrevi, ensinei e preguei de acordo com as declarações e exposições dos santos doutores, eu estou disposto a morrer de bom grado hoje”. Para acender o fogo foi utilizado alguns manuscritos de John Wycliffe, que também havia sido condenado como herege. Em meio ao fogo e fumaça a multidão pode ouvi-lo cantar por três vezes “Jesus, filho do Deus vivo, tem piedade de mim”. Suas derradeiras palavras foram uma profecia: “Em cem anos, Deus levantará um homem cujos pedidos de reforma não poderão ser suprimidos”. O ganso finalmente estava cozido.  Suas cinzas foram reunidas e lançadas no rio Reno, nas proximidades.
E a história é testemunha de que por fim, vence a verdade, e aproximadamente quase cem anos depois (1517), um jovem monge alemão, de forma singela e até certo ponto despretensiosa afixa nos portais da Igreja de Wittenberg (Alemanha), suas 95 teses contra os desvios e erros produzidos pela Igreja Romana e a partir desta ação simbólica um movimento se desenvolve de tal maneira que abalaram os alicerces da até então toda poderosa igreja medieval – Martinho Lutero era o nome desse jovem professor de bíblia e monge agostiniano. A profecia de John Huss se tornou realidade!
Mas tais atrocidades e escarnio de todos os princípios cristãos e legais não ficaram sem uma resposta contundente do povo da Boêmia. E se por algum momento a Igreja Romana achou que a questão se resolveria com a morte de Huss, o tiro saiu pela culatra. Os boêmios se uniram de tal maneira contra a Igreja Romana, que nem mesmo quatro guerras (cruzadas) puderam demovê-los de suas reinvindicações. Contra um exército de mais de 200.000 homens, 20.000 hussitas lutaram e saíram vitoriosos. Mas o papa cada vez mais debilitado politicamente acaba desistindo de quebrar o zelo dos boêmios.
É o próprio Martinho Lutero, bem como os demais reformadores do século XVI, que dará testemunho sobre a importância dos reformadores boêmios – somos todos hussitas (alunos de John Huss), somos todos boêmios.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Reflexão Bíblica

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LE GOFF, Jacques. O Nascimento do Purgatório. São Paulo: Estampa 1995.
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LINDBERG, Carter. As Reformas na Europa. São Leopoldo: Sinodal, 2001.
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[1] O Império, naquela época medieval, não era um Estado material, mas correspondia sim à ideia de um Império formado por uma confederação de Estados. O imperador era o senhor de um dos Estados que o compunham, sendo eleito pelos seus pares. O Reino da Boêmia era um dos eleitores do imperador.
[2] Além de ser eletivo, o cargo de imperador não implicava necessariamente muito poder, sendo relativo à força do próprio imperador eleito. Os Estados do Império agiam, de fato, como reinos independentes. Na maior parte do tempo, os príncipes alemães criavam intrigas e disputas em tomo do título de imperador e de seu reconhecimento pelo Papa. Eleições eram impugnadas, compradas, anuladas.
[3] Os conflitos e as disputas entre esses dois grupos étnicos foram uma constante em toda a história, tendo-se concentrado principalmente em Praga.
[4] Praga, capital da Boêmia, às margens do rio Vltava, pouco acima de sua confluência com o Elba, nascera do interesse dos mercadores pela sua localização. Carlos IV, rei da Boêmia e imperador do Sacro Império Romano Germano no século XIII, tem sua memória particularmente reverenciada em Praga. Quando eleito, fez de Praga sua capital. Deste período datam a nova ponte, a universidade, o castelo real e, sobretudo as igrejas.
[5] Wycliffe foi contemporâneo dos embates teológicos e filosóficos nominalistas, que influenciariam grandemente o pensamento moderno, inclusive o teológico/reformista.
[6] Há duas linhas interpretativas do papel desempenhado por Wycliffe no pensamento dos reformadores da Boêmia. Alguns defendem uma total dependência do pensamento wycliffiano e outros entendem que os reformistas boêmios tiveram suas autenticidades e preposições próprias. Essa discussão pode ser vista de forma interessante no artigo de Vilém Herold (How Wyclifite Was the Bohemian Reformation?).
[7] Um Arcediago ou Arquidiácono é um vigário-geral encarregado, pelo bispo, da administração de uma parte da diocese. Na hierarquia da Igreja, o arcediago está acima dos clérigos e abaixo do bispo. O termo é geralmente referido a um dignitário de um cabido. http://pt.wikipedia.org/wiki/Arquidiácono
[8] Assumiu o estilo de pobre de Waldo um pregador do arrependimento, cujos discípulos haviam procurado refúgio na Boêmia e marcaram presença no sul da Boêmia, até que foram implacavelmente perseguidos em 1335 pelo inquisidor Gallus.
[9] O nome Huss significa "ganso", e que ele com seu senso de humor costumava usar para se referir a si mesmo. Em uma de suas cartas enquanto preso em Constance, ele escreveu a seus amigos na Boêmia que esperava que o ganso fosse libertado da prisão e que, "se você ama o ganso", tente assegurar a ajuda do rei para libertá-lo da prisão.
[10] Huss escreveu uma gramática tcheca e depois revisou a Bíblia de acordo com essa nova gramática.
[11] A Universidade de Praga, fundada por Carlos IV, foi a primeira universidade de língua alemã e que durante o grande cisma da igreja passou a receber os estudantes que fugiam da França. A dicotomia irreconciliável entre alemães e tchecos se acentua dentro da instituição universitária.
[12] Paralelamente e até mesmo, como nesse caso particular de Wycliffe, de forma amalgamada há um desejo de reforma da igreja cristã e de valorização da nacionalidade própria, no caso aqui a Inglaterra.
[13] Esse apoio do rei era artificial e politicamente conveniente e só duraria na medida em que Huss permanecesse politicamente útil.
[14] Foi o mais numeroso conselho já realizado. Mais de 18.000 sacerdotes e um grande número de príncipes, condes e cavaleiros, com imensos seguidores; ao todos cerca de 100.000 estranhos, incluindo milhares de prostitutas de todos os países e hordas de comerciantes, artesãos, showmen e jogadores de todo tipo.

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