Sua
obra magna é As Institutas da Religião Cristã, a qual muitos que se
identificam como "calvinistas" sequer leram um dos quatro volumes que
compõem a obra. A biblioteca calviniana é vastíssima, composta por obras
teológicas, comentários bíblicos que abrangem quase todos os livros da Bíblia,
tratados sobre os mais diversos temas e suas primorosas correspondências, que
ultrapassam a marca de mil cartas. Muitas dessas correspondências revelam-se,
inclusive, verdadeiros tratados teológicos e acadêmicos sobre as mais variadas
questões.
Os
trechos apresentados nesta série serão retirados desta importante e sempre
atual obra teológica de João Calvino. Por conta do espaço limitado, iremos
explorar o conteúdo gradualmente, em partes menores, permitindo que os leitores
compreendam melhor suas ideias e, quem sabe, sintam-se motivados a explorar a obra
em sua íntegra.
Hoje,
há uma variedade de traduções disponíveis em português, distribuídas por
diferentes editoras, facilitando o acesso a essa obra monumental. A leitura
desta obra é uma ferramenta inestimável para introduzir o leitor à tarefa de
pensar bíblico-teologicamente sobre os princípios fundamentais de uma fé
saudável e edificante.
O
desafio que Calvino enfrentou, e com sucesso, foi formular a doutrina cristã de
uma maneira que preservasse a fidelidade às suas origens, garantindo relevância
para seu contexto histórico — algo que se mantém até os dias atuais.
Calvino
produziu ao menos cinco edições de sua obra, nas quais revisa e amplia o
conteúdo. As edições em latim[1] são datadas de: 1536,
1539, 1543, 1550 e 1559. Esta última, realizada poucos anos antes de seu
falecimento, é considerada o Opus Magnum do reformador genebrino.
A
Carta dedicatória de João Calvino ao rei Francisco I[2] (1494–1547) da França, é
uma leitura indispensável. Nela, Calvino explica os motivos que o levaram a
escrever As Institutas e defende os protestantes, chamados na França de
huguenotes, das acusações injustas feitas pelos opositores, como os romanistas.
Nesse texto, ele apresenta uma defesa detalhada e expõe suas ideias teológicas
e razões.
Como mencionado no artigo, vou reunir pequenos trechos sequenciais para que, a cada publicação, você possa ler e entender as explicações de Calvino de maneira mais acessível. Essa iniciativa pode incentivar os leitores a conhecerem melhor suas argumentações e ensinamentos.
[1]
O latim era a língua universal da academia e da teologia na Europa durante o
século XVI, permitindo que sua obra alcançasse um público mais amplo, incluindo
estudiosos, líderes religiosos e políticos de diferentes países. Ele também as
traduziu para o francês, sua língua nativa, por duas razões: dar suporte aos
huguenotes franceses e alcançar um público maior, especialmente entre os
cristãos que não tinham acesso ao latim, a língua acadêmica daquela época
[equivalente ao inglês hoje].
[2]
Nos tempos de Calvino, Francisco I enfrentava tensões religiosas crescentes
devido à disseminação do protestantismo na França. Embora inicialmente, por
questões políticas, tenha mostrado certa tolerância, ele acabou adotando uma
postura mais repressiva contra os huguenotes (protestantes franceses),
especialmente após o chamado "Caso dos Cartazes" (1534), criticando a
missa católica.
LIVRO 1
– (18 capítulos) O
CONHECIMENTO DE DEUS E O CONHECIMENTO DE NÓS MESMOS SÃO COISAS CORRELATAS E
SE INTER-RELACIONAM |
1. O
Conhecimento de nós mesmos nos conduz ao conhecimento de Deus |
Quase
toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar como verdadeiro e
sólido conhecimento, consta de duas partes: o conhecimento de Deus e o
conhecimento de nós mesmos. Como, porém, se entrelaçam com muitos elos, não é
fácil, entretanto, discernir qual deles precede ao outro, e ao outro origina.
Em primeiro lugar, visto que ninguém pode
sequer mirar a si próprio sem imediatamente volver o pensamento à contemplação
de Deus, em quem vive e se move [At 17.28], por isso longe está de obscuro o
fato de que os dotes com que somos prodigamente investidos de modo algum provêm
de nós mesmos. Mais ainda, nem é nossa própria existência, na verdade, outra
coisa senão subsistência no Deus único.
Em segundo lugar, por estas mercês que do céu,
gota a gota, sobre nós se destilam, somos conduzidos à fonte como por
pequeninos regatos. Aliás, já de nossa própria carência melhor se evidencia
aquela infinidade de recursos que residem em Deus. Particularmente, esta
desventurada ruína em que nos lançou a defecção do primeiro homem nos compele a
alçar os olhos para o alto, não apenas para que, jejunos e famintos, daí
roguemos o que nos falte, mas ainda para que, despertados pelo temor,
aprendamos a humildade.
Ora,
como no homem se depara um como que mundo de todas as misérias, e
desde que fomos despojados de nosso divino
adereço, vergonhosa nudez põe a descoberto imensa massa de torpezas, do senso
da própria infelicidade deve necessariamente cada um ser espicaçado para que
chegue pelo menos a algum conhecimento de Deus.
E assim na consciência de nossa ignorância,
fatuidade, penúria, fraqueza, enfim, de nossa própria depravação e corrupção,
reconhecemos que em nenhuma outra parte, senão no Senhor, se situam a
verdadeira luz da sabedoria, a sólida virtude, a plena abundância de tudo que é
bom, a pureza da justiça, e daí somos por nossos próprios males instigados à
consideração das excelências de Deus. Nem podemos aspirar a ele com seriedade
antes que tenhamos começado a descontentar-nos de nós mesmos. Pois quem dos
homens há que em si prazerosamente não descanse, quem na verdade assim não
descanse, por quanto tempo é a si mesmo desconhecido, isto é, por quanto tempo
está contente com seus dotes e ignorante ou esquecido de sua miséria?
Consequentemente,
pelo conhecimento de si mesmo cada um é não apenas aguilhoado a buscar a Deus,
mas até como que conduzido pela mão a achá-lo.
João Calvino
Institutas da Religião Cristã
1559
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Referências
Bibliográficas
CALVINO,
João. As Institutas da Religião Cristã, edição clássica, em quatro
volumes, tradução de Waldyr Carvalho Luz, com base na edição de 1559 em latim.
São Paulo: Editora Cultura Cristã, Primeira Edição, 1984.
___________. As
Institutas ou Instituição da Religião Cristã (da edição original
francesa de 1541). Tradução e leitura de provas Odayr Olivetti; revisão e notas
de estudo e pesquisa Herminsen Maia Pereira da Costa. 1ª edição. São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 2002.
___________. As
Institutas ou Instituição da Religião Cristã, em dois volumes, tradução de
Carlos Eduardo de Oliveira [vol 1], Omayr J. de Moraes Jr. e Elaine C.
Sartorelli [vol 2], com base na edição de 1559 em latim. São Paulo: Editora da
UNESP, 2008 [vol 1] e 2009 [vol 2].
CALVINO,
João. O Livro dos Salmos. Tradução Valter Graciano Martins.
São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1.
D'AUBIGNÉ,
J. H. Merle. The Reformation in Europe in the time of Calvin. Vol.
VIII. Translated William L. R. Cates. New York: Robert Carter and Brothers,
1879.
FERREIRA,
Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas,
SP: Edição de Luz Para o Caminho, 1985.
HALL,
David W. e LILLBACK, Peter A. (Eds.). A Theological Guide to Calvin's
Institutes – essays and analysis. Phillipsburg, New Jersey, P & R
Publishing, 2008. [PACKER, J. I, Prefácio, p. xiii].
WILEMAN,
Willian. John Calvin: his life, his teaching, and his influence. London:
Robert Banks and Son.
CALVINO, João. Tratado da Religião Cristã - Vol. 1 - Baixar PDF
[1]
Os textos citados nesta série serão extraídos da tradução do querido Dr. Waldyr
Carvalho Luz (1984), um dos pioneiros para a língua portuguesa. Tomo a
liberdade de utilizar uma linguagem mais acessível, visto que o Dr. Waldir fez
sua tradução visando a conclusão de seu curso de doutorado, de maneira que ele
utiliza o português clássico formal e não o popular. O Dr. Waldyr Carvalho Luz
traduziu as Institutas diretamente da versão em latim de 1559,
que é a edição definitiva da obra de Calvino. Essa pioneira tradução ajudou a
solidificar os fundamentos da teologia reformada calvinista no Brasil, bem como
inspirou outros tradutores e estudiosos a se dedicarem à tradução de obras
clássicas reformadas.
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