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segunda-feira, 7 de abril de 2025

CALVINO em Cinco Minutos - O Que Devemos Conhecer de Deus


João Calvino figura, indiscutivelmente, entre os nomes mais mencionados e comentados da Reforma Protestante. Paradoxalmente, contudo, ele permanece amplamente desconhecido, pois é raro encontrar entre seus "fãs" quem tenha lido, ao menos, uma de suas obras.

Sua obra magna é As Institutas da Religião Cristã, a qual muitos que se identificam como "calvinistas" sequer leram um dos quatro volumes que compõem a obra. A biblioteca calviniana é vastíssima, composta por obras teológicas, comentários bíblicos que abrangem quase todos os livros da Bíblia, tratados sobre os mais diversos temas e suas primorosas correspondências, que ultrapassam a marca de mil cartas. Muitas dessas correspondências revelam-se, inclusive, verdadeiros tratados teológicos e acadêmicos sobre as mais variadas questões.

Os trechos apresentados nesta série serão retirados desta importante e sempre atual obra teológica de João Calvino. Por conta do espaço limitado, iremos explorar o conteúdo gradualmente, em partes menores, permitindo que os leitores compreendam melhor suas ideias e, quem sabe, sintam-se motivados a explorar a obra em sua íntegra.

Hoje, há uma variedade de traduções disponíveis em português, distribuídas por diferentes editoras, facilitando o acesso a essa obra monumental. A leitura desta obra é uma ferramenta inestimável para introduzir o leitor à tarefa de pensar bíblico-teologicamente sobre os princípios fundamentais de uma fé saudável e edificante.

O desafio que Calvino enfrentou, e com sucesso, foi formular a doutrina cristã de uma maneira que preservasse a fidelidade às suas origens, garantindo relevância para seu contexto histórico — algo que se mantém até os dias atuais.

Calvino produziu ao menos cinco edições de sua obra, nas quais revisa e amplia o conteúdo. As edições em latim[1] são datadas de: 1536, 1539, 1543, 1550 e 1559. Esta última, realizada poucos anos antes de seu falecimento, é considerada o Opus Magnum do reformador genebrino.

A Carta dedicatória de João Calvino ao rei Francisco I[2] (1494–1547) da França, é uma leitura indispensável. Nela, Calvino explica os motivos que o levaram a escrever As Institutas e defende os protestantes, chamados na França de huguenotes, das acusações injustas feitas pelos opositores, como os romanistas. Nesse texto, ele apresenta uma defesa detalhada e expõe suas ideias teológicas e razões.

Como mencionado no artigo, vou reunir pequenos trechos sequenciais para que, a cada publicação, você possa ler e entender as explicações de Calvino de maneira mais acessível. Essa iniciativa pode incentivar os leitores a conhecerem melhor suas argumentações e ensinamentos.


[1] O latim era a língua universal da academia e da teologia na Europa durante o século XVI, permitindo que sua obra alcançasse um público mais amplo, incluindo estudiosos, líderes religiosos e políticos de diferentes países. Ele também as traduziu para o francês, sua língua nativa, por duas razões: dar suporte aos huguenotes franceses e alcançar um público maior, especialmente entre os cristãos que não tinham acesso ao latim, a língua acadêmica daquela época [equivalente ao inglês hoje].

[2] Nos tempos de Calvino, Francisco I enfrentava tensões religiosas crescentes devido à disseminação do protestantismo na França. Embora inicialmente, por questões políticas, tenha mostrado certa tolerância, ele acabou adotando uma postura mais repressiva contra os huguenotes (protestantes franceses), especialmente após o chamado "Caso dos Cartazes" (1534), criticando a missa católica.

LIVRO 1 – (18 capítulos)

O CONHECIMENTO DE DEUS E O CONHECIMENTO DE NÓS MESMOS SÃO COISAS CORRELATAS E SE INTER-RELACIONAM

1. O Conhecimento de nós mesmos nos conduz ao conhecimento de Deus

 

Quase toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar como verdadeiro e sólido conhecimento, consta de duas partes: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos. Como, porém, se entrelaçam com muitos elos, não é fácil, entretanto, discernir qual deles precede ao outro, e ao outro origina.

 Em primeiro lugar, visto que ninguém pode sequer mirar a si próprio sem imediatamente volver o pensamento à contemplação de Deus, em quem vive e se move [At 17.28], por isso longe está de obscuro o fato de que os dotes com que somos prodigamente investidos de modo algum provêm de nós mesmos. Mais ainda, nem é nossa própria existência, na verdade, outra coisa senão subsistência no Deus único.

 Em segundo lugar, por estas mercês que do céu, gota a gota, sobre nós se destilam, somos conduzidos à fonte como por pequeninos regatos. Aliás, já de nossa própria carência melhor se evidencia aquela infinidade de recursos que residem em Deus. Particularmente, esta desventurada ruína em que nos lançou a defecção do primeiro homem nos compele a alçar os olhos para o alto, não apenas para que, jejunos e famintos, daí roguemos o que nos falte, mas ainda para que, despertados pelo temor, aprendamos a humildade.

Ora, como no homem se depara um como que mundo de todas as misérias, e

 desde que fomos despojados de nosso divino adereço, vergonhosa nudez põe a descoberto imensa massa de torpezas, do senso da própria infelicidade deve necessariamente cada um ser espicaçado para que chegue pelo menos a algum conhecimento de Deus.

 E assim na consciência de nossa ignorância, fatuidade, penúria, fraqueza, enfim, de nossa própria depravação e corrupção, reconhecemos que em nenhuma outra parte, senão no Senhor, se situam a verdadeira luz da sabedoria, a sólida virtude, a plena abundância de tudo que é bom, a pureza da justiça, e daí somos por nossos próprios males instigados à consideração das excelências de Deus. Nem podemos aspirar a ele com seriedade antes que tenhamos começado a descontentar-nos de nós mesmos. Pois quem dos homens há que em si prazerosamente não descanse, quem na verdade assim não descanse, por quanto tempo é a si mesmo desconhecido, isto é, por quanto tempo está contente com seus dotes e ignorante ou esquecido de sua miséria?

Consequentemente, pelo conhecimento de si mesmo cada um é não apenas aguilhoado a buscar a Deus, mas até como que conduzido pela mão a achá-lo.

 

João Calvino

Institutas da Religião Cristã

1559

 

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Referências Bibliográficas

CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã, edição clássica, em quatro volumes, tradução de Waldyr Carvalho Luz, com base na edição de 1559 em latim. São Paulo: Editora Cultura Cristã, Primeira Edição, 1984.

___________. As Institutas ou Instituição da Religião Cristã (da edição original francesa de 1541). Tradução e leitura de provas Odayr Olivetti; revisão e notas de estudo e pesquisa Herminsen Maia Pereira da Costa. 1ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.

___________. As Institutas ou Instituição da Religião Cristã, em dois volumes, tradução de Carlos Eduardo de Oliveira [vol 1], Omayr J. de Moraes Jr. e Elaine C. Sartorelli [vol 2], com base na edição de 1559 em latim. São Paulo: Editora da UNESP, 2008 [vol 1] e 2009 [vol 2].

CALVINO, João. O Livro dos Salmos. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1.

D'AUBIGNÉ, J. H. Merle. The Reformation in Europe in the time of Calvin. Vol. VIII. Translated William L. R. Cates. New York: Robert Carter and Brothers, 1879.

FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas, SP: Edição de Luz Para o Caminho, 1985.

HALL, David W. e LILLBACK, Peter A. (Eds.). A Theological Guide to Calvin's Institutes – essays and analysis. Phillipsburg, New Jersey, P & R Publishing, 2008. [PACKER, J. I, Prefácio, p. xiii].

WILEMAN, Willian. John Calvin: his life, his teaching, and his influence. London: Robert Banks and Son. 

CALVINO, João. Tratado da Religião Cristã - Vol. 1 - Baixar PDF



[1] Os textos citados nesta série serão extraídos da tradução do querido Dr. Waldyr Carvalho Luz (1984), um dos pioneiros para a língua portuguesa. Tomo a liberdade de utilizar uma linguagem mais acessível, visto que o Dr. Waldir fez sua tradução visando a conclusão de seu curso de doutorado, de maneira que ele utiliza o português clássico formal e não o popular. O Dr. Waldyr Carvalho Luz traduziu as Institutas diretamente da versão em latim de 1559, que é a edição definitiva da obra de Calvino. Essa pioneira tradução ajudou a solidificar os fundamentos da teologia reformada calvinista no Brasil, bem como inspirou outros tradutores e estudiosos a se dedicarem à tradução de obras clássicas reformadas.

 


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